Proposta para modelo de gestão põe autonomia em risco

Polêmicas e desencontros marcaram a pioneira iniciativa de constituição de uma TV pública no Brasil, com declarações precipitadas do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e sua posterior desautorização pelo próprio presidente da República. Agora, a TV Brasil – nome provisório da emissora – começa a ganhar seus primeiros contornos, em geral próximos dos princípios defendidos pelas organizações da sociedade civil presentes no I Fórum de TVs Públicas realizado no mês de maio, em Brasília. Os modelos de gestão e financiamento da TV Brasil, no entanto, ainda mostram-se como as principais questões a serem resolvidas.

A iniciativa de fomentar a discussão sobre a necessidade de criação de uma TV pública em âmbito nacional partiu do Ministério da Cultura (Minc) e da Radiobrás. Acompanhado dos ministérios de Comunicações, Educação e Casa Civil, o Minc compõe hoje o GT interministerial sob coordenação do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social, agora a responsável pela concepção inicial da TV. O primeiro passo, a fusão das estruturas da Radiobrás e da TVE, deve ser dado até agosto deste ano e o cronograma inicial prevê que, até dezembro, um conselho gestor já esteja em pleno funcionamento. Uma Medida Provisória (MP) deve ser expedida em breve, definindo a forma de gestão e a figura jurídica da nova rede.

Autonomia em debate

As fontes de financiamento da TV Brasil ainda são incertas e dependem do modelo jurídico a ser adotado. O governo já vem trabalhando com a idéia de uma fundação pública, mas reconhece que este é um modelo evasivo em relação à garantia da autonomia financeira. Delcimar Pires, assessor do ministro Franklin Martins, diz que a legislação capaz de sustentar um modelo autônomo ainda está sendo estudada, mas promete que o debate será ampliado. “No cronograma que está em gestação, a Radiobrás e a TVE, através de seus conselhos de gestão e de suas diretorias, estão debatendo as várias possibilidades. Também está sendo apresentado este debate para as entidades do campo público – Abepec, Abtu, Astral e AbcCom, e várias organizações sociais. O resultado final deverá ser uma proposta que atenda a essa questão da autonomia e que conte com o apoio de lideranças políticas do país através da discussão e votação da proposta pelo Congresso Nacional”, afirma Pires.

O ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, afirmou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que os recursos orçamentários destinados à TV pública não devem ser contingenciados pelo governo. De acordo com Martins, essa é uma forma de evitar que o "governo de plantão" pressione a rede pública com o estrangulamento de verbas. "É preciso haver mecanismos que impeçam que a tornerinha de recursos esteja na mão do palácio, senão um belo dia ele fecha e coloca a TV pública em uma situação desagradável", disse Martins ao jornal.

João Brant, coordenador do Intervozes, é enfático ao afirmar a necessidade de garantir a autonomia financeira, mas teme um possível contingenciamento num modelo que não seja auto-sustentável. “É preciso garantir um robusto financiamento público para a TV pública, que venha de fontes não contingenciáveis. O ideal mesmo seria o crescimento do setor privado alimentar o setor público, o que poderia acontecer com a taxação sobre as receitas obtidas com publicidade comercial. Mas sabemos que é muito difícil que o governo encampe essa proposta”.

Conselho de notáveis e diretoria chapa branca

Até o momento, a principal controvérsia entre o governo federal e as organizações da sociedade civil está na questão das composições do conselho gestor e da diretoria executiva da emissora. O governo entende que, para garantir a autonomia do conselho, ele próprio não pode constituir maioria (como acontece no caso da TV Cultura de São Paulo), e trabalha dentro dos marcos da Carta de Brasília (leia aqui). No entanto, ainda restam dúvidas sobre a composição do órgão e o processo de escolha de seus integrantes. Na proposta defendida atualmente pelo governo, consta que um conselho de notáveis escolhidos na sociedade, ainda sem critério definido, será o responsável pela determinação da política a ser implementada pela TV Brasil e pela fiscalização dos atos da diretoria.

Delcimar Pires explica que estes pontos ainda estão em aberto. “É importante reafirmar o compromisso do governo brasileiro em adotar o modelo indicado pela Carta de Brasília, aprovada no I Fórum de TVs Públicas: uma gestão pública, através de um Conselho e com participação minoritária do governo. A presença de notáveis não está decidida, bem como o sistema de escolha de seus membros. O ministro Franklin Martins tem avaliado positivamente a necessidade de garantir a participação neste conselho das diferentes regiões do País, e também deveremos encarar o debate sobre a questão de gênero e raça”. A diretoria, por sua vez, deve mesmo ser indicada pelo governo.

Presente nos debates recentes sobre a instalação da TV pública, João Brant questiona a proposta de que o Conselho seja formado por “notáveis” e defende que uma composição nestes marcos pode ser fatal para sua autonomia: “A idéia de ter 'notáveis' como representantes da sociedade no conselho da TV pública é o oposto do que acreditamos. Embora possamos ter pessoas brilhantes ocupando esses espaços, notáveis não representam ninguém senão eles mesmos. Além disso, se não há critérios definidos, essa fórmula abre espaço para que um governo indique para este posto pessoas com nenhum compromisso senão o de representar os interesses daquele governo, tragédia que já vimos acontecer na definição das vagas da sociedade civil do Conselho de Comunicação Social auxiliar do Congresso Nacional”. Brant também critica a escolha da diretoria pelo Executivo. “Se isso acontecer, ficará difícil dizer a TV é autônoma e independente em relação ao governo”.

A dúvida permanece, na medida em que a composição do conselho e a forma de indicação da diretoria podem determinar toda a sorte da nova TV pública. “Sobre a programação e o conteúdo a serem veiculados, é bom lembrar a fala do presidente Lula no I Fórum: a TV Pública não será chapa branca”, afirma Delcimar Pires, sem, no entanto, esclarecer como será garantida a autonomia da TV num conselho indicado pelo Executivo e que pode ser alterado pela canetada do governo de plantão.

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