Lei Geral é chave para o campo público

É preciso instituir um novo marco regulatório para o campo das comunicações, que dê segurança jurídica ao Sistema Público de Comunicações e ao mesmo tempo seja capaz de surfar na onda da convergência tecnológica em constante evolução. Essa foi a conclusão geral da mesa de discussões sobre legislação e marco regulatório do I Fórum Nacional de TVs Públicas, que está sendo realizado em Brasília desde o dia 8 e prossegue até o dia 11 de maio. Mas, apesar do aparente consenso entre os diversos setores presentes no evento, há muito o que avançar na discussão sobre uma nova legislação para o setor.

O presidente da Ancine – Agência Nacional de Cinema, Manoel Rangel, coordenador do Grupo de Trabalho do fórum que discutiu questões ligadas à legislação, defende que a nova Lei Geral contemple as diferentes dimensões do processo (organização, financiamento, gestão, participação social, etc), garantindo espaço equilibrado no espectro eletromagnético para as TVs públicas, estatais e privadas, conforme determina o Art. 223 da Constituição Federal. “Devemos trabalhar a questão do ponto de vista sistêmico, para que as coisas funcionem de forma lógica e ordenada”, afirmou Rangel.

Outra questão reforçada durante os debates se refere à amplitude das mudanças legislativas necessárias à instituição do Sistema Público. O pesquisador Venício Lima, do Núcleo de Mídia e Política da Universidade de Brasília – UNB, referindo-se à nova Lei Geral de Comunicações, afirma que não é possível desvincular o debate do Fórum de TVs Públicas das discussões que há tanto tempo aguardam a atenção do Congresso Nacional. “O marco regulatório da TV Pública não pode ser instituído de forma autônoma em relação ao marco mais amplo, que englobe todo o setor das Comunicações, integrando radiodifusão e telecomunicações. Se não fizermos isso, a discussão sobre o novo marco será mais uma vez postergada. Precisamos urgentemente enfrentar o vazio regulatório, pois temos uma legislação que data de 1962 e uma série de atos normativos conflitantes”, diz Lima.

Ele pondera, entretanto, que o debate sobre a nova lei não pode atrasar a instituição da rede pública. “Concordo com a idéia de que não podemos aguardar uma lei geral para que se continue o processo de criação da rede pública, mas isso não pode impedir que, no momento de se discutir o marco regulatório para o campo público, este faça parte de uma legislação mais ampla para o setor”, pondera.  

Premissas fundamentais

Rangel, da Ancine, defendeu que o marco regulatório trate de forma diferenciada os provedores de infra-estrutura dos de conteúdo, nos moldes das legislações de outros países. “Isso é mais lógico, garante os investimentos e assegura a prevalência do conteúdo nacional”, afirma. A divisão proposta pelo presidente da Agência Nacional de Cinema é a solução que muitos países europeus têm encontrado para, ao mesmo tempo, tornar lógica a exploração dos serviços e garantir a proteção das produções culturais de cada nação.

Outra premissa importante apontada por Rangel, fruto do resultado dos debates do Grupo de Trabalho formado para discutir a questão, se relaciona às diretrizes de fiscalização da programação da futura rede pública de televisão, que devem ser atribuição de órgão colegiado, no qual o Estado não terá maioria, para que não se torne um instrumento de governos e seja, de fato, um veículo em que prevaleça exclusivamente o interesse da sociedade, o que, segundo o presidente da Ancine, seria “fundamental para garantir o caráter público”.

Além das questões de gestão, a regionalização da programação e a veiculação de produção independente foram apontadas como essenciais para a nova rede pública de televisão. Segundo Rangel, as conclusões do grupo de trabalho apontam que as TVs públicas devem cumprir percentual de programação, em horário nobre, de obras audiovisuais produzidas tanto de forma independente, quanto localmente.

Regras para o financiamento

O financiamento das TVs Públicas é certamente uma das questões mais complexas a ser enfrentada pelo fórum. Ressaltou-se, entretanto, que os recursos para as atividades da TV pública não podem comprometer a sua independência editorial, derivando substancialmente de fundos públicos, não contingenciáveis. Mas a forma de composição do fundo, sua gestão, além de formas alternativas de financiamento não foram, ainda, aprofundadas, e serão objeto de debate do Fórum nesta quinta-feira.

Consensos à parte, a taxação das emissoras comerciais para financiamento da rede pública deve ser uma das polêmicas dos próximos meses. Estimulado pelo procurador da República, Sérgio Suiama, o deputado federal Júlio Semeghini (PSDB-SP), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, defendeu de forma enfática a taxação – pelo uso e proporcional ao faturamento – das emissoras comerciais de televisão. “Em todos os setores econômicos objetos de concessão pública há o pagamento de taxas e impostos. As empresas de telefonia, por exemplo, além de pagarem altas somas no momento da outorga, também têm que arcar com taxas que incidem sobre o faturamento, como por exemplo o FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Se todos são taxados, não há razão para a radiodifusão não ser”, defende o deputado.

Apesar dos acordos em torno de princípios gerais, ainda há muito o que evoluir para o estabelecimento de propostas concretas para o Sistema Público de Radiodifusão. Se gestão democrática, autonomia e independência são consensos estabelecidos, ainda não há clareza de como isso se dará na prática . E, sabe-se, teoria e prática precisam caminhar juntas, sob o risco da segunda negar a primeira.

 

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