Interesses opostos movem retomada de Conselho de Comunicação

Esvaziado desde dezembro de 2006, quando realizou sua última reunião, o Conselho de Comunicação Social (CCS) tem sido lembrado ultimamente por conta da grande quantidade de pautas que se acumulam sobre o setor das comunicações no Congresso Nacional e que não foram apreciadas pelo órgão. Convergência tecnológica, TV pública, digitalização da radiodifusão, renovação de concessões de rádio e TV, por exemplo, estão entre os temas que deveriam ter sido objeto de análise do CCS.

A questão ganhou novos contornos na última semana com o comprometimento do presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), de instalar o órgão o mais rápido possível. O anúncio do senador foi uma reação a um pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que em outros tempos negou, boicotou ou aparelhou o conselho. “Reforçamos que o Conselho de Comunicação é um forte instrumento dentro do Senado para discutir as questões que envolvem o setor”, afirmou Daniel Pimentel Slaviero, presidente da Abert. Já a justificativa do senador Garibaldi para a retomada do CCS, por sua vez, não poderia ser pior: “A imprensa tem sido muito generosa comigo, chegou a hora de agradecer”.

Por trás do pleito das emissoras de rádio e TV está o receio em relação às mudanças decorrentes do avanço das empresas de telecomunicações em um mercado dominado há décadas pelo mesmo oligopólio de radiodifusores. Estes novos agentes possuem um fôlego de R$ 120 bilhões por ano de faturamento, largamente superior ao das emissoras de rádio e televisão e, em tempos de convergência tecnológica, têm provocado grande apreensão nos barões da mídia tradicional. No meio desta disputa, o CCS pode se tornar um espaço importante para amplificar as posições dos radiodifusores.

A defesa da reativação do Conselho, no entanto, não é exclusiva dos empresários. Parlamentares e entidades da sociedade civil se manifestaram recentemente a favor da retomada deste espaço. A preocupação não é só com a próxima gestão, mas com sua composição e funcionamento. A deputada Luiza Erundina (PSB), por exemplo, convocou uma audiência pública para discutir o assunto. O evento, que deveria ter acontecido na última quinta-feira (8), é esperado para o próximo dia 14 e pode, a depender da mobilização social, marcar um novo momento no debate sobre o controle público das políticas de comunicação.

A preocupação destes setores não empresariais é colocar em discussão a necessidade de retomar a idéia de que o CCS se aproximasse gradativamente de um modelo inspirado na Federal Communications Comission norte-americana. Após um início em que se constituiu como espaço de debate sobre o tema apesar de suas limitações estruturais (como o fato de não ser deliberativo), o Conselho foi sendo progressivamente capturado pelos interesses comerciais representados no Congresso Nacional.

Ricardo Moretzsohn, ex-conselheiro pelo Conselho Federal de Psicologia entre 2002 e 2004, lembra que o desempenho do CCS em sua primeira gestão foi razoável, mas mostrou a insuficiência da natureza do órgão. “Havia uma disposição de negociar e a correlação de forças era equilibrada. Focamos principalmente a concentração da propriedade dos meios, regionalização e já desde 2002 a digitalização”.

Já a segunda gestão marcou o retrocesso na instância. “A primeira gestão foi tão positiva que assustou os radiodifusores. Eles manipularam a indicação seguinte com uma canetada do Sarney [presidente do Senado à época]. Na gestão seguinte, cerca de 12 representavam a radiodifusão, com exceção da OAB e da CNBB”, conta Berenice Mendes, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Berenice, que esteve no órgão por duas gestões, critica ainda a indicação do escritor Arnaldo Niskier para a presidência da CCS. “Niskier tem seus méritos, mas é de outra área, não tinha legitimidade. A segunda gestão foi absolutamente medíocre”, conclui.

A segunda gestão do conselho era tão viciada que chegou a aprovar, por sugestão de Niskier, ainda mais restrições estatutárias para sua atuação, como a exigência de consensos. A deputada Luiza Erundina não acredita que o modelo adotado seja muito relevante. Para a parlamentar paulista, “o conselho tem pouca eficácia. Queríamos um conselho, mas, lamentavelmente, só depois de muito tempo é que o CCS veio a ser instituído. Depende da presidência do Senado, e mesmo a Câmara não demonstra interesse”.

Futuro

Erundina aposta que a audiência pública marcada para esta quarta-feira possa ser um marco para o CCS. Sua preocupação, no entanto, é garantir que ela ocorra antes que o presidente do Senado eleja o novo conselho, pois aí uma alteração em seu caráter seria pouco provável. “Propusemos a audiência porque queremos rever tudo isso. É oportuno e necessário”. Para isso, acredita, a mobilização da sociedade civil é fundamental diante do ambiente hostil de um Congresso povoado por parlamentares conservadores defendendo interesses privados.

“Teríamos que rediscutir o caráter desse conselho. Ele não pode ser meramente auxiliar, tem que ter autonomia. Temos que pensar outro modelo onde a própria sociedade pudesse indicar seus representantes”, afirma Ricardo Moretzsohn. “Sem a efetiva participação social nesse processo, a comunicação continua sendo alvo de interesses escusos, já que o Congresso se tornou apensas um ‘carimbador’ de tudo o que vem do Executivo”, defende Bráulio Ribeiro, coordenador do Intervozes.

Sobre o repentino empenho dos radiodifusores em se retomar o Conselho, Berenice Mendes acredita na tese de que o receio das teles pode lhes exigir a aceitação do CCS como um espaço a ser loteado para assegurar seus interesses. Erundina avalia que as recentes movimentações em torno das pautas da comunicação e estas novas investidas sobre o modelo do Conselho tem preocupado os empresários. “O interesse da Abert existe porque voltamos a mexer nesse assunto, e na própria forma de indicação de seus membros, que deve ser mais transparente e democrática”, afirma a parlamentar.

Histórico

“Esse campo da comunicação no Brasil é onde o filho chora e a mãe não vê. Nada pior do que um filho chorar, quando a mãe não vê. Falta uma mãe”. Essa era a defesa do então deputado constituinte Artur da Távola para a necessidade de implementação de um mecanismo de controle público para a radiodifusão brasileira, e foi com essa perspectiva que o Conselho de Comunicação Social foi pensado à época da Constituinte. Acreditava-se que o CCS seria o meio mais eficaz de se garantir a defesa do interesse público num setor quase completamente dominado pela iniciativa privada. À velha cantilena de que se tentava impor novamente a “censura” se opunha o argumento de que, por ser a comunicação um bem público, deveria, portanto, estar sob responsabilidade da sociedade.

O fato é que a idéia original do CCS foi completamente deturpada nas idas e vindas no Congresso Nacional. De um conselho deliberativo e autônomo, que se esperava nos moldes do Federal Communications Comission (FCC) norte-americano, o CCS saiu como fruto de uma proposta que ninguém assumiu: um conselho auxiliar e meramente consultivo do Congresso Nacional. Diferentemente do FCC, imperou na legislação brasileira sobre o setor o laissez-faire, a completa falta de regulação e a verdadeira liberdade de empresa ao invés do direito à comunicação e à informação do cidadão.

“O Conselho de Comunicação Social seria o órgão onde todas as decisões relativas à comunicação que passassem pelo Congresso seriam tomadas. Mas o lobby dos radiodifusores transformou o Conselho em órgão meramente consultivo, deturpando a intenção original que era a de um efetivo controle público sobre a comunicação social”, diz Bráulio Ribeiro, do Intervozes.

Nem o exemplo dos países desenvolvidos parece comover o empresariado e os legisladores nativos. Inglaterra, Suécia, Holanda, Austrália, França, Alemanha e o já citado EUA dispõem de órgãos públicos responsáveis por regulamentar a comunicação social de seus países. “Ninguém considera o FCC americano um órgão de censura”, afirma Berenice Mendes.

Regulamentação

O processo para que o CCS deixasse de ser letra morta na Constituição e passasse a existir na prática levou ainda mais alguns anos. Apenas em 1991, pressionados depois de uma queda sensível na qualidade das programações, houve a iniciativa de regulamentação do conselho, a partir de proposta do deputado Antonio Britto e sancionada pelo presidente Fernando Collor no mesmo ano.

O formato final do Conselho de Comunicação Social foi proposto a partir de uma reunião entre o FNDC e o empresariado, onde se acordou que a composição do conselho teria treze membros, equilibrada entre as entidades profissionais e do empresariado, além da representação da sociedade civil organizada. Portanto, empresas e sindicatos dividiriam igualmente oito vagas, restando cinco para a sociedade civil.

Ricardo Moretzsohn, do Conselho Federal de Psicologia, acredita que o advento do conselho foi positivo, mesmo não assumindo caráter deliberativo. “Minha expectativa era a de que existisse uma arena da discussão, onde a sociedade estivesse na mesa com os radiodifusores, e que, a partir disso, ganhasse força política e importância”, assume o psicólogo. O fato é que, mesmo regulamentado, seu atrelamento ao Poder Legislativo e, mais ainda, ao presidente do Congresso, prorrogou sua instalação efetiva por mais de uma década.

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