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O que o ministro pode fazer

O novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou que está disposto a colaborar com as rádios comunitárias (RCs), criando uma secretaria especial para tratar do assunto. A proposta é certamente bem-vinda. E se soma à nossa esperança de que ele não faça como os seus antecessores, que enrolaram, prometeram e nada fizeram pelas RCs.

Reconheçamos, porém, que, em alguns casos, a enrolação se deu com o apoio de "entidades da sociedade civil". Por exemplo, durante a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) divulgou um pretenso "acordo" assinado com representantes do governo Lula, com possíveis conquistas para as RCs. Na verdade foi um grande blefe, uma fraude, desmascarada aqui mesmo no Observatório (ver "Um acordo ou um blefe? "). Essa mesma Abraço teria (ela nunca desmentiu isso) sido cúmplice do governo no envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei (PL) nº 4573/08, que criminaliza mais ainda a operação de rádios comunitárias sem concessão e descarta a anistia aos que foram punidos por operar rádios sem autorização.

Mas, vamos considerar que estamos inaugurando um novo tempo e que o ministro Paulo Bernardo tenha chegado com boas intenções e disposto a fazer algo pelas rádios comunitárias. É possível, