Jovens com deficiência sentem-se pouco representados na mídia

As histórias contadas pela mídia que sensibilizam os adolescentes com deficiência não são aquelas que falam dos problemas de quem não enxerga, não ouve, tem dificuldades de locomoção ou algum tipo de deficiência intelectual. Durante a realização da pesquisa “A percepção do adolescente com deficiência sobre os meios de comunicação na Argentina, no Brasil e no Paraguai”, os fatos mais lembrados por eles são, em geral, os mesmos que tocam os adolescentes sem deficiência: a pobreza, o trabalho infantil, a violência. Os meninos e meninas com deficiência empolgam-se com os mesmos programas que os jovens sem deficiência, mas mostram dificuldades em lembrar de personagens adolescentes na mesma condição que eles.

Os resultados da pesquisa mostram que estes meninos e meninas são, antes de tudo, adolescentes, com gostos e sensibilidades próprios da idade e da realidade dos seus países. E, como registra o relatório divulgado na última sexta-feira pelas ONGs Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e Save the Children-Suécia, “não fizeram de suas condições as suas bandeiras ou tábuas de salvação”.

Porém, revelam igualmente que os adolescentes com deficiência não se reconhecem no conteúdo midiático. Tamanho é o não-reconhecimento que os meninos e meninas entrevistados, nos três países, apenas tocam no assunto da representação da adolescência com deficiência quando provocados pelos pesquisadores.

“Isso aconteceu especialmente em relação às notícias. As referências espontâneas sobre a presença de adolescentes com deficiência nos noticiários foram pouquíssimas”, diz Romeu Sassaki, consultor da Andi para a pesquisa. Para ele, este resultado pode ser tanto uma expressão da falta de interesse em relação aos programas noticiosos – “o que é esperado para a idade” – como resultado da já conhecida invisibilidade da deficiência e, mais especificamente, da deficiência entre adolescentes.

A imagem utilizada pelos pesquisadores para batizar o relatório é bastante esclarecedora: “Mais janela que espelho”. Ou seja, a mídia é para estes adolescentes não um lugar para ver sua realidade refletida, mas um meio de conhecer um mundo ao qual não tem acesso.

A pesquisa ouviu meninos e meninas de 11 a 13 anos de idade, com diferentes deficiências (auditiva, visual, física, intelectual ou múltipla), nas cidades de Assunção, Buenos Aires, São Paulo e Salvador. Os participantes foram entrevistados individualmente e, depois, participaram de dinâmicas em grupos. Nos chamados “grupos focais”, foram abordadas questões sobre as preferências, propostas e avaliação sobre a representação dos deficientes na mídia.

Em relação à exposição aos diferentes meios de comunicação, a TV é, de longe, a mídia mais presente. Quase 40% dos participantes passam mais de 3 horas por dia assistindo televisão. Junto com a internet, a TV foi considerada o meio mais importante para aprender ou saber algo novo.

Acessibilidade

Os responsáveis pela pesquisa ressaltam que estas escolhas podem ter relação com as dificuldades desses jovens utilizarem as diferentes mídias, em especial, os jornais (pelos portadores de deficiência visual) e o rádio (pelos portadores de deficiência auditiva).
Sassaki comenta que os pesquisadores esperavam que o tema da acessibilidade fosse se tornar um ponto forte das discussões. Durante as reuniões dos grupos, porém, o tema da acessibilidade foi mencionado de forma pontual. Alguns comentários mostraram as dificuldades dos adolescentes com deficiência auditiva compreenderem o que passa na televisão.

Uma menina, por exemplo, diz não gostar de um desenho animado porque ele não tem legendas que ajudem a compreender o contexto da história. Outro ponto que sugeriu dificuldades foi o acompanhamento da classificação indicativa no Brasil. Os participantes disseram que a tradução para Libras (Língua Brasileira de Sinais) aparece muito pequena na tela. Das poucas sugestões dadas pelos adolescentes neste sentido, os pesquisadores registraram a de uma menina que pediu a tradução dos telejornais para Libras.

“É importante perceber que a falta de acessibilidade alimenta também o não reconhecimento”, diz Sassaki, lembrando que os adolescentes com deficiência podem simplesmente não ter conseguido ter acesso a conteúdos que trouxessem personagens da sua idade e na sua condição para as telas. No caso de jornais e revistas, problema é ainda maior, porque o acesso ainda está condicionado à renda familiar.

A questão da acessibilidade nos meios de comunicação é, então, central para incentivar a inclusão dos adolescentes com deficiência. “É preciso dar mais valor ao que acontece com o adolescente com deficiência e também tornar este conteúdo mais acessível”, resume Sassaki. Só assim, esses meninos e meninas poderão exercer o direito pleno de participar e serem representados na esfera midiática.

A íntegra da pesquisa está disponível na biblioteca do Observatório do Direito à Comunicação. Para acessá-la, clique aqui.

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