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“A tecnologia avança mais rápido do que a comunicação”

A internet é mesmo a grande revolução prevista por certos teóricos? Em seu novo livro, “Informar não comunicar” (96 pp., Editora Sulina, Porto Alegre, 2010) o sociólogo francês Dominique Wolton joga um balde de água fria nas utopias digitais, que cravaram que as novas tecnologias iriam resolver todos os problemas da comunicação. Para o prestigiado pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em português), fundador e diretor da revista Hermès, confundiu-se os – indiscutíveis – avanços técnicos de transmissão da informação com a nossa capacidade de absorvê-los e nos adaptarmos às mudanças. O resultado é paradoxal: mais rápido avançam as tecnologias, mais lento é o nosso progresso na comunicação.

Wolton não nega a importância das novas ferramentas, mas desconstrói a ilusão de que a internet possibilitará um conhecimento sem intermediários. Ao contrário do espaço de integração e pluralidade idealizado por alguns, vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.

Antes que o acusem de conservadorismo, vale lembrar que o pensador defende, na verdade, uma visão mais humanista da comunicação, que coloque o indivíduo acima das tecnologias. Pede com urgência que a comunicação seja vista como um projeto político e cultural, para que possa enfim produzir um melhor entendimento entre os homens num mundo cada vez mais multipolar.

Os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar?
Há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de se comunicar. As informações avançam rápido, já a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum. O desafio é tomar consciência que a comunicação deve conviver pacificamente com as novas tecnologias da mesma maneira que a ecologia. O mundo finalmente deu atenção à ecologia, agora é preciso também ficar atento às ciências sociais da comunicação.

Quais são os maiores perigos da visão tecnicista da comunicação?
É uma visão que contém riscos porque cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação. Não apenas releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, mas também a sua resistência a uma visão diferente do mundo. É preciso aceitar a ideia de que a comunicação também possui uma dimensão política e cultural. Se aceitamos que a ecologia deve ser um assunto político, por que não a comunicação?

Os ideólogos da revolução digital defendem que a internet pode produzir uma democracia mais direta, emancipada das instituições, e que se autorregulamentaria sem a necessidade de intermediários. É uma ideia populista?
É uma ideia democrática apenas na aparência. A internet ressuscitou a utopia da democracia direta. É ingênuo, porque se você não tem intermediários, é o dinheiro e as minorias que dominam. Não existe democracia sem intermediários: políticos, jornalistas, professores, médicos… A televisão comunitária existe há pelo menos 20 anos e não resultou na democracia direta. A mídia está cada vez mais interativa, mas não melhorou em nada. Para que haja democracia, é preciso haver eleições. Aliás, eleições servem para eliminar aquilo com o que não concordamos.

A internet é defendida como um agente do pluralismo. Mas o senhor vê um risco de conformismo, submissão ao receptor e às modas. Até agora, o digital contribuiu mais para uma homogeneização da mídia?
A internet pode se transformar em um espaço onde todo mundo pensa a mesma coisa, pois cada um se fecha em sua comunidade. Mas se for regulamentada, poderá refletir o pluralismo da sociedade. Aconteceu o mesmo na história da política, da ciência ou da arte. A comunicação é um projeto político. Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças.

Em resposta à utopia de integração, o senhor aponta as "solidões interativas"…
Não podemos negar que a internet trouxe uma abertura formidável. Mas depois de um tempo, pode virar prisões individuais: as pessoas se trancam e não se comunicam com valores diferentes dos seus. A web é um sistema de informação baseado na demanda, enquanto as mídias clássicas se baseiam na oferta. A web não ultrapassa a demanda, e com isso produz uma segmentação. Por outro lado, as mídias clássicas enriquecem a demanda com a oferta.

Qual foi a verdadeira influência da internet nas últimas eleições presidenciais americanas?
Já se disse muita besteira sobre a campanha de Obama. Na verdade, ele percebeu a importância das redes sociais e se serviu delas. Mas era algo que já existia muito antes, pelos meios clássicos. Não foi a internet que deu a largada para o militantismo, ela simplesmente acelerou um sentimento que já existia na população.

O senhor afirma que o jornalismo é uma profissão, exige formação. Como vê a decisão da Justiça brasileira de anular a necessidade de diploma para praticar o jornalismo no país?
O jornalismo é uma profissão que exige responsabilidade, uma maneira de ver o mundo. É importante que ela mantenha as portas abertas para os mais jovens. Mas acreditar que ela pode acolher todo mundo, mesmo aqueles que não conhecem as dificuldades do métier, é uma visão demagógica, que pode vulgarizar o ofício. Quanto mais surgem novas mídias, mais é preciso reafirmar a importância dos intermediários e de seu profissionalismo.

O jornalismo impresso vai acabar?
Cada um tem seu lugar. A internet tem como aspecto positivo a sua capacidade de ser um instrumento de contrapoder e, como negativo, a sua segmentação. Já as mídias clássicas são positivas por se abrir a todos, mas negativas por serem generalistas demais. Precisamos de cada um dos dois em suas visões positivas. Cada mídia tem sua cultura e competência.

“O celular vai conectar todo mundo à web”

Sem fins lucrativos, autossustentado e baseado na noção de transferência de conhecimento entre a sociedade e a universidade, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR) foi fundado em 1996 para criar produtos, serviços e empresas baseados em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Com o tempo, o Centro acabou por se tornar uma referência no desenvolvimento de software para celulares, atendendo a clientes como Motorola, Samsung, Vivo, Oi e outros.

“Nosso negócio é descobrir perguntas, ao invés de arranjar respostas”, afirma Silvio Meira, 55 anos, o fundador e cientista-chefe da instituição, que comanda os mais de 400 pesquisadores envolvidos nos projetos do CESAR, em centros no Recife, em São Paulo e em Curitiba. O CESAR nasceu no Recife, onde Meira leciona no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Nesta entrevista, dada a revista Wireless Mundi, que também é editada pela Momento Editorial, em versão impressa e online (www.wirelessmundi.inf.br), ele fala da importância de conectar todos os brasileiros à internet e aplaude a iniciativa do Plano Nacional de Banda Larga, lembrando que a conexão de 10% dos brasileiros à internet resulta em aumento imediato de 1% no PIB do país. “Parece que vamos universalizar a banda larga no Brasil antes mesmo de universalizar água e esgoto, o que é esquisito e quase inacreditável”. Na sua avaliação, as tecnologias sem-fio terão um papel fundamental no processo.

Vocês são uma espécie de incubadora. Como é que isso funciona? Vocês trazem para o CESAR os melhores alunos com as melhores idéias e criam uma empresa?
Não, o pessoal do CESAR é contratado para resolver problemas. Por exemplo, há algum tempo fizemos um trabalho para uma grande empresa que presta serviços para bancos. Era um projeto associado a processamento de imagens, imagens de documentos, de transações virtuais. Criamos, então, um negócio de processamento de documentos, uma espécie de OCR muito sofisticado, e feito em cima de texto que não foi preparado para ser lido em OCR, usando inteligência artificial muito complexa e assim por diante – isso acabou virando um negócio. O pessoal fazendo isso pode até ser aluno da universidade, mas não é trabalho voluntário, não é participação acadêmica no negócio. Nós trabalhamos para resolver problemas efetivos, em empresas reais, que têm aquele problema em seu caminho crítico.

O CESAR é um centro de referência em software para celular. Por que o foco na telefonia celular e o que mais vocês fazem em termos de aplicação da tecnologia sem-fio?
No caso de celulares, a gente acabou se envolvendo em vários níveis desse problema, desde projetar um celular até fazer uma parte do hardware, uma parte do software, testar, verificar, validar, certificar celulares antes de colocá-los no mercado e escrever o software que fica nas operadoras. Trabalhamos com a cadeia de valor da mobilidade, que é muito mais ampla. Há o fabricante, os fornecedores, o sujeito que faz um negócio terceirizado, a operadora,  o fabricante que presta serviço para a operadora e assim por diante.

O CESAR tem desenvolvido várias aplicações sociais para celular. Quem contrata esse desenvolvimento? E como o celular, que está nas mãos de milhões de brasileiros de classe C e D, pode ser usado para incluir mais gente na conversa e para melhorar a vida das pessoas?
Qual é o papel do celular? Se você prestar atenção, na mão de cada pessoa, hoje, tem uma capacidade de computação milhares de vezes maior do que o computador mais potente que existia na década de 60. Este é o primeiro fato. O segundo é: esse computador mais potente da década de 60 – refiro-me ao mundo, não apenas ao Brasil – era isolado. Hoje, o celular mais tosco do mercado consegue mandar SMS, por exemplo, o torpedo, que é uma forma rudimentar de correio eletrônico. Este já é um mecanismo de inclusão digital. E, se você olhar para a periferia, vai ver que o pessoal das camadas mais baixas da sociedade usa SMS intensamente. É exatamente essa camada que consome downloads, ringtones, jogos. São eles que, às vezes, pagam cinco reais à operadora por um jogo que é grátis na web – só que eles não têm acesso a internet – e fazem essas compras por meio de torpedos. Na infraestrutura brasileira de celular, hoje, o que está ocorrendo são os primórdios de um processo de informatização pessoal, que, em última análise, vai levar todo mundo à rede, no mesmo grau de intensidade.

A infraestrutura de terceira geração já é uma estrutura de web.
Exato. Na realidade, o celular já é um navegador. Todas as pessoas vão ter acesso a telefones que hoje custam R$ 1.500,00 e que, daqui a quatro ou cinco anos, serão parte da conta pré-paga delas, simplesmente porque o custo de fabricação do aparelho vai cair para perto de zero. O problema é que existem margens muito grandes para serem obtidas em celulares de preço mais baixo – você dá o celular de graça e cobra uma fortuna da pessoa para enviar um SMS. No caso do Brasil, para o consumidor, um torpedo custa 15 vezes mais do que na China, cinco vezes mais do que no Paraguai, dez vezes mais do que na Venezuela. Aqui, mantemos a população – principalmente a de mais baixa renda – num regime de escassez de informação. Isto ocorre porque o Brasil cobra os impostos de telecomunicações mais altos do mundo: 40% da conta é imposto.

As operadoras afirmam que cobram caro porque ainda estão amortizando o investimento na implantação das redes de celular. E, claro, colocam boa parte da culpa nos impostos.
A história da instalação das redes não faz o menor sentido: que eu saiba, ninguém está perdendo dinheiro no Brasil com telecomunicações. Se a infraestrutura de mobilidade e de conectividade da sociedade fosse realmente uma prioridade da política pública, o governo devia fazer o contrário: devia liberar do imposto. Mas, no Brasil, não. Aqui tem uma coisa muito estranha: os estados e a federação resolveram cobrar impostos muito mais altos do que se cobra em qualquer lugar do mundo. Na China, o imposto é 8%; nos Estados Unidos, é menos de 10% – com esse nível de impostos, você efetivamente conecta as pessoas. Mas, ao combinar um espaço de política pública com um espaço regulatório, pode-se seguramente olhar para as contas das operadoras e dizer: “Escuta aqui, você vai gastar US$ 1 bilhão a mais por ano para incluir o pessoal de baixa renda, que eu vou lhe dizer quem é. Eu tenho milhões de famílias indexadas em programas estatais de todos os tipos e esse pessoal não paga imposto”. Ao invés de cortar imposto, o estado cortaria seletivamente. Basta ter coragem política, basta reduzir significativamente o preço do pré-pago – isso transformaria um número suficiente de pré-pagos em pós-pagos, resolvendo também o problema das operadoras, na minha opinião.

Neste contexto, como você vê o Plano Nacional de Banda Larga e qual será o papel da tecnologia sem-fio nesse plano?
O PNBL é uma promessa interessante, que vai precisar de muito esforço, investimento e perseverança para sair do papel, especialmente num ano eleitoral. Depois, há que continuar com a mesma perseverança na transição para outro governo. Mesmo com todas as dificuldades, sou otimista: parece mesmo que vamos universalizar banda larga antes de universalizar água e esgoto, o que não deixa de ser esquisito e quase inacreditável. Quanto à tecnologia sem-fio, ela estará em todo lugar, em qualquer cenário, simplesmente porque todo mundo vai ter seu celular (na verdade, seu smartphone) como mecanismo preferencial de conectividade, porque é pequeno, porque está comigo o tempo todo, porque estou conectado o tempo todo. Se isso vai ou não implicar mais frequências e mais alternativas tecnológicas para acesso sem-fio, só saberemos com o tempo. Mas de uma coisa podemos ter certeza: dentro desta década haverá 150 milhões de acessos móveis à web no Brasil. E isso diz tudo sobre a importância das tecnologias sem-fio na universalização do acesso à web no país.

As aplicações que o CESAR desenvolve para celulares são proprietárias ou podem rodar em diferentes celulares também? Afinal, a falta de padrão para o hardware do celular é um grande problema, não?
É, mas isso é a mesma história dos computadores: no começo, cada empresa que fazia hardware tinha o seu sistema operacional proprietário. No celular, vamos chegar a cinco padrões em breve: Microsoft, Android, Symbian, Palm e iPhone. Se você escrever uma aplicação em Java, ela roda transparentemente nos cinco.

E isso para qualquer celular comercializado no Brasil hoje?
Hoje, não. A bagunça é total.

A curto prazo, em cinco anos, segundo a Anatel, o Brasil estará inteiramente coberto por uma estrutura 3G, que é uma estrutura de internet móvel. E aí?
Com essa estrutura na mão, as pessoas vão usar a web, porque haverá um padrão de contas que diz o seguinte: você vai navegar com mobilidade total, com uma quantidade de dados infinita. Onde é que eu vou regular você? Eu vou dizer que você vai me pagar tanto e eu vou lhe dar, em princípio, uma certa quantidade de banda, digamos 1 Megabit por segundo. Mas se você chegar a 1 Gigabit ou 1 Gigabyte por mês, eu vou fazer a sua velocidade cair. E, à medida em que você usar cada vez mais dados, eu vou lhe dar cada vez menos banda, para equilibrar quantidade e velocidade. Porque, se for possível ter quantidade infinita de dados com banda fixa, a infraestrutura não será renovada como deveria e a cobertura não chegará a todo lugar. Mas se houver um sistema de cap in, ou seja, um limite de velocidade à medida em que você for consumindo banda, aí eu posso convidar todo mundo a entrar na rede. Numa situação assim, as pessoas começam a se moderar.

Mas isso não vai criar um problema com as operadoras? Os principais clientes são as grandes corporações, que usam muito dado, o tempo todo – elas não vão concordar com um esquema assim.
Não, mas essa é a conta de inclusão social. Se a grande corporação quiser mais dados, ela paga por isso.

E, se ela pagar, a infraestrutura cresce?
Claro. Veja, o problema do Brasil é um problema de inapetência regulatória combinada com confusão político-estratégica. Se decidirem fazer política, ter uma estratégia para essa política dar certo e regular esse negócio, as coisas funcionam. Não se pode soltar no mercado um agente privado, quase monopolista, com uma escolha infinita. Esse agente não pode fazer o que quiser, pelo preço que quiser. Esse agente deve ser regulado. Já o agente regulador precisa regular e quem presta o serviço precisa prestar o serviço. Se a operadora chegar à conclusão de que, para prestar um serviço da qualidade de 1 Megabit por segundo, precisa cobrar R$ 100 por mês – vamos fazer as contas para ver se de fato custa R$ 100. Mas, se puder custar 70 reais, ou 60, ou 50, se você puder botar mais gente no mercado, se puder aumentar a concorrência, se puder usar novas tecnologias, como WiMAX…

Que não está regulado…
Que não está regulado. Mas você pode incentivar e dizer: “Muito bem, vocês não vão baixar o preço, não? Então eu vou regular o WiMAX, vou incentivar o WiMAX no mercado para estabelecer um padrão de concorrência de preço no mercado e não uma discussão de espaço regulatório”. Eu, pelo menos, sou contra ficar discutindo por medida de preço. Não faz parte do meu cardápio. Mas eu acho que faz sentido, sim, discutir do ponto de vista de qualquer infraestrutura – se faz sentido discutir estrada, esgoto, água e luz, também faz sentido discutir internet, que é uma das coisas que roda por cima de telecomunicações. A gente tem de se perguntar o seguinte: “O que o país quer como infraestrutura de telecomunicações?” Nós temos um histórico de uma péssima infraestrutura de telecomunicações estatal. Indubitavelmente, ao privatizar o setor, isso melhorou muito. Agora já passamos da fase de ficar batendo palmas porque o serviço melhorou. Chegamos novamente à fase de dizer: o que ainda precisa melhorar? O que é preciso fazer para realmente incluir o país, geograficamente, socialmente, empresarialmente? Quais infraestruturas essenciais para o futuro precisam ser construídas? Outro dia eu estava no Recife, tentando mandar um e-mail do aeroporto, mas a conexão de banda larga móvel do meu laptop, que teoricamente é de 1 Megabit por segundo, estava funcionando a 30 K. Assim você não consegue nem ler e-mail – 30 K é da época do modem em linha discada!

Mas há lugares a 100 quilômetros da cidade de São Paulo onde tampouco existe conexão em banda larga real.
Pois é. Esse espaço é que precisa ser tratado. Do ponto de vista de mobilidade. E por que mobilidade, em última análise? Porque você não é um prédio, você não está acorrentada numa casa, nem numa firma. Você anda. Nós somos seres moventes. Acho que a expressão certa é mesmo “ser movente”, que significa que somos ambulantes. Você não quer ter um telefone fixo em casa, quer carregar consigo a sua capacidade de computar, de conectar, de se relacionar, de controlar coisas. Se você pensar no longo prazo, o que eu quero fazer aqui agora é, por exemplo, comandar a porta da minha casa, que deveria poder ser aberta pelo meu celular. Eu clico um conjunto de chaves aqui – eu boto o meu dedo na câmera, o celular lê, certifica, a porta abre e a pessoa fica registrada lá, já sabendo que, na hora que entrar, eu vou ligar todas as câmaras que tem dentro de casa e essa filmagem vai ser remetida ao meu celular ou vai ficar gravada para eu assistir depois.

Vamos sair um pouco do macro e mergulhar no micro: o que você diria para o responsável por informática em uma pequena prefeitura brasileira?
Diria a mesma coisa que eu disse ao presidente da República recentemente: a cada 10% adicionais de conectividade o PIB cresce 1%. Esse dado é comprovado por levantamentos macro e microeconômicos. Estamos falando de conectividade ampla, significa pessoas realmente conectadas – não estamos falando do sujeito que só pode receber chamadas no seu celular pré-pago. Quantas pessoas estão realmente conectadas no Brasil? Na minha opinião, não há mais de 10 milhões de pessoas com banda larga real, que conseguem assistir a um vídeo, que conseguem assistir a uma aula a distância sem que a conexão caia 34 vezes.
Se você conectar 50% da sua cidade, vai obter literalmente cinco pontos percentuais de aumento no PIB local. Isso é um número imenso! Imagine o trabalho que dá mover um único ponto porcentual do PIB num país como o Brasil, que em 2009 teve crescimento perto de zero. Ou seja, se a gente tivesse resolvido conectar 30 pontos porcentuais da população brasileira, a conseqüência quase imediata seria um aumento de 3% no PIB. Além disso, conectividade – e em escala – é a única forma de você participar do mundo. A maioria das cidades que não têm conectividade tampouco têm serviços de qualidade, nem livrarias, bibliotecas, nem outra montanha de coisas. Essa cidade está isolada do ponto de vista das demandas cognitivas, culturais, artísticas, literárias, de ensino, de ciência, de matemática, de física, de engenharia, de música, do que você quiser…
Para conectar um lugar, para abrir a possibilidade de a população de um lugar remoto entrar no mundo, é só levar a internet de banda larga para lá. Uma das formas mais práticas de fazer isso hoje é usar a tecnologia sem-fio, iluminar a cidade com a malha sem-fio. Se você pensar em larga escala, temos pelo menos 3 mil municípios brasileiros que não têm biblioteca, nem teatro, nem cinema. Vamos botar banda larga nesses lugares e eles serão incluídos geográfica e socialmente – é metade do país. Mas isso é um objetivo de política pública, com o qual a prefeitura deveria estar preocupada. Porque também é verdade que, na maioria dessas cidades, não há empreendedores privados com conhecimento, capital ou insumos essenciais para tomar a iniciativa de conectar a cidade. É, portanto, um espaço nítido e típico de política pública – um problema que, todos nós sabemos, deveria ter sido resolvido pelo Fundo para Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) lá atrás, mas não foi. E não adianta chorar sobre leite derramado. Precisamos agora é por a mão na massa.

Como o CESAR põe a mão nessa massa?
Por exemplo, fazendo projetos para prefeituras do interior, alguns deles bastante criativos. Como é que a prefeitura pode prover banda larga de graça em troca do pagamento de impostos? Pois prefeituras do interior têm uma capacidade de arrecadação muito baixa. Estamos trabalhando para uma prefeitura que tem um plano muito legal: ela quer prover uma banda larga mínima, mas com cobertura universal na cidade em troca de todo mundo pagar o IPTU. Se houvesse um projeto nacional desse tipo, Brasília deixaria de ser pressionada por prefeitos sem capacidade de arrecadação. Quando se leva a internet para uma cidade, vão junto a competência, o sistema de informação, tudo provido pela rede. Essa prefeitura do interior não vai montar um centro de dados; o máximo que o sujeito vai fazer é cadastrar os CPFs correspondentes aos domicílios com número de arrecadação de IPTU e de outros impostos municipais. Ao conectar a cidade, ao mesmo tempo se informatiza a prefeitura, numa escala muito superior àquilo de que ela precisa hoje. O problema é que a utilidade econômica desse registro, dessa informática pública, ainda é muito baixa. O que a gente precisa é aumentar a utilidade econômica da informática da prefeitura. Não é dos programas federais, que têm um impacto muito grande. Para isso, é preciso botar na cabeça do cidadão que está tocando a prefeitura em qualquer lugar do Brasil que ele deve oferecer – aos seus cidadãos, aos seus alunos, às suas escolas, às suas enfermeiras, seus médicos – a oportunidade de conexão com o mundo, representada pela internet. Para nós, que já estamos dentro, é impossível imaginar a vida sem internet. Acho que é como se imaginar analfabeto. Porque se a pessoa souber ler e escrever, a maior parte das coisas de que ela precisa está na internet.

Eu gostaria que você abordasse agora uma outra questão espinhosa, que se contrapõe a facilidades como abrir a porta da sua casa por celular: a questão da privacidade e dos direitos individuais.
Essa é uma preocupação real, que compartilha o espaço/tempo com o processo de aprendizado. Ela é a mesma coisa que a escrita: quando se inventou a escrita, de repente as pessoas começaram a abrir cartas dos outros… Esse processo é normal: se há informação e as pessoas querem saber o que está acontecendo, elas irão atrás disso. A coisa mais clara que existe sobre a sociedade da informação e do conhecimento é que a informação e o conhecimento são os elementos mais importantes dela. Logo, isso vale dinheiro, isso é transacionável, isso é espionado, roubado, entregue, destruído, modificado… As transações são sobre este escopo de um ciclo de vida da informação, que vai desde a geração – porque estamos gerando informação – ou captura (meu celular está capturando informação neste momento) até seu processamento, distribuição, reutilização, terminação. Durante todo esse ciclo, nós vamos nos preocupar intensamente com informação, com sua segurança, com sua disponibilidade – tem coisa a que a gente quer dar a maior disponibilidade possível, por exemplo, toda informação pública. O portal da transparência do governo federal é um exemplo disso, assim como é o portal da transparência de muitas instituições privadas. Ao mesmo tempo, tem informação que a gente não quer deixar passar de jeito nenhum: informação sobre segurança nacional, sobre a segurança deste prédio onde estamos. Mas tudo isso é parte natural do processo. As pessoas ficam meio histéricas a respeito, mas a verdade é que já era assim. O que ocorre é que ficou mais rápido e cada vez mais virtual.

Ficou cada vez mais grave, na verdade. Quando os criadores desse problema não dispunham da tecnologia, o efeito negativo era muito menor.
Mas, filosoficamente, o problema é o mesmo – só a escala mudou. Eu hoje posso usar um telefone ou um roteador de internet e pegar tudo que vem do seu endereço IP, por exemplo. Para fazer graça, o pessoal do CESAR que desenvolve aplicações de segurança costuma usar uma camiseta provocadora, que diz o seguinte: “Eu leio o seu e-mail”. Claro que pode. Isso é fácil de fazer.

“Conselho Curador da EBC faz parte da construção do sistema público”

Ao assumir em outubro a presidência do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, Ima Célia Vieira passou a ser, além de referência sobre a conservação da Amazônia, também figura bastante solicitada no debate sobre a constituição de um sistema público de comunicação. Herdada do economista Luís Gonzaga Belluzzo, que abriu mão de ser conselheiro da EBC, a missão de estar a frente do CC em 2010 não será tranquila: de cara, Ima tem de responder pela primeira consulta pública para a renovação do órgão.

A consulta abre a possibilidade de participação de organizações da sociedade civil. As indicações podem ser feitas até 9 de abril (saiba mais). Mas o modelo, definido pelos próprios conselheiros, cria dois filtros para a escolha de quem ocupará as três vagas abertas. O primeiro é o próprio CC, que estipulará uma lista tríplice para cada uma das vagas. O segundo, o presidente da República, que indicará os novos membros a partir da lista tríplice.

Nesta entrevista, concedida por e-mail, Ima responde às críticas feitas ao modelo da consulta. Segundo ela, a idéia dos conselheiros foi garantir que sejam mantidos os critérios – participação regional, pluralidade e diversidade de experiências e competências – que balizaram a constituição da atual gestão, indicada diretamente pelo presidente da República. Ima acredita que a resposta da sociedade à consulta será positiva.

A presidente também fala dos planos para dar mais transparência e aumentar a possibilidade de participação da sociedade junto ao Conselho Curador. As iniciativas descritas permitem reconhecer alguma disposição da presidente e dos conselheiros em transformar o CC num órgão efetivamente de contato entre a sociedade e a EBC.

Na entrevista, Ima reforça a idéia de que o “Conselho Curador faz parte da construção de um sistema público de comunicação”. Dependendo dos desdobramentos destas iniciativas e dos resultados desta primeira consulta pública, sua gestão à frente do CC pode se tornar uma primeira referência neste sentido.

O Conselho Curador da EBC receberá, este ano, três novos membros que serão escolhidos a partir de indicações de entidades da sociedade civil. Esta consulta pública foi prevista na lei que criou a empresa de forma a responder a preocupações em torno da ingerência do governo sobre a EBC, uma vez que esta primeira gestão do Conselho foi inteiramente indicada pelo presidente da República. O formato definido para a consulta, entretanto, segue prevendo a participação do presidente nesta escolha, além de colocar o próprio CC como filtro inicial dos nomes que formarão as listas tríplices. Isso não abre espaço para críticas em relação à falta de independência do conselho em relação ao governo? Como os conselheiros justificam este modelo?
Em primeiro lugar, não há como o presidente da República não ser o responsável último pela nomeação dos conselheiros, pois é ele quem formalmente designa os seus membros. O que pode ser discutido é se ele deveria ou não receber uma lista tríplice do Conselho Curador, como ocorre em diversos outros órgãos e instituições públicas, como por exemplo, nas universidades. A outra questão se refere à participação do Conselho na formulação da lista que será entregue ao presidente da República. Optou-se por uma fórmula que acreditamos ser a melhor nesse momento, para que os princípios que norteiam o CC sejam garantidos: a participação regional, pluralidade e diversidade e diferentes experiências e competências. Contudo, é um modelo que pode ser alterado nas próximas consultas, a partir de uma avaliação de como as coisas aconteçam neste primeiro processo. Estamos passando por um momento de construção da EBC e o Conselho Curador também faz parte desse processo. Portanto, há abertura para que o método seja aperfeiçoado. O importante é que possamos manter a representação da sociedade civil na gestão da EBC, por meio do Conselho Curador, e criar canais adicionais de diálogo com a sociedade.

Os mandatos de 8 conselheiros se encerraram em dezembro e, por indicação da assessoria jurídica da Secretaria de Comunicação Social, aqueles que desejaram renovar sua participação no CC – caso de 5 destes conselheiros – por mais 4 anos foram automaticamente reconduzidos. Considerando que o espírito do processo de renovação previsto na lei era o de dar espaço à participação da sociedade na escolha dos conselheiros da EBC, o CC pensa em colocar, de alguma forma, estas renovações sob algum tipo de avaliação pública?
Os mandatos não foram automaticamente renovados. É fato que os conselheiros foram consultados para ver se desejavam permanecer no Conselho, mas quem os reconduziu foi o presidente da República. Isso não tira o mérito do debate sobre a recondução desses conselheiros sem que estas vagas entrem em consulta pública, mas houve a compreensão jurídica de que estes mandatos poderiam ser renovados diretamente. Diante desta possibilidade, a única coisa que o Conselho fez foi manifestar o apoio à recondução dos cinco conselheiros, até porque alguns deles haviam assumido vagas abertas por outros e tiveram pouco tempo para contribuir com o órgão, como é o caso dos conselheiros Murilo Ramos, Daniel Aarão Reis e João Jorge Rodrigues. Mas reitero que, embora o modelo ainda não possa ser considerado perfeito, a minha expectativa é de uma grande participação da sociedade civil neste processo de renovação do CC. A consulta foi incluída na Lei 11.652 por reivindicação das organizações que historicamente atuam nesse campo e, por isso, acredito e espero que a participação seja significativa, não só dessas organizações, mas de entidades de diversos campos da sociedade civil. As conferências de comunicação e de cultura mostraram que temos um leque amplo de entidades que tem alguma interface com o tema da comunicação pública. Pessoalmente, acredito que uma alta participação é importante, até para que possamos avançar em fórmulas e processos que melhor atendam ao imperativo de construção de um vínculo efetivo entre a EBC e a sociedade.

Ainda sobre a “prestação de contas” do trabalho dos conselheiros, a divulgação das atas das reuniões é, a partir deste ano, uma política do CC? Como será feita esta divulgação e que tipos de mecanismos estão sendo pensados para aumentar a interação entre a sociedade e os conselheiros?
O Conselho Curador também vem passando por aperfeiçoamentos. Num primeiro momento, não tínhamos estabelecido a secretaria-executiva, nossas reuniões eram esporádicas e tínhamos muita dificuldade em conciliar as agendas dos conselheiros, todos muito ocupados. Parte das críticas se referiam a questões como a publicação das atas e a divulgação prévia das pautas. São críticas pertinentes, tanto que as atas já estão sendo publicadas e daremos também uma maior transparência às reuniões, com a divulgação das pautas previamente. Já temos inclusive uma agenda de reuniões para todo este ano, o que vai ajudar a incentivar o acompanhamento dos encontros. Iremos também realizar duas audiências públicas em 2010. A primeira já está marcada: será em junho, no Rio de Janeiro. Para além disso, há outros planos em andamento. Estamos estudando a possibilidade de realizar a transmissão das reuniões pela internet, embora este ponto seja mais polêmico. E estamos trabalhando para termos, nos próximos meses, um site bem mais interativo do que o que temos hoje e também para que as câmaras temáticas promovam consultas públicas e eventos presenciais periódicos para que a sociedade participe da avaliação dos conteúdos e da formulação de diretrizes para a empresa. Mas reconheço que ainda podemos e devemos avançar na direção de uma maior interação com a sociedade. Essas questões fazem parte da construção do sistema público, da qual, repito, o Conselho Curador faz parte.

Ao longo desta primeira gestão, o Conselho respondeu prioritariamente às demandas em torno da TV Brasil. Há um plano para que o CC possa ser mais atuante em relação aos demais veículos da EBC? A idéia de estudos setoriais ou temáticos será levada adiante? E em que medida estes estudos poderão refletir também em sugestões sobre a gestão da empresa?
Estamos avançando nessa direção, implementando uma dinâmica que realmente faça do Conselho um órgão definidor da agenda e da linha editorial de toda a empresa. Nossas reuniões estão sendo mensais e estamos trabalhando para colocar seis câmaras temáticas internas em funcionamento, de forma que estes grupos acompanhem mais de perto o conteúdo produzido e difundido pelos veículos da EBC e subsidiem o Conselho na tomada de decisões. Os membros do CC estão efetivamente propondo medidas que julguem necessárias ao aprimoramento da programação da TV. Na primeira reunião deste ano, por exemplo, aprovamos o Plano de Trabalho para todos os veículos da EBC, o que é algo significativo e está inclusive previsto na lei que criou a empresa. Há também uma mobilização interna para que as emissoras de rádio e a Agência Brasil também sejam objetos de maior atenção do Conselho. Em abril ou maio, devemos discutir os planos de cobertura para as Eleições 2010, o que é bastante importante. Reconheço, contudo, que ainda temos muito a avançar nesse sentido e estamos muito empenhados em fazer o que de melhor pudermos para exercer o nosso papel de controle social da empresa.

A sociedade conta com duas instâncias de participação na EBC: CC e Ouvidoria. Como tem sido a interação entre as duas?
Até agora, era uma relação realmente pouco efetiva, apesar de o ouvidor participar das reuniões do Conselho e dos conselheiros receberem todos os relatórios da Ouvidoria. A partir da reunião de março – que acabamos de realizar – passamos a iniciar as reuniões com o que chamamos de “15 minutos com o ouvidor”, quando ele faz uma breve exposição das demandas recebidas, apontando os pontos críticos para que o CC procure as soluções no que lhe diz respeito. Essa primeira exposição, por exemplo, já desencadeou um debate intenso sobre o conteúdo religioso na TV Brasil e nas rádios da EBC. Esse é um tema delicado que vai requer atenção especial da Câmara de Direitos Humanos e Cidadania. Estamos abertos a sugestões.

O Conselho aprovou, recentemente, o plano de trabalho da EBC para 2010. Há alguma proposta dos conselheiros para se fazer o acompanhamento da implementação deste plano?
Há sim. Vamos solicitar que a Diretoria Executiva faça uma exposição sobre o andamento do plano no início do segundo semestre, para que o Conselho acompanhe a execução das ações aprovadas e possa sugerir ou indicar correções de rota. As câmaras temáticas, a essa altura, já terão analisado a grade de programação da TV e das rádios e espero que isso leve, até o final do ano, a um aperfeiçoamento no acompanhamento da programação. Ao final de cada ano, a Diretoria Executiva da EBC nos apresenta um relatório e a partir dele avaliamos se as resoluções do CC são cumpridas. Fiquem certos que estamos muito atentos para que o CC funcione bem e que cumpra o seu papel.

“Estado, setor privado, setor não lucrativo e mídias: todos fazem comunicação pública”

[Título original: O potencial do capital social na comunicação pública]

Como ministrante do Módulo I do Seminário Integrado de Comunicação Política, realizado no PPGCOM/UFRGS no segundo semestre de 2009, a pesquisadora Heloiza Matos abordou o tema “Comunicação pública e capital social”. Esses pontos são trabalhados no livro “Capital Social e Comunicação: interfaces e articulações” (Summus Editoral, 2009). Formada originariamente em Jornalismo, Heloiza atuou desde cedo na área de Comunicação e Política, complementando sua formação acadêmica com pesquisas e estudos sobre Comunicação Pública na França. Atualmente a pesquisadora é docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero/SP.

Doutora em Ciências da Comunicação e mestre pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o estágio pós-doutoral ocorreu junto ao Groupe de Recherche sur les Enjeux de la Communication (GRESEC), da Université Stendhal, Grenoble III, entre 1995 e 2007. Nesse período, sua pesquisa abordou temas ligados à Comunicação Política, sobretudo o processo eleitoral na França. Em 2007, desenvolveu uma pesquisa sobre Capital Social, Comunicação e Tecnologia, que deu origem ao livro "Capital Social e Comunicação: interfaces e articulações". Até 2002 foi docente e pesquisadora na ECA-USP trabalhando também com Opinião Pública. Na entrevista que segue, Heloiza Matos esclarece conexões possíveis entre o conceito de capital social, o poder público, a mídia e a sociedade civil.

O tema que você trabalha no livro “Capital Social e Comunicação – interfaces e articulações”, aliando o conceito de capital social à comunicação, indica a necessidade de uma participação cívica ativa por parte da sociedade. Como o capital social e a comunicação podem fortalecer ou promover essa participação?
O capital social está presente quando os indivíduos se organizam (em associações, por exemplo) para debater questões de interesse público. O debate é estruturado cooperativamente em torno do bem-comum, com a finalidade de entender questões relacionadas com a saúde, a educação, a pobreza, enfim, colocar em marcha processos políticos e engajamento cívico. As interações e a reciprocidade nas redes sociais são elementos que podem garantir uma maior aproximação entre os atores sociais e as instituições que, reunidos em espaços públicos de debates, podem, partindo de interesses conflitantes, atingir objetivos comuns por meio de uma dinâmica conversacional (direta ou virtual). Mas é preciso considerar que a comunicação está relacionada com a mobilização, mas pode haver capital social sem mobilização propriamente cívica. Esta é a apenas uma possibilidade. O capital social é uma medida das relações sociais, que podem ser apenas familiares, de amizade, de vizinhança, de trabalho e não necessariamente envolvem o bem comum.

Quais são as ligações entre capital social e comunicação pública?
De modo resumido, a comunicação pública se refere à vida em comunidade: interações recíprocas constituídas por atores sociais, sobre temas de interesse comum, pressupondo relevância e participação social, cujo objetivo é a busca de solução de problemas e a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Num ambiente com baixo capital social, onde a interação e os laços entre os atores sociais são fracos e esporádicos pode resultar numa apatia e inércia acerca dos temas e ações da vida comunitária. Sem capital social precedente, a comunicação pública não alcança relevância. Mas a comunicação pública também pode estimular o capital social.

Como o Estado pode articular o conceito de capital social, com vistas a melhorar seus serviços através da comunicação pública e da promoção da cidadania, considerando que no Brasil há um quadro de baixa participação cívica?
Todo agente social pode e deve fazer parte do espaço de interação da comunicação pública. Assim, há comunicação pública feita pelo primeiro setor (governo), pelo segundo setor (privado), pelo terceiro setor (civil não lucrativo), e pelo quarto setor (mídias). A comunicação pública estatal-governamental tem uma grande importância na constituição do processo: a) na coleta e análise de dados sociais; b) na informação e explicação dos projetos e ações; c) na proposição e fomento de debate amplo e aberto; d) na implementação e garantia de uma cultura cívica formadora de comunicadores públicos; e) na criação de um ambiente de respeito à liberdade de expressão de todos; f) na disposição de acatar o que for negociado pela maioria. Isto é, não se trata apenas de transparência e accountability, de governança e de responsabilidade social. Cabe ao governo checar e manter os índices de capital social em patamares desejáveis, e garantir que todos os atores sejam capazes de desempenhar o papel de comunicador público.

Quais são as características da comunicação pública realizada por meios de comunicação privados? Como isso ocorre?
A comunicação pública do quarto setor é central para a sociedade contemporânea. Basta perguntar como a mídia contribui para a informação e o debate acerca de temas de interesse e relevância sociais, incluindo o Estado, o mercado e a sociedade. Sem esquecer que são empresas que visam o lucro, é certo que a notícia inclui em sua definição o interesse público. Assim, a mídia desempenha seu papel de comunicador público quando: informa, fiscaliza, discute, debate, critica, analisa, explica, interpreta, acusa e cobra. Mas isso é apenas parte de seu potencial. A outra face da moeda é considerar a mídia que fala para os sem-mídia: analfabetos que não se informam ou grupos distanciados dos fatos de interesse público. Sabemos, no entanto, que nem sempre a mídia cumpre o seu papel social de modo equilibrado e plural. Daí a importância de considerar a ocupação dos espaços de discussão pelas mídias públicas, governamentais alternativas e segmentadas.

A seu ver, a grande mídia de mercado no Brasil, especialmente no campo do Jornalismo, está cumprido com seu papel cívico e de interesse público? O capital social pode auxiliar a sociedade civil a cobrar maior qualidade dos produtos e do papel social/público dos grandes meios de comunicação?
Acredito que, em termos gerais, a mídia vem cumprindo seu papel quanto à salvaguarda do interesse público, mas seu desempenho cívico tem deixado a desejar. Talvez o melhor seja perguntar, evocando o capital social, o que tem feito a mídia brasileira para a ampliação e a melhora qualitativa dos vínculos sociais, para as redes de relacionamento dos cidadãos. A existência de uma cultura de comunicação pública poderia contribuir para o direcionamento dos índices de capital social para o engajamento cívico. Mobilização não implica necessariamente engajamento, e nem todo engajamento é cívico. Assim, num ambiente com capital social elevado, é a comunicação pública que poderia cobrar maior qualidade das mídias e do governo – uma cobrança, vale dizer, deliberativa (comunicacional, negocial, consensual).

De que maneira a interação em ambientes virtuais pode ser pensada em convergência com a atuação de uma esfera pública ativa?
Na atualidade, uma esfera pública ativa inclui os ambientes virtuais. Por outro lado, em nossa sociedade fica difícil falar de comunicação sem falar de mídias. Ou seja, o problema não está tanto em que o contato seja direto ou mediado, ou que se dê num ambiente real ou virtual. O ponto parece ser o da interação: primeiro, na democratização da comunicação dialógica; segundo, nos protocolos que regulam os fluxos e as trocas dialogais; terceiro, quanto ao resultado final ou parcial do diálogo; quarto, acerca das ações colocadas em marcha em função do que se concluiu; quinto, com respeito às consequências das ações e à responsabilidade acerca delas. Ambientes virtuais, como a internet, são uma poderosa ferramenta tanto para o capital social quanto para a comunicação pública; é adequada para criar redes de relacionamento, para mobilizar e engajar. Contudo, os diálogos são fragmentários, as regras de debate são insuficientes, os resultados quando existem são incertos, as ações são pontuais e sem continuidade, a responsabilidade para o bem ou para o mal é difusa, e as consequências… estão abertas a outro debate.

O que a sociedade civil ganha com o fortalecimento do capital social e as mobilizações em rede, sejam essas virtuais ou não?
Na prática, essa é uma questão controversa. Em teoria, uma sociedade pode funcionar com baixos índices de capital social: as pessoas atomizadas pelo território continuam a trabalhar, recolher impostos, a consumir, etc. Contudo, há estudos que relacionam uma vocação associativista ao sucesso (econômico e político) da sociedade. Assim, quanto maior for o capital social, mais coesa e sinérgica é uma sociedade: no relacionamento em organizações, para fiscalizar e reivindicar do governo, para debater, deliberar e agir na interação com os grupos de vizinhança. Portanto, a constituição de redes sociais mais numerosas e amplas (e aqui entra a internet) estaria diretamente relacionada a uma sociedade civil viva e atuante; e é isso que significa um capital social forte. Isso é benéfico na medida em que somos nós a administrarmos a nossa cidade, que é o significado original de político.

O uso das redes de informação na internet se apresenta como um ato individualizado. Nesse sentido, como o capital social age a partir de um caráter coletivo, de bem comum, na construção de laços de uma cidadania atuante?
Uma rede social é sempre constituída por indivíduos, mas os atos podem ser mais ou menos coletivos. Pense no autor de um livro, que escreve sozinho mas que é lido por milhares – e como sua obra pode mudar a vida de muitas pessoas. Mas a internet é um “livro” muito mais complexo, tanto do ponto de vista comunicacional quanto do impacto real do que circula na rede. Mesmo um ato individualizado em redes de informação na internet pode ter uma grande repercussão de caráter coletivo. Todavia, o capital social não é agente, ele é, antes, a resultante da interação das atitudes, opiniões e ações dos atores sociais. A internet pode sim ser o veículo de criação, ampliação e fortalecimento de laços sociais, e pode igualmente auxiliar na mobilização e o engajamento cívico. A democracia e a cidadania têm muito a ganhar com a internet, o capital social e a comunicação pública idem. Mas ainda não tenho claro como dimensionar e avaliar essa “caixa”… que pode ser de Pandora. 

Você percebe os meios de comunicação, em especial o rádio, como extensores de uma comunicação pública? Ou quais outros meios cumpririam com essa função?
Os meios de comunicação são fundamentais para a comunicação pública. Afinal, como chegar a tantos milhões de cidadãos num país de dimensões continentais? Mas é muito importante lembrar que um comunicador público representa um ator coletivo. A internet não é, em si, um comunicador público; ao contrário, é apenas um “espaço” da esfera pública onde as pessoas se expressam e debatem. Cada mídia tem características próprias, e contribuem cada uma a seu modo para a comunicação pública. O rádio tem uma grande cobertura territorial e grande penetração territorial e social, em parte devido ao baixo custo de aquisição do aparelho. Contudo, o fato de ser apenas unidirecional, já que os usuários são “ouvintes” e não dialogam, é uma questão a ser vista quando o assunto é comunicação pública. Aqui estou considerando o rádio no sentido tradicional e não como mídia virtual. Outra questão diz respeito à pluralidade do conteúdo. Apesar de todos os problemas relacionados com a apropriação pelos políticos locais das rádios comunitárias, ela é um instrumento eficaz para a veiculação e debate de questões de interesse público – especialmente os de âmbito local.

Por fim, a última pergunta: os meios de comunicação podem ser o espaço entre o Estado e a sociedade na utilização dos "serviços públicos" como notícia?
Em seu livro “Marketing Público”, Joseph Chias mostra como o estado-governo deve divulgar e promover os serviços públicos. Para cumprir sua razão constitucional, o estado-governo deveria comunicar por todos os meios (leia-se mídia) e utilizar-se de todas as técnicas (jornalismo, publicidade, propaganda, relações públicas). Logo, usar técnicas jornalísticas para publicizar os serviços públicos disponíveis e oferecidos seria dever do poder constituído e direito de todo cidadão. Essa comunicação estatal-governamental pode ser entendida como comunicação pública apenas na medida em que se restrinja aos interesses coletivos e sociais; pois nem toda comunicação política, partidária ou eleitoral é necessariamente comunicação pública. Assim, mantendo intacto o critério jornalístico de noticiabilidade, uma notícia sobre os serviços públicos diz respeito à comunicação pública – não importa quem fez ou divulgou a matéria, se mídias privados ou públicos.

* Com colaboração de Adriana Rigo.

“A mídia está cheia de estereótipos da mulher negra”

A formação de uma Rede de Mulheres Negras Nordestinas para monitorar a mídia é um dos objetivos do Seminário Mulheres Negras Nordestinas contra a discriminação na mídia, que começa hoje (19) no Recife.

O seminário, organizado pelo Observatório Negro, discute durante quatro dias a relação da mídia com esta parcela da população. As mulheres que se reúnem no evento partem da constatação que sofrem cotidianamente com a estereotipização e a violação dos seus direitos. O encontro, além de criar a rede de monitoramento de mídia, pretende fortalecer ações conjuntas na justiça de grupos de mulheres contra a discriminação racial e de gênero de todo o país.

O  Observatório do Direito à Comunicação conversou com Ana Paula Maravalho, uma das organizadoras do evento e Conselheira Gestora do Observatório Negro, sobre o seminário, a ação do Estado na proteção dos direitos das mulheres negras na mídia e também  a legislação brasileira de combate ao racismo.

Como surgiu a ideia de fazer um seminário para discutir a abordagem que a mídia dá ao recorte de gênero e raça, mais especificamente a representação da mulher negra da mídia?
Na verdade, o Observatório Negro desde o seu surgimento, em 2005, já tem dentre os seus objetivos – a defesa dos direitos humanos da população negra – uma a ação voltada para o monitoramento da mídia. O Observatório Negro é um grupo formado por advogadas e até mesmo por esse motivo tem ações voltadas para o campo do judiciário, para a efetivação do crime de racismo, e isso inclui acompanhamento das vítimas de racismo, que também é muito praticado pela mídia. O seminário veio como uma necessidade de expandir para outras organizações de mulheres negras várias ações que foram levadas adiante pelo Observatório nesses cinco anos de existência. A gente, ao longo dos anos, percebeu que muitas das ações que promovíamos eram de âmbito nacional e isso precisava ser articulado. Se a gente começar a fazer ações nacionais contra a estereotipização dos negros/as e contra o racismo na mídia, fica mais difícil de o Ministério Público dizer que não tem nada demais os programas que violam os direitos humanos dos negros e das negras, como vem acontecendo.

Como que vem se dando a atuação do Estado nesses casos?
O Ministério Público, que é o órgão que deve ser provocado pela sociedade para tomar atitudes contra práticas racistas, não está sabendo lidar com essa questão. Os promotores desconhecem a legislação brasileira. Será que eles estão realmente preparados para ocupar o lugar de representantes do Estado? O Estado Brasileiro assinou, em 1968, uma convenção contra todas as formas de discriminação. A Constituição de 1988 já traz uma série de positivações também sobre o tema e, em 1995, o movimento negro fez uma grande mobilização para regulamentação da Constituição Federal e para que o Estado começasse a fazer uma ofensiva contra o racismo e assim foi feito. Depois da Marcha Zumbi dos Palmares contra a Discriminação Racial e pela Vida, que foi o nome dado às mobilizações de 1995, o Estado brasileiro reconheceu que existe racismo no Brasil e que a partir de então o governo tomaria as providências cabíveis para combater o racismo. Várias ações interligando vários setores do Estado foram feitas, e atualmente nós temos uma legislação que pode ser considerada avançada, contudo ainda não da melhor forma praticada. Infelizmente, o Ministério Público ainda não se encontra preparado para cumprir seu papel de fiscal da lei e defensor da sociedade.

