Indígenas e a Globalização

Às vezes têm-se a impressão de que tudo já foi escrito e falado sobre os estragos que a Globalização provoca em comunidades étnicas, que por razões diversas, perderam durante um tempo a solidez de sua Cultura.

Meu nome é Marcos, sou Educador nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, Língua Espanhola e Ética e Cidadania. Há dois anos estou como diretor do Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, em Pau Brasil, sul da Bahia. Sempre atuei ligado às Cebs, Movimentos Sociais e Estudantis. Assim como João Pedro Stédile e o Procurador da República de Brasília, Luiz Antônio de Souza, defino-me como um Socialista Cristão. E creio que foi por este perfil e por pertencer ao quadro efetivo da Educação do Estado da Bahia, que fui convidado pelas lideranças do Povo Pataxó Hã hã hãe para atuar na direção desta Unidade Escolar.

Desde o dia 08 de abril de 2005 tenho convivido com esta Comunidade Indígena, muitas vezes chocando-me com os efeitos nefastos que a Globalização já causou neste outrora pedaço da Terra Sem Males. Aqui, como em qualquer lugar onde a força da programação rede-global tenha chegado, os ídolos são: os protagonistas das Novelas deste canal de televisão e os cantores que ela promove e sustenta no estrelato. Por isso é muito comum encontrar nesta comunidade estudantes indígenas que nunca tenham ouvido falar de Tupac Amaru, Chicão Xucuru, do Exército Zapatista, integrado por índios mexicanos, nem da complexidade que foi o assassinato de Galdino Jesus dos Santos. Inversa e proporcionalmente, há meninas índias fãs incondicionais de grupos musicais como o KLB e Calcinha Preta e rapazes que mesmo trabalhando na Rádio “Comunitária” da Aldeia, só enxergam fazer sucesso se tocarem as Bandas de “Arrocha” e de forrós depreciativos à Mulher, como a “Saia Rodada”.

Frei Betto, o nosso conhecido escritor e frade dominicano, já definiu a globalização como a Globo-colonização. E é de fato e cada vez mais. Na última festa junina do nosso Colégio Indígena, o nome da Quadrilha principal era “Pé na Jaca”(???!). Aliado à força nefasta da Rede Globo de Televisão e suas esforçadas “clones” e concorrentes mais próximas, está a lentidão dos Governos brasileiros, mandato após mandato, de criar alternativas reais de material didático que seja reparador do papel do índio, do negro, das mulheres e das minorias todas, na história deste país. Materiais que sejam de vídeo e áudio, textos bem escritos e ilustrados, músicas de artistas destas minorias, talentosíssimos, e que não têm espaço em Faustão, Gugu e Raul Gil. Mas que precisam aparecer e ser protagonistas, para que jovens, como os indígenas de Pau Brasil, possam ver-se e saber que é possível ter talento, fazer sucesso, sem precisar copiar: pessoas sem qualquer compromisso com sua história e coisas degradantes, que transformam sexualidade em erotização e sensualidade em total vulgaridade. Tudo o que temos de tentativa de reversão da Globo-colonização, está ainda em fitas VHS.

Estaremos conversando sobre a realidade deste mundo em que tenho vivido nos últimos 800 dias, sempre na tentativa de que criemos um grupo pensante via revista Viração e também por e-mail, mensagens no celular ou até cartas. O mais importante será sermos uma alternativa à grande mídia e demonstrar para toda uma juventude indígena, nordestina e brasileira, que é possível que todos entendam e gostem de uma “micro-série” como A PEDRA DO REINO, desde que haja explicitação de seu contexto, sua linguagem e sua fundamentação, feita por educadores comprometidos com o Brasil Real, de que falava o mulato Machado de Assis, primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. E oxalá, consigamos, ao menos, iniciar algo realmente inovador, numa soma sensata de esforços de quem ainda enxerga a possibilidade de criarmos a Terra Sem Males (mito Guarani para a idealização do Paraíso).

* Prof. Marcos Bispo Santos, diretor do Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, em Pau Brasil, (BA)

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