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“O governo não quer comprar briga com a mídia”

Na esteira dos debates realizados durante a Conferência Nacional da Comunicação, em 2009, e de um seminário internacional promovido pela Secretaria da Comunicação da Presidência da República, em 2010, criou força a ideia de se estabelecer um marco regulatório para as comunicações no Brasil. Tratada pela mídia como tentativa de controle da informação, a iniciativa ainda não conseguiu prosperar, embora esteja prevista na Constituição de 1988 e normas do gênero sejam comuns em inúmeros países da Europa e nos Estados Unidos. Quem aponta é o jornalista Altamiro Borges, que vem participando ativamente desse debate. Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, ele é autor do livro “A ditadura da mídia”, no qual aborda o tema da concentração e do descompromisso com o interesse público.

Ciranda – Como está a discussão sobre o marco regulatório das comunicações no Brasil?

Altamiro Borges – Essa discussão está atrasada no Brasil. Em 2010, a Secretaria da Comunicação da Presidência, encabeçada na época pelo Franklin Martins, fez um seminário internacional e trouxe ao Brasil representantes de órgãos de comunicação dos Estados Unidos, da Itália, da Espanha, do Reino Unido. Esse pessoal estranhou o fato de não haver regulação no Brasil, porque isso existe em todo o mundo. Nos Estados Unidos, FCC (Federal Communications Commission) já cassou mais de 100 outorgas de rádio e televisão. A União Europeia tem uma comissão só para comunicação, que avalia, por exemplo, qual a propagando que pode ser veiculada para crianças. Aqui, não tem nada, é a farra do boi.

Isso embora o tema esteja na Constituição de 1988, não?

O capítulo sobre comunicação é bom, mas virou letra morta. Há balizas fundamentais, como o fato de proibir monopólios e a propriedade cruzada. Uma mesma empresa não pode ter TV, rádio, jornal, revista, internet, teatro, cinema. Mas isso nunca foi regulamentado. Ao contrário, o monopólio cresceu. Quando a Constituição foi promulgada, em 1989, havia 12 famílias que controlavam as comunicações; hoje são sete. Além disso, deve haver complementariedade do sistema. No caso da radiodifusão, a comunicação não pode ficar só no setor privado. É a experiência do mundo inteiro, que tem redes privadas fortes, mas públicas também. O Reino Unido tem a BBC, em Portugal há duas TVs públicas fortíssimas, na Espanha idem. No Brasil, as TVs educativas são muito frágeis porque não houve investimento. Só muito recentemente começou com a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). A Constituição estabelece ainda que deve haver produção regional. Isso porque o cidadão do Acre ou do Amapá não tem de falar com os esses do Rio de Janeiro, embora seja muito bonito.

Como funciona o mercado da comunicação e que poder tem?

A comunicação permaneceu um feudo, não chegou nem ao capitalismo. São famílias, verdadeiros senhores feudais, que controlam tudo. E não há nenhum mecanismo de participação da sociedade. Esse poder midiático, que hoje inclui informação, entretenimento e cultura, é extremamente perigoso e se guia por razões econômicas e políticas. Já é conhecido o poder de manipulação, que se trata de realçar ou omitir informação. Outro aspecto é que a mídia interfere tanto que gera valores e pode deformar comportamentos. Ao estimular um consumismo exacerbado, já que vive de publicidade, estimula o individualismo doentio. Isso do ponto de vista de organizações sociais, como os sindicatos, é uma tragédia porque enfraquece a ação coletiva. Embora a Constituição seja precisa quanto à presunção de inocência do cidadão, a mídia hoje investiga, julga, condena e fuzila. Depois, se estiver errado, dá uma notinha. Isso é a negação do jornalismo e acontece de forma seletiva, ou seja, quando interessa. Corrupção no setor público envolve dinheiro do povo. Portanto, deve ser apurada e punida, mas é preciso apurar de fato. E há também os corruptores, que nunca aparecem nas manchetes, talvez porque sejam anunciantes.

Regras para esse setor são comuns nos paises desenvolvidos. Como está o debate na América Latina?

Há países nos quais houve radicalização do processo político. O golpe de 2002 na Venezuela foi feito dentro das redações, que antes paparicavam o Hugo Chávez. Depois disso, instituiu-se a regulação e políticas públicas mais avançadas. Chávez fez inúmeras rádios comunitárias, a publicidade pública passou a ser destinada também aos veículos pequenos. Se uma TV abusa da concessão, fecha. Na Argentina, os dois principais grupos de comunicação, El Clarin e La Nación tinham relação de compadrio com Kirchner. No mandato da Cristina, jogaram tudo para controlar o governo. Mais valente que o Ernesto, ela resolveu enfrentar. Acabou por exemplo com o monopólio da transmissão dos jogos de futebol, hoje feita pela TV estatal. Essa radicalização produziu a lei de mídia da Argentina, extremamente avançada. Agora, o setor privado só pode deter um terço da radiodifusão, enquanto um terço é estatal e outro das organizações públicas.

Enquanto isso, no Brasil houve recuo da decisão de regular, embora a discussão sobre o assunto tenha se ampliado.

Aqui a luta se radicaliza em períodos eleitorais, mas depois aparentemente se suaviza. O governo não quer comprar briga com a mídia, porque é um grande poder. Mas tem coisas muito importantes acontecendo. O movimento sindical, por exemplo, tem percebido que não adianta reclamar do tratamento que recebe da mídia, é preciso lutar pela democratização. E as entidades vêm fortalecendo a sua comunicação, percebendo que isso não é gasto, é investimento na luta de ideias. Isso permite dar alguns passos. Por exemplo, ter conselhos de comunicação nos Estados, que é uma forma de a sociedade participar. Outro fator é que a mídia é muito forte, mas também está vulnerável em função de perda de credibilidade e da mudança tecnológica trazida pela internet. A Folha tirava um milhão de exemplares na década de 80; hoje, são 289 mil. O JB acabou, o Estadão está morrendo. E mesmo na televisão começa a haver uma migração, na juventude, para a internet. Esse é um fator que pode ajudar a ter regulação. Os radiodifusores tradicionais estão sofrendo a concorrência de um capitalismo extremamente ousado e agressivo por parte das empresas de telecomunicações que querem produzir conteúdo. O faturamento da radiofusão é de R$ 14 bilhões; o das teles é de R$ 160 bilhões.

Com isso o marco regulatório precisará alcançar também as teles.

Certamente, porque é preciso um marco regulatório até para defesa de soberania. Se essa jamanta econômica entra, vamos ficar obrigados a assistir Bob Esponja de manhã, à tarde e à noite, o que é pior que a novela com sotaque do Rio de Janeiro. O triste nesses grupos de radiodifusão é que eles sempre foram entreguistas, defenderam a privatização imaginando que iriam adquirir poderosas empresas de telefonia, mas aí vieram as estrangeiras e eles dançaram. Poderiam agora denunciar a ameaça à produção cultural brasileira, mas não o fazem.

“O mercado sozinho jamais será capaz de universalizar o acesso à internet”

Recentemente, o jornalista Flávio Silva Gonçalves concluiu o mestrado no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Ao longo de dois anos, ele investigou como infraestruturas do setor elétrico podem contribuir para a universalização do acesso à internet. A dissertação teve como objeto uma parceria entre o governo do Pará e a empresa estatal Eletronorte, uma subsidiária da Eletrobras que fornece energia para a Amazônia Legal. Em 2007, as duas instituições assinaram um convênio compartilhando uma fibra óptica para prover serviços de telecomunicações. A conclusão do pesquisador é clara: a utilização de infraestruturas controladas pelos governos é fundamental para a inclusão digital. Confira entrevista exclusiva do pesquisador para o Observatório do Direito à Comunicação.

Observatório do Direito à Comunicação – Por que você decidiu estudar o NavegaPará?

Flávio Silva Gonçalves –
Meu interesse era pensar a forma de participação dos governos e de suas estruturas públicas no processo de universalização do acesso à internet, compreendido como um direito do cidadão. Em vários países, os governos estão atuando diretamente nessa área. Procurei uma experiência concreta no Brasil em que algum governo estadual ou municipal que estivesse fazendo algo de inovador, já que o provimento do acesso à internet no Brasil ainda é visto como um serviço do mercado, de poucas empresas privadas. A infraestrutura de telecomunicações no Brasil chega onde tem cliente com relativa renda, sem competição e com preços altíssimos para a maior parte da população. Ou seja, fui procurar um lugar em que um governo estivesse atuando diretamente nessa área. No Pará, encontrei uma ação em parceria do governo do Estado com a Eletronorte. Analisei o programa entre 2007, quando foi implementado, e 2010. Até 2006 apenas quatro dos 143 municípios do estado tinham conexão à internet via cabo. Essa foi a realidade que o programa teve que enfrentar.

Você falou que buscava uma experiência concreta de um governo fazendo algo inovador. Qual foi a inovação que você observou no NavegaPará?

Foram duas. A primeira foi utilizar as linhas de transmissão de energia elétrica para prover serviços de telecomunicações como o acesso à internet. Sabe aqueles cabos de transmissão que cortam o país levando e trazendo energia das usinas até os centros urbanos e rurais? Ali existe um "tesouro": um cabo de fibra óptica que monitora o sistema elétrico por 24 horas (algo exigido por lei). Ele se chama Optical Power Ground Wire (OPGW) ou fibra óptica em cabo pararraio. Esse cabo tem vários pares de fibra óptica que são subutilizados já que a demanda de trafegar dados para monitorar o sistema elétrico é mínima diante do potencial técnico de transmissão de dados. O Brasil é cortado por essas linhas e cerca de 30 mil quilômetros estão sob o controle de empresas que ainda são estatais do sistema Eletrobras. Outra parte está sob controle de empresas privadas, mas a maior parte ainda é patrimônio público controlado por empresas estatais. Está praticamente pronta para ser utilizada como uma grande rede pública. A segunda inovação foi fazer um modelo de negócio híbrido. De um lado, a Eletronorte vendia capacidade de tráfego para qualquer empresa ou provedor interessado em levar o serviço de acesso à internet até um cliente final. De outro, o governo do Pará, por meio de convênio, utilizava parte dessa infraestrutura para conectar órgãos públicos estaduais, prefeituras, telecentros e entidades da sociedade sem cobrar pelo serviço. Era uma fonte de renda para a Eletronorte e uma infraestrutura de desenvolvimento para o estado.

Qual era o papel de cada um no convênio?

Com a assinatura do convênio, 50% da capacidade da fibra ficou com o governo do Estado e a outra parte com a Eletronorte. A empresa cedeu um par de fibra dos 24 disponíveis nas suas linhas de transmissão no Pará. Em contrapartida, o governo fez os investimentos necessários em eletrônicas e em equipamentos para colocar esse par de fibra óptica com capacidade elevada de trafegar dados e disponibilizar o acesso à internet.

Esse processo não gerou prejuízos financeiros para a Eletronorte?

A empresa atua na área de energia e possui essa infraestrutura que está disponível. Ela não teve que investir recursos na parceria, apenas cedeu um par de fibra. Foi colocada uma condição: apenas a Eletronorte poderia comercializar a utilização da rede para outras empresas interessadas em prover serviços de telecomunicações no Pará. Oi, Embratel, Amazontel, Nortelpa, Vivo, Zumpa, CapitalSat e TIM eram clientes da empresa. Cerca de 80% do faturamento da Eletronorte vinha de serviços prestados a Oi e Embratel. Essas empresas de telecomunicação não tem fibra na região e basicamente usam satélite, que é muito mais caro e com uma confiabilidade e qualidade para trafegar dados muito menor. E construir uma rede de fibra é um investimento que estas grandes operadoras não querem fazer. O que elas fizeram? Alugaram a capacidade da Eletronorte para levar o acesso aos serviços de telecomunicações até os consumidores finais. A estatal saiu de um faturamento mensal nesses serviços em janeiro de 2010 de R$ 900 mil para R$ 1,7 milhão em setembro do mesmo ano. Entre os anos de 2006 e 2009, a receita da Eletronorte com a prestação de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM) apresentou crescimento elevado saindo de R$ 1,7 milhão para R$ 9,8 milhões. Um aumento superior a 500%. Isso apenas no Pará. A demanda é muito grande e cada vez maior diante de um processo de convergência da comunicação. Se a capacidade da rede instalada no Pará naquele momento fosse completamente contratada, o faturamento poderia chegar a R$ 24 milhões mensais. A capacidade dessas fibras é gigantesca. Para a Eletronorte a parceria permitiu expandir no território paraense sua área de negócios responsável pela prestação de serviços de telecomunicações que atende operadores privados alugando capacidade de tráfego de dados.

Em relação a política de inclusão digital, tocada pelo governo, quais foram os resultados?

O governo tomou uma decisão política de prover acesso à internet com o objetivo de utilizar as tecnologias da informação e comunicação para o desenvolvimento do Pará e ao mesmo tempo economizar recursos com os serviços contratados para os órgãos públicos estaduais e municipais. Estamos falando de um governo que pagava, por exemplo, R$ 15 mil mensais para uma conexão de 256 Kbps em Marabá. Isso quando alguma operadora prestava o serviço. O Estado investiu no convênio recursos financeiros estimados em R$ 4,6 milhões para viabilizar o funcionamento da rede e outros recursos em infocentros e equipamentos para conectar os órgãos públicos e praças com acesso livre. Em 2006, dos 143 municípios paraenses apenas quatro tinham acesso à internet através de fibra óptica. Em 2010, a conexão à internet em alta velocidade estava disponível pela estrutura do NavegaPará para 52 municípios paraenses, sendo que em 23 destes a única opção de conectividade era esta oferecida pelo governo estadual. Desta forma, no mesmo período o governo do Estado aumentou de 400 para 1.389 o número de pontos conectados à internet.

Ou seja, o investimento compensava em termos de retorno social.

Além disso, existiam dois interesses econômicos importantes que motivaram o governo do Pará a investir nesta parceria. O primeiro era constituir uma alternativa às duas empresas privadas que ofereciam serviços de telecomunicações aos órgãos públicos a preços considerados exorbitantes e com isso diminuir seus custos. E, de fato, os números comprovam que além de levar conexão para pontos que não dispunham da oferta pelas operadoras privadas, o governo conseguiu economizar recursos públicos cancelando 75% (297) das assinaturas de acesso à internet que mantinha junto à OI e Embratel. O valor mensal para custear as conexões à internet dos órgãos públicos que antes do NavegaPará foi superior a R$ 1 milhão, em agosto de 2010 diminuiu para R$ 260 mil. O segundo interesse era comercializar dados também através da Prodepa, a companhia estadual de processamento de dados. Mas aí as regras do convênio com a Eletronorte não permitiram já que apenas a empresa federal poderia fazer esse tipo de operação.

E as empresas privadas? Qual o impacto para elas? A perda de clientes do serviço público não inviabilizou os negócios na região?

As grandes empresas do setor (Oi e Embratel) eram ao mesmo tempo beneficiadas e prejudicadas pela rede da Eletronorte. Por um lado, essas empresas deixaram de faturar com órgãos públicos que passaram a ser atendidos pela conexão oferecida gratuitamente pelo governo do Estado e ganharam concorrentes locais que passaram a contar com a nova rede para também prestarem serviços de telecomunicações. Por outro lado, essas e outras empresas passaram a utilizar a infraestrutura da estatal para oferecerem novos serviços em novas localidades e com isso aumentaram seu faturamento sem que fosse preciso realizar os investimentos para a instalação de fibras ópticas próprias. Prova de que as grandes empresas também foram beneficiadas pela infraestrutura de rede é que em agosto de 2010 a Oi e a Embratel representavam 80% do faturamento da Eletronorte no Pará. O que essas empresas querem é alugar essas fibras e manter o "oligopólio" no atendimento ao consumidor final. Assim elas não precisam investir em infraestrutura e continuam com a assinatura dos serviços pagos pelos clientes. Mas quando a Eletronorte aluga a rede para qualquer empresa, seja ela grande ou pequena, aí pode surgir uma competição.

E essa competição aconteceu de fato?

Qualquer empresa pode alugar essa infraestrutura da Eletronorte por R$ 600 em média para trafegar 1 Mega real (não é aquele 1 mega que contratamos em casa e só recebemos 10%). E com isso ao invés de uma ou duas empresas você pode ter 4 ou 5. Quem sabe 10. Mas aí é dinâmica de mercado. Não dá pra garantir que algumas não vão falir, que as novas terão capital para investir e se não terão clientes. Estamos falando de poucas empresas consolidadas que faturam bilhões e tem capital para fazer investimentos. Surgir um competidor local capaz de fazer frente é difícil, mesmo usando essa infraestrutura de rede pública pagando os mesmos R$ 600,00 das grandes operadoras. A grande questão é se essa infraestrutura pública será utilizada apenas para servir cidadãos e instituições através das empresas ou se o Estado também pode levar a conexão gratuita para as instituições públicas, para quem não pode pagar e até mesmo cobrando de quem pode.

O que essa experiência no Pará mostrou?

A partir do que aconteceu no Pará, verificamos que é possível colocar essa infraestrutura para atender interesses privados, dado que as empresas do setor demandam esse tipo de estrutura e, ao mesmo tempo, disponibilizar gratuitamente para órgãos públicos e cidadãos a conexão à internet visando garantir o direito à comunicação. Agora esse processo é contraditório e instável, permeado de avanços e recuos. Tudo depende da junção de interesses políticos-econômicos representados na constante disputa entre os grupos que estão nos governos, empresas públicas e privadas e cidadãos. É a "velha" luta entre as classes e o impacto dela no funcionamento das infraestruturas que ainda são controladas pelos governos. De qualquer maneira, no mundo cresce o entendimento de que o mercado sozinho jamais será capaz de universalizar um direito como é o acesso à internet.

Confira a íntegra da dissertação de Flávio Silva Gonçalves aqui .

“Se esperar construir consensos que não interessam a outra parte, você nunca vai construir nada”

[Título original: Para Luiza Erundina, um pouquinho de confronto não faz mal a ninguém]

Prestes a completar 77 anos, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) já cansou de ver temas espinhosos serem empurrados com a barriga por companheiros da esquerda. O passar dos anos lhe mostrou que o consenso nem sempre é um caminho viável. “Com a minha experiência na luta política, que já é longa, acho que não faz mal fazer um nível de pressão, de exigência e até, eu diria, um confronto de forças”, diz a deputada.

Atualmente, a deputada tem sido voz ativa em duas frentes: a democratização da comunicação e a busca por uma Comissão da Verdade efetiva e pela responsabilização dos que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura militar. Em ambos os casos, a deputada acredita que o Brasil está muito atrasado.

Quanto aos Direitos Humanos, compara o país com os vizinhos e conclui. “Nós somos muito vagarosos. Cuidadosos demais”. Na comunicação, reclama da demora do governo em apresentar um projeto sobre regulação da mídia e dispara contra os colegas parlamentares do próprio partido, e dos tradicionais aliados, como PT e PCdoB. “Os partidos não têm assumido esta bandeira da democratização das comunicações”, diz.

Erundina conversou com o Sul21 no último dia 3, depois de participar do seminário Democratização da Mídia, organizado pela Ajuris.

Sul21 – Como seus colegas de Congresso lidam com o tema da democratização da comunicação? A senhora chegou a dizer no seminário que está isolada.
Luiza Erudina – É, há sempre este temor de que qualquer posição a respeito de questões como a regulação da mídia possa gerar descontentamento da mídia. São pessoas que temem de alguma forma serem perseguidas. Ficam muito preocupados em atender às expectativas da mídia. Outros têm interesse direto nisto, há parlamentares que têm concessão de rádio e televisão. Isto é inconstitucional, é ilegal. E também os partidos não têm assumido esta bandeira da democratização das comunicações. Tem uma frente parlamentar que nós criamos que tem a participação de mais de cem entidades nacionais. Tem sido o mecanismo que ajuda a criar o ambiente para fazer o debate, mas com muita dificuldade de atrair o interesse dos parlamentares.

Sul21 – A senhora disse que só o PSOL assinou uma ação no STF sobre a inconstitucionalidade de os parlamentares terem concessões de radiodifusão. Nem o seu próprio partido, o PSB, nem tradicionais aliados como PT e PCdoB assinaram. Como a senhor vê esta postura destas siglas?
Luiza Erundina – Não resolveram ainda esta questão, não entenderam que não é possível que um partido com os compromissos que estes partidos devem ter conviva com o desrespeito à Constituição. Isto é antidemocrático. É um privilégio que não deveria existir em partidos como os nossos para que tenhamos credibilidade e condições políticas para enfrentarmos estas situações.

Sul21 – Existem deputados nestes partidos que têm concessões?
Luiza Erundina – Tem, tem sim. Não sei se tem algum partido que não tenha. É uma luta que a gente vai ganhar através da participação da sociedade civil organizada, mobilizada, exigindo que seus representantes no Congresso se comportem de outra forma.

Sul21 – Como a senhora vê a postura do presidente do Senado, José Sarney, que está sentado em cima do Conselho de Comunicação Social do Congresso (o conselho é formado por treze pessoas da sociedade civil e está parado desde 2007)?
Luiza Erundina – É inaceitável. Essa situação passou por vários presidentes do Senado. Temos denunciado desde que cheguei na comissão (de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara) em 1999. Só em 2004 foram eleitos os primeiros conselheiros. Cobrei do MP, arguindo sobre a omissão do presidente do Senado há mais de um ano e não obtive resposta. Há omissão de várias instituições. É uma questão política importante e que precisa ser enfrentada com coragem.

Sul21 – A senhora disse uma frase forte no seminário, que a democratização dos meios de comunicação é mais importante que a reforma agrária.

Luiza Erundina – Até hoje não fizemos a reforma agrária porque não tivemos condições políticas para isto. No dia em que a gente tiver a democratização dos meios, com a compreensão do povo sobre a importância do acesso à informação, de ter opinião a respeito dos fatos, teremos uma compreensão crítica sobre estas bandeiras que sensibilizará os governos. Estou convencida disto. Não faremos nem reforma política, nem a reforma do Estado, nem reforma tributária, nem reforma agrária, nem reforma urbana se não tivermos participação.

Sul21 – Militantes da democratização da comunicação têm defendido que para que haja uma discussão mais clara sobre regulação da mídia, para que se prove que não se trata de censura, o governo precisa apresentar um projeto.

Luiza Erundina – Exatamente. O governo está demorando demais. Já era para ter apresentado, para que a discussão fosse em cima deste projeto. Ajudaria muito na construção coletiva de algumas saídas para os pontos que sejam mais difíceis de construir maioria. Mas eu não acredito muito nisto (de acordo), não. Um acordo só é justo, quando há igualdade de condições e de forças. Um exemplo é a Lei da Anistia, que se diz que não pode ser mexida porque foi a decisão do Congresso a partir de amplo entendimento, mas foi um entendimento entre partes em situação absolutamente desiguais. De um lado, estavam os militares ainda com o controle do Estado. Portanto, com a minha experiência na luta política, que já é longa, acho que não faz mal fazer um nível de pressão, de exigência e até, eu diria, um confronto de forças. Se esperar construir consensos sobre questões que não interessam a outra parte, que tem mais poder, você nunca vai construir nada. Estou lá há doze anos, não se avançou quase nada.

Sul21 – Sobre a Comissão da Verdade: a senhora ainda tem esperança de que algum ajuste possa torná-la mais próxima do que militantes dos Direitos Humanos desejam?

Luiza Erundina – Não, não acredito. Acho que temos que estabelecer um movimento paralelo, organizando segmentos da sociedade para acompanhar o trabalho da comissão e tentando intervir de fora. Eu já requeri na Comissão de Direitos Humanos uma comissão para acompanhar os trabalhos da Comissão da Verdade. Propusemos também aos familiares para que se crie uma comissão na sociedade, com personalidades, com especialistas, com os mais diretamente envolvidos na luta pelos Direitos Humanos, para que se faça quase um processo paralelo, simultâneo. Muito do que se apurou a respeito daquele período foram os familiares que apuraram, não foi governo nenhum. Então, não se começaria do marco zero. É necessário um espaço institucional para o reconhecimento destas informações e para a identificação dos responsáveis pelos crimes detectados. É outra questão que tem tudo a ver (com a democratização da comunicação), porque se a imprensa não se interessar pelo trabalho da Comissão da Verdade, também não se chega a muita coisa.

Sul21 – Sem um encaminhamento jurídico posterior fica sem objetividade a Comissão da Verdade?

Luiza Erundina – Verdade histórica é importante, mas precisa fazer Justiça. Claro que não é a comissão que tem poder para isto, mas se ela tiver conclusões objetivas sobre certas responsabilidades tem que encaminhar para o Judiciário para fazer julgamento. Os outros países não estão fazendo? Coincidentemente, no mesmo dia em que o Senado estava aprovando aquela Comissão da Verdade limitada como está, a Argentina e o Uruguai estavam condenando criminosos que cometeram crimes contra a humanidade. Nós somos muito vagarosos. Cuidadosos demais.

Sul21 – Pode se dizer que a esquerda no Brasil teme demais a elite?
Luiza Erundina – Que esquerda? (risos) Acho que a gente precisa se perguntar primeiro isto. Se você tem pessoas de esquerda, pessoas que ainda têm práticas socialistas, que ainda alimentam este sonho.

“A imprensa comete atentado à liberdade de imprensa”

[título original: Juiz critica monopólios na mídia e aponta manipulação em cobertura da RBS]

O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), João Ricardo dos Santos Costa, criticou a cobertura que o jornal Zero Hora fez de um seminário sobre liberdade de imprensa e Poder Judiciário, em Porto Alegre. A matéria sobre o evento omitiu a parte do debate relacionada aos monopólios de comunicação. “Esse é um caso paradigmático: em um evento promovido para discutir a liberdade de imprensa, a própria imprensa comete um atentado à liberdade de imprensa ao omitir um dos principais temas do evento", diz o juiz em entrevista à Carta Maior.

No dia 21 outubro, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) promoveram, em Porto Alegre, um seminário para discutir liberdade de imprensa e Poder Judiciário. O convite para o encontro partiu da ANJ que já promoveu um debate similar junto ao Supremo Tribunal Federal (Ver artigo de Venício Lima, Direito à comunicação: o “Fórum” e a “Ciranda” ). Os interesses temáticos envolvidos no debate não eram exatamente os mesmos. Enquanto que a ANJ e as suas empresas afiliadas estavam mais interessadas em debater a liberdade de imprensa contra ideias de regulação e limite, a Ajuris queria debater também outros temas, como a ameaça que os monopólios de comunicação representam para a liberdade de imprensa e de expressão.

O jornal Zero Hora, do Grupo RBS (e filiado a ANJ) publicou no sábado (24/10/2011) uma matéria de uma página sobre o encontro. Intitulada “A defesa do direito de informar”, a matéria destacou as falas favoráveis à agenda da ANJ – como as da presidente da associação, Judith Brito, e do vice-presidente Institucional e Jurídico da RBS, Paulo Tonet – e omitiu a parte do debate que tratou do tema dos monopólios de comunicação. Na mesma edição, o jornal publicou um editorial furioso contra o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, acusando-o de querer censurar o jornalismo investigativo (Ver matéria: Tarso rechaça editorial da RBS e diz que empresa manipulou conteúdo de conferência). No mesmo editorial, o jornal Zero Hora apresentou-se como porta-voz da “imprensa livre e independente” e afirmou que “a credibilidade é a sua principal credencial”.

Agora, dois dias depois de o governador gaúcho acusar a RBS de ter manipulado o conteúdo de uma conferência que proferiu no Ministério Público do RS, omitindo uma parte que não interessava à construção da tese sobre a “censura ao jornalismo investigativo”, mais uma autoridade, desta vez o presidente da Ajuris, João Ricardo dos Santos Costa, vem a público criticar uma cobertura da RBS, neste caso, sobre o evento promovido em conjunto com a ANJ. A omissão da parte do debate relacionada ao tema do monopólio incomodou o presidente da Associação de Juízes.

“Esse é um caso paradigmático: em um evento promovido para discutir a liberdade de imprensa, a própria imprensa comete um atentado à liberdade de imprensa ao omitir um dos principais temas do evento que era a discussão sobre os monopólios de comunicação”, disse João Ricardo dos Santos Costa em entrevista à Carta Maior.

Na entrevista, o presidente da Ajuris defende, citando Chomsky, que “o maior obstáculo à liberdade de imprensa e de expressão são os monopólios das empresas de comunicação”. A “credibilidade” reivindicada pela RBS no editorial citado não suporta, aparentemente, apresentar a voz de quem pensa diferente dela. “O comportamento do jornal em questão ao veicular a notícia suprimindo um dos temas mais importantes do debate, que é a questão dos monopólios, mostra justamente a necessidade daquilo que estamos defendendo”, destaca o magistrado.

Qual foi o objetivo do seminário sobre Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário e quais foram os principais temas debatidos no encontro realizado dia 21 de outubro em Porto Alegre?
A Ajuris foi procurada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) para promover um evento com o objetivo de debater liberdade de imprensa e o Poder Judiciário. A relação se justifica pelo grande número de questões que chegam ao Judiciário envolvendo a atividade jornalística. Essas questões envolvem, muitas vezes, decisões que limitam a divulgação de certas matérias. Pois bem, fomos procurados para fazer esse debate que gira em torno de dois valores constitucionais: a liberdade de expressão e a independência do Judiciário. Para alguns haveria um aparente conflito entre esses dois princípios. Nós nos dispomos, então, a construir por meio do debate o que significa a convivência desses dois valores em sociedade democrática. Esse foi o grande desafio que esse evento pretendia enfrentar.

Há duas posições veementes neste debate. De um lado há aqueles que não admitem nenhum tipo de cerceamento à informação; de outro, há aqueles que não admitem qualquer tipo de restrição ao trabalho do Judiciário. Do ponto de vista constitucional, cabe ao Judiciário solucionar todos os conflitos, inclusive os que envolvem a imprensa. A imprensa não está fora das regulações judiciais. Há um embate muito forte entre essas duas posições. Se, de um lado, a ANJ buscou explorar o tema da liberdade de imprensa sob a ótica da atividade judicial, nós buscamos fazer um debate sobre a questão constitucional da liberdade de imprensa, no que diz respeito à distribuição de concessões aos veículos de comunicação.

Por que a Ajuris decidiu abordar o tema da liberdade de imprensa sob essa ótica?
Chomsky tem dito que o maior obstáculo à liberdade de imprensa e de expressão são os monopólios das empresas de comunicação. Não só ele, aliás. Vários pensadores contemporâneos dizem a mesma coisa. Para nós, esse é o cerne da questão. Hoje não há pluralidade, não há apropriação social da informação. O que existe é o interesse econômico que prepondera. Os editoriais são muito mais voltados aos negócios. Hoje mesmo, o editorial de um jornal local [Zero Hora/RBS] expressa preocupação com a vitória de Cristina Kirchner na Argentina dizendo que seria um governo populista que teria explorado o luto [pela morte de Néstor Kirchner] para se reeleger.

Há toda uma preocupação sobre o que representa esse governo para os negócios das empresas de comunicação, em especial no que diz respeito ao conflito entre o governo argentino e o grupo Clarín. A sociedade brasileira só tem conhecimento do lado da empresa de comunicação. A visão do governo argentino sobre esse tema nunca foi exposta aqui no Brasil.

E aí vem uma questão fundamental relacionada à liberdade de imprensa. O problema não é o que os meios de comunicação veiculam, mas sim o que omitem. Esse é o grande problema a ser superado.

E esse tema foi debatido no seminário?
No nosso evento, eu lembro de uma fala do deputado Miro Teixeira. Ele disse que a história da censura envolve o cerceamento de grandes pensadores da humanidade, como Descartes, Locke, Maquiavel, Montesquieu, entre outros. Citou isso para exemplificar os danos sociais dessa censura. Mas hoje o que nós observamos é que os grandes pensadores contemporâneos são cerceados não pelos censores que existiam antigamente, mas pelos próprios detentores dos meios de comunicação. Os grandes meios de comunicação não veiculam, não debatem hoje os grandes pensadores da humanidade. Nomes como Amartya Sen, Noam Chomsky, Hobsbwan, entre outros, não têm suas ideias discutidas na mídia, não são procurados para se manifestar sobre as grandes questões sociais. Não são chamados pela grande mídia para dar sua opinião e o que acaba prevalecendo é o interesse do capital financeiro, que é aquele que não vai pagar a conta da crise.

Eu dou esse exemplo para demonstrar a gravidade do problema representado por esse monopólio, esse interesse econômico preponderante sobre o direito à informação. Esse interesse diz incessantemente para a sociedade que a única saída para superar a crise atual é por meio do sacrifício dos mais pobres e dos setores médios da população. Não se toca na questão do sacrifício do setor financeiro. Este setor não pode ter prejuízo. Quem vai ter prejuízo é a sociedade como um todo, mesmo que isso atinja direitos fundamentais das pessoas.

Então, esse debate sobre a democratização dos meios de comunicação é extremamente importante e deve começar a ser feito de forma transparente para que a sociedade se aproprie do que realmente está acontecendo e que possa ter autonomia em suas decisões e mesmo influenciar a classe política que hoje está entregue aos grandes financiadores de campanha que são os mesmos que fornecem a informação enlatada que estamos recebendo. Nós, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, estamos propondo esse debate para a sociedade.

Esse debate que o senhor relatou não apareceu na cobertura midiática do encontro pelo grupo RBS, que participou do mesmo. O jornal Zero Hora dedicou uma página ao encontro, com uma matéria intitulada “A defesa do direito de informar”, sem fazer nenhuma menção a essa parte do debate envolvendo os temas do monopólio e da democratização dos meios de comunicação. Como é que a Ajuris, que propôs esse debate, recebe esse tipo de cobertura?
O comportamento do jornal em questão ao veicular a notícia suprimindo um dos temas mais importantes do debate, que é a questão dos monopólios, mostra justamente a necessidade daquilo que estamos defendendo. É como eu disse antes: o problema maior é aquilo que é omitido, aquilo que não é revelado. Esse é um caso paradigmático: em um evento promovido para discutir a liberdade de imprensa, a própria imprensa comete um atentado à liberdade de imprensa ao omitir um dos principais temas do evento que era a discussão sobre os monopólios de comunicação. Nós não vamos nos omitir em tratar desse assunto por mais dolorido que ele possa ser. É evidente que não é um assunto que deva ser banalizado. Ele é o mais importante de todos. Estamos tratando de pluralidade de pensamento.

No debate, o deputado federal Miro Teixeira defendeu que a liberdade de imprensa é um direito absoluto. Qual sua opinião sobre isso?
Eu compartilho a ideia de que não há nenhum direito absoluto, não pode haver. Neste contexto de monopólio, menos ainda. Liberdade absoluta de imprensa em um contexto onde sequer a Constituição Federal é cumprida. no sentido de proibir a existência de monopólios. É algo completamente daninho à democracia. Outra coisa com a qual eu também não concordo , envolvendo esse debate, é a afirmação do ministro Marco Aurélio Buzzi (do Superior Tribunal de Justiça) de que nós temos liberdade até para matar. Nós não temos liberdade para matar. Não vejo, dentro da nossa organização jurídica e de sociedade, que tenhamos liberdade para matar. Do fato de, no Código Penal brasileiro, “matar alguém…pena de tanto a tanto” aparecer como uma expressão afirmativa, não se segue o direito de matar. Nós não podemos matar e não podemos violar o Direito. Não temos essa liberdade. Não temos a liberdade de tirar a liberdade das outras pessoas. O direito individual não chega a esse radicalismo que se pretende com essa afirmação de que a liberdade de imprensa é um direito absoluto.

A ANJ realizou recentemente, no Supremo Tribunal Federal (STF), um seminário semelhante a este realizado no Rio Grande do Sul. Há, portanto, uma óbvia preocupação com a posição do Poder Judiciário neste debate. Qual é, na sua avaliação, o papel do Judiciário neste contexto?
O fato de se debater, em primeiro lugar, é um grande caminho para amadurecer esses institutos que, aparentemente, estão colidindo, na sociedade. É lógico que o Judiciário, nesta e em outras grandes questões da sociedade brasileira, tem sido provocado a se pronunciar. Muito pela ineficiência do Poder Legislativo. O STF tem decidido sobre questões que o Legislativo se mostra incapaz de resolver: união homoafetiva, aborto, demarcação de terras indígenas, células-tronco, entre outros. A pressão envolvendo esses temas está vindo para cima do Judiciário. E o Judiciário, por sua formatação de autonomia e independência, ele se mostra menos vulnerável a pressões. Decidir é da essência do Poder Judiciário, desagradando um dos lados em litígio.

Quando esse lado é muito poderoso, os danos à instituição podem ser pesados. Numa decisão, por exemplo, que contraria os interesses de um monopólio de comunicação, esse monopólio joga todo esse seu poder para atingir a credibilidade do Judiciário como instituição. Creio que aí aparece um outro grande debate que deve ser feito sobre até que ponto esse tipo de postura não corrói a nossa democracia.

“Queremos que a comunicação seja tratada em nosso país como um direito humano”

Na próxima terça-feira, dia 18 de outubro, data da comemoração do Dia Mundial da Democratização da Comunicação, está prevista a divulgação na internet da versão final da plataforma com as contribuições para a Consulta Pública sobre o Marco Regulatório das Comunicações.

Para aprofundar este debate os movimentos sociais e entidades civis organizaram o lançamento simbólico nacional da “Plataforma por um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”.

No Rio de Janeiro, a Fale Rio (Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação – Estadual do Rio de Janeiro) organizou diversas atividades para a Semana pela Democratização da Comunicação, do dia 13 ao dia 20 de outubro

Para saber sobre as principais reivindicações e atividades desta semana, o Instituto Telecom, que também apoia o evento, conversou com um dos responsáveis pela organização, Orlando Guilhon, Vice-Presidente da ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil). Confira abaixo, a ìntegra da entrevista.

Quais são as principais atividades programadas pelo Fale Rio para a “Semana pela Democratização da Comunicação”?
A FALE RIO é a Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação – Estadual do Rio de Janeiro, e congrega mais de 80 entidades da sociedade civil não empresarial: centrais sindicais, sindicatos, partidos, movimentos sociais, ong's, institutos, associações, entidades acadêmicas, rádios e tv's comunitárias, rádios públicas, além de ativistas e militantes de luta pela democratização da comunicação em nosso Estado.

Neste momento, estamos organizando várias atividades para a semana pela democratização da comunicação, do dia 13 a 20 de outubro, com debates e seminários em universidades e sindicatos e dois atos de rua. O primeiro, no dia 18 de outubro, Dia Mundial pela Democratização da Comunicação, às 16 H, no Buraco do Lume (Rua S. José), quando faremos o lançamento simbólico da 'Plataforma por um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil'. Este evento também ocorrerá em outras capitais e no Distrito Federal no mesmo dia.

Será um ato político-lúdico-cultural. Teremos música, dança, teatro, poesia e algumas falas políticas. Já no dia seguinte, 19/10, às 13 H, teremos a 'faxina' na porta da TV Globo, na rua Von Martius. Iniciativa dos estudantes, que a FALE RIO decidiu apoiar. Afinal, a mídia tem falado tanto em 'faxina' no governo federal, que tal começarmos também com uma faxina na mídia?

No país o movimento pela democratização da comunicação é antigo.Embora o país esteja vivendo uma conjuntura nova com um governo que se apresenta mais propício às questões da comunicação ainda são grandes os obstáculos para a criação do Marco Regulatório das Comunicações. Qual a visão do Fale Rio com relação a atuação do novo governo, do Minicom e a resistência que ainda existe à criação deste marco?
O atual Governo Federal tem anunciado uma política mais ativa na área das Comunicações, mas por enquanto a iniciativa tem ficado muito aquém das expectativas…O Plano Nacional de Banda Larga tem sido 'desfigurado', e mais parece uma proposta de banda curta, cara e só para alguns. O texto oficial sobre o novo Marco Regulatório das Comunicações, deixado pela equipe do ex- Ministro Franklin Martins, até hoje não veio a público, e já estamos no décimo mês do novo governo. O que se percebe é que o governo federal está em disputa, entre forças políticas mais progressistas e forças mais conservadoras e de centro. Parece que o governo tem receio que uma iniciativa de regulamentar as comunicações no Brasil possa ser compreendida como uma atitude de censura (esta é a tese das empresas privadas de comunicação), e vacila entre ir adiante com o debate ou deixá-lo na geladeira.Se não houver pressão da sociedade, não haverá um novo Marco Regulatório das Comunicações.

Como os movimentos sociais e entidades civis podem participar de maneira efetiva nas decisões do governo sobre a comunicação do país?
A FALE RIO, por exemplo, reúne-se mensalmente em grandes plenárias, no auditório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (Rua Evaristo da Veiga, n. 16, 17o. andar), onde discute suas atividades e propostas de luta. Em geral, nos reunimos nas primeiras segundas de cada mês. Excepcionalmente, no mês de novembro, vamos nos reunir no dia 08, uma terça. Nossas atividades e iniciativas estão no nosso site.

Ajudamos a organizar três Frentes Parlamentares (Nacional, Estadual e Municipal do Rio), organizamos debates e atividades de rua, produzimos materiais de divulgação (panfletos, boletins, spots de áudio e vídeo, etc).

Vivemos sobre o paradigma da sociedade da informação e o fenômeno da convergência digital, onde o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação são princípios básicos para a inclusão social. No Brasil, quais são as principais reivindicações da sociedade civil com relação às políticas públicas de comunicação?
Nossas principais reivindicações estão no texto da Plataforma por um novo Marco Regulatório das Comunicações que esteve em consulta pública até o dia 07 de outubro, e cuja versão atualizada será lançada nacionalmente em 18 de outubro. Queremos que os artigos 220 a 224 da Constituição Federal sejam regulamentados, queremos a revisão da atual Lei da Radiodifusão Comunitária, queremos um Conselho Nacional de Comunicação que seja deliberativo e com representação dos poderes públicos e da sociedade civil, queremos uma banda larga barata, para todos e de boa qualidade. Queremos o fortalecimento da comunicação pública, enfim, queremos que a comunicação seja tratada em nosso país como um direito humano.

A realização da I Confecom em 2009 foi uma grande conquista da sociedade civil e já existe um movimento para rearticular uma segunda Pró-Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Quase dois anos depois da conferência o que mudou? Por quê uma nova Confecom?
Não temos uma posição debatida na FALE RIO, no tocante a uma próxima CONFECOM.É claro que somos a favor que exista uma CONFECOM, periodicamente, e que não se leve mais de 60 anos para realizarmos a próxima… Mas, não me parece que esta seja uma prioridade, no momento. Muito mais importante é pressionar para que os Poderes Públicos executem e implementem, de fato, as mais de 600 propostas aprovadas na I CONFECOM, em dezembro de 2009.Para quê gastar tempo, energia e recursos para fazermos uma nova CONFECOM agora, se tudo o que conseguimos aprovar sequer saiu do papel?

Em sua opinião, qual a importância da universalização da banda larga e do Plano Nacional de Banda Larga para o processo de democratização da comunicação brasileira?
A Internet é uma poderosa ferramenta de democratização da comunicação hoje, pois ela transforma todo cidadão num produtor de informação e de cultura. Mas, para que isso se torne totalmente realidade, é necessário garantirmos uma Banda Larga que seja efetivamente barata, de boa qualidade e com acesso garantido para todos (universalização). Entendemos que isso só acontecerá se ela for implementada em 'regime público', o que não quer dizer que as teles privadas não possam contribuir, mas do jeito que o governo federal está desenhando o projeto parece que ele acredita nas boas intenções das teles privadas, que não parecem estar interessadas em levar a banda larga para as regiões de difícil acesso em nosso país.

Como as pessoas e representantes de entidades civis podem participar da “Semana pela Democratização da Comunicação”?
No nosso site www.falerio.org.br contém as informações principais de como cada cidadão pode participar de nossas lutas e nossas atividades, em particular as da Semana pela Democratização da Comunicação. Mas, sem dúvida, nossa principal atividade será o ato do dia 18 de outubro, no Buraco do Lume, a partir das 16H, Dia Mundial da Democratização da Comunicação.