A mídia como aparato ideológico da globalização

Ignácio Ramonet – jornalista, escritor e teórico da comunicação – visitou recentemente a Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Diante de uma platéia composta por ativistas de 18 países, Ramonet falou sobre seu mais recente livro: “Fidel Castro, Biografia a Duas Vozes”, resultado de mais de 100 horas de entrevista com o dirigente cubano, classificado por ele como “o Picasso da política”.

Após a palestra, o jornalista francês, editor do Le Monde Diplomatique, conversou com exclusividade com este Observatório. Veja os melhores momentos da entrevista.

Algum tempo se passou desde o lançamento de 'A Tirania da Comunicação'. O que permanece e o que mudou no cenário das comunicações nestes últimos anos?
Ramonet –
O livro saiu há uns cinco anos, e neste momento estou escrevendo a continuação, que deve sair na primavera do próximo ano. Eu diria que tudo que se anuncia nesse livro está se realizando, tudo segue dentro do esquema geral ali traçado. Há grupos midiáticos cada vez mais importantes, como empresas resultantes de fusões e concentrações; por outro lado a Internet, que nós pensávamos que poderia ser um elemento de democratização da expressão popular não o está sendo.

Por quê?
A Internet hoje, a Internet digamos “útil”, já pertence aos grandes grupos de comunicação. Na maioria dos países os sites de informação mais freqüentados pertencem aos grandes grupos de comunicação. Claro que alternativas a essa comunicação sempre existiram, mas temos a mesma relação de marginalização e dominação que existe na imprensa escrita, ou no rádio e na televisão. Estamos comprovando todas as tendências que se viam, como a desqualificação dos jornalistas, por exemplo, uma desqualificação que segue crescendo: jornalistas cada vez mais mal pagos, cada vez mais proletarizados, cada vez mais incapacitados para realizar um verdadeiro trabalho autônomo… tudo isso está confirmando uma situação muito preocupante.

Neste momento, os meios dominantes aparecem como aparato ideológico da globalização. Hoje temos uma espécie de duopólio de poderes: poder econômico e financeiro, e poder midiático, que se aliam para dominar a sociedade. Nesse sentido, os cidadãos se sentem traídos, porque pensavam que o que chamávamos de o quarto poder tinha como objetivo constituir um contra-poder, e que os cidadãos tinham um espaço para falar. Isso hoje se modificou, estamos numa situação em que o quarto poder desapareceu, se desvaneceu. Ou se transformou em um poder que oprime os cidadãos.

Você falou da Internet. Nesta segunda-feira começa, no Rio de Janeiro, o IGF – Fórum de Governança da Internet, que pretende discutir o futuro da Rede. Queria que falasse um pouco da diferença entre o que se pensava da Internet há dez anos atrás e o que se passa hoje, as potencialidades e limites dela.
A Internet ainda está apenas começando. Escrevi um livro há alguns anos que se chama Internet: o mundo que está por vir, é um universo que está começando e tudo o que se pode dizer sobre a Internet hoje provavelmente será insuficiente, ou será desmentido em dez anos. Porque ela tem apenas doze anos, a “Internet útil”. Inventa-se a web em 89, e ela começa a se estender em 95. Em doze anos houve uma expansão que não se podia imaginar, ninguém podia imaginar algo como o Google, algo como o You-Tube ou MySpace. Coisas que nem sequer imaginávamos, e que provavelmente não temos como medir ainda o efeito que causam, por exemplo na indústria cultural, a crise extraordinária da economia sonora, de discos. Ou a crise que pode haver amanhã no setor de distribuição.

Eu, desde o princípio, dizia que a Internet essencialmente serve para três coisas: para vender, e a rede já é hoje um elemento de venda muito importante, para distrair, podemos baixar filmes e músicas, muito mais do que apenas visualizar documentos como pensávamos antes, e terceiro ela serve para vigiar. Vemos isso de maneira muito concreta, cada movimento que fazemos na Internet deixa uma pegada que vai deixando impressa a personalidade daquele que a manipula. É o que se está confirmando, e, como disse antes, em certa medida estamos um pouco decepcionados porque a Internet não é a arma de expressão alternativa que imaginávamos.

Outra questão muito ligada à Internet é a da propriedade intelectual. Você como autor de livros, acredita que os direitos autorais são de fato um empecilho à difusão do conhecimento ou…
É um problema evidentemente difícil, por duas razões. Primeiro, a lógica da Internet é a lógica da gratuidade. Tudo que na Internet se impõe como barreira paga não funciona. Estamos vendo agora jornais como New York Times ou Wall Street Journal passarem para a gratuidade a cobrança que tinham instituído no acesso aos seus artigos antigos, porque ganham mais com a freqüência e audiência, com publicidade. Isso faz com que querer que se pague por algo consumido na Internet seja muito difícil. Daí que os autores tenham aceitado a idéia de o que circula pela Net circula gratuitamente. Agora, o problema é que muitos autores vivem dos direitos de suas obras, falo de músicos, realizadores de cinema, autores de literatura, etc.

Há aí uma problemática, receber os direitos é uma reivindicação legítima. Então se por um lado está essa idéia de que a Internet permite uma circulação grande de obras, o que sabemos é que essas obras que circulam e toda sua grande audiência estão enriquecendo ao Google e aos sites de busca, ou estão enriquecendo aos sites que ganham com publicidade. Há que se encontrar uma maneira que o acesso seja gratuito, mas que essa gratuidade não seja através de uma taxação da publicidade ou da compra de programas, permita que os autores sejam retribuídos. É um grande debate, em escala internacional. Digo que há duas posições, e que as duas são legítimas. Que circule livremente a cultura, obviamente estamos a favor; dois, que os autores tenham seus direitos reconhecidos. Sem que se tenha um sentimento de propriedade absoluto.

Estamos no MST, que tem um trabalho reconhecido de comunicação alternativa, em seu livro Fidel fala da importância da Rádio Rebelde na Revolução… Qual o papel da comunicação como forma de organização dos movimentos sociais?
Eu creio que para Fidel estavam claros os princípios, e nisso ele foi um grande professor, de que numa guerra se luta em três frentes: militar (obviamente), política e a frente midiática. Fidel era um homem da geração pós Segunda Guerra, percebeu que essa frente é capital. Bom, conhecemos como ele pôde manipular o New York Times em seu célebre contato com Herbert Mathews, como ele pôs de pé desde o princípio uma ala comunicacional, a Rádio Rebelde. Ele conta no livro que num momento ela foi a rádio de maior audiência em Cuba, e isso com uma potência muito débil. Mesmo assim tinha reflexos por toda a ilha. O movimento social já entendeu isso, em escala internacional. Em certa maneira graças à Internet: sem Internet não se poderia ter organizado o Fórum Social Mundial, sem Internet campanhas que se fizeram em escala planetária, como contra a Guerra no Iraque, não poderiam ter sido feitas. É indispensável que se pense tudo isso.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *