A maior empresa da América Latina é mexicana. Graças a FHC.

Com algum estardalhaço e indisfarçável tom de crítica ao governo, os jornais O Globo e Folha de S. Paulo divulgaram, no último dia 17 de fevereiro, matérias informando que a Petrobras perdera, neste início de ano, a posição de empresa de maior “valor de mercado” da América Latina. Será que este fato, realmente, tem algum impacto na vida de 180 milhões de brasileiros? Com certeza, não. Entretanto, jornalistas, sempre dispostas a reproduzir acriticamente o palavreado dos porta-vozes do parasitismo financeiro, difundiram a versão de que a queda se devia ao “uso político” que o governo vem fazendo da empresa estatal. Ou seja, ao invés de orientá-la para se comportar conforme desejaria o assim chamado “mercado”, o governo estaria orientando-a para aplicar seus lucros em projetos produtivos e que favoreçam a melhoria das condições de vida da maioria do povo brasileiro.

O preço das ações sobe e cai por razões meramente conjunturais – exceto, claro, nas grandes crises, como aquela famosa de 1929. Aliás, um bom motivo que leva os preços das ações a cair (e, com eles, o tal “valor de mercado”) é que estejam muito altos. Aquelas poucas mil pessoas que não trabalham e vivem de rendimentos fictícios vendem então seus papéis para, como dizem, “realizar lucros”. Podem também aproveitar uma boa ocasião para comprar, agora apostando em lucros futuros. É o que fizeram, neste fim de ano, com os papéis da America Móvil. As jornalistas se apressaram em escrever que o “bom rendimento da economia mexicana” explica o fato de a América Móvil ter assumido o primeiro lugar em “valor de mercado”, rebaixando a Petrobras para tão desonroso segundo lugar.

O que levou a América Móvil a dar um pulo no valor de mercado dos seus papéis – que passou de USD 79,61 bilhões para USD 117,59 bilhões entre dezembro e fevereiro – foi uma mera operação financeira que nada tem a ver com o comportamento da economia mexicana como um todo: a empresa incorporou a América Telecom que, aliás, a controlava, além de controlar também a Telmex, maior operadora de telefonia fixa do México que, por sua vez, no Brasil, controla a Embratel. Em resumo: existiam duas empresas – América Móvil e América Telecom – e, agora, existe apenas uma, todas de propriedade do mega-empresário mexicano Carlos Slim. Para fazer uma tal operação, a América Móvil emitiu ações que o “mercado” facilmente absorveu e passou a girar e valorizar. Daqui a pouco será o momento de vender…

Realmente importante em tudo isso (questão que, nem de longe, os “analistas” e suas escribas se preocuparam em esclarecer) seria explicar por que uma empresa mexicana de telecomunicações é, hoje, sob os olhares do capital fictício, a maior empresa da América Latina. A resposta é simples: tal é o resultado de uma das muitas contribuições dadas pelo Governo FHC para amesquinhar a economia brasileira diante da mexicana e da mundial.

Por volta de 1986, a maior empresa de telecomunicações da América Latina era a brasileira Telebrás. Faturava USD 12,7 bilhões, operava 14,8 milhões de linhas telefônicas fixas e exibia um lucro de USD 2,7 bilhões. Assim como a Telebrás detinha o monopólio das telecomunicações no Brasil, a Telmex também detinha o monopólio das telecomunicações no México, onde faturava USD 6,9 bilhões, operava 8,8 milhões de linhas telefônicas fixas e exibia um lucro de USD 1,5 bilhão. Perto da Telebrás, a Telmex era uma anã.

Em todo o mundo, à época, poucas empresas eram maiores do que a nossa Telebrás. A maior parte delas, precisamente sete, como não podia deixar de ser, estavam sediadas nos Estados Unidos. Outras cinco eram européias e uma japonesa. Exceto as estadunidenses e a operadora nacional britânica, todas estas outras ainda eram estatais, igual à Telebrás. Todas, é verdade, estavam a caminho de serem privatizadas e foram, de fato, privatizadas ao longo dos anos 1990. Também igual à Telebrás. Nenhuma, porém, nem a Telmex, foi fatiada. Nisto, muito diferente foi o destino da Telebrás: ao invés de privatizar a empresa nacional brasileira seguindo o modelo adotado em todo o mundo, até mesmo pelo pequenino Portugal ou pela Coréia, sem falar da Espanha, o Governo FHC retalhou a Telebrás em quatro empresas de telefonia fixa e uma dúzia de celulares. Menos de dez anos depois, a Telmex disputa com a espanhola Telefónica a liderança do setor na América Latina, enquanto que o Brasil desapareceu do mapa global das telecomunicações.

Há mais de cinco anos que a Telmex e a Petrobrás vêm-se alternando na liderança do “valor de mercado” latino-americano. Esta é uma posição que a Petrobrás poderá recuperar dentro em pouco. E daí? Daí, nada!… Importante mesmo é entender a estratégia que o México traçou, através do mega-investidor Carlos Slim, para tornar-se a maior potência latino-americana no campo das comunicações.

A Telmex foi adquirida por Slim em dezembro de 1990, em sociedade com a estatal francesa France Télécom e com a texana SBC. Mais tarde, os franceses se retirariam da empresa e a SBC reduziu sua participação a menos de 9%. Em 1995, Slim criou a América Móvil para assumir as operações de telefonia celular da Telmex. Para controlar todo o grupo, ele criou a América Telecom.

