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A Lei Rouanet estimula o fracasso, o roubo e a estupidez

Passados quase vinte anos nos quais assistimos o discurso de mais e mais recursos para a cultura via Lei Rouanet, presenciamos um festival de fracassos e chegamos à conclusão de que, na prática, essa lei não atende à cultura brasileira, mas sim à falsificação exótica até mesmo para o capitalismo cultural.

Sabemos todos que, para que continuem captando dinheiro público com fartura e irresponsabilidade, eles caem no apelo barato de buscar frases carregadas de clichês sempre adornados por acusações obscurantistas de nazismo, fascismo, stalinismo, na tentativa de provocar sensações fortes.

O fato é que, por falta de argumentos para justificar tanta lambança e roubos, a cultura brasileira viveu nas mãos do empreendedorismo de captação viciado e dependente da Lei Rouanet.

O debate sobre cultura no Brasil anda pela hora da morte, chegando perto do inferno com cacoetes detestáveis. A isso alguns ainda chamam de eficiência. Ora, há um retrocesso na essência do pensamento provocado pelo assunto de financiamento eterno, como se a cultura tivesse que, por excelência, viver desse “bicho” nacional que é a Lei Rouanet. Isso só funciona, para alguns que fazem da captação de recursos carreira e indústria de compadrio, o que não tem qualquer valor para a cultura brasileira, ao contrário, joga a cultura que tem uma função social fundamental para o país, numa condição dramaticamente inferiorizada.

Os captadores que ficam nessa gritaria, parecem mais sacerdotes ambulantes a caça de dinheiro. Eles pensam enganar a quem? Seus processos discursivos não escondem a ganância. Uma usina universal de fumaça não consegue mais esconder a barbaridade que criou um ciclo antieconômico na cultura brasileira. Eles ainda têm a petulância de, não satisfeitos em falar em “mercado cultural” em seus sermões, propõem, com a maior cara de pau uma polifonia industrial da cultura como a grande “sagração da primavera”. Piada, não?

Ora, isso é ridículo! Além de não ter nenhuma grandeza social e nem valor ético, coincide com uma sorumbática forma de promover cultura no Brasil. Tudo soa falso nessa escala exótica que não esconde sua sede de dinheiro público farto e contínuo. Eles são deficientes em qualquer forma de pensamento cultural, e ainda dizem ter força para organizar a cultura nacional! Tudo isso não passa de um rebuliço mentiroso e repugnante.

O que mais assusta não é simplesmente querer demonizar um Ministro como  sistematicamente acontece aqui nesta tribuna, como foi com Juca Ferreira, o pior é passar a idéia de que todos nós da cultura somos abestalhados e fomos hipnotizados pela tortura psicológica de um nazo-ministro. Ora, quanto tempo será necessário para sairmos dessa baixaria? Quando a crítica é feita nessas proporções, não tem nenhum valor, ao contrário, mostra que a transmissão virulenta tenta esconder um volume traiçoeiro de fracassos para manter essa similistronca chamada Lei Rouanet. Eles querem estabelecer, na base do grito, uma idéia normativa de adotar esta lei como valor imperativo, eficaz para qualquer circunstância da cultura brasileira. Ora, não precisa ser gênio para saber que esse discurso não defende a cultura, o que existe é uma luta para manter um significativo privilégio de arrecadar milhões e milhões de recursos públicos sem ter que explicar nada à sociedade. Isso é uma deformação ritualizada por um discurso vazio, uma pregação que utiliza a magia do medo para sentenciar o Estado e que interessa somente a quem fez da captação de recursos uma prática profissional de submundo. Isso tem que ser repudiado, porque esse indecoroso discurso captador defende a comodidade, a covardia e a pretensão. Isso é uma falsificação evolutiva que reflete as características de um comercio de leis de incentivo, jamais de arte.

A cultura brasileira não é para a sociedade o cocô do cavalo do bandido, ao contrário, a sociedade brasileira sabe o que tem valor em nossas manifestações. O que se vê é que cada vez mais sociedade cria couraças críticas contra quem utiliza critérios sofismáticos para manter a mão no bolso do cidadão comum.

A sociedade é crítica o suficiente para perceber o que é um critério legítimo para se valorizar a cultura brasileira e o que é socialmente primitivo, bruto e, na grande maioria das vezes, tosco, como um processo de um roubo mecanizado com ares de fomento científico que deixou a imensa maioria de artistas brasileiros em estado de anorexia.

Enfim, vamos tentar facilitar o debate e transpor o pensamento e o sentimento contido na alma da cultura brasileira para o que é recomendável dentro de uma arena livre, mas, sobretudo responsável na linha do debate. Ninguém suporta mais esse esquema formal e obrigatório de falar mal do Ministro da Cultura para continuar executando, através da Lei Rouanet, um enorme desperdício de vultosas verbas públicas que passam pelas mãos orquestradas daqueles que têm na cabeça o cocô do cavalo do bandido como solução para a cultura brasileira, mas que também têm uma forma própria e brilhante de se fazerem líderes de uma patota que centrifuga, através da sórdida política corporativa, os recursos extraídos do suor da população brasileira.

 

 

O País, o PNBL, a Telebrás e a economia cognitiva.

Nas felizes visitas que se faz a uma biblioteca há sempre a possibilidade de encontrar algo que nos ilumine e revele a amplitude das transformações políticas, econômicas e sociais a que o ser humano vem passando. Na última visita, deparei-me com um livro lançado no Brasil, em 1993, pela editora Record, 3ª edição, de autoria de Alvin Toffler, Powershift: as mudanças do poder – Um perfil da sociedade do século 21 pela análise das transformações na natureza do poder. Toffler é, também, autor de A Terceira Onda e O choque do futuro. O Poder, sob a ótica de Toffler, deve ser considerado como uma combinação de elementos que transformam uma sociedade (coesão), submissão às regras, dinheiro (a força do capital) e conhecimento (informação como ativo e valor). Na linha de entendimento do autor, se avaliarmos o conceito moderno de desenvolvimento humano em ondas, considerando que o capital era sinônimo de riqueza e que isto posto a trabalhar gerava produção, iremos observar que estes valores provocaram profundas transformações no modelo de sociedade em que vivemos.

Na primeira onda, a moeda (capital) da agricultura era o metal ou qualquer outra mercadoria, o que gerava um conhecimento quase que zero, tudo era tangível e durável, mensurado pelo vale quanto pesa, pré alfabético, as palavras não eram gravadas. Na segunda onda, o papel impresso, com ou sem lastro de produto de base, era o valor. O que estava impresso tinha importância. A moeda ainda é elemento tangível, a alfabetização agora é em massa. Já na terceira onda, a moeda são os pulsos eletrônicos, trafegam instantaneamente e são monitorados na tela de vídeo, piscam, cintilam, o valor virtual percorre o mundo. A informação é a moeda – base do conhecimento. Segundo Toffler, estamos na transição do trabalho braçal para o trabalho mental (cognitivo) ou trabalho que exige capacidade psicológica e humana. No entendimento de Alvin Toffler, tínhamos o proletariado (trabalhador focado em produção massa), agora vemos nascer o cognitariado (trabalhador  focado em processamento de informações), leia-se aqui um trabalhador que usa elementos integrativos que o acesso às tecnologias de informação possibilitam.

Nessa breve contextualização verifica-se o quanto a humanidade tem sofrido transformações nas suas relações de interesses. Uma intensa batalha se intensifica, pois os negócios, ou seja, os interesses econômicos dependem da obtenção e envio de informações. A infraestrutura para levar e trazer os resultados destas novas configurações das relações econômicas, sociais e políticas, tão estratégicas para defesa e sustentabilidade do conceito de nação, são as estradas eletrônicas que um país precisa ter para manter a sobrevivência do modelo de Estado que dispõe. Acelerar a construção desse novo conceito de estrada, segundo Toffler, tem similarmente a mesma urgência que construir rodovias e ferrovias no século XIX, quando se considerava que o destino de uma nação estava ligado às extensões dos seus sistemas rodoviários e ferroviários.

Diante deste entendimento há que se observar a magnitude e a importância do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), instituído pelo Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010. Gerido pela Telebrás, visa criar oportunidades, acelerar o desenvolvimento econômico e social, promover a inclusão digital, reduzir as desigualdades sociais e regionais, gerar emprego e renda, ampliar os serviços de governo eletrônico, facilitar aos cidadãos o acesso aos serviços do Estado, promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras. Sendo assim, quando o Estado traz para si a coordenação de um plano desta importância, eleva à categoria máxima a gestão da rede “neural” do desenvolvimento da nação brasileira. Toffler assegura que todos nós somos capazes de ver e tocar um telefone ou um computador. Contudo, não percebemos as redes que os ligam com o mundo; estamos diante de um grande sistema nervoso da sociedade moderna.

Para Rogério Santanna, Presidente da Telebrás, o Estado brasileiro irá fazer a diferença usando a infra-instrutora de rede de telecomunicações que dispõe, a fim de democratizar o acesso à Internet no Brasil e contribuir para incluir milhares de cidadãos brasileiros na sociedade da informação. Santana acrescenta que temos hoje um monopólio na área de telecomunicações que não tem nenhum interesse social no país e é responsável pela atual situação. Declara que, se não houver concorrência, os preços do acesso às ferramentas tecnológicas de comunicações eletrônicas não se tornarão baixos. Assegura ainda, o Presidente da Telebrás, que essa ação deve ser iniciada pela implementação de uma infraestrutura de fibras ópticas do governo brasileiro, capaz de atender às demandas urgentes relacionadas à qualificação da gestão pública e à transparência dos atos governamentais. A iniciativa permitirá, também, ampliar e qualificar o governo eletrônico, apoiar a política de inclusão digital, bem como introduzir a concorrência no mercado de serviços.

Como vemos, estamos diante de uma revolução silenciosa de valores e de gestão do Estado. Essa nova visão irá possibilitar o aperfeiçoamento, o desenvolvimento de novas habilidades e a retenção de conhecimentos, oriundos dos velocíssimos conteúdos de informações que trafegam nas auto-estradas eletrônicas da economia cognitiva. Segundo Toffler, a informação é o mais fluido dos recursos, e fluidez é a marca de qualidade de uma economia na qual a produção e a distribuição dependem de trocas simbólicas e que funciona como um sistema nervoso sem regras bem definidas. Alvin Toffler acrescenta que o que importa para uma nação a longo prazo são produtos de atividade mental: pesquisa científica e tecnológica… educação da força de trabalho… programas de computadores sofisticados… administração mais inteligente… comunicações avançadas… atividades financeiras eletrônicas. Estes são os atuais recursos-chaves do poder e armas importantes para produção do conhecimento, geradores da economia cognitiva.

*Clemilton Saraiva dos Santos é presidente da Associação Nacional dos Profissionais e Usuários das Telecomunicações Brasileiras – ProTelecom

Regular as comunicações é combater a censura, a privada!

"Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor", a frase fez parte do discurso do ministro da Secom, Franklin Martins, na abertura do seminário Convergência de Mídias, realizado nos dias 9 e 10 de novembro em Brasília.

A sentença reflete uma tentativa quase desesperada do ministro de desconstruir a perversa fábula elaborada pelos meios de comunicação comerciais para interditar o debate sobre o setor das comunicações no Brasil e a necessidade urgente de sua reforma. Ela utiliza a máxima de que uma mentira contada diversas vezes torna-se verdade. No cenário brasileiro, em que os veículos comerciais detêm enorme influência na formação das opiniões e valores da população, essa tese torna-se ainda mais verdadeira.

A fábula perversa

A definição de regras para o setor das comunicações não é novidade em nenhum país do mundo, muito menos no Brasil. O seminário onde o ministro Franklin fez seu discurso evidenciou, com relatos de autoridades internacionais, como são correntes, nas democracias consolidadas, mecanismos para regular o mercado tanto sob a perspectiva econômica quanto política e cultural. Há regras para impedir a concentração dos meios (como a limitação de fusão de duas redes de TV nos Estados Unidos), obrigações para os prestadores de serviços (como o cumprimento dos propósitos de serviço público na radiodifusão no Reino Unido), proteções ao conteúdo nacional (como as contas de filmes na França) e a existência de órgãos com a participação da sociedade (como no caso da Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina).

No Brasil, se uma pessoa tomar contato com matérias dos meios de comunicação comerciais, vai pensar que nosso Estado é proibido de se aproximar da mídia e que o processo atual consiste, exatamente, na tentativa de quebrar esse distanciamento. O que não condiz com a verdade. Em nosso país, para explorar uma rádio ou uma TV, ou fornecer telefonia aos cidadãos, é preciso ter autorização do Estado. No primeiro caso, a transmissão é feita, inclusive, utilizando um bem público, o espectro de radiofrequências.

Não só há regras gerais, como há, inclusive, normas e exigências para os conteúdos. Isso mesmo! No Brasil, já há regulação do que é difundido pelos meios de comunicação. TVs não podem veicular mais do que 25% de publicidade nem menos do que 5% de conteúdo jornalístico. Rádios são obrigadas a veicular a Hora do Brasil. TVs e rádios devem também inserir compulsoriamente em sua grade o horário eleitoral gratuito. Os jornais, talvez os mais raivosos na suposta defesa da liberdade de imprensa, também têm obrigações, mesmo que mais leves: todos precisam ter um jornalista responsável e estão sujeitos a processos por abusos, como é o caso do direito de resposta.

Mas então, perguntaria alguém intrigado com as matérias: se a regulação já existe, estaria alguém tentando transformá-la, de fato, em uma tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa? Me faço a mesma pergunta, pois até agora não vi qualquer proposta que advogasse a favor do controle prévio do que pode ou não ser publicado. Nem encontrei qualquer menção a uma sugestão dessa em qualquer matéria dos “defensores da liberdade de expressão”.

Os interesses por trás

O que seria, então, o tal ataque à liberdade de imprensa? Ele é a forma mascarada de taxar um debate utilizando uma ameaça irracional para esconder que o movimento, ao fim e ao cabo, pode ferir os interesses econômicos e políticos dos grupos que sempre comandaram a comunicação no país.

No plano econômico, as propostas de limitação da concentração de propriedade e de ampliação da pluralidade e diversidade podem reduzir a rentabilidade das grandes redes, que dependem de uma estrutura vertical para lutar por grandes anunciantes, e se configurar como um limitador às estratégias de fusões e aquisições empregada hoje pelos operadores de telecomunicações. As cotas de produção (nacional e regional) são vistas como custos extras, o que também atrapalha o negócio.

No plano político, os veículos de comunicação sempre se orgulharam e moldaram sua sobrevivência e ampliação na sua capacidade de interferir nas disputas de poder, na elevação e destruição das reputações dos mais variados políticos. Esse papel não é apenas de apoio ou de suporte a um ou outro candidato, mas envolve o uso direto dos meios de comunicação para garantir a eleição de uma determinada liderança. Não à toa, há casos de diversos grupos regionais que são controlados por elites políticas, como é o caso do Mirante de José Sarney no Maranhão, da RBA de Jader Barbalho, no Pará, da TV Bahia da família Magalhães, na Bahia, e do Grupo Massa, da família de Ratinho Júnior, no Paraná.

Um exemplo claro desse poder é a célebre frase proferida por Tancredo Neves em uma conversa com Ulysses Guimarães: “Ulysses, eu brigo com todo mundo, eu brigo com o papa, eu brigo com o PMDB, eu só não brigo com o doutor Roberto [Marinho]”. A entrada de novos agentes no rádio e na TV, a ampliação do acesso à Internet e o estabelecimento de limites aos abusos cometidos pelos meios são vistos como um obstáculo claro à terra sem lei que serve como terreno fértil à reprodução da ação política intensiva dos grupos de mídia. O novo marco, portanto, ameaça o poder dos grandes grupos de controlar a informação que é difundida, uma espécie de censura, não estatal, mas privada.

Por que e para quê regular

Perdeu-se (ou ganhou-se) espaço e tempo desfazendo a confusão propositada. Mas se por um lado foi um esforço que faz-se necessário para que o debate seja desinterditado na sociedade, por outro é preciso ir além e discutir qual regulação se quer.

Um bom começo é identificar os problemas que precisam ser resolvidos. Algumas dessas questões são bem lembradas pelo ministro Franklin Martins: “Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada”.

O faroeste midiático brasileiro favoreceu um sistema excessivamente comercial, em detrimento dos meios públicos e comunitários. Com isso, importantes espaços de formação de valores e opiniões acabam regidos pelo lucro, e não pelos direitos humanos e pelo(s) interesse(s) da população. A organização do mercado é oligopolista e verticalizada, com predomínio de poucos grupos e a repetição de uma produção do eixo Rio-São Paulo em detrimento dos conteúdos regionais.

A essas emissoras e aos demais operadores faltam obrigações para assegurar o interesse da população e garantias mínimas aos consumidores. As existentes são desrespeitadas, como os preceitos constitucionais que determinam o atendimento, por rádios e Tvs, das finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em sua programação e a promoção da produção independente e regionalizada. Já os serviços de telecomunicações são excludentes. A telefonia fixa ainda hoje mantém a injustificada assinatura básica. A celular se ampliou mas mais de 80% são pré-pagos e a tarifa está entre as mais altas do mundo. Já a banda larga é “cara e lenta”, nos dizeres do coordenador do Comitê Gestor de Inclusão Digital do governo federal, César Alvarez.

É essa a paisagem que queremos manter na nossa comunicação? Me junto àqueles que discordam e veem a necessidade de uma grande reforma neste modelo. Em vez da premência do lucro, a concepção por trás da nova legislação deve ser o entendimento da comunicação como um direito humano. Não apenas dos donos de empresas de comunicação, mas do conjunto da população.

Partido dessas premissas e dos problemas identificados, seguem alguns desafios que o novo marco regulatório. Em primeiro lugar, é preciso respeitar o Artigo 223 da Constituição Federal e assegurar a complemetaridade de fato entre os sistemas público, privado e estatal, fortalecendo a Empresa Brasil de Comunicação e as demais estruturas de mídia mantidas pelo Estado com ampla participação e financiamento robusto. O mesmo vale para as emissoras comunitárias. Em segundo lugar, faz-se necessária normas que impeçam a propriedade cruzada dos meios de comunicação (controlar uma TV e uma rádio, por exemplo), o que vale para a cadeia produtiva neste cenário de convergência. Este modelo, que separa a produção de conteúdo da distribuição é adotado em vários países e incentiva a pluralidade.

Em terceiro lugar, o novo marco não pode se furtar de enfrentar o debate sobre as obrigações dos licenciados. Desde aquelas administrativas até as relativas ao conteúdo, incluindo cotas de produção nacional, regional e independente e o respeito e promoção dos direitos humanos. Em quarto lugar, criar as condições para que a população tenha acesso aos serviços de comunicação, especialmente à Internet em banda larga. Por último, o modelo só responderá aos interesses da população se tiver uma estrutura institucional que abra fortes espaços de participação, como conselhos.

A tarefa não é fácil, mas é urgente. "Com toda sinceridade, acho que o governo Lula ficou devendo nessa área [da comunicação]", admitiu o ministro Franklin Martins em um seminário em São Paulo no final de novembro. Cabe agora ao governo Dilma reconhecer o passivo e colocar o tema de fato na agenda para tenhamos um novo modelo de fato democrático.

 

 

Jonas Valente é integrante do Coletivo Intervozes e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal.

 

 

O Wikileaks infectou o sistema?

Julian Assange foi preso. O idealizador do Wikileaks desnudou as operações de um império em decadência e se tornou prisioneiro na Inglaterra por supostos crimes cometidos na Suécia. Ao que tudo indica, Assange se relacionou sexualmente sem usar preservativos com mulheres que consentiram a relação, mas não a falta do preservativo.

A primeira reação da opinião pública é identificar a lei sueca como demasiadamente rigorosa. A Suécia é um país soberano e tem direito de formular leis mais ou menos rigorosas, se entender que são bons instrumentos para a defesa da mulher ou de qualquer cidadão de seu país. É justo que Assange pague pelos seus crimes se de fato os cometeu, mas é inocente até que se prove o contrário. Os meios de comunicação já o condenaram antes de qualquer julgamento. Mesmo que a prática de ferir a presunção de inocência seja algo corrente na mídia, a acusação contra Assange tem um objetivo específico: desmontar o mais rapidamente a imagem positiva de alguém que ousou dizer algumas verdades ao império.

Com isso se tenta desviar a atenção do fato de que Julian Assange é um preso político. Ou alguém acha que ele seria caçado pela Interpol se, em vez de fundador do Wikileaks, fosse um engenheiro desenhista dos aviões militares negociados com o Brasil ou mesmo um simples padeiro? Para a sorte dos povos que vivem no Oriente Médio Julian Assange nasceu na Austrália. Caso seu parto tivesse ocorrido em um país árabe provavelmente esse já teria perdido sua soberania a essa altura.

O Wikileaks abriu a caixa de Pandora e só não foi destroçado por ter uma estratégia bem desenhada de distribuição das informações. Além da inteligente arquitetura de armazenamento desses dados de modo a não serem destruídos, a parceria com grandes veículos de comunicação no mundo construiu cúmplices que não podem ser atacados pela máquina de guerra. Os ataques ao Wikileaks resvalam também no New York Times (EUA), The Guardian (Inglaterra), El País (Espanha), Le Monde (Frânça) e na revista alemã Der Spiegel que noticiam os documentos colhidos. Além de garantir a repercussão mundial necessária, o Wikileaks fez aliados involuntários no confronto com o império.

No Brasil, os parceiros escolhidos foram os veículos Folha de São Paulo e Organizações Globo. Nessa escolha os mesmos critérios adotados internacionalmente foram usados no país sul americano: capacidade de repercussão da informação noticiada. Com isso, o movimento pelo direito a comunicação brasileiro (que apóia o Wikileaks) se pergunta: Por que justamente corporações que historicamente atuaram para concentrar a propriedade sobre a circulação de informação são escolhidas para ter exclusividade da divulgação desses documentos? Por que a relação de exclusividade se mantém se não há qualquer afinidade política ou retorno financeiro? O espanto talvez venha do fato do movimento tratar o Wikileaks da mesma forma como tratam a defesa do software livre. Se o Wikileaks fosse um software ele não seria um software livre, mas sim um software proprietário gratuito, uma vez que tem seus interesses a defender, e no momento eles se concentram em impactar o maior número de pessoas no mundo e sobreviver ao contra-ataque.

Apesar do espanto do movimento social a escolha tática de aliados não alinhados ideologicamente para resistir a um inimigo maior está correta. Se o Wikileaks tivesse que contar apenas com um punhado de entidades de defesa dos direitos humanos em vez de grandes corporações acostumadas aos corredores do poder, provavelmente teria sido exterminado sem que o grande público sequer percebesse o que aconteceu.

Até agora os documentos referentes ao Brasil revelados contam majoritariamente das relações com a embaixada americana. Hoje Folha e Globo se valem de poder revelar as informações exclusivas, mas o que acontecerá quando os documentos fornecidos a eles pelo Wikileaks tratarem da intimidade destes veículos com a ditadura brasileira?

Não se pode afirmar que Julian Assange realmente fez sexo sem proteção com mulheres na Suécia, mas certamente o Wikileaks não usou preservativos na sua relação com o oligopólio da comunicação brasileira e pode ter infectado o sistema.

Pedro Ekman é militante do Intervozes. Colaborou Sergio Gomes com uma conversa certamente mais longa que o curto texto apresentado.

Wikiliquidação do Império?

A divulgação de centenas de milhares de documentos confidenciais, diplomáticos e militares, pela Wikileaks acrescenta uma nova dimensão ao aprofundamento contraditório da globalização. A revelação, num curto período, não só de  documentação que se sabia existir mas a que durante muito tempo foi negado o acesso público por parte de quem a detinha, como também de documentação que ninguém sonhava existir, dramatiza os efeitos da revolução das tecnologias de informação (RTI) e obriga a repensar a natureza dos poderes globais que nos (des)governam e as resistências que os podem desafiar. O questionamento deve ser tão profundo que incluirá a própria Wikileaks: é que nem tudo é transparente na orgia de transparência que a Wikileaks nos oferece.

A revelação é tão  impressionante pela tecnologia como pelo conteúdo. A título de exemplo, ouvimos horrorizados este diálogo – Good shooting. Thank you – enquanto caem por terra jornalistas da Reuters e crianças a caminho do colégio, ou seja, enquanto se cometem crimes contra a humanidade. Ficamos a saber que o Irão é consensualmente uma ameaça nuclear para os seus vizinhos e que, portanto, está apenas por decidir quem vai atacar primeiro, se os EUA ou Israel. Que a grande multinacional famacêutica, Pfizer, com a conivência da embaixada dos EUA na Nigéria, procurou fazer chantagem com o Procurador-Geral deste país para evitar pagar indemnizações pelo uso experimental indevido de drogas que mataram crianças. Que os EUA fizeram pressões ilegítimas sobre países pobres para os obrigar a assinar a declaração não oficial da Conferência da Mudança Climática de Dezembro passado em Copenhaga, de modo a poderem continuar a dominar o mundo com base na poluição causada pela economia do petróleo barato. Que Moçambique não é um Estado-narco totalmente corrupto mas pode correr o risco de o vir a ser. Que no “plano de pacificação das favelas” do Rio de Janeiro se está a aplicar a doutrina da contra-insurgência desenhada pelos EUA para o Iraque e Afeganistão, ou seja, que se estão a usar contra um “inimigo interno” as tácticas usadas contra um “inimigo externo”. Que o irmão do “salvador” do Afeganistão, Hamid Karzai, é um importante traficante de ópio. Etc., etc, num quarto de milhão de documentos.

Irá o mundo mudar depois destas revelações?  A questão é saber qual das globalizações em confronto—a globalização hegemónica do capitalismo ou a globalização contra-hegemónica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível—irá beneficiar mais com as fugas de informação. É previsivel que o poder imperial dos EUA aprenda mais rapidamente as lições da Wikileaks que os movimentos e partidos que se lhe opõem em diferentes partes do mundo. Está já em marcha uma nova onda de  direito penal imperial, leis “anti-terroristas” para tentar dissuadir os diferentes “piratas” informáticos (hackers), bem como novas técnicas para tornar o poder wikiseguro. Mas, à primeira vista, a Wikileaks tem maior potencial para favorecer as forças democráticas e anti-capitalistas. Para que esse potencial se concretize são necessárias duas condições: processar o novo conhecimento adequadamente e transformá-lo em novas razões para mobilização.

Quanto à primeira condição, já sabíamos que os poderes políticos e económicos globais mentem quando fazem apelos aos direitos humanos e à democracia, pois que o seu objectivo exclusivo é consolidar o domínio que têm sobre as nossas vidas, não hesitando em usar, para isso, os métodos fascistas mais violentos. Tudo está a ser comprovado, e muito para além do que os mais avisados poderiam admitir. O maior conhecimento cria exigências novas de análise e de divulgação. Em primeiro lugar, é necessário dar a conhecer a distância que existe entre a autenticidade dos documentos e veracidade do que afirmam. Por exemplo, que o Irão seja uma ameaça nuclear só é “verdade” para os maus diplomatas que, ao contrário dos bons,  informam os seus governos sobre o que estes gostam de ouvir e não sobre a realidade dos factos. Do mesmo modo, que a táctica norte-americana da contra-insurgência esteja a ser usada nas favelas é opinião do Consulado Geral dos EUA no Rio. Compete aos cidadãos interpelar o governo nacional, estadual e municipal sobre a veracidade desta opinião. Tal como compete aos tribunais moçambicanos averiguar a alegada corrupção no país. O importante é sabermos divulgar que muitas das decisões de que pode resultar a morte de milhares de pessoas e o sofrimento de milhões são tomadas com base  em mentiras e criar a revolta organizada contra tal estado de coisas.

Ainda no domínio do processamento do conhecimento, será cada vez mais crucial fazermos  o que chamo uma sociologia das ausências: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado. Por exemplo, resulta muito estranho que Israel, um dos países que mais poderia temer as revelações devido às atrocidades que tem cometido contra o povo palestiniano, esteja tão ausente dos documentos confidenciais. Há a suspeita fundada de que foram eliminados por acordo entre Israel e Julian Assange. Isto significa que vamos precisar de uma Wikileaks alternativa ainda mais transparente. Talvez já esteja em curso a sua criação.

A segunda condição (novas razões e motivações para a mobilização) é ainda mais exigente. Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI. Essa articulação vai criar a maior disponibilidade para que seja revelada informação que particularmente interessa às forças democráticas anti-capitalistas. Por outro lado, será necessário que essa articulação seja feita com o Foro Social Mundial (FSM) e com os media alternativos que o integram. Curiosamente, o FSM foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década. Para que a articulação se realize é necessária muita reflexão inter-movimentos que permita identificar os desígnios mais insidiosos e agressivos do imperialismo e do fascismo social globalizado, bem como as suas insuspeitadas debilidades a nível nacional, regional e global. É preciso criar uma nova energia mobilizadora a partir da verificação aparentemente contraditória de que o poder capitalista global é simultaneamente mais esmagador do que pensamos e mais frágil  do que o que podemos deduzir linearmente da sua força. O FSM, que se reune em Fevereiro próximo em Dakar, está precisar de renovar-se e fortalecer-se, e esta pode ser uma via para que tal  ocorra.

* Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, a 15 de Novembro de 1940. É Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É Diretor do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e do Centro de Documentação 25 de Abril da mesma Universidade.