A concentração e o futuro da mídia

Neste mês de janeiro, há oito anos, os grandes veículos de mídia dos EUA festejaram, em vez de apenas noticiarem, a surpreendente compra da Time Warner Inc pela America Online (AOL) por uma cifra estimada então entre US$ 156 bilhões (cálculo do "Wall Street Journal") e US$ 183 bilhões (do "Washington Post"). Para os veículos, aquela fusão da velha mídia com a nova era a receita do futuro.

A cobertura foi totalmente acrítica e quase apenas congratulatória não fossem as reservas dos que temiam pelo futuro do jornalismo independente e da própria liberdade de expressão. Entre os poucos críticos, foram citados o professor Robert McChesney, da Universidade de Illinois, e um colunista do "Washington Post", Howard Kurtz, que também fazia programa na CNN (do império Time Warner).

O "New York Times" dedicou à transação, considerada a maior da história, nada menos de 12 textos, além de gráficos. O "Los Angeles Times", oito. O assunto foi manchete de todos os grandes jornais do país, que também deram à cobertura um tom promocional, com relatos atraentes e destaque especial para os personagens centrais da operação – Steve Case da AOL e Gerald Levin da Time Warner.

Valor igual ao PIB do México

Nos meses seguintes o governo daria sua aprovação final com base nas leis do país e regulamentos da área de comunicação. Esperava-se que a transação estabelecesse padrões para as corporações do ramo no futuro A surpresa maior era a companhia mais nova comprar a mais antiga e não o contrário. Especulava-se que viriam mais transações semelhantes, mas não veio nenhuma fusão com as mesmas caracteristicas.

Na mídia convencional, eram candidatas naturais a isso gigantes da velha mídia (TV, entretenimento) como a Disney-ABC, a Viacom (que comprara recentemente a CBS), a News Corp de Rupert Murdoch (que já tinha criado a Fox News); na indústria tecnológica e de telecomunicações, a Microsoft (avaliada então em US$ 579 bi), a AT&T, a MCI Worldcom; e na nova geração internet, Yahoo, Amazon.com, eBay.

Devido às grandes dívidas assumidas pela nova companhia resultante da transação, a AOL Time Warner sabia de um risco. Poderia passar décadas antes de começar a registrar lucros. Ela tinha à frente Steve Case como chairman, Gerald Levin como CEO (chief executive officer) e Ted Turner (criador da CNN e outras redes, compradas anteriormente pela Time Warner) como vice chairman.

Em compensação, a avaliação feita pela seção de economia do "New York Times" era de que a nova companhia seria a quarta maior do país, com um valor em ações igual ao Produto Interno Bruto de um país como o México. Apesar do fascínio exercido pela transação, o "Times" publicou ainda análise de especialista em mídia, Felicity Barringer, sobre possíveis efeitos negativos para o jornalismo do futuro.

Mau jornalismo é bom negócio

Citando o livro "Rich media, poor democracy", de Robert McChesney, Felicity Barringer referiu-se à previsão dele (e de outros) de que boa parte de tudo o que as pessoas viam, liam e ouviam nos EUA estaria sob o controle de apenas oito companhias – Time Warner, Disney, Sony, General Electric (dona da NBC), News Corp, Seagram-Universal (música e filmes), Viacom e Berteslmann.

Sobre a nova fusão, McChesney disse a Barringer que "a tradicional autonomia do jornalismo, que se supõe ter existido das décadas de 1940 e 1950 à de 1980, passou a ficar sob ataque". Para ele, tinha virado negócio. "Não se trata de ideologia. É que o bom jornalismo é mau negócio. E o mau jornalismo, lamentavelmente, às vezes é bom negócio."

A internet, segundo McChesney, "estava sendo levada inteiramente para o círculo da mídia comercial das corporações". Mesmo havendo na internet um bilhão de websites a contemplar todos os pontos de vista, disse ele, ela não daria origem a uma nova geração de empresas de mídia comercialmente viáveis. "As poucas que ainda sobram estão destinadas a serem compradas", assinalou.

No Congresso, o senador democrata de mais alto nível na Comissão de Justiça, Patrick Leahy, também manifestou dúvidas sobre aquela transação e as que ainda podiam vir na mesma linha. "A grande promessa da internet era de que as pessoas teriam ampla variedade de fontes e opções. O que temos de fazer é nos certificarmos de que a informação não será afunilada e controlada apenas por umas duas ou três fontes".

Murdoch à frente de todos

No "Washington Post", o colunista Kurtz estendeu-se sobre a questão dos inevitáveis conflitos de interesse em corporações gigantes como a AOL Time Warner. "Virtualmente qualquer empresa sobre a qual se vai escrever alguma reportagem ou é uma parte da nova corporação ou então uma competidora dela", afirmou, citando o editor em Washington de uma revista especializada em economia.

A transação AOL-Time Warner, segundo Kurtz, fazia com que Steve Case, cuja única experiência jornalística tinha sido no jornalzinho da escola, fosse transformado de repente em um grande imperador da mídia. "Como aconteceu antes com Jack Welch da GE, Sumner Redstone da Viacom e Michael Eisner da Disney, a fusão deixou a cargo dele algumas das mais conhecidas organizações de mídia do mundo".

Apenas três anos depois da transação, a bolha da Internet tirou o poder de Case e ainda removeu as três letras, AOL, do nome da companhia, agora Time Warner outra vez. Depois Levin e Turner perderam os cargos, Welch deixou a GE e Eisner a Disney. Os impérios de mídia que tudo controlam, antes nove, são hoje cinco, com a News de Murdoch acima do resto, inflada pela Dow Jones-"Wall Street Journal".

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