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Nesta entrevista ao e-forum, o jornalista Juliano Maurício de Carvalho – doutor em Comunicação Social, mestre em Ciência Política, vice-coordenador do Curso de Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), além de membro do Conselho Deliberativo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) – discorre sobre a regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil. 

O tema surge em função do anúncio sobre uma nova licença para serviços de TV por assinatura que está sendo estudada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Juliano defende que antes de o governo tomar qualquer decisão, seja discutida e criada uma legislação que possa incluir nas novas plataformas de serviços em audiovisual “todo mundo que sempre quis estar e nunca esteve nesta convergência”. Leia a seguir:

Qual é o cenário, hoje, da regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil?
Juliano Carvalho – Há uma distorção. Sempre foi uma grande incoerência termos uma regulação explícita, detalhada, notadamente com os canais de acesso público, os direitos do usuário (assinante) e o princípio de participação da sociedade, que são defendidos na Lei do Cabo, e nunca termos estendido isso às outras tecnologias. Quem tem cabo, recebe os canais da cidade, quem tem por outra tecnologia não recebe.

A Lei do Cabo foi uma grande conquista, e é, sem dúvida, a melhor legislação de TV por assinatura que nós temos no mundo. Por outro lado, nós nunca conseguimos no regulamento do MMDS nem na portaria do DTH resolver este problema. Hoje, qualquer legislação terá que dialogar com as outras plataformas digitais, por exemplo, com a internet. No cabo, a gente tinha uma estrutura física, cujo limite é o município. Nós tínhamos um momento histórico no Brasil, em 1994. Hoje, o cenário é muito distinto, a tecnologia evoluiu e nós não pensávamos em fazer a TV a cabo conversar tão nitidamente com a internet como nós fazemos hoje com a tecnologia.

A Anatel está propondo um grupo para discutir uma padronização para esse serviço. Isso é positivo?
Juliano Carvalho – Perfeito. É função da Anatel fazer também esse trabalho. A questão é como a Anatel conduzirá esse processo. Temos que discutir quem pode participar deste grupo e qual o critério para participação da sociedade. Muito embora possa estar assegurada a participação deste debate, que a Anatel chama de técnico, como é que se dará o processo para legitimar o processo que a Anatel vai elaborar. Haverá audiência ou consulta pública?

Se pegarmos o exemplo do grupo gestor da TV Digital, a composição com a sociedade civil estava boa, mas o processo decisório estava equivocado. Assim, uma vez que as propostas estejam consolidadas, como a Anatel encaminhará isso para a regulação? Isso não pode ser uma normatização inferior à lei ordinária? Vai desembocar numa proposta que será encaminhada ao ministério, ou vai baixar uma resolução?

Na minha opinião, duas coisas têm que orientar esse novo serviço: primeiro, que seja via lei ordinária, porque a força de uma lei é diferente de uma portaria da Anatel, porexemplo, caso o governo escolha essa opção. Segundo, que a Anatel faça a proposta, mas não regule. Que isso seja uma regulação do Estado, do Congresso Nacional, e não de órgão regulador. O que está se desenhando é que possa vir uma regulação muito moderna, mas na forma de uma portaria na Anatel.

Neste caso, qual seria o problema?
Juliano Carvalho – O problema disso é que se trocar a direção da Anatel, pode trocar a norma, ou fazerem emendas "ao apagar das luzes", em qualquer momento, como nós já vimos em diversos momentos da história. Se pegarmos a portaria que antecedeu a Lei do cabo, ela foi no apagar das luzes do governo Sarney. A portaria que regulamentou TV por assinatura por UHF, que foi a primeira modalidade de TV por assinatura, também foi ao apagar das luzes do governo Sarney, quando o ACM era ministro das Comunicações.

O problema, se deixar acontecer por regulamento, portaria, resolução, independente do órgão – se ministério ou Anatel – isso pode ser alterado a qualquer momento sem nenhum outro critério que não seja o de atender aos interesses políticos de quem está naquela função.

Então, nós queremos assegurar aquilo que foi conquistado na Lei do Cabo, porque, na visão do FNDC, ela é modelo. Notadamente nos aspectos de assegurar os canais públicos, inclusive com ampliação para outros que vieram depois, e assegurar os direitos do usuário. Depois, os outros princípios, de envolver o Conselho de Comunicação Social, a participação da sociedade, eu acho que vai depender muito mais do espaço regulatório do que estar no texto da lei. No momento atual, esse texto tem que ser enxuto, e a sociedade tem que ser ouvida na elaboração da legislação, da regulação.

Essa discussão deve ser feita previamente, então.
Juliano Carvalho – O FNDC sempre criticou o que chama de “situação de fato”, que é quando os empresários montam os serviços, e depois é que vem a lei, então eles entram sem concorrência nenhuma. O que está acontecendo agora, é que embora existam operadoras de TV por assinatura, existem vários serviços que ainda não estão regulamentando ou ainda não existem, mas estão aí propensamente, em função das tecnologias. O órgão regulador, neste caso, é a Anatel, mas o Estado montar um grupo de trabalho para pensar uma melhor proposta não está errado.

O FNDC defende a regulação por conteúdo, o que significa isso?
Juliano Carvalho – Significa que queremos saber do conteúdo veiculado. Queremos assegurar conteúdo de canal comunitário, direitos do usuário. Não importa qual for a tecnologia, nós temos que assegurar isso. E para fazer isso, temos que mudar a legislação, mas isso não pode significar a perda do que nós já conquistamos na Lei do Cabo. Não é correto que, do ponto de vista regulatório, criemos uma nova legislação que inclua todas as tecnologias e o cabo fique sozinho numa lei, por mais moderna que ela seja. Não faz sentido do ponto de vista regulatório. A partir da lógica da convergência, nós precisamos construir uma lei geral.

A perspectiva de democratização via regulação, que é o que o Fórum defende, tem que pressupor a junção da regulação. A Lei do Cabo é um bom modelo, mas a gente tem que ter proposta além, que discuta inclusive como se pode pensar em direitos do usuário, que canais serão contemplados com essa nova legislação. Por exemplo, como vamos equacionar a questão dos canais comunitários, dos universitários, no caso do satélite?

A questão, para a democratização da comunicação, não é discutir quem vai ter melhor competência, melhor eficácia, melhor proposta de negócio para esse mercado, quem vai engolir quem. O foco, para nós, é democratizar o conteúdo. As empresas de telefonia, os radiodifusores, as operadoras de TV por assinatura são forças econômicas muito distintas e, prestando o mesmo serviço, a médio e longo prazo, isso pode significar um enfrentamento desigual do ponto de vista do mercado audiovisual brasileiro.

A entrada das Teles no serviço de TV por assinatura inviabiliza o negócio das operadoras que já existem?
Juliano Carvalho – O problema do enfrentamento desigual no audiovisual brasileiro se resove pensando em toda a cadeia produtiva, com todos os suportes de TV por assinatura sob nova regulação, TV digital com convergência, com Web, Rádio digital. Esse é o nosso argumento econômico. Vai haver uma mudança na cadeia produtiva. Hoje, a audiência que o You Tube tem, a produção caseira de vídeo, vai invertendo o modo de produção do audiovisual. Se a gente não considerar isso, a gente vai fazer a leitura sempre olhando para a Rede Globo, olhando para a Embratel.

A propriedade da Telefônica, da Embratel, assim como a da Rede Globo, não é problema nosso, a não ser no sentido da renovação da concessão. Agora, o que vai trafegar ali interessa à sociedade. Porque aí é que entra a produção de subjetividades, que tem impacto do ponto de vista ético, seja de entretenimento, seja jornalístico, seja o que for. Então, nós temos que mexer na lei das Teles, pra dizer claramente que as operações em telecomunicação, quando trafegam entretenimento e conteúdo – que não seja simplesmente interpessoal, como a conversa ao telefone, ou tráfego de dados meramente comercial ou atendimento de transporte de informações – têm que ser discutido às claras da regulação.

Quando a gente pensa em convergência, qual é a diferença entre telefone e televisão? Nenhuma. As plataformas conversam, então a lógica é que as regras devem ser de participação da sociedade. Se as teles, com seu poderio econômico, querem entrar no negócio, então vamos discutir a Lei Geral de Telecomunicações. Vamos fazer todo o debate de telefonia para tudo o que for transmissão de dados que não envolva só a voz, mas envolva conteúdo, entretenimento. Vamos discutir no âmbito da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, ou seja qual o nome que venha ter essa legislação.

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Os rumos da TV pública

Em entrevista ao portal Vermelho, o ministro da Comunicação Social do governo Lula, Franklin Martins, discorre sobre o cronograma e o processo de implementação da nova rede pública de rádio e televisão. Segundo ele, o governo deve enviar em agosto um projeto de lei ou medida provisória que dará base legal para a TV. Além disso, já estariam definidos os modelos de gestão (participativa) e de financiamento (independente). O ministro também falou da digitalização do rádio e da TV, das rádios comunitárias e do novo ambiente que envolve a relação entre imprensa e governo Lula.

Leia a íntegra da entrevista a seguir:

O projeto de implementação da TV Pública no país foi recebido pelos movimentos sociais de forma positiva e com grande expectativa, apesar da pressão do setor privado. Em que pé está a articulação?
Há algumas semanas, o presidente Lula organizou uma reunião com vários ministros para fechar uma etapa da discussão da TV pública dentro do governo. Fechamos uma etapa de definição de alguns conceitos básicos com relação ao modelo de gestão, modelo de financiamento e da construção da rede pública. Entramos agora numa nova fase de detalhamento visando enviar para o Congresso, provavelmente em agosto, um projeto de lei ou uma medida provisória. A partir daí a discussão da TV pública ganha base legal para construirmos em termos práticos a TV pública já com um rumo determinado e definido. Nós teremos 60 dias de detalhamento e aí entraremos na fase final de implantação propriamente da TV pública.   

Este é o cronograma que irá até 2 de dezembro, que é a data de inauguração da TV digital em São Paulo, e nós esperamos estar com um arcabouço da TV pública implantado. Mas a TV pública vai demorar alguns anos sendo implementada. Mas aí será um processo de consolidação, implantação e negociação com TVs locais.    

Já se bateu o martelo em três pontos fundamentais para a definição do caráter da TV pública. Primeiro, o modelo de gestão: a idéia básica é que a TV pública terá uma diretoria executiva que tocará o dia-a-dia da TV e ela será controlada por um conselho. Nos moldes em que existem em vários países do mundo. Esse conselho será composto por entre 15 e 20 membros, dos quais o governo indicará um número pequeno. Mais de 2/3 serão de personalidades independentes, e as indicações do governo serão em áreas específicas como comunicação social, cultura, educação, ciência e tecnologia. E o restante será de personalidades independentes, mas não serão representantes de instituições.    

A idéia é não se fazer um conselho de corporações. Mas um conselho de usuários da TV pública e que estão preocupados em garantir que ela atenda determinados princípios como pluralidade, respeito às minorias, desenvolvimento do espírito crítico, botar os diferentes Brasis dentro dela. E princípios que serão definidos numa carta da TV pública.    

Esses conselheiros terão mandato fixo e enquanto estiverem no seu mandato não devem nenhuma satisfação ao governo. Opinam, votam e a diretoria presta contas a esse conselho do ponto de vista de princípios. Então, por exemplo, o jornalismo tá chapa branca. Aí o conselho diz ó, não tá dando. A programação não tá absorvendo a produção regional, ou tão se passando valores que estigmatizam ou discriminam minorias…    

Com relação ao financiamento, numa fase que ainda vai precisar de mais detalhamento mas que já ficou acertado, é que seria necessário ter um modelo de financiamento que deixe a TV pública independente financeiramente diante do governo. Que ela receba recursos orçamentários para que a chave da torneira não esteja na mão do governo.    

Estão-se estudando alguns modelos, desde participação de alguns fundos ou parte da alíquota de determinados impostos e determinadas circunstâncias, ou um planejamento plurianual que não pode ser revertido. Estão se estudando mecanismos que garantam esta independência. Não há ainda uma definição a respeito de qual seria o mecanismo mais adequado.  Isso se espera ter resolvido nos próximos 60 dias e, do ponto de vista do modelo de constituição de meios públicos, a idéia é fundir as estruturas da Radiobrás e da Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, que controla as TVEs do Maranhão e do Rio de Janeiro), numa nova estrutura que ainda está se discutindo.   

Qual é o melhor formato jurídico — se é uma organização social, se é uma fundação pública de direito privado —, está se estudando tudo isso no momento atual. Tem uma espinha dorsal, parte reunindo as duas estruturas, os dois orçamentos, o quadros de funcionários. Você tem uma massa crítica para dar a largada.    

Em torno desta coluna vertebral se partiria para construir uma rede, estabelecendo acordos, parcerias com as TVs educativas ou universitárias abertas que existem nos diferentes estados. Em pelo menos 25 estados existem TVs com estas características. Então a idéia é ir montando essa rede. A TV pública ofereceria uma parceria na formação e a idéia é ter pelo menos quatro horas de programação local e quatro horas de programação de produção independente. Aí você teria o restante de uma programação nacional inclusive parte dela será com parceria com emissoras locais.  

A idéia do programa de financiamento de produção independente é atender também à pluralidade regional cultural do país. E, ao mesmo tempo, o governo federal lançaria um programa de reequipamento das TVs públicas que de um modo geral estão muito sucateadas.   

Haverá reestruturação das TVEs e da Radiobrás?
Neste momento de transição para digital, haverá um programa que durará alguns anos porque a transmissão digital vai se implementar ao longo de vários anos no país. Em contrapartida, o governo federal exigiria que quem entrar nessa rede terá que ter um modelo público de gestão. Digamos, o estado X, hoje em dia quem manda é o Palácio do governador. Mas, se quiser compor essa rede e entrar no programa de reequipamento, terá que ter uma modificação no seu modelo de gestão. O governo federal não vai querer determinar como é, mas tem que ser um modelo semelhante que ele adotou do ponto de vista de ter mecanismos que permitam um controle público, e não estatal.    

Mas isso acaba com o perigo da influência do governo, da intervenção do governo? É evidente que não acaba. A BBC, que é uma TV pública absolutamente consolidada, teve problema na Guerra do Iraque. É normal. Mas o terreno para expressão dos interesses públicos é muito mais forte do que no outro modelo. E a expressão dos interesses meramente governamentais fica mais enfraquecido. Esse é o tamanho desse modelo que acreditamos ser mais favorável ao fortalecimento do caráter público da TV pública.   


O artigo 221 da Constituição Federal afirma que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Como seguir estes preceitos?
O projeto pega parte da regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal naquilo que o artigo determina. A TV Pública no Brasil será comercial, pública e governamental com caráter complementar entre elas. A idéia é exatamente essa.    

Essa estrutura que nascerá da fusão da Radiobrás com a Acerp, uma parte dela continuará a fazer a comunicação de governo. A NBR vai continuar a existir, mas vai andar com sinal fechado. Ou seja, outras atividades, como o Café com o Presidente, vão continuar a ser feitas mediante a uma prestação de serviço que o governo federal contrata junto a essa TV. Isso não vai para TV aberta. Isso é uma prestação de serviço como se fosse uma produtora.    

A TV pública não veio para competir com a TV comercial. Não veio para substituir a TV comercial. Não veio para asfixiar a TV comercial. Ela veio para fazer a TV pública, que existe no Brasil mas profundamente debilitada, sucateada. Porque não existe uma rede nacional de TV pública no Brasil. Não existem investimentos públicos compatíveis com as necessidades.    

Estima-se que o orçamento anual das TVs comerciais do Brasil varia de R$ 5,5 bilhões a R$ 350 milhões. O governo está se propondo de largada um orçamento mais baixo da TV comercial, em torno de R$ 350 milhões. E isso é um avanço significativo em relação ao que existe hoje que, juntando TVE e tudo, dá em torno de R$ 200 milhões.   


Com relação à rede, nós temos as TVs Senado, Câmara, Judiciário… Não conseguimos colocar isso no sinal aberto?
O problema é o seguinte: o espectro é limitado. O espectro de rádio ou televisão tem uma limitação. Você chega numa cidade como São Paulo, é lotado de um lado ao outro do espectro. Isso quer dizer que, se você meter mais alguma coisa, um sinal começa a interferir no outro.   

A digitalização, em potencial, poderia ajudar a democratizar esses canais.Nós vamos levar um tempo migrando para o digital. Vamos ter o digital, mas a maioria das pessoas continuará vendo a televisão pelo analógico. Então as emissoras são obrigadas — e isso foi uma definição do governo brasileiro — a oferecer simultaneamente o sinal analógico e o sinal digital ao telespectador. Sinal aberto gratuito livre. Caso contrário, teremos a TV digital e uma outra coisa em canais diferentes.    

A TV digital abre espaços mais à frente para você ter multiprogramação, para você ter mais canais. Mas neste primeiro momento estaremos transmitindo nos dois sistemas. As TVs Justiça, Câmara, Senado, das Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais em geral, elas são sinais fechados, não estão nesse espectro. Estão indo por cabo. Mais a frente será que haverá possibilidade? É provável! Mas aí é uma discussão mais para frente.    

Num primeiro momento, nós estamos queremos botar no ar uma TV de caráter público generalista. Em tese, teremos quatro canais, mas não botaremos quatro canais no primeiro momento. Queremos fazer bem o primeiro. Se ele aprovar, façamos um segundo específico para educação. E isso aos poucos.    As emissoras privadas comerciais não têm interesse na multiprogramação por uma razão muito simples: o bolo publicitário não vai crescer significativamente. Ele é X; se você botar quatro programações diferentes, você vai dividir X por quatro. No outro você divide X por um. Ou seja, você continua a entrar no X e você está gastando mais fazendo quatro.    

Já no caso da TV pública, que não tem esse objetivo comercial, eu não preciso me preocupar de dividir o bolo publicitário. O que me interessa é a oferta e a programação que faço. Nós assistiremos, provavelmente mais à frente, às TVs comerciais se contentando em ter um canal com uma ótima qualidade, etc, e na máxima interação para venda de serviços, etc. Enquanto na TV pública você terá várias programações, multiprogramação e um interesse numa atividade maior que permita, inclusive, que o sujeito que está em casa.   

Isso quem tiver banda larga, que irá compor a programação que ele deseje, pegar programas. Eu posso ter um bloco de filmes brasileiros — vai lá e pega, é gratuito. Na TV comercial ele vai ter que pagar para isso. Então eu diria que a TV digital é um avanço muito importante para o poder publico.   


Neste ano, vencem algumas concessões de rádio e TV no país. A grande mídia brasileira e setores da oposição ficaram muito impactados com o que houve na Venezuela, a questão da não-renovação do sinal da RCTV, tendo já explicitado sua preocupação de que o governo brasileiro possa trilhar esse mesmo caminho com emissoras que são mais críticas ao governo.

Eu acho isso um preconceito mais do que qualquer coisa. O governo brasileiro nunca emitiu nenhum sinal de que está se preparando para fazer isso. Acho que isso é mais um discurso ideológico, uma coisa de querer de vez em quando pendurar no governo uma etiqueta de antidemocrática. Mas isso não corresponde nem um pouco à realidade.   

Na verdade é o seguinte: as empresas de rádio, televisão, os jornais, as revistas, a imprensa de um modo geral, gozam de uma liberdade de imprensa total no Brasil. Publica o que quer — e evidentemente que, quando se publica o que quer, a gente também está sujeito a críticas. Não quer dizer que publiquei e está por isso mesmo. E quem é o crítico mais severo? É o telespectador, é o ouvinte, é o leitor, que muitas vezes olha e diz que não está me convencendo isso aqui, e toma distância, fica crítico, deixa claro que não está gostando daquilo… E isso força retificações, força mudanças.    

Nós estamos assistindo, o conjunto da imprensa brasileira, a uma retificação positiva de comportamento, que é fruto do fato de muitos leitores, muitos telespectadores, terem durante aquele período da crise, formado uma visão muito crítica em relação ao comportamento desse ou daquele órgão, desse ou daquele jornalista, etc. Acho que é positivo para a imprensa.    

O controle externo da mídia deve ser feito pela sociedade. Não pelo governo. A sociedade cuida disso. Eu já disse varias vezes: não cabe ao governo plantar, regar e colher órgãos favoráveis nem asfixiar órgãos que não são favoráveis. É a sociedade quem cria e consolida órgãos ou então que enfraquece órgãos que vai chegando a conclusões que não estão a altura dos serviços que eles se propõem a prestar.   

O senhor concorda com uma lei que regule o setor, tipo a lei de Responsabilidade Social de Rádio e Televisão que tem na Venezuela e que o governo de Hugo Chávez se baseou para não renovar a concessão do canal?
Eu não vou me pronunciar sobre a questão da Venezuela. Quando falo, eu estaria falando como ministro, falando portanto como governo, e a posição do governo é a não-interferência nos assuntos de outros países. Isso vale para agora como valeu quando ocorreu a reunião do Mercosul.   

O presidente Chávez trouxe uma proposta de que o Conselho dos Países do Mercosul aprovassem uma resolução de apoio ao fechamento da televisão lá, e o Brasil foi contra por achar que não deveria interferir nos assuntos dela.    

O governo brasileiro cumpre seu papel básico na relação da imprensa no Brasil que é garantir a mais absoluta e irrestrita liberdade de imprensa. E acha isso muito bom para o país. Acha bom para a imprensa. E acha bom para o governo, porque o governo sendo criticado pode perceber os seus erros. Quando as críticas são justas, pode reafirmar seus pontos de vistas.   

É bom para a imprensa porque a imprensa exerce a liberdade, mas ela também se submete ao julgamento crítico dos seus leitores, telespectadores e ouvintes. É bom para o Brasil, que vai aos poucos separando o joio do trigo e qualificando o debate publico. Só com liberdade se faz um debate público qualificado.   

Ministro, o movimento das rádios comunitárias denuncia que neste governo do presidente Lula têm sofrido mais perseguição do que nos governos anteriores. Como o senhor vê esse processo de concessão para as rádios?
Eu não tenho condição de dizer a você se nos outros governos eram mais abertos que este. Não estou contestando — apenas não tenho condição de confirmar ou rejeitar sua afirmação. Pessoalmente, o governo vai ter que fazer um esforço muito sério na área das rádios comunitárias porque nós estamos no faroeste.  

Nas chamadas rádios comunitárias existe de tudo hoje em dia. Existem rádios que efetivamente são comunitárias e estão legalizadas. Existem rádios que efetivamente são comunitárias e não estão legalizadas e querem se legalizar. Existem rádios que não são comunitárias e estão legalizadas como comunitárias. E existem rádios que não são comunitárias e não estão legalizadas.   

E são milhares de rádios, com uma potência muito baixa interferindo umas nas outras etc.. Muitas delas são, na verdade, rádios comerciais disfarçadas, justamente porque o espectro é finito e acabou, quer dizer que se invadiu uma outra área.    

Acho que é necessário fazer uma varredura. Nós tivemos ontem (29/5) em São Paulo problemas importantes de interferência de rádios comunitárias. Eu não sei te dizer se são rádios comunitárias verdadeiras ou não, legais ou não. Mas sinais de rádios comunitária, de pequeno alcance de 1 quilômetro, 2 quilômetros, interferindo nas comunicações entre aviões e aeroportos, é uma coisa grave. Eu acho que era necessário fazer um mutirão. Essa é minha opinião.   

Isto não é algo que esteja afiado ao Ministério da Comunicação, da Secretaria de Comunicação Social — isto quem tem que realizar é o Ministério das Comunicações junto com a Anatel. Mas eu acho que tem que ser feito mutirão que bote ordem nessa área. O que é comunitário tem que se ceder e tirar registro, tem que se ceder o diploma para funcionar e o que não é comunitário não pode funcionar. E o que está funcionando como comunitária e não é, tem que ser cassado.   


As teles e as TVs pressionam o governo de várias formas. E a lei geral de telecomunicações — como o senhor está vendo o processo?
O Ministério da Comunicação está trabalhando em cima de um projeto na Lei Geral de Comunicação de Massa, que será discutido oportunamente no governo. Eu ainda não tive acesso a esse material e é uma discussão importantíssima. Você pode dizer que há uma lei de comunicação — mas é do tempo do rádio, do começo da televisão. Então ela não contenta todas as transformações tecnológicas que nós atravessamos. Então é necessário.    

Tem uma disputa forte entre importantes grupos empresariais de natureza distinta. Por exemplo, com a convergência de mídias e hipóteses de que as teles possam produzir conteúdo. Com a convergência de mídias, mantemos o atual modelo em que as teles não podem produzir conteúdo. O conteúdo tem de ser produzido apenas por empresas que no máximo até 30% do seu capital esteja fora das mãos de nacionais, com direção nacional. Ou as teles passarão a produzir e sendo assim têm que haver uma revisão da coisa anterior. São disputas de dois grupos fortíssimos.    

As teles são grupos econômicos muito fortes. Por outro lado, as televisões são grupos políticos muito fortes, com influência política muito forte. E isso se dá dentro do processo de migração para o digital, surgimento de novas mídias etc. Nós estamos vivendo uma ebulição muito grande. É evidente que teremos que ter uma lei geral de comunicação de massa que responda a uma série dessas questões. Mas eu estou preocupado neste momento é com a TV Digital.   


O senhor fez carreira na grande imprensa. Como se sente agora ao estar participando de um governo?
Eu nunca estive do lado dos meios de comunicação. Sou jornalista. Apenas hoje em dia não estou correndo atrás de notícias para publicar todo dia. Estou procurando passar a minha competência entre aspas. Minha experiência para que o governo possa ter uma relação profissional democrática fluída com a imprensa. Acho que isso é muito bom para a imprensa, muito bom para o governo, muito bom para o país.    

Nós vivemos nos últimos anos, em 2005 e 2006, uma crise política gravíssima e, em alguns momentos, uma crise política selvagem, que não respeitou qualquer limite. Partimos para o vale-tudo. O país chegou a se intoxicar. Nós estamos numa fase de desintoxicação, de desenvenenamento. Houve uma época que dois amigos começavam a conversar sobre política, e dez minutos, cinco minutos depois estavam elevando o tom de voz um para o outro como se fossem dois inimigos totais. Isso porque os dois lados se desqualificaram nessa disputa política.    

Eu acho que o eleitor, nas eleições de 2006, não apenas elegeu o presidente Lula, mas fez mais do que isso. Ele deixou muito claro que ele não queria um prosseguimento daquele clima envenenado no país. Ele queria uma distensão nas relações políticas, que está preocupado que o país cresça e que a vida das pessoas melhore, que as pessoas tenham melhores condições de vida e de trabalho, que o país seja mais justo, que haja inclusão social, emprego, renda, melhore a educação, que enfrente os problemas de segurança.   

Ele queria debate e solução para os seus problemas complexos e não um paroxismo de disputas políticas do qual ele desconfiou e do qual tomou distância a partir de um determinado momento.    

Em todas as oportunidades em que um candidato subiu de tom agudamente, que ficou parecendo pirotecnia, imediatamente foi punido nas pesquisas. A senadora Heloísa Helena teve um crescimento forte durante um período. Quando ela partiu para um ataque frontal — e, na minha opinião, artificial — em relação ao governo, imediatamente ela caiu nas pesquisas. Ela tinha chegado a 12, foi acabar com 6.   

O governador Geraldo Alckmin, quando passou do ponto no segundo turno, caiu imediatamente. O presidente Lula, quando não foi ao debate no primeiro turno, caiu. E houve um segundo turno por causa disso. O governador Alckmin, quando se recusou a debater a questão das privatizações, dando a entender que a posição dele não era a que o eleitorado achava que era a posição do partido dele, favorável as privatizações — afinal, o partido dele tinha conduzido o megaprocesso de privatizações no Brasil —, quando ele também recusou o debate, ele que já estava nas pesquisas 12 pontos atrás do presidente Lula, caiu para 20 pontos atrás.    

Então, nós tivemos um eleitor muito maduro, muito vigilante, atento, mostrando o seguinte: eu quero um debate qualificado. O bom do resultado eleitoral, eu acho, foi essa posição do eleitor, passando para sociedade como um todo. As pessoas foram entendendo o que se aconteceu, que não queriam mais. Queriam se desintoxicar, começamos a nos desintoxicar.    

A mídia entendeu que em alguns momentos tinha alguns demais, indo longe demais… E que tinha que reagir ao puxão de orelha que estava levando. O governo entendeu que tinha que ter uma relação diferente com a mídia. Não podia continuar tendo atitude defensiva escondida da sociedade. Tinha que assumir claramente o debate de suas propostas de suas posições. Ou seja, travar a disputa política, o que ele não fez em boa parte da crise, ele se escondeu e quis botar a culpa só na mídia.   

A mídia tem a sua responsabilidade, mas o governo tem a sua. Porque ele não travou a disputa política e a oposição também foi forçada a repensar sua atuação. Por isso que nós estamos assistindo a um clima de distensão no país. É impressionante. O presidente Lula está entrando agora no sexto mês do seu mandato. E, no entanto, o clima é de distensão política total no país. Nós não estamos tendo aquele clima exasperado. Por quê? Prevalecendo a vontade do eleitor que impôs um novo ambiente para a luta política no país.   

Apesar da Operação Navalha…
Mas isso é normal. O Brasil tem muitos problemas. E quando aparecem os problemas há uma sensação de desconforto. Mas o problema não nasceu agora, já existia. Ele está aparecendo porque as operações estão detectando os problemas, trazendo à tona, revelando fatos, exibindo atividades criminosas. Isso é ruim? Tem um lado ruim — era melhor que não fosse assim. Mas tem um lado bom: nós estamos topando com os nossos problemas.   


O clima de desintoxicação se pôde perceber também na primeira entrevista coletiva do presidente com a imprensa, apesar de alguns jornalistas estarem querendo alimentar um certo tensionamento ainda. Mas a grande maioria percebeu que foi uma coletiva tranqüila.
O presidente está mais tranqüilo na sua relação com a imprensa. O presidente tem falado muito com a imprensa, se dispôs a ter uma relação de novo tipo com a imprensa no segundo mandato — e está tendo. Ele já deu mais de 50 entrevistas dessa chamada quebra-queixo, que são entrevistas nas saídas de eventos. Na saída de um ato, responde a duas, três perguntas feitas pela mesma repórter. São declarações, perguntas — geralmente perguntas sobre os assuntos do dia.   

Nós, que somos jornalistas, sabemos como isso é importante do ponto de vista da imprensa. Como é importante do ponto de vista da comunicação do governo. Ou seja, ele está falando sobre os problemas que estão nas cabeças das pessoas porque as perguntas são feitas. É uma relação intensa.   

Além disso, já teve café da manhã com os principais colunistas do país, respondeu a todas as perguntas que eles fizeram. Teve com os setoristas do Palácio do Planalto. Deu aquela entrevista coletiva. E ele falava muito. Tem direito a réplica. E aí eu abro um parênteses. Isso é uma questão de bom senso — se há réplica.   

O que se chama réplica é pedido de esclarecimento. Eu queria precisar que não ficou muito claro isso. Eu acho que é absolutamente pertinente em qualquer entrevista coletiva. Se você quer fazer uma nova pergunta, uma terceira pergunta ou debater com o presidente, pessoalmente, acho que não cabe numa entrevista coletiva. Porque não é entrevista exclusiva, que você faz quantas perguntas que você quiser. Uma coletiva tem uma regra. Eu acho que houve aqui ou ali algum jornalista que não pegou muito bem o espírito da coisa   

Mas acho que o conjunto da coisa foi de compreensão de que isso aqui é uma entrevista coletiva onde cada um tem direito a uma pergunta, faz perguntas, adendos de perguntas, e se for necessário esclarecer algum aspecto ou se tiver havido uma incompreensão da pergunta, uma coisa assim… Tirando isso, acho que foi boa a entrevista. O presidente esteve bem. Nosso presidente está muito bem.    

Além disso, o presidente tem falado muito com a imprensa de outros países. O presidente, em quase todas as viagens mais importantes, e no caso de todas as viagens para a América do Sul, está dando entrevistas exclusivas ou coletivas aos principais jornais desses países. Fez assim quando foi ao Chile, a Argentina, no Paraguai, agora vai à Índia. Em Londres, ele vai dar entrevista para os principais jornais indianos, e provavelmente dará entrevistas para jornais ingleses e televisões inglesas.   

O presidente está falando muito. E ele mesmo diz que está mais leve, soando leve. E acho que a imprensa está mais leve. E, se eu tivesse que definir, acho que todos estamos mais leves — e isso é muito bom. 

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Participação pela Internet

Como um novo canal de diálogo entre Governo e cidadãos, a Rede Mundial de Computadores permite um novo exercício da cidadania. No Ministério da Cultura, a Internet vem possibilitando a comunicação interativa com o cidadão, além de abrir espaço para a cooperação e a expressão de atores sociais nas ações da instituição. "O cidadão deixa de ser apenas espectador e passa a ser participante ativo", afirma José Murilo Júnior, gerente de Informações Estratégicas do MinC.  

Na entrevista abaixo, José Murilo explica como os fóruns virtuais e debates online, em tempo real, fomentados pelo MinC têm assegurado a participação de cidadãos e adianta como serão organizadas as oficinas que antecedem o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural – a ser realizado nos dias 27 a 29 de junho, pelo Ministério da Cultura e a Organização dos Estados Americanos (OEA). 

Os interessados nos temas já podem discutir os textos preparados pelos curadores das oficinas por meio do Fórum Virtual. Os leitores têm a possibilidade de fazer comentários e provocações em um blog, que será constantemente atualizado por um moderador. As oficinas vão mapear, ouvir e conectar especialistas e atores sociais para discutir os temas, induzir uma rede autônoma e contribuir para a preparação do Seminário. 

O MinC vem experimentando novas formas de promover, por meio da Internet, uma maior participação do público em suas ações. Como isso vem acontecendo? 
Murilo – Começou ainda em 2004, quando montamos a interface do 1º Concurso de Idéias Originais e Demos de Jogos Eletrônicos. A idéia do ministro Gilberto Gil foi promover a criação de games baseados em idéias originais de jovens brasileiros. Para isso, criamos uma interface que convidava os participantes a abrirem suas criações à colaboração de outros, fomentando um processo de facilitação para o surgimento de narrativas emergentes e propondo um exercício para utilização dos então recém-criados conceitos de licenciamento Creative Commons. Em 2005, o Seminário sobre Indústrias Criativas e o Programa Cultura e Pensamento incorporaram as idéias de utilização da Web para alargar o alcance dos debates em que reuniu pensadores da cultura em torno de temas contemporâneos. Em 2006, além da re-edição do Cultura e Pensamento, vários eventos como o Seminário sobre Mídia e sobre Capitalismo Cognitivo também estiveram disponíveis em transmissão ao vivo pela Internet. Na sequência, já em 2007, o Fórum de TVs Públicas foi contagiado pela utilização da Web como efetivo instrumento para o acompanhamento remoto e para o debate online em tempo real. 

Quais os resultados obtidos até agora? 
A Webcast, publicação de conteúdo em áudio e vídeo, e a disponibilização de fórum para abrigar os debates são válidas por propiciarem um eficiente modelo de documentação multimídia dos eventos, o que certamente vem multiplicando o efeito de tais reflexões na rede. O que viemos perceber agora com a realização do Fórum de TVs Públicas é a importância fundamental de se mobilizar efetivamente o público interessado no debate por meio da aglutinação abrangente de representações legítimas dos setores da sociedade pertinentes ao tema, e ao mesmo tempo facilitar a utilização das ferramentas de interatividade online por parte deste público.  O I Fórum Nacional de TVs Públicas foi a experiência mais recente de interatividade que o MinC realizou [entre os dias 8 e 11 de maio deste ano]. Foram oferecidos no site do ministério um espaço para a Participação Remota. Os internautas podiam criar blogs para publicar seus comentários, artigos e outras contribuições para o Fórum, ou então acompanhar os debates ao vivo pela Internet, sendo possível enviar perguntas para as mesas do evento. Outro serviço que foi disponibilizado foi o Fórum de Discussão, composto por "salas" relacionadas aos temas discutidos no evento. As participações via Internet multiplicam o grau de representatividade do evento, possibilitando aos agentes do processo de implementação da TV Pública conhecer e levar em conta o que os setores interessados esperam dela, cooperando então para a definição sobre a gestão, a programação e a fiscalização dessa TV, além de firmar o compromisso que ela deve ter com a sociedade. O resultado de toda discussão foi apresentado na Carta de Brasília, lida no encerramento do Fórum.  

Com a experiência adquirida, o que o MinC está propondo em termos de participação online para os próximos eventos? 
Para o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural estamos propondo a realização de oficinas temáticas online, as quais estão tomando o formato de blogs a serem lançados antecedendo o evento presencial. A idéia é que tais oficinas – que contam com um curador especialista para orientar o debate, e um 'blogueiro' para pilotar o blog e facilitar a experiência de interatividade do público interessado – antecipem a mobilização dos atores pertinentes aos temas que serão debatidos no Seminário, tratando de aquecer o debate. A oficina do tema Cultura Digital está a 'pleno vapor'. As outras três oficinas são: Conhecimentos Tradicionais; Economia da Cultura; e Propriedade Intelectual. Acreditamos que os 'oficineiros', incluídos aí todos os que se sentiram de alguma forma atraídos pelo tema e se engajaram no debate na rede, passam a ter um papel fundamental na oxigenação do evento presencial. Trata-se de uma variação do formato de 'desconferência' (unconference), que parte da premissa de que na audiência podem – e devem – existir pessoas mais interessantes para a qualidade do debate do que a suposta autoridade do conferencista. O sucesso de tal iniciativa pode transformar o evento presencial em mera etapa de um processo que ganha então impulso próprio. Mas isso é apenas o nosso desejo. No momento, resta-nos trabalhar pelo sucesso do projeto. 

De que forma esta estratégia se relaciona com o conceito de Cultura Digital, difundido pelo MinC? 
Murilo – O ministro Gil costuma falar desse novo contexto, no qual a convergência tecnológica torna-se fato cultural, onde capacitar e instrumentalizar a sociedade para o uso das tecnologias digitais livres é fundamental para a realização plena da cidadania. Os Pontos de Cultura vêm cumprindo esse objetivo ao propor modelos efetivos de apropriação comunitária de conteúdos e dispositivos digitais, ao mesmo tempo em que promove a autonomia dos criadores e a auto-gestão política de seus processos. Mas a Cultura Digital é também a possibilidade de se eliminar a exclusão ao acesso público à informação, à tecnologia, e à possibilidade de livre expressão. Estamos falando de uma verdadeira revolução. O debate sobre estas novas realidades deve ter lugar no ambiente governamental, e também na sociedade. A Cultura Digital prospera na construção destas inúmeras novas interconexões. Temos trabalhado no desenvolvimento de procedimentos e aplicações que possam constituir ferramentas efetivas de alargamento do alcance e de facilitação do livre fluxo da comunicação neste debate, no qual todos nós somos potenciais interlocutores. Nisto estamos trabalhando.

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A representação do negro na televisão

Em entrevista exclusiva ao Observatório do Direito à Comunicação, o publicitário e diretor executivo do Instituto Mídia Étnica diz que é preciso descolonizar os meios de comunicação para resgatar conceitos e valores presentes na cultura negra. De acordo com ele, a estrutura dos meios e seu conteúdo são extremamente nocivos à formação dos jovens e crianças afrodescendentes, pois exercem forte influência na forma de viver e ver o mundo. “A tendência é negar sua própria identidade”, afirma. Para o ativista, as reflexões sobre racismo devem necessariamente pautar a concepção de TV pública no país: “É tolerável que uma TV comercial não represente o negro, mas é inaceitável que uma TV pública, que se propõe a dar voz aos diversos segmentos da sociedade, faça a mesma coisa”.

Confira os melhores momentos da entrevista:

Observatório do Direito à Comunicação – O Brasil é famoso por sua diversidade, inclusive racial. Essa diversidade tem vez na televisão?
Paulo Rogério Nenes – Esta diversidade não é representada na televisão porque ainda se valoriza na TV, como em várias esferas da sociedade brasileira, a matriz européia de pensamento e comportamento. Negros e indígenas não são representados de maneira digna na TV: ou são representados de maneira estereotipada ou não aparecem. Na verdade, o Brasil tem como uma de suas principais características a sua diversidade cultural e as diversas contribuições dos povos, mas a TV não representa estes grupos. Isso parte da ideologia que fez com que políticas públicas do Estado brasileiro e toda concepção dentro da escola, das universidades e nos meios de comunicação valorizassem e privilegiassem esta matriz européia. É a matriz do colonizador. E o Brasil é quem perde com esta história toda porque não se conhece. Ao valorizar apenas uma vertente étnica e racial nos meios de comunicação e nas outras esferas da vida, perde a chance de entender as outras contribuições trazidas pelos africanos e daqueles que já estavam aqui, como os indígenas. Isso é grave porque causa uma falsa imagem do país. O professor Hélio Santos (economista da USP) sempre diz que a TV da Dinamarca e da Europa em geral têm mais negros que a do Brasil. Nosso país não pratica a diversidade, e as instituições, como a escola, a igreja ou os meios de comunicação, cometem este racismo institucionalizado por privilegiar um determinado tipo étnico e um padrão de beleza, de comportamento, de vida.

ODC – O racismo que ainda existe no Brasil tem sua face televisiva?
Claro. Pra fazer uma reflexão, vamos lembrar quem era Mussum? Um homem negro ébrio, estereótipo do negro maltrapilho, vagabundo, sem perspectiva. Em vários momentos da teledramaturgia e em outras produções da TV brasileira, há uma carga muito grande de estereótipos e preconceitos. Há uma ação deliberada para, além de sub-representar, colocar os negros e negras em patamar de desigualdade, de inferioridade. E isso é prejudicial para quem assiste. Para o jovem negro ou para a criança que está formando sua identidade isso é extremamente nocivo, pois exerce forte influência na forma de viver e ver o mundo. Por isso, se não atacarmos o racismo nesta esfera da produção, ele vai continuar sendo reproduzido em larga escala. É desproporcional termos tantas organizações e pessoas que falam em desigualdade racial pelo país e a TV reafirmar valores racistas.

ODC – Onde ele (o racismo) se manifesta de forma mais evidente?
Não é possível qualificar onde acontece mais fortemente. Há uma questão institucionalizada de sub-representação da personagem negra. Pesquisas recentes mostram que as televisões têm apenas 5,5% de apresentadores e profissionais que aparecem no vídeo que são negros. Há também a ausência da discussão sobre a cultura negra. Por muito tempo, aprendemos na escola que o negro foi passivo no processo de colonização e escravidão no país, que a ciência e as artes, e tudo que o ser humano conseguiu produzir foi feito pelos europeus. Isso é uma mentira que o movimento negro e a sociedade vêm denunciando nos últimos anos e que a TV também precisa denunciar. É necessário contar as histórias dos grandes líderes negros, dos cientistas negros, mostrar contribuições que a mídia por muito tempo negou. Deve haver um momento de pensarmos uma descolonização dos meios de comunicação, a descolonização do pensamento e da produção de conteúdo para resgatar conceitos e valores trazidos da África pra cá.

ODC – Que soluções você aponta para a invisibilidade, a distorção, o espelho infiel que é a mídia para esta população?
Para além da discussão sobre a cultura negra, é importante que haja negros falando disso e de outros temas, que sejamos fontes, repórteres, apresentadores. Mesmo que estejamos falando sobre física quântica, é importante que haja um negro lá, exercendo seu direito à comunicação. São duas vertentes de solução. A primeira é a construção de veículos de comunicação feitos por negros, por afrodescendentes, que exista uma mídia negra efetivamente no Brasil. Esta mídia vai ter nosso ponto de vista sobre temas nacionais, não só falar sobre racismo ou cultura negra. Será o nosso ponto de vista sobre educação, saúde, desenvolvimento. E a imprensa negra já aconteceu no Brasil. Havia jornais feitos por afrobrasileiros que denunciavam o racismo, mas também pautavam a sociedade brasileira. O segundo ponto é o da representação nos veículos tradicionais. É necessário termos negros nos veículos de comunicação tradicionais e grandes, porque a comunicação que chega a todas as pessoas é fundamental e é central mudá-la a partir de suas estruturas. E isso tudo deve estar conectado com uma visão de futuro sobre convergência digital e novas ferramentas de comunicação. Na ocupação destes novos espaços, devem ser priorizados os grupos historicamente excluídos, como negros e índios.

ODC – Há indícios de que estamos mudando para melhor? É possível citar exemplos positivos?
A  publicidade, aqui na Bahia, por exemplo, mudou em relação à inserção dos negros. Isso não acontece por benevolência, mas pelo aspecto econômico. Não dá pra vender um produto para classes C e D e não colocar um negro dando um depoimento, por exemplo. Isso tem mudado e a publicidade já reflete mais a população negra, assim como alguns programas de televisão e filmes que já abordam a cultura negra. Na política em geral podemos ver algumas coisas avançando, como a criação da secretaria (Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR), ações do MEC na implantação da Lei 10639 (que institui o ensino sistemático de história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica). Estes avanços são prova de que o movimento negro conseguiu colocar uma agenda de reivindicações e de transformação. Mas isso não está refletido na mídia. Pelo contrário. Há, na mídia conservadora, um clima de fortalecimento do discurso contra as cotas, se articulando para deslegitimar as ações afirmativas. É natural, porque é uma disputa política colocada na sociedade brasileira hoje. Se houvesse uma proposta de ação afirmativa nos meios de comunicação, isso seria extremamente questionado e rechaçado pela elite. Essa elite, no geral, reconhece que existe racismo, mas não reconhece a necessidade de medidas para solucionar este problema.

ODC – Como a comunicação pode ajudar a superar a nossa história racista?
A comunicação é estratégica para o avanço da nossa luta, da luta contra o racismo e o desenvolvimento da comunidade negra em todo mundo. Pensando globalmente, na África, no Caribe, em países onde há negros, a comunicação possibilita que grupos historicamente sem representação tenham voz. Sem a apropriação dos meios não conseguiremos pautar nossa luta, nossos discursos. A comunicação no país foi sempre uma comunicação em que poucos falam e muitos ouvem. Precisamos construir no Brasil uma outra comunicação, em que muitos falem e muitos ouçam. É impossível democratizar a comunicação e fazer valer o direito à comunicação sem discutir a representação dos povos historicamente excluídos neste ambiente. Neste sentido, a comunicação é a possibilidade de ampliação de horizontes, a conexão com outras comunidades, a articulação e a ampliação de visão de mundo. E as tecnologias são elementos importantes nesta luta. A inclusão digital, por exemplo, é uma necessidade para o Brasil, mas o quadro de exclusão, que é complicado para todos, é ainda pior para os negros.

ODC – Os recentes debates sobre a TV pública deveriam, já na sua concepção, fazer esta discussão? Qual o risco que corremos se não a fizermos?
O debate sobre a TV pública está colocado na agenda nacional e é de extrema relevância. Discutir TV pública é discutir uma comunicação que possa dar voz à sociedade de fato, que não seja uma comunicação apenas comercial ou estatal. Este é um elemento fundamental para a democracia. Para discutir TV pública na nossa realidade política, é necessário discutir a presença dos negros nesta TV. Uma pesquisa recente feita pela Fundação Palmares mostra que hoje apenas 0,9% do conteúdo das televisões do campo público (TVE, Cultura e Radiobrás) aborda a cultura negra. Então, o espaço da TV pública deve necessariamente buscar acabar com a hegemonia dos grandes meios de comunicação e refletir a diversidade que temos. É inaceitável que uma TV pública, que se propõe a dar voz aos diversos segmentos da sociedade, apresente um quadro como o que vemos hoje. Para isso, é fundamental que haja articulação entre sociedade civil e movimentos para fazermos pressão pelo envolvimento de pessoas negras neste debate, inclusive para a contratação, e para que o conteúdo negro esteja representado nelas. Seria no mínimo contraditório se as TVs públicas e educativas não refletissem sobre este assunto.

Active Image permitida a publicação, desde que citada a fonte original.

A nova gestão da Funarte

Celso Frateschi é ator, diretor e autor teatral, ator de televisão e cinema e produtor de cinema, e já soma mais de trinta anos de carreira. No campo acadêmico, atualmente é professor licenciado da Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo, da qual também era vice-diretor. Na gestão pública, já foi secretário de Cultura em Santo André e, em São Paulo, durante a gestão Marta Suplicy, foi diretor do Departamento de Teatro e, em seguida, Secretário Municipal de Cultura. Desde o final de abril, é o presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte), órgão independente ligado ao Ministério da Cultura e responsável por tornar reais boa parte das políticas por ele geradas.  

Em sua atuação como gestor, Frateschi realizou projetos de fomento ao teatro e à produção cultural na periferia, trabalhou uma agenda conjunta com a Secretaria de Educação, especialmente nos CEUs, e criou o Museu Afro-brasileiro. De seu gabinete na Funarte, falou-nos sobre as diretrizes da cultura na gestão Lula/Gil, de democracia participativa, de fomento aos produtores independentes, teceu elogios ao programa Cultura Viva e críticas à estrutura de direção da própria Funarte, além de apontar alguns malefícios do atual modelo de fomento à Cultura. 

Leia os melhores momentos da entrevista: 

CulturaeMercado – Parte da imprensa noticiou que o senhor assumiria a presidência da Funarte com carta-branca do Ministro Gilberto Gil. O que isso significa? Como ela se traduzirá no seu projeto para a Funarte?
Celso Frateschi – Em primeiro lugar, eu nunca pedi, portanto nunca recebi, nem me interessa receber carta-branca do ministro. Pelo contrário, quero o envolvimento do Ministério e do ministro em todos os projetos que for realizar aqui na Funarte. A carta-branca, se me dá liberdade, ao mesmo tempo tira o compromisso daqueles que eu quero que se comprometam a fazer os projetos comigo. Em política, não tenho interesse em desenvolver um projeto pessoal, e não propus projetos pessoais quando estive nos governos de Santo André e de São Paulo. Entro nesta gestão por acreditar no projeto coletivo por ela proposto, e não tenho pretensão, expectativa ou querência de ter carta-branca. Acho que tem sim uma contribuição pessoal minha, algo com que eu possa colaborar, mas isso dentro de um projeto coletivo. Tenho sim muita liberdade de propor e de executar, como também muito compromisso com este projeto. 

O senhor já afirmou, em entrevista anterior, acreditar em dois pontos de vista diferentes para se encarar o processo da cultura: como direito de cidadania ou como atividade econômica. A última gestão da Funarte, até por ter tido a tarefa de praticamente se reerguer do nada, privilegiou a estruturação econômica, inclusive com uma política setorialista. O plano agora é o de aprofundar essa visão, estruturando-a melhor, ou o de diversificá-la, pensando no acesso do cidadão também aos bens de produção de cultura?
O tripé do governo Lula em Cultura, capitaneado pelo Gil, define três grandes linhas: o desenvolvimento da cultura na questão simbólica, a cultura como direito de cidadania e a cultura como atividade econômica. A equação que o governo propõe coloca essas três dimensões do trabalho cultural interagindo e alimentando-se, provocando-se mutuamente. Não concordo que o Grassi [Antônio Grassi, presidente anterior da Funarte] tenha inclinado-se de maneira desequilibrada a essa parte econômica. Foi uma preocupação, mas se ele pretendeu desequilibrar foi para o lado da cidadania cultural ao reavivar a Funarte com projetos amplos procurando atender o Brasil como um todo e em várias áreas artísticas. Não pretendo mudar essa linha, nem me contrapor a esse tripé. Pelo contrário. E pretendo colocar minha experiência para desenvolver isso da forma mais ampla possível. Num primeiro momento analisamos os editais da gestão anterior, e agora estamos priorizando a federalização, com iniciativas como a de realizar prêmios que tem disputa por Estado, não deixando prevalecer a concentração de prêmios e verbas em projetos do eixo RJ-SP. Os projetos de um determinado Estado disputarão entre si. Não chegamos a uma versão definitiva deste modelo, mas avançamos bastante. Uma coisa é certa: para desenvolver as três vertentes, será necessário trabalharmos integrados com o Ministério e com o Governo como um todo.
 
Quão independente é a Funarte para fugir da lógica do estímulo à produção dependente das leis de fomento?
Sabe, nós precisamos relativizar um pouquinho esse conceito de dependência ou independência. Nós temos interesse inclusive de intervir na lógica dos Programas Nacionais de Cultura, e já intervimos em sua prática. O Pronac, por exemplo, tem boa parte dos pareceres vindos da Funarte, ficando as decisões para o CNIC e, em última análise, para o Ministro. Se nos colocarmos como independentes, acabaríamos não participando dessas discussões de critérios da Lei Rouanet e de formas para melhorá-la. Isso não pode acontecer, pois queremos estar dentro do Governo, sugerindo ações e propostas para que a arte e a cultura estejam em pauta no conjunto do Governo, assim como queremos ser permeados também pelo governo. Hoje, a Cultura é discutida de uma forma estratégica. A participação do ministro em pautas como a da TV Pública demonstra isso. É preciso uma certa independência sim, para que não haja interferência das outras áreas na atuação do artista. Estamos num processo, num momento, em que a Cultura já não é tratada mais como apêndice da educação. Mas isso não significa que não devemos ter um trabalho orgânico com a educação. A cultura por muito tempo foi vista como uma ação meramente ligada a eventos, como uma ação cultural ou institucional, de governo ou de empresas. São ações que limitam a função artística, e que estamos superando. São ações muito visíveis, principalmente quando a cultura vira subproduto, quando, na verdade, ela é o produto principal, não precisando travestir-se de nada para ser importante ou estratégica.  

Como a Funarte articula-se e qual seu potencial de articulação com políticas externas à sua estrutura como a lei Rouanet, os Funcines e o Fundo de Cultura?
Ela tem institucionalmente essa função. Agora, nem sempre ela pode fazê-lo. É preciso lembrar que a Funarte foi destruída no governo Collor e abandona na gestão FHC. Mas ela tem, sim, como interferir nas discussões do Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac e da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – CNIC, por ser quem avalia a maior parte dos projetos que pedem recursos em seu âmbito. Estamos discutindo as Instruções Normativas que definem as políticas de fomento e tendo assento nestes fóruns, dos quais, antes, não participávamos. Agora, nesta gestão, parece-me que estamos conseguindo um trânsito bastante positivo no conjunto do Ministério da Cultura e de suas secretarias. 

Neste sentido, o recente Requerimento 69/2007 da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, de autoria do Deputado Paulo Rubem Santiago, convidando o senhor e uma série de Secretários do MinC e os presidentes da Ancine e do Iphan para debater o Plano Nacional de Cultura é uma atitude positiva?
Claro que é positiva. É fundamental que estejamos numa instância tão importante quanto a Câmara, nem que seja para explicitar nossas mazelas e dificuldades todas num órgão que pode ser um grande aliado para desenvolver nossas ações. 

É demais imaginar uma Funarte como mais do que uma “agência” de fomento, indo um passo além da reestruturação que marcou os últimos quatro anos e atuando como geradora, articuladora e executora de políticas publicas, inclusive atuando na proposição de um modelo político para as artes?
A questão é que, como agência de fomento, ela é geradora e executora também. Mas esse é, sem dúvida, apenas um dos aspectos da Funarte, e todo o esforço do Ministério é para que ela atue na formulação de políticas públicas estruturantes para o futuro do país. A nossa missão é executar de uma maneira mais efetiva o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura, já consagrado em discussões na gestão anterior deste governo. A Funarte vai ter uma grande participação na efetivação das políticas, e isso significa discutir e ter planos conjuntos com Estados e municípios seja com os editais da Funarte, seja com os Pontos de Cultura. Agora, o esforço é o de alcançar a consagração definitiva do Sistema e do Plano. 

Como a greve dos servidores da Cultura, baseada sobretudo no Rio de Janeiro, afeta a Funarte, qual a posição da Fundação e que desafios ficam evidenciados?
É evidente que a greve afeta de uma maneira bastante importante as atividades da Funarte. E é esse o sentido dela. Ela é uma ação para que o Governo, como um todo, responda às manifestações e o Ministério tem se posicionado de maneira bastante explícita como favorável às reivindicações dos funcionários, que estão sendo discutidas com o Governo. O Ministério tem pressionado para que essa negociação com o Ministério do Planejamento seja realizada, e torne-se possível o cumprimento do acordo realizado entre servidores e Governo em 2005. Temos uma relação bastante “civilizada” com os funcionários da Cultura em todos os locais onde atuamos, e essa greve nos prejudica bastante. 

Quais a sua visão da abrangência do programa “Cultura Viva” em sua utilização como campo de articulação de políticas que visem à “cidadania” por meio da arte, articulada com a educação e com perspectivas de sustentabilidade econômica?
Acho que o Cultura Viva é o grande sucesso da gestão Gil, e ele vem se implantando com uma rapidez muito grande. Passa aos poucos a ter um caráter mais federativo e a posição do Célio Turino tem sido muito positiva neste sentido. É um programa amplo, completamente não restritivo no sentido de linguagens e de formas e que, por isso mesmo, tem muito o que expandir. A tendência é ganhar uma escala federal maior do que a que atingiu até agora. 

