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O balanço dos governos Lula

Este texto pretende fazer um breve balanço crítico da política de comunicações ao longo dos oito anos de governo Lula (2003-2010), sobretudo no que se refere ao serviço público de radiodifusão. Obedecendo aos eixos temáticos definidos pela Fundação Friedrich Ebert, trata dos principais condicionantes estruturais do pluralismo e da diversidade – estrutura legal, concentração da propriedade e fontes de financiamento –, além de descrever avanços, derrotas e recuos na política de comunicações, e de identificar tendências do contexto e das estratégias de disputa em torno da regulação do setor.

1. Estrutura do sistema de meios de comunicação

1.1 Marco Regulatório

"Trusteeship model" – A primeira característica "moderna" da mídia brasileira é que o Estado fez uma opção – ainda na década de 1930 – por um modelo de exploração da radiodifusão que privilegia a atividade privada comercial. Poderia ter sido de outra forma. Para ficar com o exemplo clássico, na mesma época, a Inglaterra fazia a opção oposta, isto é, privilegiou o próprio Estado como operador e executor da atividade de radiodifusão. Mas, no que se refere ao rádio e a televisão, adotamos o modelo que tem origem nos Estados Unidos. É mais ou menos uma curadoria: compete à União a exploração de um serviço que o delega para administração e operação de terceiros.

O rádio e a televisão são, em sua maioria, outorgas do Poder Público para a iniciativa privada. O prazo de vigência para as concessões de rádio é de 10 anos e de televisão, 15 anos. Na prática elas se transformam em propriedade privada, já que a não renovação ou o cancelamento de uma concessão são situações praticamente impossíveis do ponto de vista legal. Desde quando o rádio foi introduzido no Brasil, e foi regulado pelo Estado, optou-se por privilegiar esse modelo de curadoria. Não foi uma opção que contou com a participação popular. Ao contrário, foi uma decisão de gabinete, sem que houvesse qualquer debate ou participação pública.

"No law" – Na mídia brasileira predomina a no law, ou seja, a ausência de regulação. A principal referência legal ainda é o quase cinquentenário Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Desatualizado, foi fragmentado pela Lei Geral de Telecomunicações, de 1997 e é complementado por várias normas avulsas para serviços específicos (diferentes modalidades de televisão paga, por exemplo) que, em alguns casos, são até mesmo contraditórias. Ademais, as normas constitucionais existentes, em sua maioria, não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional e, portanto, não são cumpridas. Um exemplo emblemático são os princípios para a produção e a programação do serviço público de radiodifusão (Artigo 221), que deveriam também servir de critério para a outorga e a renovação de concessões e, no entanto, são ignorados.

A situação é de tal forma grave que, em novembro de 2010, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (FITERT) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) protocolaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 09) pedindo ao Supremo Tribunal Federal que declare "a omissão inconstitucional do Congresso Nacional" em legislar sobre a matéria.

Situação ao final do governo Lula

  • Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM) – Durante o primeiro governo Lula, duas comissões foram criadas com a finalidade de produzir um pré-projeto de LGCEM. No entanto, elas nunca chegaram a se reunir. A primeira – que era um GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) – esperou oito ou nove meses para que seus membros fossem indicados. Quando finalmente indicados e marcada uma primeira reunião, o governo decidiu que não seria mais um GTI, mas sim uma Comissão Interministerial (CI), com representantes também da Procuradoria Geral da República e outros órgãos. A primeira comissão, um GTI, deixou de existir, embora nunca tivesse se reunido. E a nova, uma CI, também nunca se reuniu.


O tema, no entanto, não morreu. Em julho de 2010, o presidente Lula assinou novo decreto criando outra CI para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão". Fazem parte da nova comissão representantes da Casa Civil, dos ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (SECOM) e da Advocacia Geral da União. Representantes de órgãos e entidades da administração federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, poderão ser convidados a participar das reuniões. O artigo 6º do decreto diz que "a Comissão Interministerial encerrará seus trabalhos com a apresentação, ao Presidente da República, de relatório final", mas não estabelece prazo para que isso ocorra [íntegra do decreto].

A pouco menos de dois meses do término do governo Lula, em novembro de 2010, um primeiro resultado público do trabalho da nova CI, liderado pela SECOM, se materializou na realização do "Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias", em Brasília. Representantes de três organismos internacionais – Comissão Européia, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e UNESCO – e de órgãos reguladores de cinco países – Portugal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Argentina – debateram, ao longo de dois dias, com empresários de mídia, jornalistas, parlamentares, acadêmicos, ONGs, movimentos sociais e funcionários públicos graduados, diferentes formas adotadas para regulação democrática do setor de comunicações. [As proferidas do Seminário estão disponíveis aqui.] Além de qualificar o debate público do tema com o conhecimento das experiências internacionais, um dos objetivos era fornecer subsídios para (finalmente) a elaboração do pré-projeto de um "marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão".

  • Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (ANCINAV) – O projeto de transformar a ANCINE (Agência Nacional de Cinema) em Ancinav – que seria o órgão regulador e fiscalizador da produção e distribuição dos conteúdos audiovisuais – não chegou sequer a ter uma versão final. Um pré-projeto não oficial vazado para a imprensa provocou uma feroz e intensa campanha de oposição, movida, sobretudo, pelos grupos tradicionais de mídia. Diante disso o governo decidiu, em janeiro de 2005, que os estudos prosseguiriam mas que, prioritariamente, deveria ser construída uma proposta de regulação mais ampla dentro da qual a transformação da ANCINE em ANCINAV pudesse ser incluída. O argumento foi de que não se poderia implantar uma agência reguladora do audiovisual sem se ter primeiro uma LGCEM.


Em janeiro de 2005 o governo anunciou que seria encaminhada ao Congresso Nacional uma nova proposta de legislação contemplando apenas os setores de fomento e de fiscalização na área da produção audiovisual. Isso atendia aos interesses de grupos que faziam oposição ao projeto de transformação da ANCINE em ANCINAV. A nova proposta de lei foi de fato elaborada e enviada ao Congresso Nacional, em junho do ano seguinte, e seis meses depois transformada na Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que criou o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) regulamentado pelo Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

  • Rádios comunitárias – O governo Lula não foi capaz de implementar políticas democratizantes em relação às rádios comunitárias, que continuam regidas por uma legislação excludente aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso (Lei nº 9.612/1998). Ainda em 2003 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) que chegou a produzir um relatório final. Mudou-se o ministro das Comunicações, criou-se agora um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que se reuniu ao longo de 2010 produzindo também extenso relatório final. Mudou-se novamente o ministro e o novo titular da pasta não aceitou o relatório final do GTI, que nunca chegou a ser encaminhado à Presidência da República.

 

A repressão às rádios comunitárias – que não conseguem se legalizar, na maioria das vezes por inoperância do próprio Ministério das Comunicações – em certos momentos chegou mesmo a aumentar, comparada ao governo anterior.

  • RTVIs – As RTVIs (Retransmissoras de TV Institucionais) foram criadas pelo Decreto nº 5.371, de 17 de fevereiro de 2005. Elas representavam uma excelente oportunidade para o poder municipal se tornar retransmissor de emissoras de TV do campo público e, também, produtor de conteúdo. O decreto abria a possibilidade de uso da TV a cabo por prefeituras em até 15% do tempo total de retransmissão.


A "brecha" foi saudada por todos os que se interessam pela democratização do mercado da comunicação e o fortalecimento da televisão pública. A TV a cabo, ainda hoje, alcança apenas cerca de 260 municípios dos mais de 5.600 existentes no país. Como as operadoras de TV a cabo são obrigadas, por lei, a transmitir canais comunitários, as atividades das Câmaras de Vereadores seriam transmitidas e haveria também a possibilidade da geração de receitas publicitárias e do início da produção de conteúdo local. Houve, no entanto, uma forte reação dos grupos privados de radiodifusão e, menos de dois meses depois da assinatura do Decreto 5.371, um novo Decreto – de nº 5.413, de 6 de abril de 2005 – foi assinado voltando atrás e extinguindo as RTVIs.

  • TV Digital – A escolha do modelo japonês para a implantação da TV Digital no Brasil, consolidada ao longo de uma profunda crise política (2005) e em ano eleitoral (2006), sinalizou um recuo importante na postura anterior do governo Lula em relação à política de digitalização da televisão.


No início do processo, o Decreto nº 4.901 de 26/11/2003, que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), contemplou a participação direta de representantes da sociedade civil organizada que já faziam parte do Comitê Consultivo do SBTVD e discutiam as alternativas de política. No entanto, a partir da nomeação do senador Hélio Costa (PMDB-MG) para ministro das Comunicações, em julho de 2005, esse comitê foi sendo esvaziado e marginalizado pelo próprio Ministério das Comunicações e os representantes da sociedade civil perdendo a voz até que, na decisão final, não tiveram qualquer interferência.

Dois anos e sete meses após a criação do SBTVD, um novo decreto altera radicalmente a política anterior. O Decreto nº 5.820 de 29/06/2006 – apesar de criar um canal "de cultura", destinado à transmissão de produção cultural e programas regionais, e um canal "de cidadania" para transmissão, dentre outros, de programas de comunidades locais – atendeu diretamente aos grupos dominantes de mídia, em especial aos radiodifusores. A eles interessava garantir a comercialização de seus conteúdos diretamente aos usuários da telefonia móvel, sem depender da intermediação das empresas de telefonia. Mas, sobretudo, interessava evitar a oportunidade histórica de ampliação do número de concessionários de televisão no país.

O Ministério Público de Minas Gerais iniciou ação civil junto à Justiça Federal pela nulidade do Decreto nº 5.820, ainda em agosto de 2006, mas não logrou sucesso na iniciativa. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por sua vez, protocolou no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2007, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o mesmo decreto que veio, finalmente, a ser julgada improcedente três anos depois, em 5 de agosto de 2010.

  • Regulamentação da TV Paga – Desde 2007 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que "abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos", além de revogar a Lei do Cabo de 1995.


Na sua complicada e controversa versão atual, o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007, do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007, do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), representa os radiodifusores; e o PL 323/2007, dos deputados Walter Pinheiro (PT-BA) e Paulo Teixeira (PT-SP), que se situa em posição intermediária entre os interesses dos dois setores.

Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, a posição de diferentes atores em relação ao projeto tem oscilado na medida mesma em que o próprio projeto sofre alterações. A operadora Sky (associação dos grupos News Corporation e Globo) e a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura (ABPTA) patrocinam uma campanha publicitária denominada "Liberdade na TV", contrária ao projeto com o mote "querem intervir na sua TV por assinatura".

1.2 Níveis de concentração da propriedade

  • Propriedade cruzada – A legislação brasileira nunca se preocupou de forma efetiva com a propriedade cruzada dos meios de comunicação. O mais próximo que se chegou dessa preocupação foi na década de 1960, durante o regime militar, quando houve uma tentativa, através do Decreto-Lei 236/1967, de se estabelecer limites para o número de concessões de radiodifusão que um mesmo grupo privado poderia controlar. Esses limites, no entanto, não foram obedecidos. O Estado, que é o órgão fiscalizador, jamais interpretou a norma legal como forma de regular a concentração da propriedade.


Não há, portanto, na legislação brasileira, sobretudo na de radiodifusão, preocupação com o fato de que o mesmo grupo empresarial, no mesmo mercado, seja concessionário de emissora de rádio e/ou de televisão, e ainda proprietário de empresas de jornais e/ou de revistas.

Os principais grupos empresariais que existiram e ainda existem na mídia brasileira são multimídia, baseados na propriedade cruzada. Isso foi verdade para os Diários Associados – o primeiro grupo dominante no país – e é, evidentemente, verdade para as Organizações Globo – o maior grupo de mídia que existe no Brasil hoje.

A propriedade cruzada, para efeito de um diagnóstico da mídia brasileira na perspectiva da economia política do setor, torna irrelevante a diferença entre mídia impressa e mídia eletrônica. Nos casos mais importantes, os grupos controladores de uma e de outra são os mesmos.

Uma das conseqüências dessa omissão reguladora é que a mídia privada comercial foi sempre oligopolizada, exatamente porque se formou com base na ausência de restrições legais à propriedade cruzada dos diferentes meios.

  • Oligarquias políticas e familiares – A mídia brasileira é controlada por uns poucos grupos familiares. Mas não só por grupos familiares. Eles são também os mesmos grupos oligárquicos da política regional e local. Aparece, então, uma questão extremamente importante: o coronelismo eletrônico, prática política através da qual forças no controle do aparelho de Estado se utilizam das outorgas de radiodifusão como moeda de barganha política. Dessa forma, o poder concedente desse serviço público, muitas vezes, se confunde com o próprio concessionário, atualizando e reproduzindo, com roupagem nova, o coronelismo político da República Velha para o tempo presente. [Para uma discussão conceitual sobre a prática política do "coronelismo" ver, neste Observatório, Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, "Rádios Comunitárias: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)".]


  • Igrejas – Tem havido um avanço importante do controle tanto da radiodifusão quanto da mídia impressa brasileiras por diferentes igrejas. O maior avanço é das igrejas evangélicas neopentecostais, embora, historicamente, a igreja católica seja a maior concessionária de emissoras de rádio no Brasil. Em alguns casos, a presença das igrejas como concessionárias é bastante evidente – como, por exemplo, na programação vespertina dos canais da TV aberta, tanto em VHF como em UHF.


  • Hegemonia de um único grupo privado – As Organizações Globo concentram as verbas publicitárias, de maneira desproporcional à audiência relativa de seus veículos: em torno de 60% do "bolo publicitário". Para a Rede Globo de Televisão, que lidera a audiência deste segmento, o percentual chega a ser ainda maior, de tal forma que se somarmos todas as outras emissoras comerciais de televisão veremos que a elas são destinados apenas entre 35% e 40% do volume total de publicidade.


  • Concentração da propriedade – Quando se trata da radiodifusão e da imprensa, o Brasil se antecipou à tendência de concentração da propriedade na mídia manifestada pelo processo de globalização. A propriedade sempre foi concentrada e, ademais, concentrada dentro de parâmetros inexistentes em outros países. A sinergia verticalizada em áreas da produção de entretenimento (telenovelas, por exemplo) é prática consagrada na TV comercial há muitos anos. Não há rigor no cumprimento dos poucos limites existentes em lei com relação ao número possível de concessões de rádio e TV para o mesmo grupo empresarial no mesmo mercado. A propriedade cruzada na radiodifusão e entre a radiodifusão e a imprensa é permitida sem restrições. Não há limites para o tamanho das audiências das redes de televisão. Esse quadro regulatório gerou um fenômeno de concentração horizontal, vertical, cruzado e "em cruz", sem paralelo. O Brasil é o paraíso da radiodifusão privada comercial oligopolizada.


Balanço do governo Lula:

Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010.

1.3 Financiamento dos meios de comunicação

Na tradição brasileira, o Estado tem sido – direta ou indiretamente – uma das principais e, em muitos casos, a principal fonte de financiamento da mídia privada comercial, seja ela impressa ou eletrônica. Basta verificar quais são os maiores (em termos de recursos publicitários) anunciantes dos jornais, das revistas semanais e dos telejornais das principais redes de televisão privada do país.

Balanço do governo Lula:

Reorientação na publicidade oficial – Uma importante descentralização na alocação dos recursos publicitários oficiais teve início em 2003. Apesar dos grupos dominantes da grande mídia continuarem a ser os destinatários prioritários das verbas, o número de municípios cobertos pulou de 182, em 2003, para 2.184, em 2009, e o número de meios de comunicação programados subiu de 499 para 7.047, no mesmo período.

2. Principais avanços, recuos e derrotas

2.1. Avanços

Além do início do mencionado processo de regionalização da alocação dos recursos de publicidade oficial, registrem-se os outros seguintes avanços:

  • Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – O ano de 2007 ficará marcado pelo nascimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC-TV Brasil), resultado da fusão da Radiobrás com a ACERP/TVE, a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo. Sua conformação final surgiu das dezenas de emendas que a Medida Provisória 398/07 recebeu no Congresso Nacional.


Apesar das críticas que podem ser feitas ao processo de sua implantação – e são muitas –, a EBC, finalmente criada pela Lei 11.652, de 7 de abril de 2008, representa um importante avanço: está "no ar" uma TV que institucionalmente se define como pública e a disputa para definir o que é uma televisão pública se desloca agora para a sua prática.

  • 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) – A realização da CONFECOM – a última conferencia nacional a ser convocada de todos os setores contemplados pelo "Título VIII – Da Ordem Social" na Constituição de 1988 – sempre encontrou enormes resistências dos grandes grupos de mídia. Seis entidades empresariais se retiraram da Comissão Organizadora: Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (ABERT); Associação Brasileira de Internet (ABRANET); Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA); Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil (ADJORI Brasil); Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Permaneceram a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), uma dissidência da ABERT fundada pelas redes Bandeirantes e Rede TV!, em maio de 2005; e a Associação Brasileira de Telecomunicações (TELEBRASIL), criada em 1974, com a missão de "congregar os setores oficial e privado das telecomunicações brasileiras visando à defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento".


