5ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes

Publicado orginalmente no Portal Rio Mídia – http://www.multirio.rj.gov.br/riomidia/ 

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A primeira Cúpula Mundial de Televisão para crianças aconteceu há 12 anos, em Melbourne, na Austrália. Dois meses antes, tive uma das melhores experiências da minha vida: o nascimento do meu primeiro neto, Adrian.  Agora, tenho quatro netos e eles são o meu barômetro das dramáticas mudanças técnicas e sociais dos últimos 12 anos.

Quando viajo ou leio sobre o mundo em desenvolvimento, fico impressionada com a vastidão de problemas enfrentados pelas crianças e dominada por um sentimento de culpa pelo fato da minha vida e a dos meus filhos terem sido tão vantajosas. Entretanto, todas as nossas vidas, seja qual for o caminho escolhido, estão interligadas – não há demonstração mais clara desse fato do que a mudança climática que vem ocorrendo em nossos dias.

Acredito que os problemas associados às crianças e à mídia, assim como a mudança climática, levarão a um desastre global, a não ser que interrompemos as tendências atuais e trabalhemos em conjunto para colocar a questão de crianças e mídia no topo da agenda mundial. Esta é a função do movimento de Cúpulas de Mídia.

Quando concebi a idéia da criação da Cúpula, pensei em programas infantis como um serviço para as crianças. Isto significava produzir programas para informar, animar, desafiar, estimular suas jovens mentes, nunca para explorá-las. Não podemos mais pressupor que os produtores de programas infantis estejam motivados por tais ideais.

Há doze anos, imaginei que as soluções fossem vir por meio de regulamentações e de uma política de programação mais erudita. Hoje, já não é mais tão simples.

Nos anos 90, surgiram os canais infantis globais americanos com suas marcas, franquias e merchandising associados.  Esses canais demonstraram o potencial de aumento de receita do mercado infantil por meio de licenciamentos, com editoras, músicas, vídeos, jogos, e quaisquer produtos infantis que pudessem ostentar um logotipo.

Empresas de televisão, revistas, moda e fast-food se combinaram com campanhas de marketing de êxito fenomenal, que uniram brinquedos, roupas e junk-food para vender um estilo de vida às crianças. Isto levou a uma mudança total na visão a respeito dos lucros realizados a partir do mercado infantil.

Desde o início das Cúpulas Mundiais, os orçamentos para publicidade voltada para as crianças nos EUA, o carro-chefe do mundo ocidental, aumentaram de US$ 100 milhões para U$S 300 bilhões.

No mesmo período, a obesidade tornou-se a maior ameaça à saúde das crianças no mundo ocidental, ao lado do diabetes juvenil, em níveis recorde. Enquanto muitas das suas crianças estão subnutridas, o Oeste está comendo até morrer. As pessoas acima do peso no planeta – mas de um bilhão – agora excedem o número das mal-nutridas.

Crianças entre 8 e 12 anos tornaram-se o mercado-alvo na última década, com a mídia vendendo moda e sexo, e o desejo de parecer e se comportar como adultos. Esse marketing foi chamado de pedofilia corporativa na Austrália.

Promovemos uma má combinação disfuncional entre a maturação biológica e a maturação social, o que está conduzindo a problemas de saúde mental e física para os mais jovens, como a depressão, doenças sexualmente transmitidas, anorexia e bulimia.

Na história do movimento das Cúpulas de Mídia, nos deslocamos de uma estrutura de radiodifusão onde as crianças não tinham escolha, a não ser consumir a mídia que recebiam, para um cenário onde as crianças não apenas acessam as mídias de sua escolha, mas também exercem um amplo papel na criação destas mídias para si mesmas.

Atualmente, o Movimento de Cúpula deve considerar a televisão gratuita analógica e digital, a televisão por assinatura, tocadores portáteis de áudio e vídeo como Ipjosdireitoaco e MP3 players, celulares, comunicações baseadas na Internet, e atividades sociais, como mensagens instantâneas, salas de bate-papo, jogos on-line e o uso e criação de mídias geradas pelos próprios usuários. 

Existem muitas plataformas tecnológicas e as crianças têm familiaridade com elas e estão dispostas a explorar todas as novas possibilidades. A mídia voltada para crianças inclui sites de vídeo na Web extremamente populares, como YouTube e MySpace, que receberam respostas confusas. Eles oferecem ricas possibilidades, ao mesmo tempo em que revelam uma confusão de valores na sociedade, onde até mesmo o comportamento criminoso e ultrajante pode se transformar em commodity. Diversas escolas na Austrália baniram o YouTube, mas banir uma nova tecnologia não será uma solução a longo prazo.

Vastos recursos estão enfocando o potencial de telefones celulares, pois 80% da população mundial – ou 5,5 bilhões de pessoas – não têm acesso à Internet. Globalmente já existem cerca de 2,5 bilhões de usuários de telefones celulares e os números crescem na taxa de 5 a 7 milhões por mês. Portanto, o telefone celular logo estará liderando a revolução da Internet. 

À medida que cada vez mais crianças navegam na web e conseqüentemente acessam os conteúdos que desejam, os melhores cérebros da publicidade estão trabalhando para alcançá-las. A parceria entre brinquedos, comida, moda e mídia está bem integrada on-line. Formas criativas de marketing chamam a atenção para as marcas e misturam a publicidade ao entretenimento. Sexo, cada vez mais, faz parte do negócio. Milhões de dólares também estão sendo investidos em formatos publicitários para bombardear os celulares.

A sofística enfeitiça o debate. As indústrias de alimentos e bebidas alegam que devemos nos exercitar mais; as indústrias de mídia alegam que não é problema deles, pois só fornecem entretenimento.  Os governos pedem que os pais sejam guardiões dos filhos: eles podem desligar os aparelhos, dizer não, recusar-se a comprar, e podem também alimentar os filhos com comidas saudáveis.

Enquanto debatemos os prós e contras, perdemos a batalha pela qualidade da programação infantil.  A indústria mundial da televisão – produtores e distribuidores – desperdiçou a capacidade da tevê de ensinar, informar e inspirar, abandonando a sua responsabilidade pelo desenvolvimento infantil, à medida que o marketing conduz a agenda. Dessa forma, as crianças assistem a programas inconseqüentes que consomem o seu tempo, quando os seus cérebros afiados e ávidos deveriam ser expandidos e estimulados. E eu não ouço os defensores do Save Kids TV levantarem as vozes contra a publicidade, consumismo ou a baixa qualidade dos seus próprios programas.

Esta agenda foi impulsionada por 6% da população mundial que está tentando impor a sua vontade, os seus valores, a sua força de mídia e a força tecnológica aos outros 94% da humanidade.

O mundo em desenvolvimento pode alegar que você não irá repetir os erros do Oeste. Mas os nossos sistemas globais estão tão integrados e nossa sobrevivência tão claramente interligada que não há escolha. Devemos trabalhar juntos, aprender a partir dos erros que conduziram a tamanho desequilíbrio no poder mundial global e reconhecer que ensinar nossas crianças a consumir desde a terna idade é niilista.

Este é o contexto para esta reunião da Cúpula Mundial. Nos unimos contra as colossais forças do mercado, empresas multinacionais que não podem ser facilmente mobilizadas, promovendo um estilo de vida que os jovens acham envolvente. As crianças gostam de novas experiências. Drogas, sexo e aventura têm apelo. Então as indústrias de mídia estão efetivamente em conluio com as crianças, favorecendo suas próprias agendas.

Já ouvi dizer que os adultos entupiram completamente o cenário e que, portanto, devemos deixar os jovens decidirem.  Os jovens são muito espertos e estão passando na frente dos adultos no uso de tecnologia, quando têm acesso. Mas, sem orientação, educação, nutrição e suporte eles não têm chance. Seja qual for a perspectiva de abordagem destas questões, a resposta é educação.

– Precisamos de diretrizes para que as crianças integrem o seu desenvolvimento de saúde, educação e social. A mídia está em seus cernes. 

– Os programas de mídia que projetamos para crianças devem ter objetivos educacionais, e não objetivos de vender bonecos ou roupas de designers.

– Essas mídias devem ser confiáveis e também devem colocar os interesses das crianças como cidadãs acima dos interesses pelo lucro.

– As crianças devem ser tratadas como participantes ativos na produção e no consumo do seu conteúdo de mídia.

– A mídia eficaz para crianças deve assumir riscos, ampliar horizontes, explorar novas possibilidades, levantar novas questões, desafiar as crianças a pensarem e agirem efetivamente e, claro, ser multi-plataforma.

Devemos trabalhar em parceria com educadores. Precisamos de uma agenda ética para desafiar a busca do consumismo e da gratificação pessoal acima do bem coletivo. E para desafiar o fato de que gastamos US$ 100 bilhões por ano em despesas militares e somente US$ 50 bilhões em desenvolvimento. Estas são grandes questões.

