A fusão de concessionárias brasileiras pode estimular a competição

O modelo brasileiro de reforma das telecomunicações (MBRT) foi reconhecidamente um dos mais bem desenhados do mundo, reunindo elementos das principais experiências internacionais. Os indicadores de sucesso do MBTR são contundentes, incluindo a quase duplicação da teledensidade, que passou de 10,6 em 1997 para 20,6 em 2007. 

Um dos aspectos proeminentes do MBTR foi a reestruturação da Telebrás, prévia à privatização. A holding estatal brasileira foi desmembrada em quatro operadoras de telefonia fixa, uma de longa distância atuando em todo o país, a Embratel, e três regionais, atualmente Oi, BrT e Telefônica, além das oito operadoras móveis. Definiu-se um período de transição entre 1998 e 2002/2004, no qual as três operadoras regionais poderiam realizar chamadas de longa distância dentro, mas não fora, de suas respectivas áreas de concessão. Após o período de transição, as operadoras regionais seriam liberadas de tais restrições. Uma restrição ainda não removida, no entanto, foi a de que as três concessionárias regionais não poderiam se fundir entre si, tema que tem gerado polêmica com a anunciada intenção da Oi de aquisição da BrT e a discussão de revisão do Plano Geral de Outorgas.

Quais foram os fatores que, afinal, condicionaram a divisão das concessionárias regionais em três? Fundamentalmente, se desejava evitar que a empresa privatizada herdasse o poder de mercado da Telebrás. Este era um argumento mais forte no que diz respeito à possíveis práticas discriminatórias pela concessionária, seja por preços de interconexão excessivos, seja por deterioração da qualidade do serviço das entrantes. Considerando ainda que a Anatel engatinhava na implementação da regulação, a segmentação entre a Embratel, detentora da maior parte da infra-estrutura de longa distância, e o resto da Telebrás foi importante para evitar problemas concorrenciais. Isso, há dez anos.

A questão é se faz sentido hoje a manutenção do impedimento regulatório à integração entre as concessionárias regionais, concebidas antes da privatização? Primeiro, é fato que as concessionárias regionais permanecem como líderes nos mercados locais de suas respectivas áreas de concessão, detendo conjuntamente 90,3% dos acessos fixos em serviço. Adicionalmente, uma tese que chegou a ser utilizada por alguns reguladores no início do processo de fusões das Baby-Bells nos EUA a partir de 1996 foi a da “competição potencial”: mesmo não concorrendo de forma direta nos mercados locais, poderia-se considerar que as empresas regionais seriam, potencialmente, as candidatas mais prováveis a entrar nas áreas umas das outras. No entanto, no Brasil, as concessionárias regionais pouco investiram fora de suas áreas de concessão. Quando o fizeram, basicamente nas áreas mais rentáveis, foram acompanhadas de um contingente amplo de novos entrantes. Fora de suas áreas de concessão, as concessionárias ficam atrás de entre 9 a 12 outras autorizatárias.

Segundo, o mercado de telecomunicações mudou radicalmente após a privatização. O arcabouço regulatório brasileiro, montado com base na Lei Geral de Telecomunicações de 1997, estava centrado nas falhas de mercado específicas da telefonia fixa. Em 2008, o Brasil se defronta com um cenário completamente diferente. Os acessos à internet e telefonia móvel cresceram exponencialmente, havendo a perspectiva de forte incremento da associação dos dois a partir da recente licitação para 3G. O surgimento e crescente utilização do serviço de voz sobre a internet – VOIP –, por sua vez, representa ameaça muito concreta às concessionárias regionais em suas áreas de concessão, especialmente na longa distância. Trata-se da crescente convergência tecnológica.

O setor de telecomunicações atualmente constitui um exemplo de livro texto de um processo de “destruição criativa”, termo cunhado pelo economista Joseph Schumpeter para descrever o comportamento de setores em franca revolução do estado da técnica. Isso significa que as participações de mercado se constituem em indicadores pobres para avaliar posição dominante. A Comissão Européia (CE), inclusive, já em 2002 reduziu sua ênfase da variável “participação de mercado” na definição de agentes com Poder de Mercado Significativo (PMS), reconhecendo que o dinamismo tecnológico pode fazer desaparecer esta dominância em curto espaço de tempo.

Mais do que isso, a CE passou a regular o setor de “comunicações eletrônicas”, com alcance bem mais amplo que telecomunicações, reflexo claro da necessidade de adaptar a regulação aos ditames do processo de convergência. Cada vez mais, os serviços de telefonia fixa, móvel e TV por assinatura tendem a ser prestados a partir de uma plataforma comum baseada no protocolo de Internet (IP). No limite, cada um desses serviços passaria a ser tão somente uma aplicação particular do IP.

Com isso, a dinâmica competitiva dos segmentos que compõem as comunicações eletrônicas se transforma radicalmente. Cada vez mais o usuário dará preferência ao operador que for capaz de ofertar o chamado “triple play” (voz, dados e TV por assinatura), ou mesmo o “quadruple play” (o triple play mais telefonia móvel) levando a infra-estrutura de fibra óptica para mais perto quanto possível do usuário final. Nesse quadro, como se observou nos EUA, os operadores de TV a cabo podem passar a ter significativa vantagem competitiva frente aos operadores de telefonia, tornando totalmente anacrônica a regulação assimétrica entre os dois serviços (mais rigorosa com a telefonia). 

Por fim, no contexto de convergência enfraquece-se o argumento de riscos de discriminação pelas concessionárias. Há uma maior possibilidade hoje de contar com outras formas de acesso ao usuário local que não a concessionária. Em particular, a emergência do VoIP dificulta enormemente a estratégia de discriminação pela via da interconexão. Até porque a manutenção do princípio da “neutralidade da rede” na internet não permite interferências dos proprietários das infra-estruturas no conteúdo que circula na rede. Adicionalmente, a telefonia móvel constitui também outra forte alternativa.

Enfim, a inflexibilidade nas possibilidades de comunicação da época da privatização foi substituída por um mundo novo no qual o usuário possui um leque cada vez mais amplo de escolhas. Com isso, o fortalecimento e ganho de escala dentro de cada modalidade de serviço significa ganho de competitividade perante as demais modalidades ou maior capacidade de oferecer pacotes de serviços, o que estimula, em vez de reduzir a concorrência. O ideal é deixar que eventuais problemas concorrenciais decorrentes de integrações entre concessionárias de telefonia fixa sejam combatidos pela agência reguladora e pelos órgãos de defesa da concorrência, caso a caso. Uma restrição absoluta pode impedir avanços tecnológicos e mesmo a competição, ao contrário do que poderia indicar uma análise superficial.

A verdade é que a remoção do impedimento à fusão entre concessionárias já deveria ter sido efetuada há mais tempo, para estimular a competição, pois o novo padrão de concorrência no mercado já se encontra delineado no Brasil. Assim, o simples anúncio da fusão entre a Oi e a BrT, veio em boa hora, pois finalmente trouxe à pauta, no país, a discussão de uma revisão regulatória fundamental, que já ocorreu em outros países, trazendo estímulo à competição, desenvolvimento tecnológico e benefícios aos consumidores.

* César Mattos é doutor em Economia pela UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador Associado do CERME/UnB (Centro de Estudos em Regulação da Universidade de Brasília).

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