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“Cultura e informação podem ser realmente livres hoje”

Em janeiro de 2006, na Suécia, surge o primeiro Partido Pirata. Ao difundir suas ideias contra as leis de copyright e patentes, contra a violação do direito de privacidade e a favor das práticas do compartilhamento, o Partido Pirata não foi apenas ganhando “seguidores”, mas também dissidências. Nesse contexto, em 2007, nasce o Partido Pirata brasileiro, focando sua atuação na defesa dos direitos humanos, na transparência governamental e no compartilhamento do conhecimento. “Mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses”, descreve o movimento aqui no Brasil. Ele relata que a pirataria é como um antídoto à propriedade intelectual. “Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo”, apontou.

Ainda se estruturando para ser considerado um partido político de verdade, os Piratas brasileiros ainda não estarão presentes nas próximas eleições. Mas como os partidos piratas surgem no contexto da popularização da Internet e defendem a livre troca de material, é possível prever que, em 2012, eles já ocupem algumas cadeiras municipais. A população é abertamente a favor dos mesmos objetivos do Partido Pirata, uma vez que, segundo uma pesquisa recente, 66% dos brasileiros comprou pelos menos um produto pirata. Outro dado aponta o mesmo caminho: 45% dos brasileiros que têm Internet em casa afirmam baixar conteúdo pirata. “Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental”, responderam, de forma colaborativa, alguns membros do Partido Pirada brasileiro em entrevista concedida à IHU On-Line, por email.

Confira a entrevista:

Em que contexto surge o Partido Pirata?
Cronologicamente, o primeiro partido pirata surgiu na Suécia, em 2006. Logo depois, formou-se uma grande rede internacional. No Brasil, estamos nos organizando a algum tempo, através da Internet, e já realizamos encontros presenciais em diversas cidades, como Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Brasília etc. Os partidos piratas surgem principalmente no contexto da popularização da Internet. Ela se tornou o maior espaço de troca de cultura e informações da história, e é o espaço mais livre que existe hoje para a liberdade de expressão. Com o tempo, grupos de interesse, como grandes empresas e alguns governos, começaram a se incomodar com essa liberdade e passaram a incentivar ações para restringi-la: desde então, tentam acabar com a livre troca de material com copyright e até ameaças à neutralidade da rede. Em parte, os piratas, como movimento político, ganharam muita força ao ir contra isso. Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental. Além disso, a tecnologia permite hoje que os governos sejam muito mais democráticos, com transparência total, e uma aproximação muito grande entre os cidadãos e sistema político.

Um "Pirata" defende o quê?

Para resumir em alguns conceitos: a liberdade de expressão, a natureza comum das ideias, o anonimato, a privacidade, a transparência pública, a intervenção ativa do cidadão na administração pública, entre outras propostas.

Por que instituir-se um Pirata?
Piratas, na história, eram homens que não se sentiam representados por nenhum governo e preferiam viver em alto-mar, territórios neutros, democraticamente organizados. A vida nos navios era árdua, mas, para os Piratas, também conhecidos como Corsários, a liberdade era o bem mais precioso. Hoje, pelo que propomos, a pirataria é uma espécie de antídoto à propriedade intelectual. Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo. Ao contrário dos bens materiais, é impossível ter propriedade (direto EXCLUSIVO de usufruto) desses princípios. Os direitos autorais não protegem as obras nem os artistas, ao contrário, eles cerceiam a cultura e inibem a criatividade. Nenhuma ideia pode ser absolutamente nova, o tempo todo estamos construindo sobre pilares pré-existentes. Todas as invenções devem, portanto, pertencer à humanidade. Por isso, defendemos, entre outras coisas, o fim da "propriedade intelectual" para que mais pessoas, em um menor prazo de tempo, tenham acesso a informações, e para que essas informações possam contribuir para o desenvolvimento intelectual e social das comunidades, para a realização de pesquisas, para novas invenções etc. Somos Piratas porque nos outorgamos à liberdade de usufruir e compartilhar o nosso legado cultural, por não nos submetermos às imposições dos poderosos, muitas vezes, pressionados por grandes companhias através de lobbys. Enfim, somos piratas porque acreditamos em uma sociedade mais justa e mais igualitária em que todos tenham acesso às riquezas culturais que nosso país de dimensões continentais como é o Brasil tem a nos oferecer.

