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Rádio comunitária, descriminalização e democracia

Instigar o pensamento, formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, atender às reais necessidades de uma determinada comunidade. Esses são alguns dos objetivos das rádios comunitárias, emissoras que nem sempre são compreendidas em seu papel e, na maior parte das vezes, são perseguidas justamente por trazerem em sua essência uma crítica ao modelo de mídia dominante. Na opinião da jornalista Neusa Ribeiro, “as rádios comunitárias são instrumentos de democracia que podem contribuir no desenvolvimento das comunidades locais”. Através delas, acentua, “as pessoas irão buscar o conhecimento por seus próprios estímulos, e não só por estarem sendo forjados a um tipo de programação que é meramente consumista e alienante”.

Neusa fala, também, sobre a polêmica a respeito das rádios piratas: “Na verdade, não existem rádios piratas. Rádio pirata é um termo usado por alguns setores da sociedade que não concordam com o uso do meio rádio voltado para o interesse das comunidades”. E arremata: “Há uma confusão muito grande nesse sentido, e as emissoras comerciais fazem isso com o propósito de boicote, porque não há interesse de que a população seja realmente bem informada”. O papel do jornalista como agente social transformador, que une questões de interesse social com questões de sua formação e aspectos tecnológicos, é outro ponto discutido na entrevista concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Por mais de vinte anos atuando como jornalista, Neusa trabalhou em rádios locais, comerciais e jornais em Porto Alegre. Morou por dois anos em São Paulo, onde trabalhou na Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, na Rádio Eldorado e algumas agências de comunicação. Especializou-se em comunicação comunitária fazendo assessoria a sindicatos de trabalhadores, interessando-se especialmente por rádios comunitárias. É professora universitária desde 2001. Atualmente, ensina na Feevale. Graduou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é mestre e doutora em Comunicação pela Unisinos, com a tese “A mediação das mulheres na constituição das redes informais de comunicação”.

Confira a entrevista.

O que muda com o projeto do governo encaminhado ao Congresso para descriminalizar rádios comunitárias ao acabar com a pena de prisão para quem for flagrado operando sem autorização?
De maneira geral, muda a perspectiva do uso do meio rádio comunitário e da responsabilidade de quem gerencia o processo e executa, realmente, um trabalho voltado para as diferentes comunidades com o uso da rádio e com a intenção de realmente realizar algo para o desenvolvimento dessas comunidades que têm rádios instaladas. Se houver uma caracterização nesse processo de um efetivo desenvolvimento com o uso da rádio, realmente faz sentido essa descriminalização.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT) disse que o projeto incentiva rádios piratas. Isso tem fundamento?
A luta é permanente. A Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (AGERT) é completamente contra esse projeto. Há um posicionamento político e comercial a respeito do processo. É uma posição dada e clara dos empresários de comunicação. Com relação à legislação nacional sendo implementada para o benefício, ou para que os procedimentos com o uso das rádios comunitárias sejam efetivamente regulamentos, esta questão da indução ou não de rádios piratas é uma visão muito parcial dos empresários. Na verdade, não existem rádios piratas. Rádio pirata é um termo usado por alguns setores da sociedade que não concordam com o uso do meio rádio voltado para o interesse das comunidades. Na verdade, há uma legislação que caracteriza esse processo, que está sendo regulamentada desde 1998. Trata-se da Lei 9.612. Essa lei está dada e, até hoje, não foi totalmente regulamentada em função da pressão dos empresários.
Quando se fala em ilegalidade nas rádios, num processo que não é abraçado por determinados setores sociais com o uso das rádios comunitárias, há um exagero e um uso indevido dos termos. O termo adequado é rádio comunitária, para qualquer uso do meio rádio. O termo rádio-pirata é pejorativo para o processo, que tenta confundir a população com a adequação do uso das rádios comunitárias. Há um procedimento geral, cultural, inclusive, que não reconhece o processo das rádios comunitárias como um elemento legítimo para o desenvolvimento de determinadas comunidades que utilizam o meio como algo necessário para o aumento de conhecimentos e para seu crescimento em si.

Que mudanças seriam necessárias na legislação das rádios comunitárias? Ainda existe uma herança autoritária na legislação atual?
Eu não diria uma herança autoritária. Penso que há, isso sim, diferentes equívocos políticos criados e constituídos pelos próprios legisladores, que são detentores de canais, emissoras comerciais. Temos, no Congresso Nacional, uma grande maioria de deputados federais e senadores, que são proprietários de rádios comerciais. Esse lobby, e essa pretensa legalidade que buscamos, efetivamente, ou que as emissoras comunitárias buscam, entravam nesses procedimentos políticos que são “manuseáveis” no Congresso. Penso que o que acontece é que há, realmente, entraves colocados pela disputa. O que está mesmo em discussão é a hegemonia da audiência. Quando se fala em disputa de rádios comerciais com rádios comunitárias se fala na disputa da hegemonia da audiência. Então, o sentido efetivo é de uma audiência das rádios comunitárias se formando através de uma programação mais educativa, cultural, menos comercial no sentido da padronização e da pasteurização dos conhecimentos que são colocados nas suas programações. Há uma série de elementos que disputam o conteúdo e a formação intelectual do ouvinte. No caso das emissoras comerciais, é lógico que há a questão dos espaços comerciais, que nesse caso estão forjando uma audiência voltada essencialmente para o consumo de produtos. Essa questão do embate que se dá vem através desses procedimentos. Uma legislação que não está totalmente regulamentada e que não se coaduna com todas as possibilidades das emissoras comunitárias estarem a pleno funcionamento para o interesse e desenvolvimento dessas comunidades ocorre em função de todo esse sistema instaurado.
O que se deveria melhorar na legislação? Aí caberia aos movimentos sociais e às comunidades interessadas buscar essas discussões em seus próprios nichos de organização. Na medida em que as emissoras comunitárias são enfraquecidas legislativamente, em Brasília, com toda essa discussão e aparato, o próprio movimento social se retrai e acaba não conseguindo alcançar um status de poder, que poderia possuir, para olhar suas próprias necessidades usando a comunicação comunitária como instrumento de desenvolvimento local. Nesses casos, sim, há uma evasão de energia das comunidades, que acabam se desinteressando por essas questões. As emissoras comunitárias ficam, assim, na mão de quem não deveriam ficar – os próprios legisladores, que são proprietários de emissoras. Penso que há elementos importantes na discussão final da legislação, como a amplitude do espaço eletromagnético, das antenas, da localização, da transmissão do raio da antena. Há elementos aí que são concretos na legislação, provados “por A mais B” de que há restrições graves. Mas quem deve fazer essas discussões são as próprias comunidades, que devem se beneficiar desse tipo de emissoras.

Qual seria a função social do rádio no Brasil?
A função social do rádio no Brasil continua sendo essencial na troca de conhecimentos entre diferentes comunidades, na medida em que nós ainda temos uma população alijada de determinadas instâncias dos saberes, sejam universitários, sejam de níveis intelectuais um pouco mais desenvolvidos. O rádio continua tendo grande importância para as comunidades que vivem nessas condições, com dificuldades de acesso a sistemas mais tecnológicos. Sabemos que a grande massa da população ainda tem dificuldade de acesso a computadores, internet, processos de globalização. Isso ainda existe no Brasil. O rádio tem uma eficiência na divulgação de informações para a grande maioria da população, inclusive aquela que não tem acesso a meios mais desenvolvidos. Por outro lado, com o avanço tecnológico tão acelerado, em contrapartida a essas dificuldades que apontamos, acredito que o rádio é essencial porque é uma mídia que intervém muito rapidamente na transmissão da informação. Essa presença do rádio em locais onde ainda a TV não alcança, onde o computador e a internet não chegaram, é fantástica para o desenvolvimento das comunidades.
Por mais que se transformem a tecnologia, que haja avanços e desenvolvimentos com o uso do rádio digital, que vem por aí, mais se acelera um processo de apropriação que deveria estar na mão da própria população. Há um contraste nisso, porque continuam a acontecer concessões de emissoras para determinados grupos, como um empresariado que é dominador economicamente. Existe uma dificuldade de se estabelecer uma troca no processo de concessões das emissoras em Brasília. Há um processo muito lento de nosso governo federal, que infelizmente não favorece a implantação dessas emissoras comunitárias com mais estímulo e apropriação por parte de suas comunidades.

E essa função social está sendo cumprida?
De certa forma, está sendo cumprida na medida em que, bem ou mal, o rádio está no ar. As emissoras estão funcionando, só que com aquela característica mais voltada aos interesses da população, não.

Segundo a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (ABRAÇO), pelo menos uma rádio comunitária é fechada por dia. Por que essas rádios são tão perseguidas e oprimidas?
O processo de discussão do uso da emissora comercial em contrapartida às emissoras comunitárias é muito forte, bem como o processo de disputa. E essa disputa se dá não apenas pelos elementos mais simplistas, como a história de que as rádios comunitárias atuam negativamente, ou que a sua tecnologia atinge a aviação nacional. Tecnicamente falando, isso é um absurdo. Não há nada que comprove que uma onda sonora interfira numa queda de aeronave. São faixas de transmissão diferenciadas. O que haver em uma cabine de avião é a possibilidade de captura de ondas sonoras de diferentes instâncias, que não vem apenas de rádios comunitárias. Há uma confusão muito grande nesse sentido, e as emissoras comerciais fazem isso com o propósito de boicote, porque não há interesse de que a população seja realmente bem informada. Essa é a discussão maior. A disputa se dá por uma ampla audiência.
Enquanto houver uma programação pasteurizada, com “musiquinhas” comerciais, americanas, ou do Brasil, que pegam o “hit” nacional de um cantorzinho da moda, e não houver a possibilidade de uma discussão sobre isso, num outro campo, mesmo na programação de uma rádio comunitária, isso se caracteriza como um lobby forte de manipulação sobre a população. Se dermos esse tipo de programação permanentemente aos jovens, eles acabarão assimilando um gosto cultural e musical nesse formato. Mas se dermos uma programação variada, que fale de cultura geral, de músicas do mundo, do folclore nacional, dos outros países, de uma história musical brasileira, estaremos oferecendo uma formação intelectual aberta, passível de discussão de conhecimentos com mais sabedoria. As pessoas irão buscar o conhecimento por seus próprios estímulos, e não só por estarem sendo forjados a um tipo de programação que é meramente consumista e alienante.

Em que sentido as rádios comunitárias são uma expressão e exigência pela liberdade de comunicação e, consequentemente, por mais democracia?
Essa é a grande questão. Na medida em que se abrem as portas para discussões desses âmbitos, em que podemos, abertamente, falar sobre o que é a mídia no Brasil hoje, numa programação de rádio, por exemplo; se tivermos um grupo de discussão numa rádio comunitária que discuta sobre a mídia local, esse é um processo democrático importante. Esse processo dá ao cidadão a noção de que ele é um ser que tem direito de opinar e pensar sobre o que lhe é colocado à disposição nesse formato de programação midiática. Isso é democracia, isso é reconhecer a sabedoria do cidadão que faz parte de um processo democrático e que constrói a sua realidade com os seus saberes. E, na medida em que esse cidadão vai descobrindo tais caminhos, se torna uma pessoa com muito mais possibilidade de definir o que é melhor para ele na questão política, inclusive. Ele terá acesso a mais conhecimento, a mais estudos, condições de poder opinar e ter o domínio de sua própria vida, diferente de uma questão que lhe é imposta, dada, manipulada, e na qual ele deve pensar daquele jeito.

Nesse sentido as rádios comunitárias são chave para aumentar a inclusão social em nosso país?
Sem dúvida. As rádios comunitárias são instrumentos de democracia que podem contribuir no desenvolvimento das comunidades locais. Há experiências no mundo inteiro, sobretudo na América Latina, nas regiões andinas, do Equador, Chile, Venezuela, com emissoras comunitárias em que as comunidades aprendem a lidar com seus processos de comunicação de uma forma em que isso venha a melhorar a qualidade de vida dessas comunidades. Então, essas experiências, desde as rádios mineiras da Bolívia, em 1948, são experiências que tem um registro histórico que, bem ou mal, tem se consolidado ao longo dos processos de comunicação de diferentes países e diferentes comunidades. No Brasil, temos muitas dificuldades por uma legislação engessada em alguns conceitos, alguns processos voltados e mais vinculados a essas questões das rádios comerciais.

Que exemplos de rádios comunitárias significativas a senhora citaria no Brasil?
Não podemos deixar de falar na Rádio Favela, de Belo Horizonte, que ganhou prêmio da ONU. É uma emissora que, desde 1983, atua muito fortemente junto à comunidade da Serrinha. Ela fez história. Há um filme que foi baseado na Rádio Favela: Uma onda no ar. No Rio de Janeiro há outras rádios comunitárias importantes, algumas delas recentemente fechadas. Cito a rádio Novos Rumos, uma emissora que lutou muito contra o fechamento. Em São Paulo há várias outras importantes.

E qual é a importância da formação do jornalista no aprofundamento de um fazer comunitário de comunicação?
Penso que é um dado fundamental que, nos processos de ensino dos cursos de comunicação hoje, as emissoras comunitárias são colocadas em disciplinas que são de modelo optativo para o estudante. Eu considero isso algo de um sentido bastante equivocado nos currículos escolares porque, se falarmos de comunicação comunitária, falamos em comunicação social, e quando falamos de comunicação social trata-se de comunicação social para a sociedade, e com a sociedade. Um estudante de jornalismo que se forma hoje tem muito pouca noção desses processos sociais que envolvem o desenvolvimento local e a ação do jornalismo especificamente voltada para esses interesses da sociedade. Temos um ensino que visa a formação do jornalista, mas com um cunho mais generalista, e não com um cunho mais aprofundado para as diferentes comunidades.
Como professora universitária há nove anos, e trabalhando com essa disciplina, penso que devemos formar um estudante e um jornalista com um olhar e perspectivas sociais, de seu crescimento, olhando a sociedade e desenvolvendo um processo profissional em que ele atue com esta perspectiva, valorizando as questões sociais. Isso é uma referência muito importante no processo de formação do jornalista.
O jornalista é, hoje, mais do que nunca, um agente social transformador, e neste caso, tem que aprender a associar as questões de interesse social com as questões de sua formação e os aspectos tecnológicos que estão sendo ofertados no mercado. Essas ferramentas devem servir ao desenvolvimento da sociedade, e não ao desenvolvimento de grupos de empresários que acabam manipulando e detendo o poder dessas questões. É preciso olhar aguçado para as questões sociais.

Em busca de soluções para a inclusão digital

O assessor especial da Presidência da República, Cezar Alvarez, tem entre as suas funções a coordenação de projetos de inclusão digital do Governo Federal. Nesse início de ano, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) convidou o assessor para fazer um balanço da área e os projetos para este ano. O ITI participa do projeto Casa Brasil e é parceiro nos programas de inclusão digital do governo brasileiro.

Entre os desafios apontados estão a ampliação dos telecentros no país e a discussão de uma política de banda larga, em especial nas áreas mais remotas do país. Alvarez avaliou que o governo está buscando solução para ampliar o acesso à internet em alta velocidade a preços razoáveis para a população. Além disso, está sendo dada continuidade aos projetos de inclusão digital, principalmente no uso de tecnologias de informação e comunicação nas escolas. Acompanhe a integra da entrevista com Cézar Alvarez a seguir:

Quais foram os projetos desenvolvidos pelo governo direcionados à inclusão digital em 2008?
Durante o ano de 2008, o governo federal avançou em projetos de inclusão digital em três grandes linhas: na ampliação da infraestrutura de acesso à internet em banda larga, no uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) nas escolas e também na ampliação do número de telecentros comunitários.
Quanto à questão da infraestrutura de banda larga, o Ministério das Comunicações concluiu a licitação de 12 mil novos pontos GESAC (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), levando conexão à internet a áreas remotas do nosso território. Também para ampliar o acesso à internet, o Governo Federal promoveu a troca de uma das obrigações de universalização das empresas de telefonia fixa. A obrigação de garantir que todo município brasileiro fosse atendido com postos de serviço de telecomunicações – com quatro telefones públicos e quatro computadores com conexão discada à internet – foi substituída pela obrigação de implantar infraestrutura de suporte à banda larga em 100% dos municípios até o final de 2010. No início de 2008, mais de 3 mil municípios brasileiros não possuíam essa infraestrutura.
Para ampliar o uso das TIC na educação, também como parte do acordo com as prestadoras de telefonia, ficou estabelecido que elas oferecerão conexão à internet em banda larga a todas as escolas públicas urbanas brasileiras, que hoje somam quase 57 mil escolas. A conexão à internet será instalada em todas essas escolas e será ofertada gratuitamente até o final do ano de 2025.
Ainda para aumentar o uso das TIC na educação, o governo desenvolveu um projeto denominado Computador Portátil para Professores que é fruto de uma parceria que envolve as indústrias de computadores, o setor bancário e o governo, com logística integrada por meio dos Correios. O objetivo é criar condições para facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores da rede pública e privada da educação básica, profissional e superior, a baixo custo e com condições diferenciadas de empréstimo. Esse projeto encontra-se na fase de credenciamento da indústria e das instituições bancárias participantes.
Também com foco na educação, em dezembro de 2008, dando seguimento ao Projeto Um Computador por Aluno (UCA), o Governo Federal promoveu o pregão para aquisição de 150 mil notebooks, que serão utilizados para o projeto piloto do UCA. Serão cerca de 300 escolas, com no mínimo 10 por estado.
Outra linha da inclusão digital, que temos buscado fortalecer, é a dos telecentros para o acesso comunitário. Durante o ano de 2008, um grupo formado por representantes de diversos órgãos do Governo Federal deu seguimento à discussão de uma estratégia conjunta para fortalecimento e ampliação dos telecentros do país. Em paralelo, o Ministério das Comunicações implementou um projeto de telecentros, por meio do qual cada município brasileiro recebeu equipamentos para montar um telecentro comunitário.

Qual a sua avaliação do crescimento nessa área?
Ainda há muitos desafios da inclusão digital no Brasil, mas é possível afirmar que avançamos. Em termos de vendas de computadores, o Brasil havia vendido 4,1 milhões de PCs em 2004, considerando notebooks e desktops. Esse número subiu para 10 milhões em 2007 e, até junho de 2008, foram vendidos 5,7 milhões de PCs. Ainda não foram divulgados os dados de todo o ano de 2008, mas a previsão de venda é de 11,9 milhões de PCs.
O número de usuários domiciliares de internet subiu de 21 milhões em 2007 para 24 milhões até setembro de 2008. Há dados também apontando que, no primeiro trimestre de 2008, 41,5 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais declararam ter acesso à internet em algum ambiente – casa, trabalho, escola, por exemplo.
Em termos de acesso à internet em banda larga, em 2007, havia no Brasil 7,7 milhões de acessos. Esse número se elevou para 9,6 milhões até o 3º trimestre de 2008. Se formos considerar a densidade de acessos, ou seja, o número de conexões em banda larga a cada grupo de 100 habitantes, percebemos que saímos de um patamar de 4,1 em 2007 para 5,0 até o 3º trimestre de 2008.

Quais são os próximos projetos?
Em novembro de 2008, o presidente da República aprovou um projeto para ampliação e fortalecimento dos telecentros no país. Esse projeto será implantado ao longo de 2009 e 2010. A meta é implantar cerca de 3 mil novos telecentros ainda esse ano e 10 mil novos em 2010. Também faz parte do projeto a qualificação e fortalecimento dos telecentros já existentes (cerca de 11 mil, já considerando os que têm sido implantados pelo Ministério das Comunicações). Todos eles, os existentes e os a serem implantados, integrarão uma rede de formação, com agentes de inclusão digital mantidos com bolsas.
O projeto também contempla a oferta de conexão pelo GESAC e a oferta de equipamentos (computadores, impressora, dentre outros) necessários ao telecentro. Esse projeto terá coordenação interministerial, englobando os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia.

Quais são os rumos para o projeto Casa Brasil para esse ano de 2009? Há alguma mudança?
O Casa Brasil é um projeto muito importante do ponto de vista da consolidação do papel dos telecentros enquanto espaços não somente de acesso à internet, mas também de agregação social, de formação cidadã e de acesso a lazer. O objetivo para essa ano é aproximar o Casa Brasil mais do Ministério da Ciência e Tecnologia e integrá-lo a outros projetos de igual natureza desenvolvidos no âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social do Ministério.

Contra o silêncio e o marasmo da imprensa

Ele se define como sendo um “do contra” e talvez não exista melhor definição para Alberto Dines. No cenário de marasmo e silêncio da mídia brasileira, Dines é um dos poucos a falar – e bastante – sobre o trabalho da imprensa, em sua avaliação, limitado e ainda repleto de aberrações. E também dos poucos dispostos a abrir espaço, no Observatório da Imprensa criado e dirigido por ele, para que outras críticas circulem.

Nesta entrevista a este outro observatório, Dines reafirma a vocação expressa de nadar contracorrente. Assume, em tempos de empolgados discursos sobre as novas tecnologias da informação, que sua análise está focada na imprensa tradicional, nos grandes jornais impressos. O que não o impede de exercer o seu sarcasmo (eventualmente confundível com mau humor) em temas mais amplos.

Por exemplo, é direto ao chamar de “bando de canalhas” o grupo de políticos e empresários que, segundo ele, articularam-se para fechar o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Senado previsto na Constituição Federal. E indignado ao comentar a concentração da propriedade no setor midiático, para ele o pior dos problemas da imprensa brasileira.

Mesmo ao falar sobre um problema que considera como não-problema, empolga-se. Para Dines, a questão da exigência do diploma universitário para o exercício do jornalismo não existe. O que existe é uma grave crise na formação que deprime a qualidade da mão-de-obra que chega às redações. Este problema – o da formação e o papel da universidade nisso – é que deveria estar no centro das atenções, em especial a iniciativa do Ministério da Educação de rever a estrutura dos cursos de jornalismo.

Talvez sejam dois os resquícios de 2008 que persigam a imprensa brasileira em 2009: a discussão sobre o diploma de ensino superior específico para o exercício do jornalismo, com a possibilidade de que seja concluído o julgamento do mérito da questão pelo STF, e a crise econômica, com suas conseqüências sobre as empresas de comunicação. Ao combinarmos esta entrevista, você dizia que a questão do diploma já seria “águas passadas”. É isso mesmo?
Não existe o problema do diploma… existe o problema da qualidade da mão-de-obra nova que chega às redações. A renovação dos recursos humanos, para usar a expressão mais técnica, é extremamente preocupante, porque ela não é qualificada. Ela ajuda a jogar pra baixo o nível do jornalismo. Isso é um processo, um esmagamento dos dois lados: eles [os novos jornalistas] vêm desqualificados pelo ensino superior, sobretudo o privado, e por outro lado, aqueles que conseguem sobreviver, são esmagados pela máquina do pensamento mercadológico, das grandes empresas, o jornalismo de resultados. Então, você não tem aí aquela ebulição normal que existiria se você tivesse, realmente, um ensino superior produzindo naturalmente mão-de-obra qualificada.

Então, mesmo que o STF resolva alguma coisa em relação ao diploma, o problema persiste?
Quem pode dar um grande empurrão nisso é o Ministério da Educação, o ministro [Fernando] Haddad. Pela primeira vez eu vejo – aliás, eu não conheço o ministro – um ministro sensível à idéia de que o exercício do jornalismo tem de ser feito por pessoas com um grau de formação superior à simples graduação, uma pós-graduação, um mestrado profissionalizante. A Folha de S. Paulo publicou, e nós [Observatório da Imprensa] reproduzimos, um artigo na página 3, há um mês atrás, do reitor da Universidade [Federal] da Bahia excelente, de altíssimo nível, nesta linha. Evidente que ele não falava do jornalismo, da formação do jornalista, mas falava em geral. Nós temos que dar ao nosso formando a possibilidade dele rapidamente se preparar para uma pós-graduação profissionalizante, não-acadêmica. Isso é vital. É assim nos Estados Unidos. Eu passei o ano acadêmico em Columbia [a universidade] há 30 anos… o jornalismo é um mestrado, mas profissionalizante. Eu acompanhei. Eu vi o primeiro dia: eles [os estudantes] chegam de diversas áreas – em geral das ciências sociais, raramente da medicina, das ciências exatas – e imediatamente, no primeiro dia, eles vão fazer matéria. E saem, dois semestres depois, jornalistas realmente profissionalizados. Tudo bem, no Brasil, dois semestres podem ser insuficientes… fazemos três semestres. Mas esta graduação, no Brasil, é insuficiente. Ela é precária, é insuficiente, ela não forma, não informa, não dá base, não dá consistência cultural. Inclusive era preciso rever este currículo. A história da imprensa não é ensinada. Por isso, as empresas decidiram não comemorar este ano, simplesmente decretaram que não vai se lembrar os 200 anos da imprensa. Agora, se você tivesse jovens jornalistas que conhecessem esta história, eles teriam comemorado do seu jeito.

Teriam pressionado pra que isso fosse uma pauta…
Nós, Observatório, na televisão, fizemos uma série de três programas – que estão sendo reprisados agora – e tem causado grande espanto… as pessoas não sabiam que o Brasil foi um dos últimos países a ter tipografia, que nós estamos atrasados em relação ao México ou mesmo ao Peru em mais de 200 anos. Agora, isso é o currículo. Eu acho que nós temos que dar mais ao formando de jornalismo e simplesmente a graduação não basta. Acho que teria de ser uma pós-graduação. E com isso, você poderia resolver, selecionar um pouco este material humano, fornecendo para a mídia grandes profissionais, mais qualificados. O que está acontecendo é que os sindicatos e as entidades profissionais não estão preocupados… elas querem mais profissionais diplomados para se ter mais assessor de imprensa. Hoje, a Federação Nacional de Jornalistas tem mais assessor de imprensa do que jornalista.

Mas o perfil da categoria é este.
Se você faz uma pós-graduação profissionalizante, você tem pós-graduação de assessoria, tudo bem. Eles vão estudar psicologia de massas, as coisas que interessam à assessoria, mas você vai ter uma pós-graduação de jornalista, de gente de redação, que vai fazer matéria, que vai pra rua… Esse é um problema que transcende ao STF. Tem que mudar o enfoque…

Então, na sua opinião, se fôssemos colocar em perspectiva o ano de 2009, todo jornalista, ou melhor, todo cidadão brasileiro preocupado com a qualidade do jornalismo deveria estar mais interessado nesta oportunidade que se abriu no MEC, de discutir a estrutura escolar para a formação dos jornalistas, do que na decisão do STF?
Eu não sou um jurisdicista. Neste ponto, eu sou pouco latino-americano. Nós vivemos muito amarradinhos à lei, mas nós não respeitamos a lei. A grande verdade é esta. Esta coisa de lei, STF… o STF tem tentado preencher algumas lacunas de desmandos que há no Brasil, mas o negócio é criar uma consciência: quando a gente discute diploma, o que é que a gente tá querendo? A gente tá querendo qualificação profissional. Então vamos discutir qualificação profissional. É uma outra visão… mas como eu sou minoria, estas coisas não colam. Porque eu não estou preocupado com este formalismo jurídico, nem estou preocupado com que a Fenaj tenha mais associados. Estou preocupado é que o que está chegando aí de novos quadros para as redações, em geral, é muito fraco. Não há uma renovação. No passado, era o contrário: chegavam os chamados “focas” e eles vinham com aportes muito interessantes. Por isso eles eram recebidos. Eles encontravam o seu lugar porque tinham alguma coisa a dizer.

Mudando o nosso foco: viemos de dois anos muito bons para as empresas jornalísticas, em termos de faturamento. Foram feitos alguns investimentos, redações parando de demitir e começando a contratar. Em teoria, estamos diante de um ano que tende a não ser tão bom… que problemas a crise econômica, que é tão alardeada pela própria mídia, pode criar?
Eu sou sempre do contra. Estou na contracorrente… Eu não acho que foram bons anos. Contabilmente, podem ter sido razoáveis. Contabilmente. Eu não sou auditor, não sou contador. O produto não melhorou tanto assim. Você continua tendo aberrações. A chamada indústria jornalística – eu detesto este nome, mas eles gostam de se chamar assim -, esta indústria está botando aí na rua modelos muito ruins. Está disponibilizando produtos que estão muito longe do que se podia produzir. Por outro lado, eles não estão investindo, não estão abrindo novas frentes. Está tudo muito concentrado… Você tem três grandes jornais de referência nacional e você tem aí uns oito jornais regionais, de diferentes portes, com alguma qualidade. Mas esta qualidade é muito díspar. Alguns são melhores e outros são muito ruins, embora sejam donos dos respectivos mercados. Você tem aí um processo de concentração de mercado que é terrível! Agora, isso só pode ser resolvido se houver uma discussão honesta, franca em algum organismo. Não pode ser no governo, mas num ambiente legislativo. E aqui eu quero dizer que uma das grandes brasileiras da imprensa brasileira ou da comunicação brasileira foi o que ocorreu há três anos – acho que é três… – quando o Conselho de Comunicação Social foi fechado.

A quê você atribui o fechamento do Conselho de Comunicação Social no Senado?
Não foi uma decisão: foi um trambique dos políticos, do governo e das grandes empresas de mídia pra acabar com esta possibilidade, esta tênue possibilidade de você ter um fórum pra discutir as coisas. Hoje, não tem mais isso e não vai ter nunca mais. E tá na Constituição que tem que ter. Foi um bando de canalhas – a palavra é esta – que simplesmente se juntou pra acabar com uma conquista. Tudo bem, o conselho não tinha força, tinha mil defeitos, mas ele tinha uma certa representação. E ele tinha, digamos, uma certa vocação pra ser um fórum, sem poder, mas um fórum dentro de uma casa legislativa como é o Senado, a câmara alta. De repente, acaba-se com isso de uma forma ignominiosa. Põe-se um presidente que foi lá com a tarefa de fechar o conselho. Este homem se chama Arnaldo Niskier. Este homem assumiu com esta tarefa. Acadêmico, amigo do Sarney, há mais de trinta anos que não faz jornalismo… puseram ele na presidência do Conselho de Comunicação Social e ele foi lá pra acabar com o conselho e este nunca mais voltou a existir. Você não tem mais um fórum pra discutir isso que estamos discutindo aqui…

Um fórum público…
Um fórum público… mesmo que ele [o CCS] seja claudicante, mas é um fórum. Durante dois anos, a gente se reuniu uma vez por mês, no Senado, com toda a solenidade, numa sala de sessão especial, com transmissão pela TV Senado… e pela primeira vez se discutiu a concentração da imprensa. Eu tive a honra de ser o primeiro a levantar isso e dizer que isso tem de entrar na pauta permanente. Mesmo que a gente não tenha como resolver, nós temos que manter este assunto em discussão.

Neste caso, valeria a lógica de que, se pra cada veículo, faz bem haver um ombudsman, uma ouvidoria, faria bem existir um espaço público pra se discutir esta indústria da comunicação no seu conjunto. É isso?
O ideal seria que este órgão tivesse o mínimo de poder decisório, como por exemplo a FCC americana, a Federal Communications Commission. Embora ela tenha perdido parte da sua força, ela continua – mesmo agora, com o governo Bush – ela ainda tem força pra multar televisões, impedir concentrações.

E com alguma jurisdição pra também tratar de conteúdo…
De aberrações em relação ao conteúdo, sim. No caso, do conteúdo de televisão e rádio, porque são mídias que pertencem à sociedade, públicas. Aí você tem que se comportar dentro dos limites do espetáculo, ao contrário do impresso, onde a liberdade é absoluta. Agora, você tem que ter no mínimo este fórum, porque senão a coisa vai ficar eu e você falando pelo skype… (risos).

Então, na sua opinião, tendo um bom ano contábil ou um mau ano contábil, a qualidade do produto jornalismo não sofre oscilações?
Não sofre e sobretudo você não se prepara pra avançar. Preparar-se pra avançar pressupões discussões, debates, ouvir o outro, ouvir os marginais, os que estão na contracorrente, ouvir os mais experientes. Nós temos que criar no Brasil esta noção de que os mais velhos – e aí, eu não estou defendendo a mim, mas os mais velhos têm algo a dizer. E sobretudo terão muito a dizer porque o mundo caminha pra ser o mundo da terceira idade. A projeção da força das pessoas mais idosas é fantástica. Então, tem que ouvir as experiências de pessoas lúcidas, que têm alguma coisa a dizer, porque o mundo vai ser deles. É inevitável. A não ser que você decrete que o sujeito, ao chegar aos 70 anos, tem de ser fuzilado… (risos) Aí, eu teria que ser também… Em suma, o que tem que fazer é isso, abrir o espaço da discussão.

E quem “fecha” o espaço de discussão?
Os jornais não se discutem e eles embargam os espaços de discussão. Há um tabu combinado pelo grande pool de imprensa que não se discute as grandes questões relativas à grande imprensa. No máximo, os ombudsmen fazem alguma crítica… E, pronto! Vivemos no mundo do silêncio. Justamente a esfera da vida que deveria ser a mais comunicada, a mais visível, a mais transparente.

Alguma iniciativa ou algum tema pode se colocar como uma pontinha de esperança neste mar de silêncio, neste mar de mesmice que você aponta na imprensa brasileira?
Eu acho que esta coisa que o Haddad, de longe, está sinalizando é boa, mas não vejo muita coisa que me anime. Nem na iniciativa privada, algo do tipo “tem aí uma empresa que quer criar novos veículos”… não tem! Não tem nada que seja estimulante. O Rio de Janeiro, que sempre foi o centro do jornalismo brasileiro, até os anos 60 e mesmos nos 70, de repente está esvaziando, nivelando por baixo. O Globo, um excelente jornal, tem que lutar contra O Dia, que toca duas oitavas abaixo, que é um bom jornal, um muito bom jornal, mas é um excelente jornal popular. Ele não vive de cobertura internacional… aí, O Globo também vai tocar duas oitavas abaixo. O Jornal do Brasil também é uma picaretagem inominável! Então, o Rio de Janeiro, a segunda cidade do país, com uma vocação nacional, não existe jornalisticamente. Mesmo porque O Globo, porque hoje é um jornal local, voltou a ser um jornal local, não encontra muitos leitores em São Paulo, por exemplo.

Há um esvaziamento de referências?
De pólos, também. Você polarizou tudo em São Paulo. Mas a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo não conseguem nem ser jornais nacionais, nem ser jornais locais. Eles levam surras em matéria de cobertura local, porque tentam ser nacionais, mas não dá.

E mesmo a televisão tem se deslocado para este eixo paulistano…
A televisão ainda consegue ser um pouco mais multi-focada, mas eu me preocupo mais com os jornais… Porque os jornais diários são a referência… Eu, quando faço análises, é pensando nos jornais. Eles são a referência: ali está escrito, ali está a tradição, os paradigmas são estabelecidos, principalmente na chamada grande imprensa impressa. Então, é isso que me preocupa mais. O resto vem em seguida. E eu vejo que você não tem coisas novas pintando por aí… Ao contrário: Veja piorou como revista – e não vou discutir o conteúdo, as posições políticas. A Veja, há dez anos, sob o ponto de vista editorial, tinha mais informação, melhor texto, melhor tudo do que tem hoje. Há 10 anos! Não estou falando a 30 ou 40 anos. E assim você tem as outras publicações também. Nós estamos caminhando para um processo de desqualificação…

Nem as possibilidades colocadas pela internet, pelas novas tecnologias podem ajudar a imprensa brasileira a sair deste marasmo?
A nossa internet, os veículos que se organizam na internet, nossos portais são muito fracos. Eu me sirvo deles pra notícias mais quentes, pra coisa mais imediata. Mas eles não vão me dar as referências, não vão me dar o acompanhamento. Inclusive, eles seguem os jornais, não os antecipam. O Uol, por exemplo, ele nunca fura a Folha. Ele tem a informação e não fura a Folha. Eu sei porque, às vezes, eu tenho que fazer um comentário de rádio a meia-noite e eu vejo que o Uol tá segurando a informação pra sair amanhã na Folha. A internet no Brasil ainda não é ameaça. Ela tem os mesmos defeitos da área escrita, mas não tem as qualidades. É mais mal escrita.

Cenário de incertezas para as comunicações

Murilo Ramos acompanha o setor das comunicações brasileiras desde a época da ditadura militar. Professor da Universidade de Brasília (UnB) já no início dos anos 1980, integrou o time de grandes pesquisadores daquela universidade formado por Salomão Amorim, Marco Antônio Dias, Luiz Gonzaga Motta e Venício Lima que tornou-se uma referência na discussão sobre as políticas nacionais de comunicação no período de redemocratização, em especial na constituinte.

À frente do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB (Lapcom), Ramos consolidou-se como um analista de um vasto escopo de temas, que vai da TV e do rádio às novas tecnologias. Ao traçar perspectivas para o ano de 2009, nem a vasta experiência e o bom trânsito em diversos ambientes, o que lhe garante informações qualificadas, fazem o agora professor aposentado “cravar” previsões. Ao contrário, Murilo pinta um cenário movediço e fluido, causado pela intensidade dos processos de mudança, que colocam mais perguntas do que respostas.

As incertezas atingem principalmente a radiodifusão e os serviços de TV paga, recém-entrantes no mundo digital. Os últimos, em especial, são a atual fronteira da batalha da convergência, manifestada na revisão da legislação em discussão pela tramitação do Projeto de Lei 29/2007. Mas neste caso, Ramos vê pouca chance de progresso com a saída de seu principal patrocinador, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), do Parlamento.

A TV aberta, se não deve passar por uma reformulação em seu marco legal, corre para um futuro incerto por conta dos reposicionamentos provocados pela migração para o sistema digital e pelas estratégias de alguns atores, em especial a Rede Record. Já as telecomunicações apresentam tendências mais visíveis a partir da reestruturação da telefonia fixa e da compra da Brasil Telecom pela Oi realizadas neste ano.

O que deve movimentar a agenda da radiodifusão brasileira em 2009?
Pensar perspectivas para 2009 na comunicação social, na radiodifusão em especial, te coloca mais perguntas do que respostas, diferentemente das telecomunicações. No Brasil, há uma incógnita sobre o futuro da TV aberta. Na transição para a TV digital, o caso dos Estados Unidos é um exemplo importante para considerarmos no Brasil. Vale a pena mencionar que uma das primeiras decisões de [Barack] Obama será negociar com o Congresso a prorrogação do prazo do apagão analógico, marcado para 15 de fevereiro.
Isso nos ensina as dificuldades que esta transição no modelo comercial nos traz em relação ao seu ritmo. Uma amostra delas é a indefinição nos dados referentes à penetração e ao número de domicílios recebendo o sinal digital de TV. As associações industriais têm apresentado dados diferentes. No caso de Brasília, por exemplo, o cronograma de transição irá atrasar porque o governo encomendou uma antena-monumento ao escritório do Oscar Niemeyer. A evolução do processo no Brasil reforça a dificuldade vista nos EUA, e isso pode ser fatal do ponto de vista do modelo de negócios que está sendo desenvolvido.

E na TV paga, prevalece também o quadro de incertezas em relação à regulação deste setor, que se mostra central nas estratégias de expansão de mercado e convergência de serviços adotadas pelas teles?
A TV paga, encarnada hoje no PL-29 e apensados e seus substitutivos, também está mais no campo das indefinições do que das respostas. Aquilo que parecia natural, o ano terminando com a votação do projeto na CCTCI [Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática], acabou com a remessa do projeto à CDC [Comissão de Defesa do Consumidor]. O relator, Jorge Bittar (PT-RJ), assumiu uma secretaria no município do Rio de Janeiro, o que embaralha a discussão. Sem o PL-29, não se resolve quem pode ofertar o serviço nem os condicionantes do mercado. Em relação ao progresso dele este ano no Congresso, se eu fosse fazer uma previsão, correndo o risco de estar errado, eu diria que nada acontecerá e o impasse vai persistir. O relatório que será produzido na CDC sairá expurgado de tudo aquilo referente ao fomento. Resta saber se, ao voltar para a CCTCI, onde há um comprometimento com os trabalhos do Jorge Bittar, deputados como Pinheiro [Walter Pinheiro, PT-BA] e Semeghini [Júlio Semeghini, PSDB-SP], que estavam comprometidos com trabalho de Bittar, patrocinarão a aprovação dele.
A grande questão é resolver a polêmica entre distribuição e fomento. Como na distribuição os interessados já estão se ajustando, poderemos terminar 2009 sem que nada aconteça nesta área. A Oi já obteve as outorgas da Way TV em Minas Gerais (a partir de uma brecha da legislação que permite a oferta de serviço de cabodifusão por teles em locais onde não haja interesse de mais nenhuma operadora), a Telefónica e a Embratel lançaram sistemas de DTH. A partir desta acomodação na distribuição, ouso dizer que acabaremos o ano sem uma nova lei para a TV por assinatura.

A dificuldade de realizar reformas regulatórias parciais não traz à tona a necessidade de um novo marco regulatório para a área?
A atualização do marco regulatório é outra incógnita. De 1994 para cá, houve quatro tentativas de se iniciar um processo de “re-regulamentar” a radiodifusão. Se for por iniciativa do Legislativo, isso não acontecerá. Há o processo da Conferência Nacional de Comunicação, gestado há dois anos, mas falta a certeza de que o poder Executivo convoque. Apesar dos últimos movimentos, acredito que a conferência sairá pelo Legislativo pela demora do governo federal em convocar de fato este processo. Aí, se pode pensar para no primeiro ano do mandato do novo presidente [2011-2014] um projeto neste sentido, pois 2010 é um ano improvável para este tipo de mudança.

Como você vê as perspectivas para a comunicação pública, em especial para a evolução da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para este ano?
A criação da EBC – que começou errado, como uma tentativa governamental de criar um antídoto seu ao poderio da radiodifusão comercial, e que acabou convergindo com o que vinha sendo feito pelo Ministério da Cultura – significou um embrião de uma rede pública a partir da fusão da TVE Rede Brasil e da Radiobrás, sendo a maior novidade na área desde a Lei do Cabo. Hoje, a TV Brasil é uma novidade, ela tem muito a fazer para se afirmar, mas conceitualmente ela está bem construída neste momento. Inclusive na disposição de se tornar uma rede e de se somar às emissoras estatais para compartilhar uma infra-estrutura comum para transmissão no sinal digital, o que tende a ser uma perspectiva de política setorial em 2009. É fundamental que, tanto do ponto de vista da programação quanto do financiamento e da estruturação, a ECB se consolide para que não sofra descontinuidade ou reversão com um novo governo.

Mas você avalia que há espaço para um debate de fato sobre a regulamentação da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, prevista no Artigo 223 da Constituição Federal?
Esta é outra questão importante que a EBC trouxe e que, do ponto de vista regulatório, vai ser cada vez mais evidente em 2009: a necessidade de debater que complementaridade é esta entre os sistemas público, privado e estatal. O que é fundamental nisso, hoje, é aprofundar o debate conceitual sobre o que vem a ser cada um destes sistemas. Na minha opinião, não existe sistema privado de radiodifusão; o que existe é, por concessão, o Estado autorizar o privado a explorar comercialmente o serviço público de TV e rádio, utilizando, para isso, o instituto da concessão, permissão e autorização.
Esta suposta complementaridade acabou sendo armadilha, porque aparenta ter um sistema privado. Quando se trata de outorga de concessão e permissão, não existe. Já na autorização, pode-se admiti-lo, uma vez que ela difere dos demais institutos em relação ao equilíbrio entre direitos e deveres. Advogando a existência do sistema privado, os radiodifusores comerciais querem a máxima segurança jurídica com máxima liberdade de mercado. Vai se avançar mais na discussão, mas ela só poderá ser completada no âmbito da conferência [Nacional de Comunicação] e de uma revisão da legislação.

Esta liberdade de que gozam os radiodifusores, no cenário de desregulação do setor, também foi uma polêmica colocada nas diversas discussões sobre o uso das concessões de rádio e TV, que vem sendo puxadas com alguma regularidade já desde 2007. Elas deve prosseguir em 2009?
De fato, a partir da migração digital, do término do prazo de outorga das principais concessionárias em 2007 e do trabalho iniciado em 2007 pela Sub-comissão de Outorgas da CCTCI, esta discussão ganhou visibilidade, devendo continuar e ser aprofundada. O meu entendimento é que a insegurança gerada pela transição digital para a radiodifusão e a pressão da sociedade por regras mais claras para as outorgas vai fazer com que, seja na conferência ou em uma nova lei, o próprio empresariado da radiodifusão se preocupe com a existência de uma nova legislação que substitua o Código Brasileiro de Telecomunicações.

Neste contexto, como deve ficar o mercado de TV aberta em 2009?
Ele deverá sofrer mudanças com o declínio da Globo e a ascensão da Record. Isso vem ocorrendo e já vem sendo sentido há mais de cinco anos, quando a rede de Edir Macedo não tinha posição tão central quanto tinha antes. Isso não sinaliza mudança estética ou de qualidade, mas uma alteração no mercado, com a Record com programação clonada da Globo com mais apelo junto às classes C e D, uma vez que os públicos A e B estão migrando para a TV paga e deverão também se informar cada vez mais por meio da banda larga. A Band, com o CQC e com a recriação da Escolinha Muito Louca do Sidney Magal mostra que a vulnerabilidade da Globo vai ser acentuada. Não dá para prever quando isso irá mudar, mas imaginar que, em um número de anos, a Globo possa perder a liderança não é mais delírio e o processo vai continuar em 2009.
E não sei se isso [a modificação do mercado de TV aberta] converge para a alta definição, porque o que está acontecendo hoje tem pouco a ver com o HD [High Definition], então não dá para afirmar que ela será um diferencial. A portabilidade e a mobilidade colocam-se em um futuro mais adiante, e não sei se estas estão mais próximas da TV paga do que da TV aberta. Elas implicam em formatos muito diferentes da grade contínua da TV aberta.

E na área das telecomunicações, 2009 terá tantas incógnitas?
As questões são menos difíceis de prever. Os órgãos bem-intencionados de defesa da concorrência, CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e a SEAE [Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda], vão se deparar com a análise da compra da Brasil Telecom pela Oi. Neste ano, teremos também um rearranjo da relação fixo-móvel, com as operadoras de telefonia fixa aproximando-se das móveis: a Oi da Vivo e a Telefónica da TIM. Haverá uma reacomodação oligopólica dos mercados das telecomunicações.
Nesta perspectiva, é inquietante a fragilidade crescente da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]. Não dá para admitir um órgão regulador de um setor essencialmente privado que passou os últimos seis anos com o Conselho Diretor funcionando sem um ou dois membros. Isso vai fragilizando o órgão. Com o mercado – oligopólio por definição – construindo seus caminhos de concentração, seria necessária uma ação forte e autônoma do órgão regulador, mas a agência está fragilizada. Politicamente, porque a influência do governo é muito maior do que devia. Outro problema é o fato do conselho estar a mercê de presidentes que têm mandato de um ano, sem falar na ameaça constante de mudanças com projetos que alteram o funcionamento das agências no Congresso.

Discute-se muito a morte da telefonia fixa, hoje o único serviço público de telecomunicações. Este debate tende a crescer em 2009?
É possível prever um movimento de fragilização da idéia de serviço público nas telecomunicações, hoje atrelada à altamente questionada telefonia fixa comutada. O que é conhecido tradicionalmente como serviço público está sendo empurrado ao ostracismo pela apropriação feita pelos interesses comerciais da evolução tecnológica, uma vez que interessa a ele não ter condicionantes, pressões e obrigações. Fala-se em banda larga pública. Para mim, a preocupação é pensar a dimensão prestacional do serviço, ou seja, garantir que haja um serviço público que chegue ao cidadão, seja uma nova roupagem do SCM [Serviço de Comunicação Multimídia] ou uma espécie de serviço de comunicação pessoal. Em relação a isso, a fragilidade da Anatel e do Ministério das Comunicações no campo de formulação de políticas nesta área é preocupante.

Se a telefonia fixa está em declínio, as tecnologias móveis têm ganhado destaque, não?
Sim. A portabilidade vai ser uma questão cada vez mais presente nos debates da área. Vai gerar preços e tarifas mais baratos? Não sei. Acima de tudo, as tecnologias sem fio estarão na ponta da agenda político-regulatória, com 3G, Wi-Max e MMDS. Isso porque a expansão da banda larga, neste momento, vai se dar mais pela rede sem fio do que pela rede física, uma vez que o investimento para a implantação de redes físicas de alta capacidade é muito maior. Mas também é algo mais indefinido, porque estas redes sem fio possibilitarão distribuir todo e qualquer tipo de conteúdo, inclusive audiovisual. Com o avanço deste processo, fica cada vez menos claro quais serão os serviços ofertados e os terminais usados.

As normas que devem disciplinar este quadro estão previstas no Plano Geral de Atualização da Regulamentação em Telecomunicações (PGR). Ele deve gerar mudanças já este ano?
O PGR foi um subproduto interessante do processo de compra da Brasil Telecom pela Oi. Obrigou a Anatel a produzir um documento estratégico. Por mais deficiências que ele tenha, é louvável o esforço que a agência fez. O plano organizou o mapa. Com esta Anatel, ele não terá conseqüência em 2009 e pode morrer. Mesmo o PGMC [Plano Geral de Metas de Competição], com esta situação da Anatel, pode não ser encaminhado, pois pra sair é preciso liderança, e ela não existe nem pela Anatel, nem pelo Minicom.

Como você vê a atuação do governo federal neste cenário?
Sinto, hoje, que o governo federal não está preparado para enfrentar estes desafios. Como eu disse, a capacidade formuladora do Minicom é muito baixa e a Anatel está fragilizada. O ministério está despido da capacidade de formulação, seja por incapacidade, seja por indisposição. Há várias diretrizes interessantes no Decreto 4.733/2003 [que estabelece diretrizes para as políticas voltadas à área de telecomunicações], mas elas foram atropeladas pela viabilização de um negócio entre duas operadoras.
E aí há compensações que vêm via o CGI-Br [Comitê Gestor da Internet do Brasil], o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia] e da área de Tecnologia da Informação, amparadas pela discussão da inclusão digital. Mas isso é insuficiente para dar conta de uma política de fato para uma infra-estrutura nacional de informação. Exemplo disso é o abandono e o não-uso dos recursos do Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações].

Um olhar positivo sobre a fusão BrT-Oi

O professor do Departamento de Comunicação da PUC do Rio de Janeiro Marcos Dantas é um experiente conhecedor do jogo político na área das telecomunicações. É autor de livros sobre o tema, como “A Lógica do Capital Informação” (Ed. Contraponto, 1996), assessorou a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) e integrou o governo Lula como secretário de planejamento do Ministério das Comunicações na gestão Miro Teixeira (2003-2004) e secretário de educação à distância do Ministério da Educação (2004-2005).

Na polêmica compra da Oi pela Brasil Telecom, Dantas fica do lado daqueles que vêem o negócio como uma iniciativa positiva para o país. Na avaliação do professor, a fusão deveria ter ocorrido já no início do governo e, embora tenha acontecido apenas agora, seguindo uma demanda do mercado, a criação da nova tele é estratégica para fortalecer o país em um importante setor na atual fase de desenvolvimento do capitalismo.

Dantas considera muito positivas as condicionalidades impostas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a aprovação do negócio. O desafio agora é garantir a sua implantação e, em um futuro muito próximo, retomar a necessária agenda de reformular o marco regulatório das comunicações.

No dia 8 de janeiro foi concluída a aquisição das ações da Brasil Telecom pela Oi. Qual é a sua avaliação sobre o negócio?
Como eu sempre disse, o negócio é válido e necessário. Corrige, parcialmente, o erro do fatiamento da Telebrás, quando da privatização. Mas politicamente falando, deixou margem a muitas dúvidas que vêm sendo exploradas por uma imprensa que só sabe olhar para escândalos de ocasião, e não para as questões estratégicas. Do ponto de vista político, o governo agiu mal, porque agiu a reboque dos empresários. A fusão era uma solução que se impunha desde quando Lula assumiu em janeiro de 2003. No entanto, por medo do chamado "mercado" e também porque nunca teve e não tem uma política de comunicações, o governo só encaminhou o processo quando o próprio "mercado" passou a reclamá-lo.

Em concluída a fusão, quais são os desafios, perigos e questões mais importantes agora?
O desafio será implementar o ato 7.878 da Anatel, que viabiliza normativamente a fusão. Observe que se trata de uma "anuência prévia", isto é, a fusão pode vir a não se concretizar se as condicionalidades não forem cumpridas. Evidentemente, porém, todas as questões mais amplas relativas às comunicações brasileiras, inclusive uma total construção de um novo marco legal e normativo, ainda não estão resolvidas e poderão vir a ser ainda de mais difícil solução na medida em que se vão consolidando esses atos consumados do grande capital.

Como você analisa as condicionalidades impostas pelaAnatel? Elas são válidas? São suficientes?
Acho o Ato 7.828, um documento histórico! Chega a ser impressionante a quase nenhuma divulgação de seu conteúdo por parte da imprensa. Ele estabelece um conjunto de exigências de natureza pública, para a concretização da fusão. O primeiro compromisso importante é o da conexão de mais 300 de cidades, inclusive capitais estaduais do Norte do país, à infra-estrutura nacional já existente de fibra ótica, até 2015. Exige que a futura empresa leve a internet por banda-larga a todos os municípios de sua área de concessão (mais de 2 mil, dos quais somente uns 300 são atendidos hoje). Também deve atender, com cerca de 2 mil "kits" de recepção de TV, a unidades do Ministério da Saúde. Ou seja, há toda uma nova e direta política de universalização da banda-larga explicitada aí.
Outro ponto importantíssimo: passa a fornecer infra-estrutura, inclusive treinamento, para as atividades do Exército brasileiro nas fronteiras distantes. Também obriga a Oi a aplicar 100% dos recursos que deve destinar ao Funtel, em pesquisas de desenvolvimento industrial-tecnológico, para isso contratando centros de pesquisa do país, inclusive passando a apoiar as atividades da Rede Nacional de Pesquisa, além de praticar política de compra que favoreça o produto brasileiro, logo a geração de emprego e rendas no país.
Por fim, mas não por último, deve participar do projeto do satélite geoestacionário brasileiro. Sabe que projeto é esse? É um projeto para recuperar a soberania do Brasil sobre os seus satélites, que FHC entregou de bandeja aos estadunidenses. A Oi-BrT deve ainda manter a Anatel informada das suas possíveis atividades internacionais: ou seja, essas atividades começam a tomar a forma de uma política de Estado. São suficientes? Sempre se pode querer mais, mas considerando a completa ausência do governo e da Anatel, até agora, nessas questões, já é um grande avanço.

Há restrições à compra por grupos internacionais já com concessões de telefonia fixa no Brasil, mas não a outros grupos. Você vê riscos de desnacionalização da BrT-Oi? Quais seriam os prejuízo sem uma eventual venda dela a um conglomerado internacional?
Riscos sempre há. A Vale só não foi desnacionalizada devido a uma intervenção destemida do então presidente do BNDES, Carlos Lessa. Depois, ele foi exonerado pelo presidente Lula, como todos sabemos. A Embraer, apesar da "ação dourada" do governo, foi desnacionalizada: o então ministro da Aeronáutica foi exonerado, no governo FHC, quando quis exercer o seu poder de veto à venda da empresa ao capital estrangeiro. Logo, essa é uma questão que tem muito mais a ver com o sentimento de brasilidade dos que dirigem o país, do que com contratos de ocasião. Em todo o caso, teria sido bom, ainda que de efetividade duvidosa, que, nas condicionalidades impostas, o Estado assumisse uma "ação dourada".

Como você avalia o papel do governo e da Anatel no processo de fusão? E do BNDES?
Será interessante verificar o papel da Anatel. O Ato 7.828 marca uma mudança na postura política da Anatel. Certamente, algo mudou por lá e, muito possivelmente, essa mudança resulta da ida do embaixador Ronaldo Sardemberg e do advogado Antonio Bedran para o seu Conselho Diretor. Eles vêm de uma "escola" comprometida com o desenvolvimento brasileiro, ainda que, infelizmente, tenham aceitado colaborar com os tucanos, quando estes resolveram destruir as bases do nosso desenvolvimento, construídas por 50 anos. Mas eles eram, afinal, funcionários do Estado e como tal se comportaram. No entanto, têm visão sistêmica e estratégica.
Acredito, mas não tenho informação e posso estar errado, que boa parte desse ato se deve a eles. Por outro lado, segundo li nos jornais, os membros do Conselho da Anatel "indicados pelo PT", votaram contra. Votaram contra um ato que contém um conjunto de exigências perfeitamente de acordo com tudo pelo qual a base sindical e os intelectuais do PT lutaram por dez anos e que permitia recuperar, ainda que sob novas condições, a filosofia básica do antigo projeto da "Brasil Telecom" (transformar a Telebrás numa grande operadora nacional de comunicações, mesmo que parcialmente privatizada). Mudaram de lado ou foram muito mal indicados? Pergunte-se ao presidente Lula.

O que muda para o cidadão usuário de telecomunicações com a fusão?
Para começar, se as exigências da "anuência prévia" forem cumpridas, vai se expandir a infra-estrutura de banda larga do país, beneficiando milhões de brasileiros e brasileiras. Acho que pode vir por aí, também, uma importante redução na assinatura básica. Hoje, a assinatura básica responde por mais de 25% do total das receitas da Oi e da BrT. Se considerar apenas a telefonia local, as receitas com assinatura chegam a mais de 50% do total. A consolidação das duas empresas em uma só e a junção de seus mercados num grande mercado nacional permitirá ganhar escala, logo, reduzir as assinaturas. Obviamente, para que isso aconteça, a Anatel deverá continuar se comportando como passou a se comportar desde o ano passado, pois jamais devemos esperar bondades de empresários.