O consumidor e a alteração do plano de metas de universalização de telefonia

No último dia 7, foi aprovado o Decreto 6424/2008, que altera o Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado. Segundo o governo federal, a iniciativa tem o objetivo de levar internet banda larga às escolas, trocando-se as obrigações iniciais de universalização das concessionárias de telefonia fixa (instalação de Postos de Serviços de Telecomunicações que devem contar com uma estrutura que compreende orelhões, fax e computadores com acesso à internet por linha discada) pela instalação de parte da estrutura para provimento de banda larga (backhauls).

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) entende ser louvável a iniciativa de universalizar o acesso à internet por meio de banda larga, visto ser hoje esse meio de comunicação essencial na vida dos cidadãos e consumidores brasileiros. A inclusão digital é indiscutivelmente pertinente; sem ela, a cidadania não é plena.

Entretanto, os meios pelos quais o Poder Público, com o forte e poderoso lobby das concessionárias, pretende alcançar esse fim não são adequados e, não só, podem trazer sérios problemas e provocar graves danos à vida do consumidor.

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), pode-se exigir cumprimento de metas de universalização somente nos casos de serviços prestados em regime público. No Brasil, o único serviço assim classificado é o de telefonia fixa (STFC). Como a banda larga é prestada em regime privado, poderá haver, no futuro, questionamentos por parte das concessionárias quanto à obrigatoriedade do cumprimento do novo plano de metas de universalização.

Mesmo que não haja questionamentos quanto à exigibilidade das novas metas – até porque, por enquanto, as mudanças atendem a demanda das próprias concessionárias – outros pontos precisam ser considerados.

Primeiramente, as concessionárias e a Anatel sempre justificaram o pagamento da assinatura básica pelos consumidores como forma de prover recursos para que os custos da universalização da telefonia fixa fossem cobertos. Ora, é sabido que a população de menor renda não tem como comprometer quase R$ 40 de seus ganhos com a assinatura, recorrendo, em muitas vezes, ao uso do celular pré-pago para receber ligações, mas não podendo efetuá-las em razão do altíssimo custo do minuto. Isso nos faz questionar se a universalização do acesso à telefonia foi de fato atingida.

A resposta a essa questão é negativa, o que nos leva a um segundo ponto: é legítimo conceder às concessionárias a opção de substituir um serviço por outro, i) quando o serviço previsto anteriormente deveria ter sido universalizado e não foi; ii) alterando o objeto de um contrato de concessão, decorrente de um edital público e um processo licitatório transparente, já em vigor?

Com essa alteração das metas de universalização, as concessionárias poderão investir os valores antes destinados aos gastos com os postos de serviços na instalação da estrutura para a banda larga. A conseqüência será ter garantido o financiamento dessa estrutura, possibilitando a venda do serviço aos moradores locais, além das escolas, dificultando o surgimento de alguma concorrência efetiva.

Isso nos leva a uma das maiores preocupações das entidades de defesa do consumidor: a baixíssima concorrência e a alta probabilidade de concentração de mercado.

Tal situação gerará, indubitavelmente, a dominância do mercado de internet banda larga pelas mesmas empresas que hoje já dominam a telefonia fixa. Ressalte-se que a utilização da tecnologia de voz por protocolo de internet (VoIP) hoje é uma alternativa à telefonia fixa convencional (STFC). Do ponto de vista concorrencial, de nada adiantará o consumidor trocar o STFC por VoIP se, ao final das contas, ambos os serviços serão providos pela mesma empresa.

Ademais, com a possibilidade de escolha por parte das concessionárias com relação a qual serviço prover, poderemos nos deparar com a seguinte situação: em uma região, na qual opera uma concessionária, serão cumpridas as metas de universalização de banda larga, e, em outra, as metas de universalização de postos de serviços (PSTs), o que não faz nenhum sentido lógico, porque o que é universal deve existir em todo o território brasileiro.

Terminemos com o fato de que a instalação de backhauls não garante que a banda larga chegará nas escolas, pois faltará a instalação da última milha, responsável por ligar o computador da escola à rede mundial de computadores. Corre-se o risco das escolas permanecerem sem internet banda larga – mas estará garantida a infra-estrutura para que a concessionária, dominando o mercado, venda esse serviço no seu entorno.

São muitos os pontos preocupantes no decreto, e aqui procuramos trazer alguns que afetam diretamente a vida dos consumidores. O Idec entende ser imperioso, nesse sentido, que essa norma seja revista, observando todos os preceitos legais, como os princípios da administração pública e a Lei Geral de Telecomunicações, com o fim último de garantir a maior concorrência no mercado, o acesso aos serviços, e o respeito aos direitos dos consumidores.

*Estela Guerrini é advogada do Idec

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *