Novas tecnologias acirram disputa entre capital e democracia

Salvador – A partir da década de 1990, o advento da internet deu início ao maior fenômeno mundial de intercomunicação fora do 'esquema' das grandes corporações e conglomerados das telecomunicações. Criou-se, a partir da web, uma série de mecanismos onde a produção de forma, conteúdo e tecnologia não estão necessariamente sob controle do capital, e atualmente as redes digitais cobrem o planeta sem pedir autorização a ninguém. Dos servidores centrais de distribuição de conteúdo aos sistemas de compartilhamento livre, da oferta de tecnologias patenteadas à criação de ferramentas de livre uso e de múltiplas finalidades, inventadas ao sabor das necessidades e das criatividades, criou-se um novo universo potencialmente libertário.

Ao mesmo tempo em que as aparentemente ilimitadas possibilidades de intercomunicação oferecidas pelas novas tecnologias digitais vislumbram o aprofundamento da democratização do fazer e do acessar informações e conteúdos, porém, está em curso uma corrida desenfreada do capital pelo seu controle. Este foi o alerta dos debatedores Jonas Valente, jornalista e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, e Sérgio Amadeu da Silveira, professor de pós-graduação da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, no Fórum Mídia, Poder e Democracia, queterminou quarta-feira (14) em Salvador. Segundo os debatedores, se, por um lado, o avanço das tecnologias atropelou o organograma do grande capital, por outro o que se percebe é a tentativa de amarrar a sua utilização seja através da apropriação dos espaços de transmissão – telefonia, TV digital, banda larga etc – no chamado processo de convergência de mídias, quanto através de lobbies junto aos governos, no sentido de impor mecanismos de controle e restrição de sua utilização.

Um exemplo, cita Silveira, é a guerra do governo americano contra o compartilhamento livre de conteúdos (principalmente culturais) protegidos pelo copyright, o que, a partir do momento em que a indústria fonográfica perde espaço para os sistemas de compartilhamento e reprodução de músicas, afeta pesadamente o poder do capital. Outro exemplo são os serviços de vozoferecidos por programas como o Skype, que podem afetar pesadamente as empresas de telefonia.

Já no aspecto da normatização dos processos de convergência de mídia, segundo Valente há um jogo pesado de interesses no Congresso brasileiro, que se manifesta através de cinco projetosde lei atualmente em avaliação, e que deverão definir quem, como e quanto se ganha com isso.

'A convergência tem suas raízes na digitalização dos conteúdos (que transforma as mais diversas formas de informação em dígitos binários), condição para que as diversas plataformaspudessem trocar e reconhecer dados. O fenômeno não pode ser observado somente pelo prisma técnico, mas sim sob a perspectiva de um movimento de concentração dos grupos comerciais de mídia, cujas fusões resumiram o setor a menos de 10 conglomerados multinacionais. Estes processos vêm destruindo as fronteiras entre serviços e plataformas de comunicação. Um celular pode fazer ligações, acessar a internet e, em breve, receber conteúdos de televisão', afirma Valente. A questão, segundo o jornalista, é que estes processos podem aprofundar o controle e o monopólio das mídias, o que significa, por sua vez, um retraso da luta pela democratização das comunicações.

Frente a este panorama, dois caminhos de luta por parte da sociedade civil são importantes, avaliam Valente e Silveira. Por um lado, é preciso fortalecer os processos de pressão política sobre o governo e o Congresso para intervir nas decisões acerca de temas como a regulamentação da radiodifusão no país (concessões de canais de radio e TV, o padrão da TV digital, etc), a criação de políticas públicas de comunicação e inclusão digital, a oferta de infra-estrutura pública para garantir o fluxo de conteúdos, entre outros.

'Em resumo, a sociedade civil tem três papéis importantes no processo de democratização da comunicação: produção de conteúdo, controle público da mídia e luta por políticas democráticas de comunicação', afirma Valente.

Já Silveira acredita que é preciso reforçar os movimentos 'libertários' de compartilhamento livre de tecnologias e conteúdos, com o fortalecimento de conceitos como o creative commons e o copyleft, a abertura de sinais de TV e de telefonia, a ocupação dos espectros de radiofreqüências etc.

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