TVs públicas reproduzem preconceitos raciais

A crítica dos movimentos sociais e das entidades que tratam da questão racial sobre a ausência da cultura afro-descendente na televisão brasileira é recorrente e oportuna. Diversos estudos demonstram como as TVs comerciais exploram os preconceitos construídos historicamente na sociedade brasileira, afirmando-os e reproduzindo-os. Na teledramaturgia, o negro representado em posições subalternas é constante e, no jornalismo, a ausência de apresentadores negros também é evidente.

No entanto, uma pesquisa recente vem questionar também a responsabilidade das TVs públicas na inserção do afro-descendente e de sua cultura no imaginário social. A Fundação Cultural Palmares, ligada ao Ministério da Cultura, divulgou estudo em que aponta, com base nas programações da TV Cultura de São Paulo, da TVE Brasil do Rio de Janeiro e da TV Nacional, da Radiobrás (com sede em Brasília), a enorme disparidade existente entre euro-descendentes, afro-descendentes e indio-descendentes, tanto nos temas tratados na programação quanto no próprio corpo de jornalistas.

Considerando as três emissoras, os temas sobre raça ou cultura negra não ultrapassaram 17,6% dos programas não-ficcionais, sendo que destes, apenas 0,9% era destinado a promover a cultura afro-descendente. Esta sub-representação contrasta com a diversidade racial e com o pluralismo cultural presente na sociedade brasileira.

Nos dados aferidos pela Fundação, observa-se que a TV Cultura de São Paulo, dentre as emissoras pesquisadas, é quem dedica mais espaço à cultura afro-descendente e, mesmo assim, de forma insuficiente. Incluindo os programas que trataram de forma parcial ou total a temática raça ou cultura negra, não se chegou a 25% da programação semanal da TV paulista. A TV Nacional de Brasília vem em seguida, com quase 20%. O caso mais preocupante é o da TVE Brasil do Rio de Janeiro que, segundo a pesquisa, não chega a destinar 12% da sua programação à temática negra, mesmo que de forma subjacente. Em todas elas, no entanto, verifica-se a predominância de programas que tratam apenas parcialmente da cultura afro-descendente. Apenas uma pequena parcela, que não chega a 10% (na média das três emissoras), é dedicada exclusivamente à temática racial ou à cultura negra.

Quando se trata da presença de apresentadores e jornalistas negros na programação, a disparidade se mantém. Apesar de constatar que os afro-descendentes são escalados inclusive em espaços de maior evidência, a pesquisa demonstra que as TVs públicas ainda não conseguem superar o padrão das TVs comerciais.

Para Dilma de Mello Silva, professora de cultura brasileira da Escola de Comunicações e Artes da USP, além da presença escassa, os temas ligados à cultura negra são tratados de maneira “espetacularizada”, como no caso da África, quando se opta pelo sensacionalismo e pela exploração da fome e de outras mazelas no continente. Segundo a professora, os meios de comunicação estão em sintonia com a sociedade brasileira como um todo, que é racista. “A televisão apenas enfatiza os preconceitos, reproduzindo estereótipos negativos”, afirma.

Beth Carmona, diretora-executiva da TVE Brasil, uma das emissoras pesquisadas pela Fundação Palmares, defende que esta não é uma questão específica da televisão, mas da sociedade brasileira como um todo. “Não que a TV esteja certa, mas ela expressa o que há na sociedade”. Para Carmona, os preconceitos presentes na sociedade se refletem, inclusive, na mentalidade dos jornalistas. “Não podemos esquecer que jornalismo se faz em equipe, não de uma única cabeça. Temos que mudar a mentalidade do jornalismo brasileiro”. 

Caminhos e desafios
Segundo a diretora-executiva da TVE, existem iniciativas que buscam a inserção dos afro-descendentes na programação. “Há alguns movimentos nesse sentido. Todos os anos, a TVE faz a Semana da Consciência Negra, carregando toda a programação com temas da cultura afro-descendente. No horário nobre temos uma âncora negra, e há muitos outros na equipe de jornalistas. Acredito que estamos mais avançados do que a pesquisa da Fundação Palmares sugere, mas sabemos que ainda é insuficiente e que a resposta passa pelo corpo de profissionais”. 

Comunicadores e ativistas concordam que a TV pública tem papel fundamental na afirmação e na valorização da cultura afro-descendente. Apesar das iniciativas pontuais das emissoras de caráter público, uma maior igualdade racial nos meios de comunicação ainda parece distante de efetivar-se plenamente. Por isso, parece imprescindível que o Estado também assuma a responsabilidade de garantir eqüidade na mídia brasileira, na elaboração e produção de conteúdos, e na exposição de temas e de pessoas com diferentes matrizes raciais.

É o que defende Dilma de Mello e Silva, ou seja, a idéia de que o Estado deve garantir, por meio de políticas públicas específicas, o direito democrático de que todo segmento populacional tenha seus semelhantes ocupando postos relevantes na sociedade. Para a professora, conseguir traduzir boas intenções em resultados concretos passa por uma definição de prioridades. “Cabe ao Estado promover políticas públicas que assegurem a presença dos negros na TV. Uma possibilidade seria a implementação de cotas. Mas é fundamental que as TVs públicas estimulem novos talentos e a produção de conteúdos que contemplem a cultura afro-descendente, inclusive direcionando recursos para isso”.

Para ter acesso à pesquisa, clique aqui. 

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