Por que o copyright é contra a democracia?
O uso abusivo dos direitos autorais, com base na propriedade intelectual, é um empecilho a uma sociedade democrática. Como estão hoje, os direitos autorais trabalham com a exclusão de acesso ao conteúdo, com uma falsa premissa de proteção do criador e de sua obra. Nós acreditamos que a informação e a cultura são bens comuns. Nenhum autor cria a partir do nada, mas sim a partir de ideias já existentes e a partir de sua base cultural. Por isso, é justo que sua obra também se torne parte dessa base de domínio comum. Cultura e informação são a base para o desenvolvimento da sociedade, mas, se esta não puder acessá-las, desfrutá-las e modificá-las livremente, esse potencial nunca será plenamente realizado.

Por que um partido, e não um movimento?
O Partido Pirata é parte de um movimento. Existem muitas pessoas, favoráveis ou contrárias ao partido, que defendem as mesmas ideias. Os partidos piratas são compostos de pessoas que querem fazer isso pela política. Nosso objetivo é trabalhar ativamente para mudar as leis que consideramos injustas, de acordo com nossos ideais, e tornar o processo político mais democrático e transparente. E queremos fazer isso num grupo político novo, que tenha essas causas como primárias, e que tenha um modo de agir condizente. Isso não existe hoje, e é o que queremos ser.

A pauta dos piratas brasileiros é mesma dos piratas europeus?
Sim, mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses. Além disso, cada partido tem seu jeito particular de ver, analisar e defender as ideias piratas. Concordamos nos princípios gerais, mas cada partido é autônomo para ter suas próprias propostas, de como cumprir seus objetivos, suas metas.

Como um Pirata faz “campanha” de suas teses?
Condizente com o contexto do qual surgimos, nosso principal meio de campanha é a Internet. É nosso principal meio de comunicação e de organização interna também. Mas é claro que queremos agir fora da rede também. Em países menores e com mais membros, como Alemanha e Suécia, já houve grandes manifestações dos partidos locais nas ruas.

O Partido pretende apresentar candidatos nas eleições de 2010?
O Partido Pirata ainda não é oficializado no Brasil. Estamos em processo de elaborar os documentos e colher todas as assinaturas necessárias para isso. Mas não há mais como realizar a oficialização para concorrer nas eleições de 2010, pois o prazo para o registro de novos partidos já foi esgotado.

“A produção de notícias é um bem público a ser protegido”

Poucas coisas vêm causando mais polêmica entre os jornalistas dos Estados Unidos do que o relatório "A reconstrução do jornalismo americano", recentemente concluído pelo professor de Jornalismo da Universidade de Columbia Michael Schudson, autor de seis livros e editor de dois sobre a história e a sociologia do setor, e pelo jornalista Leonard Downie Jr., editor-executivo do Washington Post por 17 anos [ver, neste Observatório, "Ajuda estatal gera polêmica na reconstrução do jornalismo norte-americano"].

Num mundo em que muitos não se cansam de decretar o fim do jornalismo impresso e sua substituição pelo digital – ainda que poucos saibam como ganhar dinheiro com o novo formato –, Schudson e Downie sugerem transformações radicais para manter vivas a reportagem isenta e investigativa.

Afinal, dizem, a quantidade de jornalistas em redações grandes e médias nos EUA caiu de 60 mil, em 1992, para 40 mil em 2009.

O relatório sugere saídas polêmicas, ao menos nos EUA, onde o Estado é não apenas temido como vilificado. Uma é transformar as empresas jornalísticas em entidades de interesse público, não lucrativas, como ONGs, cuja taxação de impostos seria revista pelo governo. Com isso poderiam até aceitar doações de fundações, entidades filantrópicas ou mesmo dinheiro público, desde que fosse estabelecida uma fórmula para manter a isenção e imparcialidade das coberturas. Schudson explicou ao Globo os pontos mais importantes de seu relatório.

No estudo, o senhor afirma que menos jornalistas estão cobrindo menos notícias em menos páginas. E que a hegemonia da qual o monopólio dos grandes jornais metropolitanos gozou no fim do século passado está acabando, especialmente pelo esgotamento do modelo de financiamento por meio de anunciantes. Quanto tempo as redações ainda têm?

Michael Schudson – Algumas décadas? As grandes redações de jornal americanas entraram num processo de encolhimento radical. Temos hoje menos um terço dos jornalistas e voltamos a patamares dos anos 1970. Mas há novos modelos de produção na internet, ainda que eu não ache que a rede, em si, vá sufocar totalmente os jornais impressos.

Afinal, grande parte do que é escrito em blogs e sites é a repetição ou resumo, com comentários, do que a grande imprensa produz. A maioria não tem a estrutura e os recursos necessários à prática do jornalismo isento e investigativo.

Quais são os novos modelos?

M.S. – Blogs financiados por empresas filantrópicas ou comerciais e a produção on-line de universidades e centros de pesquisa que se pautam pela isenção e objetividade. Não falo de blogs de vínculo partidário ou na defesa de interesse de grupos. Falo da produção de notícias com o mesmo zelo e técnicas de apuração isenta, pesquisa esmerada e ética que pautam, de modo geral, os grandes jornais. Tanto que muitos destes passaram a publicar artigos de blogs e sites, e viceversa.

Sem grandes escritórios, papéis, caminhões de entrega, é possível fazer um bom jornalismo investigativo, se houver o mínimo de financiamento.

Mas, no relatório, os senhores alertam para o fim progressivo do modelo de anúncios bancando jornais impressos e propõem saídas polêmicas. E o modelo de anúncios na rede também não chegou a decolar.

M.S.
– É verdade, mas eu encaro a produção de notícias jornalísticas isentas como um bem público que precisa ser protegido, ainda que haja interesses comerciais por trás das empresas. Tem sido assim nos EUA por pelo menos meio século. Mas isso pode ser minimizado com transformações radicais. Uma delas é trocar a natureza das empresas jornalísticas comerciais lucrativas de hoje por um modelo não lucrativo, ou de lucro baixo, espécie de ONGs, taxadas de forma diferente pelo governo, com isenções. Com base em regras claras de conduta do ponto de vista da cobertura isenta, investigativa e ampla, poderíamos permitir que essas empresas recebessem dinheiro diretamente de instituições filantrópicas, outras empresas e até do próprio governo, que poderia bancar jornais locais, com mais foco nas necessidades da população.

O senhor tem noção do que é propor um jornalismo subsidiado pelo governo nos EUA? E o governo aceitaria ser investigado colocando dinheiro na empresa?

M.S. – É quase impossível hoje, eu sei, mas o que percebemos é que as empresas estão se movimentando. Para evitar ficar na mão de um só doador, multiplicam-se as parcerias. Uma das que emergem é com as universidades, que poderiam financiar em parte a cobertura e o debate de temas que considerem importantes, como ciência ou estudos sociais. E a investigação jornalística é um bem para a democracia e para o próprio governo. Esse trabalho dos jornais já é avalizado pela sociedade.

Praticamente todos os grupos jornalísticos americanos fundiram suas operações na internet com as tradicionais, para ganhar escala. O jornal tende a ser mais analítico e a internet, mais imediatista. É esse o caminho?

M.S. – Acho que sim, porém tanto a internet quanto o impresso têm de ser analíticos. Mas o impresso pode ser mais investigativo e substancial, levar mais tempo na produção de notícias de peso. O jornalismo não é só dar a notícia na frente. É também o furo investigativo ou novas abordagens de assuntos que estão aí, mas que as redações não têm tempo ou espaço para abordar.

E como evitar que os recursos injetados nos jornais por empresas e governo não interfiram na produção de notícias?

M.S. – Como já disse, com regras claras. Como acontece hoje, aliás, no formato dos anúncios, que são empresas e governos colocando dinheiro nos jornais. Nos EUA, vemos jornais criticando empresas que anunciam em suas páginas, e isso não faz com que elas deixem de anunciar.

Muitas empresas jornalísticas estão passando a cobrar por conteúdo na rede. O que está acontecendo?

M.S. – São novos modelos sendo testados. O que parece estar se desenhando é um modelo em que parte do conteúdo permanecerá aberto e parte passará a ser cobrado, como reportagens e análises especiais. Alguns jornais americanos já pensam em criar assinaturas especiais on-line, que dariam direito a acesso irrestrito e participação em debates de jornalistas com determinadas fontes, ou em mesas-redondas, numa espécie de clube de assinantes.

O mito da tecnologia fora de controle

Um dos mais importantes filósofos da tecnologia da atualidade, Langdon Winner é professor do Departamento de Estudos sobre Ciência e Tecnologia do Rensselaer Polytechnic Institute, em Nova York. Estuda e escreve sobre ciência, tecnologia e sociedade e foi repórter da revista Rolling Stone. Nesta entrevista exclusiva para o Fórum da Cultura Digital Brasileira, o autor de Autonomous Technology – the myth of technology out of control (ainda sem tradução para o português) questiona a ideia de que a sociedade não tem controle sobre a tecnologia, discute conceitos como inovação e sustentabilidade e indica qual seria o caminho para uma internet livre e democrática. “O Estado é apenas um de uma vasta gama de instituições que precisam ser envolvidas na negociação do caráter das práticas encontradas na rede”, afirma Winner, que estará no Brasil em novembro junto de nomes como Alexander Galloway e Tim Wu participando do Seminário “Cidadania e Redes Digitais”.

O Sr. defende que as tecnologias adquirem uma aparência de autonomia e que as pessoas aceitam isso como um fato inevitável. A tecnologia está fora de controle?

Meus escritos sobre a autonomia da tecnologia investigam uma variedade de ideias que defendem que a tecnologia está “fora de controle”, tanto na teoria social moderna como no cinema e afins. Isso não significa que eu endosso ou defendo qualquer versão deste tema. É certamente verdade que muita gente vê a evolução tecnológica acontecendo em nosso tempo como algo “necessário” ou “inevitável”. Levantar questões sobre isso é frequentemente considerado como tolice ou negativo. Por essa razão, se alguém tenta ir além da percepção de que um determinado gênero ou projeto tecnológico vai inevitavelmente varrer a sociedade, é preciso ser muito hábil para propor outras formas de pensar, outras maneiras de falar sobre as possibilidades tecnológicas e sociais. É preciso perguntar: Uma determinada tecnologia é realmente necessária? Quem disse? Por quê? São razões confiáveis ou não? Podemos influenciar ou mudar significativamente sua forma, o seu funcionamento, os seus efeitos a longo prazo?

No caso das novas tecnologias, há também a ideia de que as inovações técnicas devem ser celebradas. Como o Sr. relaciona a acomodação do público, a questão do livre arbítrio e os interesses econômicos envolvidos?

A disposição recorrente na mentalidade moderna é a de evitar perguntas como estas completamente. Criá-las significa ser rotulado como “anti-tecnologia”, o que significa simplesmente “Cale-se!”. Espera-se que simplesmente celebremos a mudança tecnológica e que a aceitemos pela fé, como se a sua chegada sempre oferecesse melhorias em nossa maneira de viver.

O que indica que quaisquer supostas “inovações” atuais são desejáveis? Essa é outra questão quase improvável para a maioria das pessoas. O termo deriva do latim “Innovare”, que significa “renovar”. Nesta perspectiva, o conceito ganha uma aura brilhante em torno dele. É talvez a principal “palavra da moda” do nosso tempo. Afinal, quem não gostaria de tomar medidas para “renovar” as condições de vida em nossa sociedade conturbada?

Mas se você olhar para o que geralmente é divulgado como “inovação”, você vê que eles envolvem principalmente a busca por uma vantagem econômica competitiva no mundo das corporações globais. Uma boa definição para “inovação” é “mudança técnica que beneficia os ricos”. Planejadores corporativos e publicitários são os responsáveis pelo clima de celebração em torno das “inovações”, não as pessoas comuns com necessidades comuns. Se você olhar para os recursos apregoadas como “inovações”, geralmente o que se vê são modificações triviais, as características do iPod mais recente, por exemplo, ou uma lata de cerveja que indica se ela está gelada ou não – em suma, mudanças que têm pouca importância para a maioria das pessoas ou para a maioria dos problemas do planeta.

É possível afirmar que esta é uma reconfiguração do mito do progresso? Se a tecnologia não está fora de controle. como superar o fetiche e usá-la em benefício da humanidade? O termo “sustentabilidade” incorpora esta ideia?

Eu vejo ambos os discursos de “inovação” e de “sustentabilidade” como gêmeos: sucessores da grande narrativa do “progresso” que ganhou impulso durante a revolução científica dos séculos XVII e XVIII. É evidente que a fórmula clássica de “progresso” – mais conhecimentos científicos levam a melhores tecnologias, que levam a melhores formas de vida para toda a humanidade – já desabou. Ninguém defende isso há muito tempo. Em primeira instância, o que acabou por matar a fé no “progresso” foi a persistência da evidência da pobreza e da desigualdade na população mundial, a evidência de que mais da metade das pessoas na Terra sempre foram irremediavelmente deixadas para trás. Depois de um tempo, as desculpas padrão já não eram convincentes.

