O governo Lula e as políticas para o cinema

Assim que tomou posse, o governo Lula reconheceu que herdara um cenário esquizofrênico, onde telecomunicações é separada de radiodifusão e, mais ainda, cinema de televisão. Em um cenário de convergência de mídias este tipo de situação não fazia nenhum sentido, exceto deixar a radiodifusão a salvo de qualquer regulação pública.

Uma das únicas medidas para superar tal estado de coisas partiu do Ministério da Cultura (MinC), que propôs transformar a Agência Nacional do Cinema (Ancine) em Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Como todos lembramos, o ataque voraz da mídia e a covardia do núcleo central do governo demonstraram que não havia a vontade política necessária para resolver este problema.

O MinC optou, então, por uma estratégia de construir pequenas vitórias periféricas, na esperança de que possam ajudar em uma nova correlação de forças no futuro. Foi assim que o MinC abandonou a idéia da Ancinav, fez poucos esforços no sentido de um novo marco regulatório para as comunicações e acabou perdendo a disputa interna em torno da TV digital.

Essas pequenas vitórias podem ser divididas em dois campos:

1. Financiamento

O cinema brasileiro é quase integralmente financiado pelo Estado, tanto direta (MinC, Petrobrás, BNDES, Eletrobrás, etc) quanto indiretamente (através de renúncia fiscal). O Ministério da Cultura vem tentando democratizar o uso direto dos recursos públicos, através de editais com regras que determinam a dispersão geográfica e de formatos (curtas, animações, etc). Bem como, impôs mudanças que visam aumentar e otimizar os recursos advindos da renúncia fiscal.

Infelizmente, contudo, permanece um sistema onde majoritariamente os recursos públicos são geridos por empresas privadas, que deixam de pagar o imposto devido para poderem utilizar o dinheiro de acordo com suas próprias estratégias de marketing.

2. Distribuição e exibição

Uma das piores consequências de um cinema onde o filme já está pago ao longo de sua produção é o pouco interesse de produtores com a distribuição e exibição. Tradicionalmente, diretores e artistas têm demonstrado pouco interesse em questionar este estado de coisas e, por isso, a maior parte dos longa-metragens brasileiros nem ao menos é exibida nas salas de projeção e poucos alcançam um público razoável.

O MinC procurou enfrentar essa situação com a criação da Programadora Brasil (voltada a garantir a distribuição de acervo para o circuito não comercial) e com o financiamento de cine-clubes. Vindo do MinC, Sérgio Sá Leitão ocupou durante um período a assessoria de assuntos de cultura do BNDES e ajudou a formatar instrumentos de financiamento para salas de exibição fora dos grandes centros urbanos.


Em que pese o mérito destas iniciativas, elas não foram capazes de reverter um cenário onde a distribuição é controlada pelos grandes estúdios norte-americanos e a exibição permanece nas mãos de poucos grupos com estreitas vinculações com Hollywood.

Televisão

Em um cenário de convergência de mídias, por mais exitosas que fossem, as políticas para o audiovisual teriam que enfrentar o desafio de vivermos em um país onde um único grupo privado controla cerca de 54% da audiência e 53% da verba publicitária dedicada à TV. Ainda mais quando sabemos que este mesmo grupo é acionista de duas empresas que, juntas, detêm mais de 75% dos assinantes de TV paga.

Em resumo, se podemos dizer que o Minc procurou enfrentar como pôde o desafio da democratização do audiovisual, também é fato que, sem a vontade política de todo o governo, passados quase cinco anos de gestão, os resultados ainda são muito tímidos.


* Gustavo Gindre é jornalista (UFF), mestre em comunicação (UFRJ), coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (INDECS), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes.

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