Sistemas anti-cópia: impondo limites aos impérios de mídia

As dúvidas no Brasil sobre o conversor de TV digital fazem lembrar uma rara decisão judicial nos EUA, na era Bush, a favor dos consumidores e contrária aos poderosos impérios de mídia. Foi em 2005. Um juiz do tribunal de apelações da capital (Distrito de Columbia) foi enfático ao advertir um advogado da FCC, a reguladora federal da área de comunicações: "Ei, vocês passaram do limite!"

O fato era parte de um contexto mais amplo – o debate no país em torno das sucessivas medidas e decisões da FCC no governo Bush, quando foi presidida (até 2005) por Michael Powell, filho do secretário Colin Powell, que à época acabara de deixar o Departamento de Estado. Para os consumidores, a FCC limitava-se então a fazer a vontade dos impérios de mídia, em vez de cumprir sua finalidade reguladora.

O sermão do juiz Harry T. Edwards foi revelador: as empresas da área de mídia e entretenimento tinham pressionado a FCC a obrigar a indústria a mudar especificações de aparelhos (em especial de TV) a fim de adicionar dispositivo antipirataria destinado a impedir a gravação de filmes ou programas. Isso aumentava o custo para o consumidor, cujos direitos estavam sendo diminuídos para os impérios de mídia lucrarem mais com DVDs, fitas, CDs, etc.

Pirataria é problema deles

No Brasil é incrível o espaço dado pela mídia à pirataria, tratada nos programas de notícias como se fosse problema do consumidor ou do governo e não resultado da incompetência dos impérios de mídia de proteger seus produtos. O que devem fazer os consumidores dos serviços dos impérios, inclusive internet, é questionar o poder desmedido com que influem nas agências reguladoras – no Brasil, nos EUA e em toda parte.

No governo Bush a FCC tentou impingir mudanças em regulamentos, indignando as organizações de defesa do consumidor e grupos de usuários da internet, pois a reguladora federal foi além de sua jurisdição, intrometendo-se até na fabricação e venda de aparelhos de TV, computadores e outros equipamentos. O juiz agiu em momento crucial, já que as corporações aproveitavam o momento da conversão para o sistema digital de alta definição.

Antes de Colin e Michael Powell assumirem cargos no governo, eram executivos – pai e filho – do maior dos impérios de mídia do mundo, o da Time-Warner, que ainda incluia a gigante America On Line (AOL), golpeada então por escândalos de fraude contábil Michael Powell teve de sair da presidência da FCC ante uma torrente de críticas, acusado de agir sistematicamente a favor dos interesses daqueles que devia fiscalizar.


"Isso não é da conta de vocês"

O que estava em causa no recurso judicial levado ao tribunal de apelações era a polêmica iniciativa da FCC (cujas decisões em geral tinham votos favoráveis dos membros republicanos e eram repudiadas pelos democratas, minoritários) de ditar à indústria como fabricar seus aparelhos de TV, computadores e outros equipamentos de recepção de sinais digitais, dizendo ainda como eles deviam ser usados.

"O negócio de vocês não é a venda de aparelho de TV. Isso não é da conta de vocês", disse o irritado juiz Edwards. A manifestação dele foi festejada por críticos do absurdo poder da mídia gigante – corporações que controlam praticamente tudo o que o americano vê, lê e ouve, como Time-Warner, Disney-ABC, News Corp (grupo Murdoch), Viacom-CBS, GE-NBC-Universal, Sony-Columbia.

O dispositivo antipirataria que os conglomerados de mídia queriam a todo custo enfiar nos aparehos de TV era o "broadcast flag" – "bandeira para transmissões", um chip com a missão de policiar a ação do usuário, impedindo-o de gravar o que fosse apresentado na TV. Para a Electronic Frontier Foundation (EFF), que defende os direitos de acesso livre à internet, tratava-se de uma grave ameaça.

Muitas ameaças à internet

"A Justiça está certa e foi direto ao ponto, ao questionar a autoridade da FCC nesse campo", declarou Wendy Seltzer, advogado da EFF. "As bandeiras de transmissão têm tanto a ver com a jurisdição da FCC como máquinas de lavar pratos. Estamos encorajados pela ação do tribunal". Seltzer também via grave ameaça à internet no esforço contra os cartões de sintonia de alta definição para os PCs.

A EFF e outros grupos fizeram uma lista das ameaças crescentes à liberdade na internet a fim de chamar atenção para o perigo representado por leis e regulamentos que a indústria de entretenimento busca impingir usando seu poder de "lobby" na FCC e no governo.

Eles acham que se criou através da reguladora perigosas ameaças ao desenvolvimento futuro de tecnologias e à criação de novos aparelhos.

Em outros países, inclusive na Europa Ocidental, reguladoras oficiais do setor, menos afinadas com os interesses das grandes corporações, não revelam o mesmo empenho em mudar aparelhos de TV e computadores para favorecer os lucros das corporações de mídia. Na Inglaterra, segundo a BBC, a plataforma terrestre digital Freeview e outros receptores vetavam a tal tecnologia de proteção contra cópias.

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