Hoje, o sonho do “progresso” também é ofuscado pela crescente evidência de que a prosperidade da civilização moderna foi (em grande medida) gerada por um presente da natureza – petróleo barato. Claro que, na sua maior parte, esta herança inesperada foi explorada de formas que serviram aos interesses de uma minoria relativamente pequena dentro da comunidade humana. O termo “peak oil” (pico de produção petrolífera) sinaliza o crescente reconhecimento da crise vindoura como a celebrada criatividade da moderna civilização tecnológica batendo a cabeça contra a parede de tijolo da escassez de petróleo.

Outra sombra é o reconhecimento do aquecimento global e suas desastrosas conseqüências atuais e nas próximas décadas. Ao invés de falar sobre “progresso” e as suas esperanças de melhoria universal, as pessoas agora adoram falar sobre “inovação”. Mas como eu já mencionei, os tipos de melhoria aqui são definidos dentro de um quadro muito pequeno de significância. O outro tema sucessor, a “sustentabilidade” levanta uma questão verdadeiramente embaraçosa: “Pode a civilização moderna e suas principais práticas serem sustentadas como um todo?”. A resposta implícita é “talvez não”. No meu modo de pensar, estes dois temas – “inovação” e “sustentabilidade” – são indicadores para o que agora parece ser um vigoroso deslocamento intelectual e espiritual do “progresso”, a fé que inspira há muito tempo as políticas básicas e os projetos da civilização ocidental. Atualmente, parece haver pouca discussão honesta sobre o que a humanidade enfrenta além destes temas esgotados.

No Brasil, assim como em países como a França, surgiram recentemente iniciativas no âmbito legislativo no sentido de restringir a liberdade na internet exigindo, por exemplo, que os provedores de acesso denunciem práticas como os “downloads ilegais”. Qual cenário o Sr. prevê para a liberdade de expressão na Internet? Como interpreta a ideia de uma internet regulada?

As perguntas básicas são bastante simples. Quem seremos nós enquanto usuários de internet nos próximos anos? Como consideraremos a nós mesmos? Quais serão as qualidades que irão caracterizar a atividade das pessoas? E como as instituições detentoras do poder e da autoridade vão entender quem somos e o que estamos fazendo?

Uma visão promissora é que nos tornaremos cidadãos democráticos, com sensibilidade melhorada e capacidades expandidas para a ação na vida pública. Teremos acesso a uma gama mais ampla de recursos informativos do que anteriormente e usaremos isso para cultivar oportunidades tanto para pessoal quanto para o coletivo. Desta forma, poderiam surgir variedades mais profundas de cidadania do que qualquer outra em qualquer período da história.

Há, infelizmente, outras concepções do que somos na Internet que têm uma aparência totalmente diferente. Uma ideia comum e em expansão atualmente é a de considerar as pessoas como “suspeitas”, pessoas que cometeram crimes ou que se acredita que possam fazê-lo. Esta atitude move silenciosamente as políticas de governo para a Internet em diferentes direções daqueles de uma cidadania alargada e melhorada. Assim, há uma tendência para a criminalização e possibilidades de controle para que muitas pessoas comuns encontrem na esfera digital um ambiente mais agradável.

O Sr. acredita que o Estado tem um papel na formulação de políticas públicas para a rede?

Sim, existem variedades significativas de crimes que a sociedade deve ter em conta, mas também é verdade que nós vemos uma rápida expansão de conceitos, regras e mecanismos de execução que fazem diariamente o uso e o compartilhamento de recursos digitais parecerem mais e mais como uma cena de crime. O estado é apenas um de uma vasta gama de instituições que precisam ser envolvidos na negociação do caráter das práticas encontradas na rede. As famílias, escolas, universidades, sindicatos, ONGs, e uma ampla gama de grupos da sociedade civil também precisam ter uma voz proeminente. Neste momento, algumas noções tradicionais de propriedade e de comportamento socialmente adequado absorvem muita atenção e ameaçam limitar o alcance de novas liberdades emergentes – a liberdade de informar, de criticar e de criar. Formas férteis de cidadania surgirão se a sociedade puder superar medos sem sentido e resistir à tendência a permitir que as corporações definam tudo.

“É preciso reestatizar a Telefônica”

Ele não é petista, socialista, chavista ou adepto de qualquer outro ismo ligado à esquerda. Ao contrário, foi um dos principais executivos do Brasil em telecomunicações, no período pós-privatização.

Esse é Virgílio Freire, um consultor de 64 anos, que já presidiu companhias como a Lucent, subsidiária da AT&T, e a Vésper, a empresa-espelho na região de São Paulo. Hoje, ele prega algo que soa quase como uma heresia: a reestatização do setor, em especial da Telefônica.

E explica: As empresas estão mais preocupadas com o lucro do que com a qualidade dos serviços. Ele ainda questiona o investimento de R$ 2 bilhões anunciado pela empresa na reformulação do Speedy. Não estão comprando nenhum equipamento, afirma.

Por que o sr. passou a defender a reestatização das telecomunicações?
A questão vai além de ser estatal ou privado. Não sou petista ou qualquer outro rótulo que queiram me dar. O problema da telefonia no Brasil está na concentração de mercado. Hoje, um pequeno grupo de empresários detém a maior fatia da telefonia fixa. Isso é ruim para o País e péssimo para o consumidor. Eles estão mais preocupados com o lucro do que com a qualidade dos serviços. As decisões são sempre tomadas de acordo com os interesses dos sócios. A volta do Estado funcionaria como um regulador, assim como ocorre no setor bancário, com o Banco do Brasil e a Caixa.

Seu alvo é a Telefônica, em São Paulo?
É a maior empresa e a que presta o pior serviço. Há muitos anos é a líder de reclamações no Procon. Dentro do contrato de concessão, assinado quando a Telesp foi privatizada, há cláusulas que preveem a retomada da empresa pelo Estado. Então, o governo pode pedir a empresa de volta. A telefonia, sem dúvida, precisa voltar para as mãos do Estado.

Estatizar ao estilo do venezuelano Hugo Chávez?

Não. Sei que a proposta de reestatizar uma empresa soa agressiva, radical. Ninguém vai rasgar contrato ou expulsar um grupo privado, como acontece na Venezuela. É exatamente o contrário. Trata-se de fazer cumprir o contrato, defender o consumidor e adotar medidas legais cabíveis em caso de descumprimento das regras. E a reestatização não é a apropriação indevida. É só pagar à Telefônica o valor que a empresa vale.

A regulação não é papel da Agência Nacional de Telecomunicações?
Seria, mas a Anatel não cumpre seu dever. Caberia a ela zelar pelos interesses dos consumidores, mas ela se preocupa mais em atender aos interesses políticos do governo e agradar a grupos de empresários. É um órgão absolutamente ausente, passivo e negligente na defesa dos consumidores. Alguém duvida disso? É inoperante, ineficiente e incapaz…

Mas recentemente a Telefônica foi multada em quase R$ 2 bilhões e o Speedy teve sua venda proibida. Não foi uma resposta do governo?
No caso da suspensão do Speedy, foi uma decisão defasada. A Telefônica vendia um serviço que não funcionava, instável e de péssima qualidade. No caso da multa, é uma piada, no mínimo. A Anatel divulga multas milionárias, mas os valores nunca são cobrados. Ou seja, é só para enganar a opinião pública. Até hoje a Telefônica não pagou um real sequer em multas para a Anatel. É por isso que as operadoras não estão nem aí para a Anatel. As empresas devem rir da Anatel quando essas punições são divulgadas. Por mais que o presidente da agência tenha boas intenções, o órgão que ele dirige não funciona.

Logo depois da multa, a Telefônica entregou à Anatel um plano emergencial de melhoria dos serviços e lançou um programa de modernização de mais de R$ 2 bilhões. Isso não basta?
Esse plano de investimentos é, no mínimo, propaganda institucional. Não existe de fato. Desafio qualquer um a apresentar um pedido de compra de equipamentos feito pela Telefônica. A Associação de Engenharia de Telecomunicação entrou em contato com todos os fornecedores no País, todos mesmo, de componentes para telecomunicações para saber para onde estavam indo os investimentos de R$ 2 bilhões anunciados pela Telefônica. Consultaram Alcatel-Lucent, Motorola, Siemens, Nokia, Huawei e todas as outras. Para nossa surpresa, até hoje não existe nenhum pedido ou compra de equipamento. Então, podemos concluir que isso é uma falácia.