Se as crianças passarem a infância em um ambiente comprometido, elas estão em risco. Para aqueles que só irão conceder o argumento econômico, em vez do argumento ético, eles devem entender que para cada dólar investido haverá um ganho. Crianças educadas e engajadas significam um futuro para este planeta, saúde melhorada, menos gravidez na adolescência, maior aprendizagem no ensino médio, menos evasão escolar, melhores índices de emprego – oportunidades para toda a vida. Devemos desenvolver o poder do cérebro das crianças para que elas solucionem os problemas de sua geração.

Ainda acredito que a mídia tenha um grande potencial para inspirar, educar e nos unir. Mas estas indústrias estão fora de controle em uma batalha por mercados, sem considerar as conseqüências sociais. Como enfrentaremos esse desafio deve ser o foco desta Cúpula. Se não pudermos encontrar um caminho para prosseguir, ninguém mais poderá.

Por isso este movimento de Cúpula é tão importante.

CÚPULA 2010

O Movimento de Cúpula Mundial começou em Melbourne, Austrália, em 1995, quando 670 pessoas de 72 países reuniram-se para discutir as mudanças da programação de TV para crianças, que estava sob ameaça em diversos aspectos.  Posteriormente, as Cúpulas Mundiais aconteceram em Londres, em 1998, Thessaloniki (Grécia), em 2001, e no Rio de Janeiro (Brasil), em 2004.

Na Cúpula do Rio, com três mil participantes, a África do Sul foi indicada como anfitriã para a Quinta Cúpula Mundial em 2007, e aqui estamos hoje.

Sob o patrocínio da Fundação, em mais de 12 anos, pelo menos 10 reuniões internacionais foram promovidas e milhares de pessoas de todo o mundo reuniram-se para compartilhar, questionar, debater, fazer lobby e negociar entre si. Diversos projetos e colaborações surgiram a partir dessas reuniões inspiradoras.

Em 1999, uma Empresa foi estabelecida para promover o Movimento de Cúpula Mundial. A Cúpula Mundial de Mídia para Crianças é uma empresa sem fins lucrativos instalada em Victoria, Austrália. O Conselho Diretor inclui diretores da Ásia, Austrália, Brasil, Canadá, Grã-Bretanha, Grécia e Estados Unidos, todos representantes das principais organizações promotoras das Cúpulas Mundiais anteriores e futuras.

Após a Cúpula realizada na Grécia, a Fundação instituiu um processo de proposta de concorrência, convocando os candidatos para a definição de propostas para uma futura Cúpula Mundial.

Tenho o prazer de anunciar que a proposta vencedora para a Sexta Cúpula Mundial é a de Karlstad, Suécia. Karlstad sediará a próxima Cúpula Mundial em 2010.

A proposta de Karlstad para sediar a 6ª. Cúpula Mundial foi atrativa. Ela define o cenário para uma agenda genuinamente global que irá explorar o futuro da mídia e da tecnologia e o relacionamento em desenvolvimento das crianças com elas. Este é um futuro onde os jovens adotam facilmente a tecnologia, trazendo oportunidades expressivas para a exploração, criatividade e desenvolvimento. Mas também traz ameaças e riscos da exploração de crianças, com danos à sua saúde, educação e bem-estar social. Nosso desafio é tentar maximizar as oportunidades enquanto minimizamos os riscos. E fazer isso em um contexto global.

Apesar do papel expressivo que a mídia e a tecnologia exercem nas vidas das crianças, isto é raramente mencionado em discussões sobre diretrizes para crianças. Em um estudo recente do Unicef, das seis maiores dimensões do bem-estar infantil, a mídia não é mencionada.

O Relatório afirma: “A verdadeira medida do posicionamento de uma nação é como ela cuida de suas crianças – de sua saúde e segurança, de sua segurança material, de sua educação e socialização, e seu sentimento de serem amadas, valorizadas e incluídas nas famílias e sociedades em que nascem”.

Os Países Baixos foram os primeiros colocados e a Suécia, nossa anfitriã para a próxima Cúpula, ficou em segundo lugar.

Acreditamos que a omissão da mídia nas diretrizes para crianças é uma questão fundamental que devemos abordar. A cúpula de 2010 será a primeira a colocar o bem-estar infantil no centro do debate em torno de jovens, mídia e tecnologia. Hoje é o primeiro dia de uma jornada de três anos da qual a Fundação de Cúpula Mundial tem o prazer e o orgulho de participar com os nossos novos colegas em Karlstad, na Suécia.

Eu parabenizo Karlstad e convido Per Lundgren e Bertil Johanssen para apresentarem o plano para a Cúpula 2010.

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Patricia Edgar é presidente da Fundação Mundial de Cúpulas de Mídia. Texto foi apresentado durante a abertura da 5ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada em março deste ano, na África do Sul.

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