Arquivo da categoria: Entrevistas

“Os brasileiros já vem fazendo política nesses novos paradigmas da internet”

 

O Observatório conversou com Marcelo Branco sobre internet, mídias sociais e política. Geek desde os anos 80, ele é um dos principais militantes de software livre do país. Como conta, está na internet antes mesmo dela nascer, mexendo com tecnologia da informação há 30 anos. É membro do Conselho científico do programa internacional de estudos superiores em software livre na Universidade Aberta de Catalunha, foi coordenador do projeto Software Livre Brasil,  e diretor do Campus Party Brasil por três anos. Mais recentemente, foi coordenador de mídias sociais na campanha da candidata eleita Dilma Rousseff do PT.

 

Ativista pela liberdade do conhecimento, como se define, Marcelo é a favor de uma internet rica e libertária, e acredita que, mais do que um novo meio de comunicação, ela está mudando a forma dos humanos se relacionarem, inclusive politicamente, que pressiona Estado e setores da sociedade a tomarem novos valores como transparência, participação, fim de hierarquia, liberdade de expressão e colaboração.

 

Militância na internet: se trata de furar bloqueio da mídia?

 

Acho que algumas vezes militância na internet pode furar bloqueio da mídia, mas vai além do embate. A mídia de massas muitas vezes na visão de jornalistas se expressa dessa forma, como espaço de contrapor a mídia e grupos de comunicação. Serve para isso também, mas o objetivo é muito mais amplo.

 

A internet transformou formas de relacionamento e organização que surgiram na era industrial, e isso se manifesta nos veículos de massa – eles são espaços tecnológicos da era industrial, de período anterior.

 

Internet trouxe inovação na forma de se relacionar. É um novo espaço de disputa, não é mais um meio de comunicação de massa, diferente do período anterior é uma nova forma de fazer as coisas. A esquerda tem tido dificuldades para utilizar esse meio pela falta de compreensão do novo período, mais do que a própria direita. Quem não modificar a forma como faz as coisas, pensar de forma analógica no período digital…

 

Militância na rede pode furar bloqueio da mídia e pauta mídia de massa, que foi o que aconteceu na minha vida agora [nas eleições presidenciais]. Acho que é nova forma de organização dos movimentos, nova possibilidade de organização dos movimentos que a humanidade não tinha experimentado.

 

A comunidade software livre, está na origem da internet, a comunidade que deu origem a essa rede. Os criadores da internet obviamente, por terem criado a tecnologia, experimentaram essa nova forma de relacionamento onde a colaboração é valor mais importante que competição. Nas sociedades em rede, a proteção do direito à propriedade intelectual, segredo industrial são valores ultrapassados. Os conceitos agora são abertura, inovação… Mas isso não significa que conceitos novos sejam conceitos da esquerda.

 

A esquerda e os movimentos populares sofrem a mesma dificuldade de se reposicionar nesse novo cenário, mais do que capitalismo e corporações, porque também são organizações da era industrial.

 

Os movimentos sociais estão fazendo isso, aprendendo a mexer com internet. Para o militante, serve para organizar atividades, mobilização, é diferente de como era no período anterior. O espaço agora é horizontal, não tem hierarquia na a forma de organizar.

 

As organizações do passado, partido sindicato, tem conselho, executiva, presidente, e essa estrutura hierárquica. No caso da nova forma de se associar na rede, esses valores não são importantes, eles atrapalham. Isso de centralizar a partir do voto não serva na internet. Lá, é adesão espontânea, vai ter adesão de milhares. É ato voluntário, mas jamais na internet existe centralismo. A adesão a uma ação vai depender da capacidade de sedução da ação. Essa tem sido a dinâmica.

 

A comunidade software livre foi a primeira comunidade. Ela apontou as formas de relacionamento que estão indo pros demais setores. Hoje no capitalismo há trabalhos colaborativos, as grandes corporações perseguem isso, não é só da esquerda. A economia precisa se abrir, se adaptar aos novos valores da era da sociedade de rede. E os movimentos sociais acho que também.

 

Acho que deixei muito comprido. Mas resumindo, internet não é espaço só pra combater a mídia. As empresas de comunicação tão indo mais rápido de compartilhar do que os partidos de esquerda. “Suba as fotos, você que está na esquina, suba a foto, mande um vídeo do youtube”. Quantos sindicatos quantas organizações populares fazem isso? Esse novo espaço, de fazer as coisas diferentes: abertura, transparência como obter mais adesão possível às suas propostas?

 

O capitalismo usa os novos atributos da rede pra vender. No caso desse espaços de colaboração, não necessariamente é espaço onde a esquerda está familiarizada, pois obedeceu historicamente a estruturas rígidas hierárquicas.

 

Em relação a comunicação, o que muda na comunicação? É só um aspecto, no caso, veio pra mudar. A primeira fase da internet, que é 1.0, era a dos grandes portais, e está sendo substituída. A era dos portais transmitia conteúdos de vídeo, de textos e de áudio, de voz através de matérias jornalísticas no mesmo espaço. Então com bons ou maus conteúdos, era aquele o espaço de transmissão de conteúdo.

 

A 2.0 ou colaborativa essa sim, dos últimos cinco anos, que os usuários se apropriaram dela, passou a ser internet que muda a natureza da comunicação. A internet é espaço de colaboração. E é a primeira vez que a matriz de uso do público é a mesma do jornalista e do editor.

 

Rádio, TV, seja do movimento popular, partido ou Folha de S.Paulo, você não podia responder, pois a matriz de mídia do público e do editor era diferenciada. É uma grande mudança que acontece, pela primeira vez na história da humanidade, a matriz do público é a mesma matriz do jornalista. Não existem mais diferenças de potencial tecnológico entre editor e público.

 

Isso possibilitou dinâmica de relação horizontal. No passado as maiores audiências eram da BBC de Londres, e nos EUA o The New York Times pois tinham bons conteúdos. E isso mudou hoje: os espaços na internet de maior audiência são onde o público interage, que hoje são os de maior conteúdo. O público internauta não vai dar audiência apenas ao local onde tem mais conteúdo, mas onde pode proporcionar conteúdo.

 

A natureza da comunicação na internet é diferente da natureza anterior, onde um gupo de comunicação, um sindicato, construíam conteúdos e coloca para ser consumido pelo público, que é a forma histórica de fazer.

 

Comunicação de rede é diferente da comunicação de massa. Tudo isso é mudança muito forte dos valores da internet. A internet verdadeira é essa dos últimos anos.

 

As mudanças que estamos enfrentando na humanidade é uma mudança de paradigma. Todo intermediário vive uma crise. A internet veio pra questionar o papel do intermediário.

 

O que fazia a indústria fonográfica. Ela tinha o artista que cria a música, a banda que grava a música, era necessário passar por processo industrial, prensar vinil e CD, depois logística cara, para chegar às lojas e ao consumidor. A internet nos final dos anos 90 arrebentou esse tipo de negócio. Público podia chegar no artista sem passar pela distribuição. Observou-se que o papel do intermediário exige novo modelo, isso se aplica a todos os demais setores da sociedade.

 

No jornalismo isso ta acontecendo. Ele intermediava o fato. Tinha acidente de automóvel na esquina, passava pelo editor, publicava isso no veículo, e o veículo fazia isso chegar ao grande público. Agora, o povo que viu o acidente sobe o conteúdo pra internet. Pela primeira vez humanidade tem capacidade de comunicação global.

 

Resumindo a ópera a comunicação em rede na época das redes é diferente da comunicação feita na era das comunicações de massa. Exige participação do público, horizontalidade entre público e editor e isso vai proporcionar audiência.

 

Politicamente, como a internet muda a mente dos brasileiros?

 

Os brasileiros já vem fazendo política nesses novos paradigmas da internet há alguns anos acho que quem não tinha experimentado eram os políticos dos partidos, os estados. O entanto existem novos movimentos sócias que trabalham na rede há mais tempo.

 

Nesta eleição a grande novidade foi que pela primeira vez, políticos ou política tradicional, eleitores, políticos que estão nos estados passaram a convive r com essa nova forma de relacionamento. Massiva, do encontro dos políticos tradicionais do mundo. Pela primeira vez a política tradicional faz o encontro com novas formas de relacionamentos. Mas já tinha indivíduo e grupos que fizerem política na rede. Quem não fazia eram os partidos, por não conhecerem.

 

Resumindo: o que mudou no Brasil foi mudança na legislação anterior. Diferente das eleições anteriores que consideravam a internet mais um meio de comunicação de massas, eles regulavam a rede de forma rígida. Assim como regula propaganda na TV e no rádio, a legislação mudou e graças a dois vetos do presidente Lula a internet passou a ser lugar de participação mais livre.

 

Ela passou a ser pros legisladores, espaço de expressão individual. Não só os candidatos, mas qualquer pessoa poderia se manifestar. Vivemos um dos momentos mais ricos da democracia brasileira dos últimos anos. Milhões de pessoas se posicionaram em relação ao processo político utilizando ferramentas multimídias, subindo vídeos, sejam caseiros, elaborados, fazendo cobertura jornalística… Demos prioridade à colaboração de conteúdo na campanha da Dilma. Neste ano nessas eleições que passaram, pela primeira vez cidadão políticos apoiadores passaram a ser protagonistas dos conteúdos em relação à disputa eleitoral.

 

Apenas no rádio e TV, apoiadores da candidatura não podiam contribuir com conteúdo, não tinha papel protagonista. Aquilo que a campanha falaria. Quem deu os rumos das mais diversas candidaturas foram os eleitores na rede.

 

Passamos na campanha da Dilma a deixar sua própria opinião a respeito do que vinha acontecendo no processo eleitoral. Sua própria particularidade de texto. A eleição no Brasil devolveu ao militante protagonismo do processo político. Coisa que não acontecia há muito tempo.

 

Internet é espaço incontrolável. Não tem como dizer “só pode falar isso sobre a Dilma”. Isso não acontece. Nós estimulamos a descentralização, militantes se manifestaram de forma massiva, milhares de blogueiros e militantes tiveram protagonismo.

 

Falei sobre política em entrevista ao Antonio Martins do Le monde Brasil. Tem dois anos esse artigos. Confira o aúdio.

 

 

Democracia

 

A internet qualificou a democracia. Não só em relação à disputa dos projetos, mas também democratizou a possibilidade do militante influir na campanha do seu próprio candidato. Não é só democracia entre projetos. Também internamente nas campanhas, democratizou a construção de conteúdos, e isso deu poder ao internauta, que não tinha em relação com seu candidato. Então é claro que democratizou do ponto de vista da democracia – milhões de pessoas se pronunciando, Isso não acontecia antes, para a democracia isso é fantástico. Os internautas colocaram suas opiniões. Foram e filmaram os comícios. Então, acho que isso fez acontecer o processo democrático, se deu no Brasil e também nos EUA.

 

Obama fez o uso internet mais primitiva. O Obama falando com os eleitores. Esse foi o forte da campanha dele, no Brasil não aconteceu da mesma forma. Os próprios eleitores falando, “oi Dilma!”, isso não se deu desta maneira.

 

É incontrolável do ponto de vista da liberdade de expressão, não há como enquadrar ou centralizar, e isto é rico. Pois nenhum individuo pode ser controlado. No seu Orkut, no seu Facebook, ou no seu blog. Enquanto tivermos liberdade na internet, ela é incontrolável do ponto de vista positivo que isso possa significar.

 

Mas há riscos – ela está sob ameaça. Com o fim da neutralidade da rede, pois hoje a gente goza de neutralidade, e isso é um conceito de origem. Os criadores da web defendem a manutenção da neutralidade da rede, conceito raiz da internet: ninguém pode controlar fluxo das comunicações.

 

Por exemplo, falar qual a velocidade de vídeo, de mp3, se for fulano, se ele paga menos, vai ser diferente do que de alguém que paga mais. A operadora pode oferecer mais banda, mas não pode controlar o fluxo da banda que contratou. O fim da neutralidade, é que ela possa ser controlada por questões econômicas ou políticas. A neutralidade é básica, é ameaça do senador Azeredo. Senado aprovou ano retrasado projeto de lei que o presidente Lula na semana passada, pela 2ª vez se manifesta contra a lei [PL 84/99]. Pra garantir liberdade de expressão é preciso garantir liberdade na rede. Em vários lugares onde a liberdade de expressão ta ameaçada, internautas conseguem furar controle e censura porque internet é livre.

 

A internet é democrática?

 

É a mídia mais democrática que existe no mundo. Não tem plataforma democrática com essa possibilidade. Grande praça publica, ágora, onde todos, tendo conectividade, podem se manifestar. A barreira está na conectividade, a banda. Essa é a barreira. Então é claro que é democrática, não há nenhum espaço onde esses canais podem se expressar.

 

[Nesse cenário], o papel do Estado, relação do Estado, precisa mudar. Não tem sentido a sociedade se comunicar de uma forma pra organizar festa, pra manifestação, e quando a sociedade se relaciona com a Estado é daquela forma burocrática. Acho que o Estado vai ficar mais 2.0. depois dessas eleições.

 

Jovens

 

Sobre o ponto de vista, da geração Y, dos direitos civis, liberdade de expressão, eles tem em média conceitos resolvidos, superiores a gerações anteriores. Liberdade de expressão: sindicato, partido político, feminismo, essas coisas nos ensinava valores. A média da sociedade não tinha isso como direito, mas hoje qualquer jovem dos 9 aos 15 anos, tem claro esses valores. Eles são contra censura, controle. A nova geração pós internet tem construído direitos civis sobre o direito de se expressão superior à minha geração.

 

No entanto, é óbvio. Como a esquerda tá custando a compreender os outros valores politizados, a forma de relacionamentos da internet, dá para dizer que nos outros aspectos os jovens não assimilaram os valores do passado. Valores como reforma agrária, socialismo.. Isso pode ser construído.

 

Quem defende esses conceitos, continuar dizendo [palavras de ordem como] “todos à luta”, não vai funcionar. A forma de se comunicar com esses jovens precisa ser alterada pelos interlocutores que tem idéias, do meu ponto de vista, positivas, propostas que fazem a sociedade avançar. Dá para dizer que o nativo digital é nativo na defesa da liberdade de expressão e contra a censura. Não aprendeu isso na cartilha da esquerda.

 

E o que achou da expressão dos jovens nessas eleições?

 

É óbvio nessa campanha da Dilma tive oportundade de ver militantes do Serra, apoiadores, milhares de pessoas na rede se posicionando contra a Dilma com visão homofóbica, machista, preconceituosa, racista. Discriminatória. Isso foi a coisa que mais me deixou preocupado e indignado. Até agora pós eleições ainda faço a varredura diária, e é puro preconceito. Que ela é feia, sapatona, guerrilheira, a guerra religiosa… Eu acho que a campanha do Serra ajudou a dar visibilidade a visões racistas, xenofóbicas. Em relação a valores da sociedade, que remetem aos anos 60, mas ao mesmo tempo há jovens progressistas, os valores conservadores estão em disputa. As redes socais e a internet não é espaço da direita ou da esquerda.

 

A internet permite novos relacionamentos, onde novas disputas vão se combater. E há espaço para aparecer uma juventude fascistinha. Um dia depois que a Dilma ganha fazem campanha contra nordestinos. Depois teve a campanha contra direito de livre expressão dos homossexuais. Coisas inadmissíveis na sociedade moderna. Temos que travar dura batalha na rede contra esse tipo de atitude conservadora. Combater isso de forma política na rede, e em alguns casos utilizando o aparato judicial. Preconceito racial é crime no Brasil.

 

Socialismo e Internet

 

Tenho formação de esquerda socialista histórica. A Internet como forma de funcionamento está mais perto dos valores do anarquismo do que do socialismo, pois há a própria forma descentralizada autônoma.

 

É Claro que a visão histórica socialista pode se beneficiar com a Internet. Há um campo positivo pra ser construído e refundado sob os novos valores. Agora não dá pra esquecer o que eu lhe falei anteriormente: o próprio socialismo, e os partidos de esquerda socialista, são frutos de organizações de origem industrial. Foram fortes porque existiam em cima dessas ideias, desse mundo operário. Para os ideias socialistas terem força na rede, a prática dos militantes têm que se modificar. E passar a construir seus valores de forma dogmática, não pode.

 

Ninguém vai seguir uma ideia. E ao não seguir, então acho que a internet é boa possibilidade dos ideais socialistas se refundarem. Com novas ideias progressistas, avançadas que surgirá com Internet, e que esquerda não dominava. A esquerda até pouco tempo defendia as patentes, e ainda há pessoas que as defendem.

 

Militante do PC – vamos falar de liberdade da propriedade do conhecimento. Se ele falasse isto há 15 anos trás, íamos agora falar que queremos socializar os meios de produção, e democratizar movimento, e isso não é o que a esquerda que defendeu. A esquerda pra ter êxito na internet, precisa aprender bastante; e, principalmente, com jovens que talvez não entendam tanto de socialismo, mas sabem se comunicar nas redes sociais, e assim a construção coletiva pode superar a esquerda tradicional.

 

 

“Empresas de telecom têm influência e poder entre políticos e reguladores”

A recente venda de parte do controle acionário da operadora Oi para a Portugal Telecom e a compra da Vivo pela Telefônica evidenciaram ainda mais a tendência de oligopolização que passa esse setor. Seguindo a tendência do capitalismo, grupos econômicos fortes estão ficando cada vez maiores.

 

Nesta entrevista, o presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Brígido Ramos, faz uma análise crítica dessa recente movimentação e de seu impacto na vida dos cidadãos.

Você acredita que há uma contradição no discurso do governo em aceitar a venda da Oi para a Portugal Telecom sendo que na compra da Brasil Telecom o argumento usado era do fortalecimento de uma tele nacional para competir com as outras? Na sua avaliação, porque houve essa mudança do Executivo?

Mais do que isso. Além de contraditório, o discurso do governo foi enganoso. Não sei se foi ato premeditado da parte do governo, com o intuito de desmobilizar a sociedade organizada e os trabalhadores da Brasil Telecom, mas o fato é que o discurso nacionalista não foi sincero, foi propaganda. Quanto à mudança de postura do governo, não é de hoje que denunciamos a promiscuidade entre as autoridades e as operadoras de telefonia. Essas empresas tem influência e poder entre políticos e autoridades reguladoras. Isso começou já na privatização (o último presidente da Telebrás foi o primeiro presidente da Telefônica) e se transformou em um padrão de relacionamento. A propósito: você já verificou no TSE , qual o montante doado por empresas de telecomunicação aos candidatos do governo e da oposição nesta eleição? Pode verificar que você vai entender o que eu estou dizendo. As empresas possuem um “portfólio” de políticos.
 
Acredita que com esse movimento a Oi vai mudar o rumo de seus negócios no país? A sua internacionalização causa alguma consequencia negativa para o Brasil?

Não acredito que esta fusão vai mudar o panorama do mercado. Permanecerá a reserva de mercado informal, materializada na divisão territorial entre a Telefônica e a Oi, pois isso é a base do sistema de telecomunicações implantado pelo governo FHC. A Oi não vai competir com a Telefônica em São Paulo e a Telefônica também não vai ameaçar a Oi no resto do país. Os Tucanos abdicaram da formulação de uma política nacional de telecomunicações e deixaram que as operadoras privadas se encarregassem desta tarefa. O resultado é que elas organizassem uma política à sua imagem e semelhança.  O Governo Lula não mudou esse estado de coisas.

 

Na sua opinião, a movimentação recente das empresas Oi, PT, Vivo e Telefónica pode aumentar o oligopólio do setor?

Como disse anteriormente, o oligopólio é a base que sustenta o sistema. A política de telecomunicações em vigor só tem uma preocupação: a saúde financeira da concessão. A competição entre operadoras é vista na Anatel como um inconveniente maior, capaz de colocar em risco o objetivo principal. Sendo assim, todo o resto é acessório, inclusive o direito que todo o cidadão tem ao acesso aos serviços de telecomunicações. Para verificar na prática o que estou dizendo, basta ir a São Sebastião, periferia de Brasília, para constatar que a 15 KM da Anatel e do Ministério das Comunicações nenhuma empresa oferece banda larga.

 

O que essa fusão pode significar para os consumidores/cidadãos? Haverá expansão e barateamento dos serviços?

O país está crescendo muito e haverá certamente expansão e um certo barateamento dos serviços, advindo dos ganhos de escala. Mas a questão não é essa. O fato é que os brasileiros pagam muito mais por um serviço do que a maioria dos habitantes do planeta. Pesquisa da UIT/ONU feita no ano passado revela que o país é o 114º colocado entre 150, no que diz respeito ao comprometimento da renda com serviços de telecomunicações. No índice de Desenvolvimento de Tecnologia da Informação e Comunicação somos o 60º, atrás de potências como Costa Rica ou Sri Lanka. Para se ter uma idéia do disparate, enquanto o brasileiro consumiu em 2009, 7,5% da sua renda com o pagamento da conta do celular, consumidores de Hong Kong, Dinamarca ou Cingapura, gastaram 0,1% ( 75 vezes menos !!). O celular é mais caro aqui do que na Faixa de Gaza onde, vez por outra, a aviação israelense derruba torres das operadoras locais.

 

Será que o fato de a Oi vender parte de seu capital para um investidor externo tem algo a ver com a negativa do governo de que ela participasse mais ativamente no PNBL?

As empresas tiveram 12 anos para oferecer banda larga para a população e não fizeram nada. Não sei se a autorização para a compra da BrT faz parte de alguma negociação envolvendo o PNBL e a Telebrás. Isso seria terrível, uma vez que ficaria comprovado que o governo colocou na mesa de negociação o interesse da população brasileira. De qualquer maneira, apóio sem reservas a retomada da Telebrás. Como já te disse, tem escola pública a 15 Km do Palácio do Planalto que não tem acesso à banda larga. Isso é uma vergonha nacional que vai manchar a imagem desse governo e a biografia de todos aqueles que compactuaram com essa situação.

 

Você acredita que a liberação para a entrada das teles no mercado de TV por assinatura e também a permissão para entrada de capital estrangeiro no setor de cabo previstos pelo PLC 116/2010 (antigo PL 29) serão positivos para o país?

Tem mais assinante de TV por assinatura em Buenos Aires do que em todo o país. Esse serviço é outra caixa preta que ninguém no Governo ou na Anatel quer abrir. As empresas de TV por assinatura cobram os olhos da cara e empurram um lixo cultural que os consumidores não querem, não pediram, mas tem que pagar por ele. Você compra o campeonato brasileiro, mas tem que levar junto mais de 50 canais, até aqueles que fazem proselitismo religioso. Parece que as operadoras de TV a cabo tem um salvo conduto para descumprir o Código do Consumidor e fazer venda casada. Não é a toa que TV a cabo pirata é um dos principais ramos de negócio da bandidagem nas favelas. A população dessas comunidades pagam menos de 1/3 do preço e esta receita engorda bastante o faturamento da venda de drogas e do tráfico de armas desse pessoal. Se a permissão do capital estrangeiro ou das teles neste negócio vai mudar a situação? Duvido muito. Empresas de telecomunicações não competem entre si, elas se acertam e dividem o mercado. Trata-se de um mercado naturalmente oiligopolista, especialmente no que se refere a telefonia fixa. Nenhuma operadora monta uma rede de cabos de telefonia paralela à sua concorrente. Além do mais, as empresas de TV a Cabo pertencem, em sua maioria, aos mesmos grupos que controlam as operadoras de telefonia. Como o povo diz: tá tudo dominado.

 

Você acredita que o Cade deve aprovar a transação no mercado das teles?

CADE aprovou a fusão entre Brahma e Antártica, entre Sadia e Perdigão. Porque faria diferente dessa vez ?

 

O que a fusão da Brasil Telecom com a Oi gerou de positivo para a população brasileira?

Até agora nada. Não houve, e certamente não haverá, geração de empregos, barateamento dos serviços ou universalização. Também não vimos aumento dos investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, muito menos no apoio e fomento a indústria nacional. Para nós, representantes dos trabalhadores em telecomunicações são esses os parâmetros para verificar se houve ou não melhora para a população brasileira.

 

Essa movimentação das teles pode afetar negativamente os trabalhadores das empresas envolvidas?

Já afetou. Muitos já foram demitidos e outros ainda o serão. Sem falar no aprofundamento da terceirização que é uma praga do nosso setor e de todos os outros setores, diga-se de passagem. As operadoras se transformaram em cartórios e transferiram a operação, manutenção e instalação para empresas terceirizadas. Um instalador/reparador da Telebrasília, por exemplo, ganhava, há 12 anos atrás, o dobro do que ganha atualmente os profissionais que realizam a mesma atividade. Também pioraram as condições de segurança e salubridade.

*Brígido Ramos é engenheiro e presidente da Fittel.

“O mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por disposições legais”

A falta de regulamentação de artigos da Constituição relacionados ao capítulo da Comunicação motivou o jurista e professor Fábio Comparato a ajuizar uma Ação Direta de Inscontitucionalidade por Omissão (ADO) no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de este tipo de recurso não ser muito comum no país, Comparato espera que ele seja aceito e que incentive um debate na sociedade sobre o tema. 

 

A Ação pede que o STF force os parlamentares a regulamentar os direitos de resposta na mídia, os princípios dos meios de comunicação e a regionalização da produção (artigo 221)  e a omissão que existe em relação a proibição de monopólio e oligopólio no sistema de comunicação (artigo 220).

 

 

De onde surgiu a ideia de entrar com esta Ação?

A idéia foi minha. Ultimamente, tenho denunciado o caráter dúplice da nossa organização constitucional, que exibe muitas normas de excelente sentido republicano e democrático, mas inaplicáveis na prática, por deliberada falta de regulação legal. É como um edifício, que nos deslumbra pela vistosa fachada. Por trás dela, porém,  o espaço interior é vazio.

 

Quais os efeitos práticos da Ação, se for acatada pelo STF?

Dispõe a lei que “será dada ciência ao Poder competente (no caso, o Congresso Nacional) para adoção das providências necessárias”. Na ação proposta, que foi registrada no Supremo como ADO nº 9, pediu-se que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal legislassem sobre a matéria lacunosa em regime de urgência, conforme os dispositivos de seus respectivos Regimentos Internos. É óbvio que essa urgência é sempre muito relativa.

 

Sob o aspecto político, porém, se a ação for julgada procedente, a opinião pública será  alertada para o fato de que, em tais assuntos, as empresas de comunicação de massa fazem o que querem, sob o olhar complacente do Poder Público.

 

Porque a escolha de uma Ação por Omissão? Esse tipo de instrumento legal tem muitos precedentes no país?

Há poucos precedentes. Exatamente, apenas 8.

 

O senhor acredita que a sociedade deveria acionar mais a Justiça em relação às omissões e abusos existentes no sistema de comunicação do país?

É claro que sim. É preciso entender que a legitimidade especial para propor ações desse tipo, reconhecida pela Constituição a poucos agentes políticos e a algumas entidades da sociedade civil, é um poder-dever, exercido em nome e benefício do povo.

 

Setores empresariais da mídia costumam reclamar da existência de leis que ampliem o controle social na área. Muitos defendem que a autorregulação do setor seria suficiente. Qual a sua avaliação sobre as leis que existem para a área?

Essa conversa fiada de excesso regulamentar, no setor, é típica da mentalidade capitalista. Até a velhinha de Taubaté sabia que o mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por adequadas disposições legais e administrativas. Sem isto, prevalece necessariamente a lei do mais forte, ou melhor, do que tem menos escrúpulos. As pequenas e médias empresas que o digam. Aliás, os jornais vivem trombeteando que são vítimas de censura. Mas, que eu saiba, nenhum dos grandes jornais do país publicou a notícia do ajuizamento da ação judicial que estamos comentando. Será que o assunto não interessa ao grande público?

 

Muitas propostas de interesse público para a comunicação não são aprovadas no Congresso porque vários parlamentares defendem interesses empresariais e outros tantos são controladores diretos ou indiretos de meios de comunicação. Ocorre que o artigo 54 da Constituição proíbe que políticos eleitos participem do quadro societário de uma rádio ou TV. Seria esse também um tema importante para uma ação judicial?

Quanto a esse ponto, é preciso agir caso a caso, não só judicialmente, mas também no seio do Congresso Nacional; por exemplo, abrindo-se processo interno contra o deputado ou senador em questão, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar (Constituição Federal, art. 55, II).

 

 

* Fábio Konder Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

 

* Leia também "Sociedade civil exige regulação de artigos constitucionais da comunicação"

“Caberia ao Judiciário apurar se há uso da máquina, não recolher publicação”

Ao apurar a matéria sobre a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que retirou de circulação a última edição da Revista do Brasil, o Observatório do Direito à Comunicação entrou em contato com o jornalista Marcelo Soares para ouvir sua opinião acerca do caso.

 

O TSE pediu a suspensão da distribuição da Revista do Brasil alegando que a revista faz promoção de um candidato à presidência da República. Você entende o ato como censura?

 

Proibir a circulação de publicações é um ato que tem orelha de censura, nariz de censura e cauda de censura, seja qual for o nome que o Judiciário dê ao bicho. Se algo que foi publicado faz calúnia, injúria ou difamação, a razoabilidade sugere que se julgue depois de publicado. Como escreveu o ministro Carlos Ayres Britto no voto que derrubou a censura aos comediantes, período eleitoral não é estado de sítio.

 

Existe uma confusão importante que a legislação eleitoral incentiva no Brasil. O que precisa ser coibido é o uso da máquina nas campanhas. Ou seja: governos e suas bases botando dinheiro do contribuinte de alguma forma para favorecer esta ou aquela candidatura. Isso desequilibra a competição eleitoral. Mas também é algo muito difícil de apurar.

 

Tem aí uma zona cinzenta também. Como a revista é ligada a sindicatos, que fazem parte da base do governo, pode existir uma dúvida razoável sobre se há uso da máquina em favor de candidatura ou não. Como também haveria uma dúvida razoável a respeito se o Estadão, que apoiou abertamente o outro candidato, fosse mantido exclusivamente com anúncios do governo do Estado de São Paulo. De qualquer forma, caberia ao Judiciário apurar se há uso da máquina, não recolher publicação. Só que a lei como é interpretada hoje permite esse tipo de censura.

 

Com o intuito de coibir o desequilíbrio material da competição, a legislação eleitoral acaba cerceando os espaços de conversa sobre política. Da maneira como é hoje, a lei protege mais à classe política do que ao leitor-eleitor. Porque coloca a conversa sobre política dentro de um cercadinho tão apertado que acaba reduzindo o debate ao gre-nal que se vê entre "os que matam criancinhas" e "os que querem vender o Brasil a troco de cachaça".

 

Em 2008, eu colaborava com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e mapeei todos os casos que detectei de decisões que proibiam meios de comunicação de publicar. Era uma coisa absolutamente democrática, de certa forma: queixosos de praticamente todos os partidos que se sentiam ofendidos tiveram seus pedidos de censura atendidos. Neste ano, o Centro Knight está repetindo e melhorando a iniciativa.

 

Discutir esses casos é importante pra questionar a lei eleitoral que temos hoje. E o que eu tenho visto desde 2008 é que, quando esses casos se tornam evidentes e são competentemente questionados, acabam caindo. Em 2008, a Folha e o Estadão foram multados por fazerem séries de entrevistas com todos os candidatos a prefeito de São Paulo antes de 5 de julho. Isso foi questionado e caiu. Neste ano, houve o já famoso caso da censura aos humoristas, que foi censurado e caiu.

 

Até que a coisa seja bem questionada em juízo, é favas contadas que entra em jogo uma coisa que eu acho particularmente deletéria no Brasil: a lógica do "na dúvida, proíba-se". Um sem-noção matou uma colega durante uma partida de RPG? Sempre aparece um gênio querendo proibir o RPG. Tem um videogame que brinca de atropelar velhinhas? Aparece um gênio querendo proibir o game.

 

Jornais tomaram posição favoráveis a candidaturas. Esse fato é bom ou ruim para o pleito?

 

Não acho fundamental, mas acho interessante em termos de transparência. Numa democracia madura, isso não devia causar espanto. Tive a sorte de ir a Londres em dois anos eleitorais. Sempre que vou faço questão de comprar as revistas deles. Tem a New Statesman, que abertamente defende os candidatos trabalhistas, e tem a The Spectator, que abertamente defende os candidatos conservadores. Isso não desequilibra o pleito.

 

Não acredito na teoria da manipulação, na ideia de que o leitor-eleitor é uma tábula rasa onde os meios de comunicação imprimem seus preconceitos de maneira que o cara não tenha defesas. Por tudo que eu já li a respeito, a formação da opinião é um processo complexo.

 

Segundo pesquisas de opinião, os amigos, a família e as igrejas influenciam mais na definição do voto do que os meios de comunicação. Esses amigos, familiares e igrejas também levaram em conta antes a opinião de seus outros amigos, familiares e correligionários mais do que dos meios de comunicação.

 

Linhas editoriais de veículos têm se mostrado tendenciosas para candidaturas (de ambos os lados). Os leitores conseguem diferenciar essas linhas? Essa postura influencia no voto?

 

Eu acredito que contar com a burrice do leitor-eleitor é um tiro no pé – muito embora eu considere a cobertura um tanto, mas não muito, mais equilibrada do que julgam os militantes de ambos os lados.

 

É um tiro no pé da parte de meios de comunicação que decidem pesar a mão julgando que o eleitor ou não vai notar ou vai engolir passivamente. E também é um tiro no pé da parte de políticos e juízes que apelam à censura julgando que o eleitor não vai notar ou vai engolir passivamente o que foi publicado.

 

O Brasil ainda tem sérios problemas de educação. Segundo o Instituto Paulo Montenegro, três em cada quatro brasileiros que sabem ler tem graus variados de incompreensão do que está escrito – o tal analfabetismo funcional.

 

Só que, até por conta da internet, cada vez mais leitores atentos fazem questão de checar e comparar o que lêem. Militantes de ambos os lados fazem até questão de patrulhar o que lêem, e nunca vi isso mais claramente do que na campanha deste ano.

 

Isso não é generalizado ainda. Mas será que a gente precisa deixar a liberdade de conversar sobre política no cercadinho até que se chegue à meta pseudo-escandinava de todo brasileiro compreender perfeitamente o que lê e tenha consciência do contexto maior de cada questão? Eu acho que não. Acho que liberdade se aprende a usar usando.

 

 

* Marcelo Soares atualmente escreve no blog E Você Com Isso? da MTV sobre a política nacional, e o estilo jovial se mescla com bagagem notória. Gaúcho, iniciou a carreira no Correio do Povo de Porto Alegre, se tornou redator e repórter de política na Folha de S.Paulo, escreveu como freelancer para diversas publicações brasileiras e estrangeiras (CartaCapital, Expressão, Los Angeles Times), auxiliou na fundação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) e foi coordenador dos projetos Deu no Jornal e Excelências, da Transparência Brasil.

“Os veículos deveriam se posicionar em relação a candidatos ou partidos”

[Título original: Vivência surge como forte influência na opinião pública]

 

Não existe política sem visibilidade, nem mídia sem a pauta política. Uma e outra são absolutamente dependentes. A novidade que se observa, no contexto atual da política e a opinião pública, é a questão da vivência. Porque ocorre uma mudança geral do País, as pessoas que usufruem dos benefícios das ações políticas do governo hoje opinam favoravelmente sem nem mesmo circular na internet ou ter acesso aos meios de comunicação. Esses aspectos, de acordo com a professora e pesquisadora em Comunicação e Política Maria Helena Weber*, são significativos para formar a opinião do eleitor e por isso vimos que o modo como a grande mídia aborda a política não vem se refletindo nas pesquisas de intenção de voto. Leia a seguir.

A abordagem da mídia brasileira sobre a política não tem se refletido nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro. Quem e como está formando a opinião do eleitor?

Acho que pelo menos na Universidade e nos centros de pesquisa que trabalham com Comunicação e Política já se ultrapassou essa ideia de dominação, ou seja, de opinião pública formada pelos jornais, pelas revistas, pela televisão. Isto estaria dentro de uma teoria chamada hipodérmica, na qual as pessoas estão sujeitas a tudo aquilo que a poderosa mídia disser, sem pensamento, sem opiniões, sem vivências.

Dito isso, se pode verificar no Brasil alguns aspectos. Num deles, que faz parte de minha pesquisa, estão as complexas, grandes e qualificadas estruturas de comunicação que os poderes – o Executivo, especialmente – montaram em função de fazer sua própria comunicação. Isso é legítimo, e há uma enorme produção de informações, notícias, de propaganda, de prestação de serviços, de produção de eventos. A quantidade de informações que circula nessa mega rede, com profissionais qualificados, com equipamentos, alta tecnologia, compete diretamente com a produção de informações da mídia. Tem uma audiência, um acesso permitido à comunicação gerada pelo governo.

O outro aspecto é que a internet possibilita a circulação, as informações de larga escala e de modo incontrolável de grupos, digamos, em torno de determinado candidato, de determinadas ações do governo, ou do Legislativo, do Judiciário. Então, é outro status de circulação de opinião.

Acho que especialmente as pesquisas de aprovação do presidente [Lula] é o que chamamos a questão da vivência. Então, temos uma mudança geral do País – e não sou eu a dizer isso, estão aí as estatísticas nacionais, internacionais, de que há uma mudança de padrão de comportamento, de consumo, de vida, de padrão econômico, no plano da Educação. São muitos projetos políticos, como o Bolsa Família, o Prouni, aumento dos investimentos em pesquisas, casa própria e assim por diante. É uma longa lista.

Essas ações políticas são vivenciadas, ou seja, as pessoas que usufruem dos benefícios destas ações políticas vão opinar favoravelmente. Então, elas não precisam nem circular na internet, nem ter acesso aos meios de comunicação, nem mesmo ler aquilo que o governo faz. Acho que esses três aspectos são significativos para formar uma opinião.

A mídia seria um quarto ponto – sendo que nenhum deles é maior que o outro – e tem a ver com a informação que circula pelos veículos, que atinge determinados líderes de opinião.

Nesta campanha, a mídia vem atuando como partido político?

Eu não gosto e não uso essa classificação. Primeiro, porque para ser um partido político tem que ter um projeto político, um projeto de governabilidade, uma ideologia de representação. O que eu acho que a mídia está fazendo – fora alguns veículos que se posicionaram formalmente às eleições, como a [revista] Carta Capital, por exemplo – é não defender o candidato que eles gostariam, mas desqualificar e desconstituir o outro. Esta tem sido uma estratégia que eu nunca vi, antes, de modo tão ostensivo.

Quando a gente diz que a mídia se comporta como um partido político, podemos estar simplificando uma questão que eu acho muito complexa. A mídia defende determinados interesses políticos, defende o seu próprio negócio, ou não se agrada de um projeto político, mas não propõe outro, apenas o desqualifica.

Por outro lado, acho que a mídia continua cumprindo o seu papel de vigilância, de denúncia, acompanhamento, etc. Como ela faz isso, como ela associa determinadas denúncias aos candidatos, bom, aí é onde a gente pode verificar esta estratégia de desqualificar um candidato em prol de outro.

Mas eu não acho que os meios de comunicação estejam, agora, agindo como partido político, porque aí nós teríamos que pensar em muitos partidos, o partido da [Rede] Bandeirantes, o partido da [Editora] Abril, o partido da Folha de São Paulo, o partido do O Estado de São Paulo. Acho que isso seria simplificar a questão que é bem mais complexa em função da centralidade que os meios de comunicação têm, de dar oportunidade de visibilidade – a quem eles permitem -, apesar da legislação.

Os veículos de comunicação brasileiros deveriam se posicionar claramente sobre suas posições políticas (esquerda/centro/direita) ao invés de se autointitularem "imparciais"?

Há o mito da imparcialidade da imprensa. É claro que para alguns não existe. Acho que os veículos deveriam se posicionar em relação a determinados candidatos ou partidos – se posicionar à esquerda ou à direita é complicado, por não identificarmos esses limites – e assim não precisariam desconstituir o outro. Mas nós não temos a tradição de uma imprensa posicionada.

Se olharmos a Carta Capital, que já declarou seu voto, por exemplo, veremos que mesmo tendo aberto voto ela não está fazendo a defesa do governo.

Existe equilíbrio no relacionamento entre política e mídia, ou uma se beneficia em detrimento da outra?

Acho que elas são mutuamente dependentes. Não existe, hoje, política sem visibilidade. A política tem que fazer a prestação de contas, os poderes têm que fazer a promoção de projetos políticos. Essa mega estrutura que eu falava, de comunicação, é uma prova disso. Então, não tem como as fazer existirem sem que haja essa ligação.

Por outro lado, só o governo falar sobre si será suspeito, por mais correta que seja a informação. A mídia vai servir sempre como um balizador, por mais que ela faça aquilo que o governo ou os partidos não gostem. Na mídia, existe a possibilidade do contraditório, que a informação do governo não permite.

Mas a mídia é absolutamente dependente do político. Dos investimentos do governo, das verbas para propaganda e da própria matéria política. Imagine um jornal ou uma TV sem essa pauta. Não existe. Assim como a política está profundamente entrelaçada com a nossa vida, ela está também com o funcionamento da mídia. Elas são dependentes, não há possibilidade de ser diferente. Num regime autoritário, por exemplo, a primeira coisa que se faz é calar a mídia, por mais que ela tenha sido consorciada em algum momento. Então, a dependência é absoluta de um e de outro.

A convergência das mídias impõe a criação de um novo marco regulatório para as comunicações. Que regras poderiam ser criadas para equilibrar a relação entre mídia e política? Ou essa relação não deve ser regrada?

Acho que tanto as associações como os sindicatos, quanto a Conferência Nacional de Comunicação [Confecom] buscam regras, formas de observação da produção de comunicação e daquilo que é o comportamento da mídia. O que alteraria essa situação, primeiro, é termos um maior número de mídias com mais espaço para circulação de outro tipo de opinião, outras propostas editoriais. Mais mídias.

Por outro lado, existe a busca por uma legislação que possa de alguma maneira controlar os abusos de um lado e de outro. Assim como não podemos permitir que a política e os governos dominem os meios de comunicação, não podemos permitir que esses meios, por exemplo, mintam sobre os governos. Temos que privilegiar que ambos exerçam o seu papel.

Um exemplo é a quantidade de pesquisas, teses e dissertações que nós [meio acadêmico] temos sobre meios de comunicação e os domínios, comportamento, fazendo vistorias sobre a mídia, sobre o jornalismo, a política, a propaganda. Essa produção toda de pesquisa está disponível, mas é algo que não aparece, não interessa nem aos meios de comunicação, nem à própria política. Acho que um acerto seria uma relação mais particular, mais consequente entre a produção de pesquisa acadêmica sobre os meios de comunicação e aqueles que a usam.

Penso que tem de haver mecanismos de privilegiamento da ética, de controle do investimento – a questão econômica, por exemplo -, de quem detém o poder da mídia.

Quais as principais semelhanças e diferenças do comportamento da grande mídia no período de processo eleitoral atual e no anterior? A entrada da internet como meio de campanha, no Brasil, já define mudanças significativas no comportamento do eleitor?

Eu só poderia fazer essa avaliação de modo mais assertivo depois, visto que as eleições ainda estão em andamento. Mas acho que sim, a internet altera a relação com os candidatos, o processo eleitoral, a partir do momento que ela começa a criar novos grupos, via blogs, via twitter, enfim.

Em todas as mídias sociais, novos grupos de debates e críticas foram sendo fortalecidos. Isso quer dizer que há outra dimensão de informação e de opinião – eu me fortaleço no grupo que eu circulo, que é diferente do cara que lê o jornal e comenta com o cara de outro grupo.

Acho que nessas eleições, uma mudança é a questão das redes sociais e também o uso que os partidos e os candidatos estão fazendo desse status. É possível ter acesso à campanha via internet, atividades, agenda, de maneira bem mais qualificada do que era antes. A grande mídia, de maneira geral, mostra um pouco de desconforto, digamos, diante da possibilidade de continuidade deste projeto político do governo atual.

 

 

*Maria Helena Weber, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), possui mestrado em Sociologia e doutorado em Comunicação. É coordenadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Ufrgs. Secretária da Asssociação de Pesquisadores em Comunicação e Política – COMPOLITICA. Pelo CNPq, desenvolve o projeto de pesquisa “Sistemas e Estratégias de Comunicação do Estado Brasileiro, Entre a Visibilidade e o Interesse Público”. Autora do livro "Comunicação e Espetáculos da Política" (2000) e co-organizadora dos livros "Estratégias e Culturas da Comunicação" (2002), "Tensões e Objetos da Pesquisa em Comunicação" (2002) e "Livro da XI Compós estudos da comunicação" (2003). Escritora.