A Telefônica tem capital aberto e é fiscalizada aqui e na Espanha. Como é possível?
Bom, vamos fazer uma análise do balanço divulgado pela Telefônica no ano passado. Daí, cada um tira a conclusão que quiser. A empresa informou que investiu R$ 2,3 bilhões em 2008. Desse total, R$ 459 milhões foram para desenvolvimento de sistemas, que nada mais é do que atualização de softwares, um valor dez vezes maior do que um grande contrato de TI. Totalmente desproporcional. Também divulgaram investimento de R$ 471,8 milhões em aquisição de equipamentos de assinante. Ou seja, modem para internet e aparelhos telefônicos. O preço mais alto desses aparelhos é R$ 100. Se a gente dividir R$ 471,8 por R$ 100, chegamos à seguinte conclusão: a Telefônica comprou 4,7 milhões de aparelhos em 12 meses. Muito estranho, não? A empresa possui hoje 13 milhões de linhas.

O balanço foi auditado por uma consultoria independente.
Prefiro não comentar sobre a reputação da Ernst&Young.

Como o sr. avalia a telefonia celular? É melhor do que a fixa?
Não é monopolista, mas é muito ruim por falta de pulso firme da Anatel. As empresas estão mais preocupadas em remunerar os acionistas do que em investir de forma a prestar um serviço de qualidade à população.

A própria competição entre as empresas não equaciona esse problema?
Um aspecto interessante sobre esta excessiva competição na área de celulares é que, por incrível que pareça, as operadoras não estão bem de lucros. A razão é simples. Elas acham que market share é quanto do número de assinantes ou clientes cada uma tem. Na verdade, 80% de todos as linhas celulares no Brasil são pré-pagas, que geram por mês uma receita que não chega nem à metade do que gera um pós-pago. Elas se concentram em vender, vender, e os pré-pagos quase não fazem ligações. São usados para receber, e consequentemente, não geram receita.

A estratégia está errada?
É uma estratégia suicida. Se eu fosse presidente de uma operadora de celular, iria concentrar esforços em vender a quem gera receita, os pós-pagos. Iria criar novos serviços. Iria paparicar meu cliente

Isso custa caro.
Já notou como a publicidade de todas as operadoras de celular é igual? E, sem sentido, do tipo vocês sem limites. Um slogan vazio. Se eu dirigisse uma operadora de celular, criaria um excelente atendimento ao cliente, sem terceirizar.

A terceirização é um problema?
Terceirizar qualquer função de contato com o cliente é suicídio. Você já notou que nenhuma empresa aérea terceiriza aeromoças?

A Telesp, onde o sr. já foi diretor, e a Vésper não tinham atendimento bom.
Muito melhor do que o atendimento de hoje. Foi com essa filosofia que criei a Vésper.

Então, por que a empresa não deu certo?
Porque os acionistas brigaram. A Bell Canadá, principal acionista, resolveu sair do Brasil e parar de investir na Vésper. Assim, cortou mais de US$ 2 bilhões de investimentos.

Na maioria dos países, o Estado não compete no setor de telefonia e as coisas funcionam bem. O que acontece lá?
Como se vê, não há como escapar do papel fiscalizador e protetor do consumidor que o Estado deve assumir. Na pátria do capitalismo, os Estados Unidos, tudo o que disse até agora é executado com competência pela Anatel deles, o Federal Communications Commision, que é todo ocupado por profissionais que têm anos de experiência. O FCC foi o modelo para a Anatel, mas nossa agência desde o início foi uma caricatura, não uma cópia benfeita.

Apesar das falhas, a Anatel tem tentado mudar. Concorda?
A agência não sabe trabalhar. Vou dar um exemplo simples de como a Anatel funciona de forma burra. A fim de promover a competição, a agência inventou uma coisa que existe em nenhum outro país do mundo. Inventou a discagem da operadora de longa distância a cada chamada. Isso nos força a discar 13 dígitos a cada chamada interurbana. Gastou-se uma fortuna para adaptar as centrais para isso, quando bastava ter copiado o que os Estados Unidos fazem. Lá, você faz assinatura com uma operadora de longa distância e pronto.

Isso pode ser mudado, não?
A Anatel não entende de satisfação do cliente. No caso dos Estados Unidos, a competição é até mais eficaz porque a operadora de longa distância que você contratou não quer perdê-lo

Afinal, qual a solução para o setor de telefonia no Brasil?
Caímos de novo na atuação do Estado, da Anatel, que deveria ter gente capaz de avaliar as operadoras por dentro.

Quem garante que a estatização será o fim dos problemas?
Não há garantias, mas é a alternativa mais sensata.

Sua ofensiva contra a Telefônica não prejudica seu futuro profissional?
Não me preocupo com isso. Hoje sou consultor de empresas internacionais de telefonia. Meu ganha-pão não está no Brasil. Por isso, tenho independência para falar.

“Ley de Medios pode transformar mídia argentina”

[Título original: Por que a lei argentina de meios assusta?]

O Senado argentino aprovou recentemente uma nova lei para os meios audiovisuais, estabelecendo restrições à propriedade e impondo novas regras no mercado midiático local. As medidas são polêmicas, e contrapuseram não apenas oposicionistas e aliados da presidente Cristina Kirchner, mas também setores organizados da sociedade que tentam democratizar os meios na Argentina e grandes conglomerados de mídia.

Antes de ser aprovada pelos senadores, a nova lei foi intensamente discutida. Aprovada, pode trazer modificações sensíveis no panorama e ainda contagiar países vizinhos, como Brasil, e aprovarem dispositivos semelhantes que ataquem oligopólios. Por aqui, a gritaria não foi pouca. Para o Estadão, a medida é um atentado do governo para cercear a mídia, principalmente o poderoso grupo Clarín, que está em rota de colisão com os Kirchner há meses.

Mas há setores que vêem a nova lei argentina com muito bons olhos. Maria Victoria Richter é jornalista e militou durante anos no Observatorio de Medios da União dos Trabalhadores da Imprensa de Buenos Aires (UTPBA). Atualmente, Victoria é assessora da senadora Maria Rosa Díaz, que nem é partidária do governo, mas votou a favor da “Ley de Medios”. A jornalista argentina acompanhou de perto a tramitação do projeto.

Veja trechos da entrevista.

Por que o processo de aprovado da “Ley de Medios” não foi um processo tranquilo?
Por que existem empresas que concentram o mercado audiovisual e não estavam dispostas a dividir o espectro radioelétrico com outras lógicas de comunicação.

A quem interessa existir uma lei como essa?
Interessa à comunicação sem fins lucrativos, aos trabalhadores dos meios, jornalistas, atores, músicos, cineastas e produtores argentinos que estão contemplados na lei. Deveria interessar à audiência, já que lhe é garantido o acesso a outras formas de comunicação, sem interesse comercial exclusivamente e incentivando os meios públicos.

E por que tanto temor ou indisposição com a lei?
O medo é de um setor da oposição que conta com apoio dos principais jornais, pertencentes aos mesmos grupos afetados, o que cria um clima de tensão compreensível quando são atingidos interesses econômicos tão fortes.

Quais são os aspectos positivos da lei?
É uma boa lei, amparada na legislação internacional em matéria de comunicação, e que recebeu o apoio de centenas de organizações sociais, de amplos setores da cultura, agremiações e universidades, além da relatoria de Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Unesco.

Que tipo de transformações a nova lei pode trazer para o cenário de comunicações argentino?
Se for aplicada, a lei pode transformar radicalmente o mapa dos meios locais. Além de gerar múltiplas fontes de trabalho e garantir um acesso mais democrático às concessões de radiodifusão. Para além do sucesso de sua aplicação, que implicará novas lutas por parte dos movimentos sociais, esta lei já gerou uma nova possibilidade de discussão sobre o papel social dos meios de comunicação. Pela primeira vez na Argentina, discute-se que o espectro radioelétrico pertence a todos e que o setor privado não é proprietário do espaço comum, ainda que possa usá-lo.

Você assessora uma senadora que votou a favor da lei. Como é a sua posição frente o governo Kirchner?
Minha senadora, María Rosa Díaz, representa uma província argentina – a Terra do Fogo – que tem uma relação complicada com o governo. Mas isso não impediu que reconhecesse uma boa iniciativa que estabelece uma nova norma que beneficia setores que não têm voz nos meios massivos de comunicação. Trata-se de uma lei que vai transcender governos e que resulta num avanço da democratização do espectro.

Os Kirchner querem mesmo fazer calar os meios de comunicação?
Os Kirchner têm uma forma questionável de gerir a coisa pública, sem muita transparência e com várias denúncias de exercer o poder pressionando aqueles que não se alinham às suas políticas. Eles têm um discurso com muitas ideias progressistas, mas sua prática nem sempre o acompanha. No caso da lei de serviços de comunicação audiovisual, muitos que não comungam de suas particulares visões decidiram acompanhá-los porque reivindicamos historicamente (desde a redemocratização) uma lei que garantisse o acesso de todos os setores no processo da comunicação.