A reportagem do Fantástico intitulada "Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez aborto no Brasil", veiculada dia 1º de agosto, foi um desserviço à sociedade brasileira. Foca-se no já sabido. O impacto causado à saúde pública pela prática de aborto em clínicas clandestinas. Cadê a novidade? Talvez novos personagens. Recepcionistas, médicos, vendedores de Citotec, policiais fardados fazendo bico etc.
Repórteres e apresentadores tentaram dar um tom de jornalismo investigativo sério à reportagem que, em resumo, é sensacionalismo puro. Caso a emissora realmente tivesse o interesse de informar, investigaria as razões para a realidade encontrada nas clínicas. Em nenhum momento, a reportagem focou nas mulheres e investigou seus motivos para abortar. Idade? Saúde? Profissão? Problemas emocionais? Condição social? Situações conjugais?
Imagine a reação de mulheres brasileiras – que são forçadas a procurar serviços clandestinos – sendo informadas sobre a experiência de mulheres em países, como a Inglaterra, por exemplo. O governo dá assistência médica e psicológica gratuita à mulher, respeitando seu direito de escolha. Nem mesmo o parceiro pode interferir.
Claro que a Globo não se deu ao trabalho de citar exemplos de países onde o aborto é legal informando os motivos para tal posicionamento e como isso repercute socialmente. A emissora esqueceu-se de dizer que o aborto é um procedimento médico 100% seguro dependendo do tempo de gestação.
"A Globo ataca novamente"
As centenas de clínicas de luxo que atendem classes média e alta foram ignoradas. Talvez porque as mulheres tratadas nelas não engrossam as estatísticas do SUS de pacientes atendidas com complicações pós-aborto. Estes casos são segredos divididos com melhores amigos ou parentes próximos.
Infelizmente, só se conhece um lado da moeda. É difícil saber a porcentagem de mulheres aos 40 anos que conseguiram completar os estudos ou seguir carreira profissional depois da oportunidade de interromper uma gravidez com assistência médica adequada. Seria interessante saber também quantas clínicas de assistência à mulher que necessita aborto poderiam ser construídas e mantidas com o dinheiro usado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para socorrer pacientes com complicações pós-aborto.
Vale a pena questionar. Por que o aborto é proibido no Brasil? Seria porque o Código Penal de 1940 criminaliza o procedimento médico e, 70 anos depois, os artigos que legislam aborto ainda não foram revisitados efetivamente? Ou, talvez, poque a proibição esteja ligada a questões religiosas?
Enquanto a emissora veicula desserviço e os projetos de leis a favor da legalização do aborto tramitam de comissão em comissão no Senado e na Câmara, a sociedade brasileira continua com opiniões infundadas sobre o assunto. A abertura de inquéritos para investigação das clínicas e a possível punição dos envolvidos não vão anular o problema. Uma imensa campanha deve ser iniciada no Brasil para informar sobre aborto e reforçar o uso de métodos contraceptivos. Não podemos ter pessoas pensando em aborto como remédio para gripe, caso o tratamento seja legalizado futuramente.
Lamentavelmente, os telespectadores da Globo daquela noite dificilmente terão acesso ao artigo da jornalista Teresinha Vicente, da Ciranda da Informação Independente, em resposta à reportagem do Fantástico. Intitulado "A Globo ataca novamente", o texto foi publicado no site da Caros Amigos e da própria Ciranda. Ele protesta contra o pobre jornalismo praticado pela emissora e enfatiza a urgência do respeito à liberdade de escolha da mulher.
* Fabiana Reis é jornalista.