Como pode este programa levar em conta as necessidades culturais da população sem deixar de levar em conta as necessidades dos produtores? Qual destes setores é melhor contemplado?
São setores que podem ter um atendimento complementar neste projeto, mas o Cultura Viva não tem como objetivo os produtores. Ele está preocupado com outras coisas, e talvez seja o programa em que a cidadania cultura é mais atendida. Quanto ao produtor, há projetos, a própria Lei Rouanet e editais, voltados para eles. O Cultura Viva parece-me um projeto bastante amplo em que o produtor também se inclui, quando engajado, em resolver as questões propostas pela população. Mas isso depende da forma como se define produtor. Se encararmos esse termo em lato sensu, de que produtor é quem faz cultura, então o programa atende bem mais aos produtores. Se no stricto sensu, pensando os produtores como os que se sustentam com a cultura, então eles ganham neste programa só quando a população necessita.  

É possível um “choque de democratização” estética no país, multiplicando o acesso e a produção da arte como alternativa econômica concreta para comunidades locais, ou seja, fazer a Funarte chegar à população, ao invés de manter uma postura passiva de órgão que recebe projetos?
Essa é um pouco a missão da Funarte, e o que estamos fazendo. Não digo com termos bombásticos como “choque”, mas de construção da democracia, de um ambiente no qual a arte chegue à população, tanto no seu fazer como no seu fluir. E vamos trabalhar nesse sentido, construindo bases para que esta política de democratização avance de forma significativa nos próximos quatro anos. 

Linhas de fomento que visem à produção independente como alternativa econômica estão em pauta neste novo momento da Funarte?
Estamos estudando uma forma de atuar em grande escala no fomento de pequenos projetos. Está em discussão, na Funarte e no Ministério, trabalhar com projetos que necessitem de até R$ 15 mil, principalmente em cidades de até 50 mil habitantes. Mas isso ainda está em estudo e não podemos dizer ainda que haverá algum plano. Há, porém, a intenção de ter uma destas linha ativa até o final de 2007. Há outros projetos que estamos estudando também nesse sentido de levar a cultura para a população. Um dos projetos é o de colocar o acervo da Funarte à disposição da população, até em parceria com projetos de outros Ministérios e de Secretarias Estaduais. 

É possível escapar das políticas setorialistas, ampliando programas e projetos como os Pontos de Cultura para serem pensados como espaços culturais de participação e construção de cultura?
Sim, e a participação em espaços como estes vai ser ampliada. Temos agora o interesse da Funarte de trabalhar mais junto do Cultura Viva e dos Pontos de Cultura. Nos Pontos de Cultura, a questão inclusive é a disponibilização de pequenos projetos, direto com o produtor. Não se estará mais fomentando uma ONG, mas o próprio artista, algo próximo do VAI de São Paulo, programa de fomento que não tem um edital por área ou um corte por linguagem. O que é julgado lá é a qualidade do que o artista propõe, independente da linguagem que utiliza ou na qual se ancora. 

Por sua característica própria como Fundação, praticamente uma agência, é possível e almejado que a Funarte atue como um ponto de geração de sinergias entre governo, terceiro setor, iniciativa privada e movimentos? O que falta para isso, e quais os modelos de gestão cultura que podem emergir daí?
Claro que é essa a preocupação do Ministério como um todo. E a Funarte está pensando e agindo neste sentido. Mas temos que ir com calma, como aquela sacada do Garrincha ao perguntar pro técnico se o adversário já tinha concordado com o esquema tático. É necessário antes acordar e sensibilizar os futuros parceiros, e a gestão Gil tem estado atenta a este sentido. Há grupo de estudo entre os Ministérios da Cultura e Educação, trabalhos com outros Ministérios, e isso está levando a resultados. Mas é uma ação a longo prazo, um processo que é demorado, e não há ilusão de que isso aconteça magicamente.  

Como pensar, do ponto de vista econômico, soluções para os problemas de difusão e distribuição dos produtos culturais? Quais as ferramentas que podem ser melhoradas e quais se fazem necessárias neste sentido?
Está aí outra coisa que temos de começar a mudar. Temos os modelos da Rouanet e seus editais e existe uma cultura hoje no Brasil que reforça a produção, muito concentrada no eixo sul-sudeste e RJ-SP, e pensado pouco no público. Com o modelo atual, normalmente se pensa em um show que será apresentado em um dia, ou uma peça de cinco semanas. E, com isso, parece até que a atividade econômica que caracteriza a Cultura sumiu. Diferente de 10, 15 anos atrás, quando havia peças que realizavam até oito sessões semanais, hoje a grande maioria mantém-se com duas ou três apenas. Mudar isso é uma coisa complicada, e temos poucas formas de fazê-lo, mas cada vez mais temos pensado em formas de fazer o produtor pensar em seu público. Hoje, vivemos uma lógica em que o produtor vive de e pensando em seu próximo financiamento. Temos estudado isso, na discussão das Instituições Normativas inclusive, para saber como mudar o foco da produção pura e simples para o foco no público, para crescer o consumo de peças, shows, espetáculos e etc. Temos pensado em como podemos estimular isso, mas não existe nenhuma mágica ainda não, nenhuma varinha de condão, até porque, da forma que o modelo está colocado, ele acaba resolvendo a questão do dinheiro do produtor. Muitas vezes, com uma pequena temporada paga, vale mais a pena pensar na próxima temporada do que atender a um público maior. Paradoxalmente temos mais produções, porém em um mercado que não se amplia ou talvez até se restrinja. 

Apesar da má recepção da mídia a projetos como a Ancinav, é possível se pensar nesta gestão em mecanismos de controle público e gestão participativa na Cultura, até como os conselhos dos CEUs e experiências como o Orçamento Participativo e o VAI funcionaram em São Paulo durante a gestão Marta Suplicy?
Tenho trabalhado esse ponto aqui na Funarte. A nossa idéia é criar uma forma, um conselho público de controle, até porque não temos. A nossa proposta de mudança do Estatuto parte por aí. Na gestão, tudo tende a melhorar com o controle público. A Democracia Participativa tem demonstrado ser uma ferramenta que traz grande vitalidade às gestões. Na minha gestão na Secretaria Municipal da Cultura em São Paulo, implantei diversos mecanismos de controle público, como o Conselho Municipal de Cultura, o Parlamento Municipal de Cultura e os conselhos locais, todos muito importantes para a gestão da Arte e da Cultura. 

Como assim uma reforma no Estatuto?
O regimento da Funarte não tem um conselho curador, que é um exemplo de ferramenta para controle púbico. O controle das ações da Fundação está restrito aos seus diretores. Esse e alguns outros pontos estão em estudo para serem alterados, no sentido de tornar a Funarte um organismo mais republicano. 

Quais as idéias na Funarte para o apoio às vanguardas, tanto em artes e modelos de arte consagrados como em novas tecnologias, em especial as digitais, pouco discutidas nas políticas de fomento à Cultura.
Sabe, a Funarte sempre foi considerada elitista. Sempre foi considerada uma instituição que apoiou mais a vanguarda do que a cultura popular. Não foi verdade, como não é verdade que vamos deixar de apoiar as vanguardas. Hoje se tem, na arte e na música especialmente, nas artes cênicas também, apoio a grupos de ponta. Na área de novas tecnologias, realmente temos de trabalhar mais a cultura digital, o que é uma proposta do próprio Ministério. Estamos nos organizando para tanto por meio do canal virtual, que está já estruturado, com equipamentos novos. É um programa que já existia, mas que ainda não se colocou publicamente de forma mais definitiva, e que trabalha com novas tecnologias na produção e na difusão. Estamos trabalhando bastante também na perspectiva do que poderá ser feito com a TV Digital, na produção de conteúdo para ela. Mas ainda há muito com o que trabalhar. Um outro ponto que é importante pensar é que não é mais urgente nem fazer chegar o que já existe nem criar o novo ou a partir do novo. Não são coisas excludentes, e tão importante quanto fazer cultura é receber produtos culturais.

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