Afinal realizada em Brasília, de 14 a 17 de dezembro de 2009, a 1ª CONFECOM teve a participação de mais de 1.600 delegados, democraticamente escolhidos em conferências estaduais nas 27 unidades da Federação, representando movimentos sociais, parte dos empresários de comunicação e telecomunicações e o governo. Dela saíram mais de 600 propostas que deverão servir de referência para apoio e/ou apresentação de projetos de regulação do setor de comunicações no Congresso Nacional. Acima de tudo, e independente do boicote e da satanização quase unânime por parte da grande mídia, a 1ª CONFECOM ampliou de forma inédita a mobilização da sociedade civil e o espaço público de debate sobre as comunicações no país.

  • Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – Em maio de 2010 foi instituído o Programa Nacional de Banda Larga pelo decreto n. 7.175/2010 com o objetivo de "fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação, de modo a: massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga; acelerar o desenvolvimento econômico e social; promover a inclusão digital; reduzir as desigualdades social e regional; promover a geração de emprego e renda; ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação; e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras." A Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) foi reativada e será a gestora do plano, estando prevista a atuação de empresas privadas de forma complementar para fazer os serviços chegarem ao usuário final.


O PNBL ainda é uma promessa e o presidente da Telebrás tem acusado as empresas privadas de telefonia de o boicotarem. Na verdade, cinco grupos são responsáveis por 95% da oferta atual de banda larga no Brasil – Oi, Telefônica, Embratel/Net, GVT e CTBC – enquanto 2.125 pequenos provedores respondem pelos restantes 5% do mercado. Há pouca ou nenhuma competição e os grupos dominantes são contra a inclusão de metas de expansão da infraestrutura de banda larga nos contratos de concessão das empresas de telefonia que estão em fase de revisão na ANATEL, a agência reguladora do setor.

2.2 Recuos e derrotas

Além dos registros já feitos em relação à não elaboração até mesmo de um projeto de Lei Geral para regulação da comunicação eletrônica; do recuo em relação à transformação da ANCINE em ANCINAV; da inoperância em relação à legislação das rádios comunitárias; do recuo em relação ao decreto das RTVIs e à escolha do modelo tecnológico para implantação da TV digital, também merecem menção:

  • Cadastro geral dos concessionários de radiodifusão – O primeiro ministro das Comunicações do governo Lula, deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao assumir a pasta, em janeiro de 2003, prometeu que tornaria público o cadastro com os nomes de todos os concessionários das emissoras de rádio e de televisão no país. De fato, cumpriu a promessa em novembro de 2003: o cadastro, embora incompleto e falho, passou a estar disponível no site do MiniCom.


Foi a primeira vez que o público tomou conhecimento dessa informação básica. Os Decretos Legislativos confirmando as outorgas são publicados no Diário Oficial da União (DOU), mas trazem apenas os nomes das empresas. Não especificam os nomes de seus sócios.

No início de 2007, o cadastro "desapareceu" do site do MiniCom. Desde então, o interessado em informações oficiais só pode recorrer àquelas disponíveis no site da ANATEL. Lá não existe um cadastro geral com a relação de concessionários, mas sim dois bancos de dados: o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (SIACCO) e o Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM).

No SIACCO pode-se pesquisar o "perfil das empresas" por razão social ou CNPJ e, a partir daí, chega-se ao quadro societário e/ou à diretoria das entidades – em geral, incompletos. Já no SISCOM a busca pode ser feita por localidade e por serviço. Vale dizer: aquele que quiser compor um cadastro completo deverá pesquisar município por município.

Do cadastro geral disponibilizado ao público em novembro de 2003 regredimos para uma informação fragmentada que, na prática, impede a construção de um quadro geral das concessões e de seus concessionários.

  • Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) – O governo encaminhou projeto de criação do CFJ ao Congresso Nacional em 4 de agosto de 2004. Segundo a FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas), o principal objetivo era "promover uma cultura de respeito ao Código de Ética dos Jornalistas". Diante da intensa e violenta oposição da grande mídia, no entanto, a própria FENAJ, preparou e distribuiu, em Brasília, um substitutivo ao projeto original, no dia 13 de novembro, agora de criação de um Conselho Federal de Jornalistas como "órgão de habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização ética e disciplina do exercício profissional de jornalista". Apesar disso, através de votação simbólica, por acordo de lideranças, a Câmara dos Deputados decidiu desconsiderar o substitutivo e rejeitar o primeiro projeto, em 15 de dezembro de 2004.


  • III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) – Houve importante recuo do governo Lula em relação às diretrizes originais para a comunicação constantes do PNDH3 (Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009). Menos de cinco meses depois, novo decreto (Decreto nº. 7.177 de 12 de maio de 2010) alterou o anterior e, no que se refere especificamente ao direito à comunicação: (a) manteve a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe "a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados"; (b) exclui as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas; e (c) exclui também a letra d, que propunha a elaboração de "critérios de acompanhamento editorial" para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.


  • Conselho de Comunicação Social – Na Constituinte de 1987-88, a proposta original de criação de um "órgão regulador independente e autônomo" foi transformada em "órgão auxiliar" que deveria apenas ser ouvido quando o Congresso Nacional julgasse necessário (Artigo 224). Essa alteração deu origem ao Conselho de Comunicação Social (CCS). Apesar de criado, todavia, o CCS sempre enfrentou forte resistência de boa parte dos parlamentares.


A lei que regulamentou a criação do CCS (Lei 8339/1991) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, mas ele só logrou ser instalado em 2002, como parte de um polêmico acordo para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para os empresários da grande mídia. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), aprovada em maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital total.

Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS, quando instalado, demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc. Vencidos os mandatos de seus primeiros membros, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião. Os membros para um terceiro mandato não foram indicados e o CCS não mais se reuniu.

3. Contexto e estratégias

A maioria das propostas de políticas públicas que a sociedade civil organizada considera avanços no processo de democratização das comunicações não foi implementada no período 2003-2010. Ao contrário, muitas das iniciativas neste sentido, como vimos, foram sendo, uma a uma, abandonadas ou substituídas por outras que negavam as intenções originais. Existem, no entanto, exceções importantes.

Em diferentes ocasiões, ficaram também evidentes as contradições e conflitos de orientação política entre setores internos ao próprio governo, em especial o Ministério das Comunicações, o Ministério da Cultura e a SECOM-PR. Registre-se, por exemplo, a ausência, na prática, do Ministério das Comunicações tanto do esforço de elaboração de um projeto de LGCEM (liderado pela SECOM), quanto da instituição e implementação do PNBL (liderado pelo Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, vinculado diretamente ao Gabinete Pessoal do Presidente da República).

Da mesma forma, ficou mais de uma vez evidente a impotência do Estado diante dos grandes grupos de mídia, assim como ficou claro o enorme poder histórico desses grupos, ainda capazes de interferência direta na própria governabilidade do país.

Considere-se ainda que algumas questões relevantes não puderam ser tratadas aqui. Dois exemplos: (1) houve ou não continuidade na prática do coronelismo eletrônico, isto é, no uso das autorizações, concessões e renovações de radiodifusão como moeda de barganha política? (2) de que forma decisões do Judiciário afetaram direta ou indiretamente a democratização das comunicações [não exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista; inconstitucionalidade total da Lei de Imprensa de 1967 e o direito de resposta]?

O período 2003-2010 foi também marcado (1) pelo formidável avanço da internet e (2) pelo recrudescimento da posição radical dos grupos privados de mídia em relação a qualquer proposta de regulação das comunicações, oriunda ou não do governo.

3.1 Avanço da internet

Dados do Ibope revelam que "das cerca de 60 milhões de pessoas que acessaram a internet em 2008, 67% fazem parte das classes C, D e E. Cerca de 80% dessas pessoas têm renda familiar mensal de até cinco salários mínimos". Dessa forma, "de ferramenta quase exclusiva da elite nos anos 1990, a internet encerra a primeira década do século 21 tendo como usuário um indivíduo cada vez mais parecido com o brasileiro médio".

Por outro lado, o PNBL – já mencionado – se devidamente implementado em articulação com políticas específicas de inclusão digital, renova esperanças de avanço ainda maior no processo de universalização da internet nos próximos anos.

3.2 Intolerância

Alguns exemplos da radicalização crescente por parte dos atores dominantes no campo das comunicações:

  • Partidarização – A presidente da Associação Nacional de Jornais admitiu publicamente a partidarização da mídia ao afirmar, em março de 2010:


"A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo." (Cf. "Ações contra tentativa de cercear a imprensa", O Globo, 19/3/2010, p. 10)

Essa partidarização tem sido evidenciada rotineiramente na cobertura política realizada pela grande mídia, em particular ao tempo das campanhas eleitorais [cf. Venício A. de Lima (org.); A Mídia nas Eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007].

É oportuno registrar que a partidarização da mídia tem como corolário não só o enfraquecimento dos partidos, como sua própria despolitização, na medida em que são afastados da política cotidiana e confinados às formalidades e à burocracia de seu funcionamento legal e dos procedimentos eleitorais.

  • "Democratização da comunicação" – A radicalização chegou a tal ponto que até a expressão "democratização da comunicação" passou a ser satanizada pela grande mídia. Propostas para a "democratização da comunicação", muitas vezes simples referências a normas e princípios consagrados na Constituição de 1988, passam a ser imediatamente rotuladas de autoritárias ou de ameaças à liberdade da imprensa. Praticamente não há diálogo ou negociação entre os atores dominantes e a sociedade civil. A retirada das associações que representam os principais grupos de mídia da Comissão Organizadora da 1ª CONFECOM talvez seja o caso mais emblemático desse tipo de intolerância.


Em 19 de outubro de 2010, a aprovação pela Assembléia Legislativa do Ceará do "Projeto de Indicação nº 72.10", que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS), detonou um novo ciclo de generalizada reação da grande mídia e da própria OAB nacional. Na ocasião, o advogado e editor do suplemento "Direito & Justiça" do Correio Braziliense, referindo-se às propostas aprovadas pela 1ª. CONFECOM, chegou a afirmar que "Goebbels, encarregado por Hitler da difusão da propaganda nazista e de eliminar adversários do regime, não teria feito melhor" (cf. Josemar Dantas, "Democracia em Risco", suplemento "Direito&Justiça", Correio Braziliense, 8/11/2010, p. 2).

Considerando a radicalização e a intolerância que têm marcado a relação entre os principais atores do campo nos últimos anos, o futuro próximo certamente reserva imensos desafios para a democratização das comunicações no Brasil.

*Texto comissionado pela Fundação Friedrich Ebert (FES) e apresentado no seminário "Partidos Políticos Progresistas y Medios de Comunicación en el Cone Sur", realizado em Santiago (Chile), de 6 a 7 de dezembro de 2010; título original "Política de comunicações no governo Lula (2003-2010)"

A verdade ganhará sempre

Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor de The News de Adelaide, escreveu: “na corrida entre segredo e verdade, parece inevitável que a verdade ganhe sempre”.

A sua observação talvez reflectisse a revelação do seu pai, Keith Murdoch, de que as tropas australianas estavam a ser sacrificadas desnecessariamente nas costas de Gallipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo, mas Keith Murdoch não se deixou silenciar e os seus esforços levaram ao fim da campanha desastrosa de Gallipoli.

Quase um século depois, a WikiLeaks está também a publicar destemidamente fatos que precisam de ser publicados.

Cresci numa cidade rural de Queensland, onde as pessoas diziam o que lhes ia na alma de forma franca. Desconfiavam dum governo grande, como algo que pode ser corrompido se não for vigiado cuidadosamente. Os dias negros da corrupção no governo de Queensland, antes do inquérito Fitzgerald, são testemunho do que acontece quando os políticos amordaçam os meios de comunicação para não informarem a verdade.

Essas coisas calaram-me fundo. A WikiLeaks foi criada em torno desses valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era usar tecnologias Internet em novas formas de informar a verdade.

A WikiLeaks cunhou um novo tipo do jornalismo: o jornalismo científico. Trabalhamos com outros serviços informativos para trazer as notícias às pessoas, mas também para provar que é verdade. O jornalismo científico permite-nos ler uma história nas notícias, a seguir clicar online para ver o documento original em que é baseada. Dessa forma podemos ajuizar por nós mesmos: a história é verdadeira? O jornalista informou-nos com precisão?

As sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e a WikiLeaks é uma parte desses meios. Os meios de comunicação ajudam a que o governo se mantenha honesto. A WikiLeaks revelou algumas verdades difíceis sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão e sobre histórias incompletas da corrupção corporativa.

Houve quem dissesse que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Às vezes as nações têm de ir à guerra, e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo sobre essas guerras e depois pedir a esses mesmos cidadãos e cidadãs que arrisquem as suas vidas e os seus impostos com essas mentiras. Se uma guerra for justificada, então digam a verdade e as pessoas decidirão se a apoiam.

Se você tiver lido alguns dos diários de guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos Estados Unidos ou alguma das histórias sobre as coisas que a WikiLeaks reportou, pondere como é importante para todos os meios de comunicação serem capazes de informar estas coisas livremente.

A WikiLeaks não é o único editor dos telegramas da embaixada dos Estados Unidos. Outros serviços informativos, incluindo o britânico The Guardian, o The New York Times, o El Pais em Espanha e a Der Spiegel da Alemanha publicaram os mesmos telegramas editados.

Mas é a WikiLeaks, como coordenador desses outros grupos, que apanhou com os ataques e acusações mais maldosos do governo dos Estados Unidos e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora seja australiano, não um cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para que eu fosse “retirado” por forças especiais dos Estados Unidos. Sarah Palin diz que devo ser “acossado como Osama bin Laden”, um projecto de lei republicano apresenta-se ao Senado dos Estados Unidos tentando que me declarem “uma ameaça transnacional” e se desembaracem de mim consequentemente. Um conselheiro do gabinete do Primeiro-Ministro canadiano apelou à televisão nacional para que eu fosse assassinado. Um blogger americano pediu que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse raptado e mal-tratado por mais nenhuma razão senão para apanharem-me.

E os australianos devem observar sem qualquer orgulho a alcoviteirice ignominiosa desses sentimentos pela Primeira-Ministra Gillard e pela Secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton, que não tiveram uma palavra de crítica para com os outros meios de comunicação. Isto acontece porque o The Guardian, o The New York Times e a Der Spiegel são antigos e grandes, enquanto a WikiLeaks é ainda jovem e pequena.

Somos os da mó de baixo. O governo de Gillard está a tentar matar o mensageiro porque não quer a verdade revelada, incluindo a informação dos seu próprios feitos diplomáticos e políticos.

Houve alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outro pessoal da WikiLeaks? Poder-se-ia ter pensado que um primeiro-ministro australiano iria defendendo os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas reclamações não inteiramente genuínas de ilegalidade. Da Primeira-Ministra, e especialmente do Procurador-Geral, espera-se que tratem os seus deveres com dignidade e acima das querelas. Fiquem descansados, esses dois vão tratar de salvar a sua própria pele. Não o farão.

Sempre que a WikiLeaks publica a verdade sobre abusos cometidos por agências dos Estados Unidos, os políticos australianos entoam um coro provavelmente falso com o Departamento de Estado: “Vai arriscar vidas! Segurança nacional! Vai pôr as tropas em perigo!” Depois dizem que não há nada importante no que a WikiLeaks publica. Não podem ser verdade ambas as coisas. Qual delas é?

Não é nenhuma. A WikiLeaks tem uma história de publicação com quatro anos. Durante esse tempo mudámos governos inteiros, mas nem uma pessoa, que se saiba, foi mal-tratada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares só nestes últimos meses.

O Secretário da Defesa dos Estados Unidos Robert Gates admitiu numa carta ao Congresso dos EUA que nenhuma fonte de informação ou métodos sensíveis tinham ficado comprometidos pela revelação dos diários de guerra afegãos. O Pentágono afirmou que não houve nenhuma prova de que os relatórios da WikiLeaks tinham levado alguém a ser mal-tratado no Afeganistão. A NATO em Cabul disse à CNN que não pôde encontrar nem uma pessoa que precisasse de protecção. O Departamento Australiano de Defesa disse o mesmo. Nenhuma tropa australiana ou fontes foram prejudicadas por nada que tivéssemos publicado.

Mas as nossas publicações estão longe de não ser importantes. Os telegramas diplomáticos dos Estados Unidos revelam alguns factos alarmantes:

– Os EUA pediram aos seus diplomatas que roubassem material humano pessoal e informação a funcionários da ONU e a grupos de direitos humanos, incluindo ADN, impressões digitais, exames de íris, números de cartão de crédito, senhas de Internet e fotos de identificação numa violação de tratados internacionais. Os diplomatas australianos da ONU presumivelmente podem ser visados também.

– O rei Abdullah da Arábia Saudita pediu que os representantes dos Estados Unidos na Jordânia e no Bahrain exigissem que o programa nuclear do Irão fosse detido por qualquer meio disponível.

– O inquérito britânico sobre o Iraque foi ajustado para proteger os “interesses dos Estados Unidos”.

– A Suécia é um membro encoberto da NATO e a partilha de informação de espionagem é escondida do parlamento.

– Os EUA estão a jogar duro para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baía Guantánamo. Barack Obama aceitou encontrar-se com o Presidente Esloveno apenas se a Eslovénia recebesse um preso. Ao nosso vizinho do Pacífico Kiribati foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.

Na sentença que se tornou um marco sobre o caso dos Documentos do Pentágono, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos disse que “só uma imprensa livre e sem restrições pode expor eficazmente as fraudes do governo”. A tempestade que gira hoje em volta da WikiLeaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os meios de comunicação a revelar a verdade.

 

 

* Julian Assange é redator-chefe da WikiLeaks.

Conselho Estadual de Comunicação

Há cerca de dois meses, sugeri à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social. Esta proposta está no Projeto de Resolução 07/2010, que tem por intenção intermediar todas as discussões entre os veículos de comunicação, a sociedade civil e o Poder Público. A elaboração deste Projeto de Resolução está fundamentada nas discussões que pautaram os trabalhos da 1ª CONFECOM (Conferência Nacional de Comunicação), realizada no fim do ano passado em Brasília/DF.

 

O Projeto de Resolução tem por finalidade regular matérias da administração interna da Assembleia Legislativa, que devem resultar em melhorias ao processo de elaboração de Leis. Por isso, espero que a população e os demais setores envolvidos possam enviar sugestões, que, em minha opinião, serão fundamentais para a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social. Afinal, a criação deste conselho deve resultar em Projetos de Lei que, acima de tudo, defendam a liberdade de expressão e a garantia ao acesso à informação de qualidade.

 

Pelo Projeto de Resolução, o Conselho Estadual de Comunicação Social será formado por profissionais da área (jornalistas, publicitários, radialistas, artistas etc.) e por representantes do setor privado (que estarão representando emissoras de rádio e tevê, jornais, revistas, produtoras de áudio e vídeo etc.). Caso seja aprovado pela CCJ e pela Comissão de Transportes e Comunicações, o conselho não terá poder deliberativo. Na prática, isso significa que todas as suas decisões não passarão a vigorar imediatamente.

 

É importante destacar que este Projeto de Resolução 07/10 inclui o conselho como órgão vinculado ao Poder Legislativo e não ao Poder Executivo, como recentemente aprovado no Estado do Ceará. Desta forma, o conselho não irá sofrer a ingerência do Poder Executivo, figurando como fórum permanente de discussão entre os meios de comunicação social e a sociedade civil. Diferente ao divulgado por grandes emissoras de tevê, nossa intenção não é fiscalizar a atuação da imprensa, mas, reafirmo, garantir a liberdade de imprensa e de expressão.

 

No inciso XVIII do Projeto de Resolução, por exemplo, há a garantia da liberdade de publicação de veículo impresso, independente de licença de autoridade. Além disso, contrariando Projeto de Resolução 09/2010 – apresentado pelo Partido dos Trabalhadores –, que fixa cinco vagas do Conselho Estadual de Comunicação aos representantes de entidades sindicais, propus que cada setor escolha livremente e sem nenhuma pressão política seus representantes, o que deve ocorrer por meio de eleição entre os órgãos legais que o representam em nível estadual.

 

Para mim, esse processo é democrático e – insisto – não surge para fiscalizar os órgãos de imprensa ou simplesmente indicar os membros que poderão compor o Conselho Estadual de Comunicação. Por fim, destaco que a ideia original do Projeto de Resolução está fundamentada no modelo em vigor no país. Em nível federal, o Conselho de Comunicação está vinculado ao Congresso Nacional, que trata sobre os temas pertinentes à comunicação social. Hoje, o assunto está em pauta e aguardando parecer das comissões de Constituição e Justiça e Finanças e Orçamento.

 

*Edmir Chedid é advogado, deputado estadual paulista pelo Partido dos Democratas e presidente da Comissão de Transportes e Comunicações da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

 

 

A politização das tecnologias

Tecnologias são o resultado do nosso impulso humano de transformar o ambiente em que vivemos, tornando-o assim mais “adequado” às nossas necessidades. Por isso, cada nova tecnologia criada é reflexo de uma época, de um contexto, de uma forma de pensar. E o que fazemos com elas estabelece seus significados.

 

Numa sociedade como a nossa, em que criar novas tecnologias tornou-se sinal de prosperidade, aumenta a importância de se debater as implicações que essa acelerada evolução tecnológica tem nas nossas vida. E o lugar que reservamos para discutir os temas que são de interesse comum é a política, que parece ainda não ter despertado integralmente para a importância do assunto.

 

O Ministério da Cultura está organizando dois eventos que irão se debruçar sobre o tema política e tecnologia, mas com ênfases distintas.

 

Um deles, a se realizar entre os dias 11 e 13, é o Seminário Geopolítica da Cultura e da Tecnologia, iniciativa do sociólogo Laymert Garcia dos Santos, da Unicamp, autor de um livro chamado Politizar as Novas Tecnologias, e do ex-ministro Gilberto Gil.

 

Esse encontro irá reunir pensadores do mundo inteiro, em especial dos chamados BRICS (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para pensar a relação entre a tecnologia, a cultura e a geopolítica global. Os organizadores desse diálogo global acreditam que o avanço tecnológico apresenta novos riscos e possibilidades que só podem ser compreendidos a partir das complexas relações internacionais entre estados e sociedades.

 

O outro evento é a 2ª edição do Fórum da Cultura Digital Brasileira, que ocorre entre os dias 14 e 17 de novembro. Processo criado em julho de 2009 pelo Ministério da Cultura em parceria com a sociedade civil organizada e apoio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), o Fórum se constituiu como uma rede permanente de desenvolvimento de políticas públicas de cultura, interconectando diferentes redes de ativismo e formulação cultural.

 

 

Tenho orgulho de ser um dos criadores dessa experiência que organiza os debates políticos sobre cultura e tecnologia na rede social CulturaDigital.br (www.culturadigital.br), que este ano recebeu menção honrosa no mais importante prêmio de arte e tecnologia europeu, o Ars Electronica, que é entregue em Linz, na Áustria.

 

O encontro presencial do Fórum será composto por um volume enorme de atividades, como mostras artísticas, apresentação de experiências e pesquisas, debates acalorados sobre os principais temas do momento, além de um seminário internacional.

 

Entre um evento e outro, será realizado o show Futurível, com Gilberto Gil, DJ Tudo e Macaco Bong, comemorando a expressividade global da Cultura Digital brasileira. O show será realizado no Auditório Ibirapuera. Futurível encerra o seminário Geopolítica da Cultura e da Tecnologia e abre o Fórum da Cultura Digital Brasileira.

 

As duas atividades desta verdadeira semana da cultura digital irão ocorrer na Cinemateca Brasileira, que, além de ser um dos mais belos edifícios de São Paulo, vem se revelando na gestão de Carlos Magalhães um polo de reflexão e promoção de discussões envolvendo a arte e a tecnologia.

 

*Rodrigo Savazoni é Webproducer e realizador multimídia. Diretor do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital e um dos criadores da Casa da Cultura Digital. Co-organizou os livros “Vozes da Democracia” (Imprensa Oficial, 2007) e “Cultura Digital.BR” (Azougue, 2009). Também foi professor do curso de pós-gradução de jornalismo on-line da PUC-SP. Em 2008, foi editor especial do estadao.com.br, responsável pelo desenvolvimento do projeto Vereador Digital, entre outros. Entre 2004 e 2007 conduziu a reformulação da Agência Brasil como chefe de redação

Conselhos fortalecem a democracia

A aprovação do Conselho Estadual de Comunicação pela Assembleia Legislativa do Ceará foi a senha para uma nova ofensiva da mídia comercial contra a regulamentação do setor e iniciativas análogas em debate em outros Estados.

 

O argumento é o de que os conselhos seriam órgãos de censura da mídia pelo governo.

 

A afirmação confunde e esconde o objetivo real dessas estruturas, que já existem em áreas vitais para o desenvolvimento, como saúde e educação, garantindo a participação da população na elaboração das políticas públicas para tais setores e a fiscalização da prestação do serviço público de acordo com a legislação.

 

Ao contrário do que bradam os grupos de comunicação, e até mesmo a OAB, os conselhos visam a ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição; portanto, nada têm de inconstitucionais. Não se trata de censurar conteúdos, muito menos de definir a atuação da imprensa.

 

Ao criá-los, os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV.

 

Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente.

 

Em parceria com o Poder Executivo federal, podem ainda, por exemplo, fazer audiências para ouvir a população no momento de renovação de uma outorga de TV. Ou encaminhar ao Ministério Público denúncias de discriminação, que se multiplicam em programas policialescos exibidos à luz do dia.

 

Assim, os conselhos nada mais são do que espaços para a sociedade brasileira, representada em sua diversidade, participar da construção de políticas públicas de comunicação, acompanhar a prestação desse serviço e cobrar das devidas instâncias a responsabilização por violações das regras do setor.

 

Tratar a legítima reivindicação da população de se fazer ouvir nesses processos como ameaça à liberdade de imprensa é movimento daqueles que, pouco afeitos à sua responsabilidade social, querem manter privilégios em um campo marcado pela concentração de propriedade, homogeneização cultural e desrespeito à legislação.

 

O que a sociedade reivindica é justamente o exercício direto da liberdade de expressão por todos os segmentos, e não apenas pelos poucos que detêm o controle dos meios e impõem suas ideias à opinião pública como se fossem porta-vozes de uma diversidade que ignoram e omitem. Essa é a real censura à liberdade de expressão no país.

 

Ao questionar esse modelo, a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu milhares de representantes de organizações sociais, governos (não apenas o federal) e empresários que compreenderam a importância do debate democrático com a população, aprovou, em votação quase unânime, a criação de um conselho nacional e de conselhos estaduais.

 

Infelizmente, a cobertura sobre o tema tem distorcido as propostas e censurado visões favoráveis aos conselhos, o que comprova que setores dos meios de comunicação interditam o debate quando ele toca em seus interesses comerciais.

 

É sintomático que aqueles que se arvoram no papel de informar censurem o contraditório e defendam um ambiente desprovido de obrigações legais e mecanismos de fiscalização. A regulação da comunicação está consolidada em todas as democracias como baliza de Estados efetivamente plurais.

 

Se nesses países, com sistemas de comunicação mais desenvolvidos, iniciativas como essa não são consideradas ameaças à liberdade de expressão, por que aqui deveriam ser?

 

*Bia Barbosa, 33, Jonas Valente, 29, Pedro Caribé, 27, e João Brant, 31, são integrantes do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.