Dominando firmemente o mercado mexicano mas sofrendo, como seria de se esperar, crescente concorrência, em seu próprio terreno, de outras empresas internacionais, Slim lançou a América Telecom, através de seus dois braços, à conquista da América Latina, entrando também no mercado estadunidense. Hoje, ele está presente em Honduras, Cuba, Haiti, Costa Rica, Panamá, Venezuela, nas três Guianas, na Bolívia, Peru, Paraguai e, sobretudo, no Brasil. Aqui, a América Telecom, agora América Móvil, controla a Claro e a Embratel. Perdeu em casa, mas compensou no mundo.

A compra da Embratel pela América Telecom, ou América Móvil, chega a ser emblemática. Na privatização da Telebrás, a Embratel foi abocanhada pela empresa MCI/WordCom que, em 2002, iria à bancarrota na esteira de um momentoso escândalo contábil. No entanto, será possível lermos (ou ouvirmos) naquelas famosas “fitas do BNDES” que, antes mesmo de consumados os leilões, o então ministro das Comunicações, Luis Carlos Mendonça de Barros, em telefonema para Jerry de Martino, executivo da MCI, já comemorava a aquisição, por esta, da empresa brasileira, inclusive convidando Martino para brindarem juntos. Dizia o ministro que o Governo brasileiro estava muito preocupado (“we are really worried”) com que as empresas estatais fossem adquiridas por “empresas sérias” ou “competentes” (“it is very important to have the right companies bidding for the Telebras companies… it is very important to have  competent companies here running the Brazilian companies”). Ainda assegurou a Martino: “estou com você nos leilões amanhã” (“I’m now on your side for the bidding tomorrow”). Nada disso deu em CPI…

Para cobrir uma fraude de USD 3,8 bilhões, a “séria” e “competente” MCI/WordCom teve, entre outros desinvestimentos, que se desfazer da Embratel que, aliás, também não ia lá muito bem das pernas. A arrogante e desastrada direção estrangeira da Embratel, nada entendendo do mercado brasileiro, imaginou que iria conquistá-lo através do rosto bonito e bem pago da atriz Ana Paulo Arósio e da ajuda da Anatel, leia-se do Estado, para forçar Telemar, Telefónica e Brasil Telecom a lhe abrirem graciosamente as suas redes de telefonia fixa (a Embratel não tem rede própria de acesso ao usuário final). Como o Brasil felizmente não são os Estados Unidos, o agora braço brasileiro da MCI/WordCom viu-se às voltas com uma enorme inadimplência e com as complexidades da buarquiana cordialidade de nosso Estado que não tardou a perceber a quem deveria privilegiar nos préstimos…

Em 2003, a Embratel foi posta a venda. Era a grande oportunidade que se oferecia ao Governo Lula para começar a desfazer o equívoco do retalhamento da Telebrás e iniciar a recuperação, para o Brasil, do controle da empresa e de seus satélites. É difícil entender e ainda há que se explicar porque o mesmo Governo que, através de hábil manobra do então presidente do BNDES, Carlos Lessa, evitou a desnacionalização da Vale do Rio Doce, não agiu, com ainda maior firmeza, no caso da Embratel. Um consórcio formado pela Telemar e Brasil Telecom queria comprá-la. Na Telemar, o Governo detém 75% do capital social, sendo 25% através do BNDES e quase 50% através dos fundos de pensão do Banco do Brasil, Petrobrás e de outras estatais. Na Brasil Telecom, o Governo detém o próprio controle (vá lá que indireto!), através da mesma Previ e outros fundos de pensão. No entanto, não apoiou a proposta. Em que pese a oferta brasileira fosse melhor do que a da América Telecom/Telmex, quem decidiu o futuro da Embratel foi um juiz de Nova York: mandou a MCI entregá-la a Slim. Foi como que um definitivo acórdão da total perda de controle do Brasil sobre os rumos das suas telecomunicações.

Em 2005, a Telmex operava cerca de 18,3 milhões de telefones fixos no México, auferindo receitas de R$ 26,4 bilhões. A maior das empresas brasileiras, a Telemar operava 14,9 milhões de telefones, com receitas de R$ 16,5 bilhões. No conjunto, Telemar, Telefónica, Brasil Telecom e Embratel faturaram R$ 48,5 bilhões. Imagine-se se, ao invés de dividida por quatro, esta receita coubesse a uma empresa só! Quem seria a maior empresa do continente? Na telefonia celular, a América Móvil operava, em toda a América Latina, 87,2 milhões de linhas, sendo 35,9 milhões somente no México. Na telefonia celular é a maior da América Latina, seguida pela Telefónica espanhola. Nenhuma das operadoras brasileiras (todas, exceto a Oi, de capital estrangeiro) chegam-lhe nos calcanhares!

Se a economia mexicana vem tendo melhor desempenho do que a brasileira, muito o deve às rendas que a América Telecom, agora América Móvil, vem capturando por toda a América Latina e, também, nos Estados Unidos. Se o Brasil patina – e só patina – é porque, em boa medida, trabalhamos muito para remeter lucros para fora. Até para o México! A Petrobrás que de fato produz, de fato investe, é líder mundial em tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, provavelmente vai recuperar sua liderança em “valor de mercado”. E vai perder novamente. Assim como num campeonato de futebol, ninguém é campeão todo o ano. No entanto, ao longo do tempo, após anos e anos de derrotas, time grande pode virar pequeno. O Brasil começou a ficar pequeno quando destruiu sua grande empresa nacional de telecomunicações. Poderia ser a Telebrás quem estaria disputando com a Petrobrás, no lugar da América Móvil, a liderança latino-americana em “valor de mercado”. Mas esquartejada, suas fatias jogam hoje na segunda divisão.

*Marcos Dantas é autor de A lógica do capital-informação (Ed. Contraponto). Foi membro do Conselho Consultivo da Anatel e Secretário de Educação à Distância do MEC.

* Publicado originalmente no site do PT

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