Já existem algumas experiências de combate à discriminação racial na mídia. Em que pé estão estas ações?
Nós, do Observatório Negro, já entramos com uma ação local contra as cervejarias que faziam propaganda de cerveja usando o corpo da mulher como objeto de consumo. Esta ação foi feita em conjunto com outras duas organizações daqui, o SOS Corpo e Fórum de Mulheres de Pernambuco. Outra ação é a da organização Uiala Mukaji, que move uma ação contra um site que ridicularizou um adereço usado pelas mulheres de uma religião de matriz africana. Tem também uma propaganda de uma água sanitária aqui de Pernambuco que tinha várias violações de direitos humanos, dentre elas a mercantilização do corpo da mulher e a estereotipização da mulher negra. Entramos no Ministério Público estadual contra a propaganda e rendeu um termo de ajuste de conduta.
Nacionalmente, podemos citar o caso de uma programa da Xuxa que foi veiculado na televisão e que já tinha, inclusive, sido lançado em DVD. O programa fazia uma comparação de mau gosto entre mulheres e animais e este programa saiu do ar. Ele não existe mais na internet e nem em DVD para comprar. O Estado ainda não respondeu a ação, mas os produtores já tiraram de circulação. Nós entendemos isso já como uma vitória. Tem também a ação contra a novela “A lua me disse”, também da Rede Globo. Nessa novela, uma índia era constantemente ridicularizada e, no capítulo final, uma negra virou macaco. Infelizmente, nesse caso, o Ministério Público Federal achou que não houve problema. Mas até nesse caso, acreditamos que a ação foi positiva porque trouxe o debate para a sociedade.

Vocês têm dados sobre a participação das mulheres negras na mídia?
Dados ainda não temos e este é um dos objetivos do seminário. Há estudos de militantes negros sobre o caso. Por exemplo, o livro de Joelzito Araújo – “A negação do Brasil” – analisou, em 98 novelas da Rede Globo, como é a representação do negro e da negra. Ficou um trabalho muito interessante. São coisas como essas que a gente tem que expor, dar visibilidade e também estimular novas pesquisas. Quando a gente defende as cotas para negros e negras nas Universidades Públicas a gente não quer só que este grupo tenha o acesso, mas que também possa se criar como referência um pensamento negro das Universidades.

O que significa promover a democratização racial da comunicação? Quais as exigências para que isso aconteça?
É justamente a gente ter a presença da população negra na mídia sob um perspectiva diferenciada, porque atualmente, com os exemplos que a gente vem levantando, a televisão não representa a população negra com igualdade. A mídia ainda está cheia de estereótipo. Nem na Suécia a gente vê tão pouco negro na televisão. Eu já tive a oportunidade de morar na França e pude ver que, lá, apesar de toda perseguição atual do governo, você encontra repórter negro, árabe na TV. Eu posso dizer até que vi mais Miss França negra do que no Brasil, que até hoje eu só vi a Deise Nunes de Souza.
O que a televisão passa como ficção não pode ser encarada como coisas fora da realidade, porque esta ficção influencia a vida das pessoas. Nada contra as mulheres loiras, mas a ideia que se passa é que esse é o padrão. Os cabelos lisos também. Há pouco tempo, aqui no Recife, uma menina de 10 anos morreu porque tomou um choque fazendo chapinha no cabelo. A criança fazia diariamente chapinha no cabelo para sair de casa para seguir esses padrões determinados e morreu. Isso é muito cruel.

Além dos casos que você citou acima, existem outros casos em que o Observatório Negro já promoveu ações contra práticas de racismo?
Temos um caso muito emblemático aqui que foi a publicação de “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, em quadrinhos. A publicação, que é uma releitura da obra que consideramos ser a bíblia do racismo, foi relançada em formato mais fácil para as crianças e adotado por escolas da rede municipal do Recife. O governo do Estado também iniciou as negociações para adotar o livro, mas nós entramos com uma ação no Ministério Público Estadual para denunciar a quantidade de preconceitos que iriam junto com esse livro. À nós, a denúncia das visões preconceituosas foram trazidas pelo livro por uma professora. O livro nos pareceu completamente inadequado para crianças. A toda hora eles mostram as negras e índias nuas perto dos europeus vestidos. Sem falar que tem um quadrinho especificamente que mostra uma negra nua e um senhor branco por cima dela. Será que isso é adequado para uma criança? Que tipo de imagem é essa? Não está sendo proposta nenhuma leitura crítica da obra. Neste caso, entramos com uma ação no Ministério Público Federal e com uma ação no Ministério Público Estadual. O MPF respondeu que não via nada de mais, que não ia discutir com a obra de Gilberto Freyre. Já o Ministério Público Estadual iniciou um inquérito civil e começou a ouvir as secretarias estaduais e municipais e até mesmo a Secretaria Regional do Ministério da Cultura, que investiu R$ 300 mil para publicação do livro. Por que o Ministério Público Estadual está fazendo isso e o Federal não pode fazer? Uma questão importante para se pensar é que o MPE tem instituído um GT de Racismo, que discute a temática e o papel do Estado. Uma coisa que é importante também ser ressaltada sobre essas ações é que a grande maioria é movida por mulheres.

Com que tipo de resultado vocês pretendem sair do Seminário? Por exemplo, uma ação de monitoramento específico das mulheres negras na mídia seria uma opção para que o debate tenha uma duração para além do evento?
O primeiro objetivo do evento é que essas organizações se sintam municiadas para atuar em ações nacionais. Por exemplo, várias entidades entrarem na Justiça contra determinada violação ao mesmo tempo, em vários lugares do país. Ainda falta muita informação. As organizações ainda não se sentem preparadas para cobrar da Justiça. Acham que precisam de advogado, ficam com medo. Então, nossa ideia é que a gente consiga dar elementos para esse tipo de ação e que os movimentos utilizem o Judiciário para a defesa dos nossos direitos. O segundo objetivo é a formação da Rede de Mulheres Negras Nordestinas. Essa rede vai ter a tarefa de monitorar a mídia e dessa forma levantar informações para ações em conjunto. Vai atuar como uma rede de defesa da imagem da mulher negra na mídia.

Vocês têm alguma proposta de ação de Estado para combater esse diagnóstico que vocês fazem de racismo na mídia?
O que a gente quer é que o Estado, quando acionado, responda em conformidade com os acordos dos quais ele é signatário e com as suas leis. No caso de “Casa Grande e Senzala” em quadrinhos, por exemplo, antes de acionarmos a Justiça, mandamos ofícios para as secretarias estaduais e municipais e também para o Ministério da Cultura, que também foi responsável pela publicação, mas não obtivemos nenhuma resposta dos governos, ninguém se posicionou. Isso é muito ruim. É importante que o Estado ouça a população e cumpra o seu dever, que é o de promover a igualdade racial e não o racismo.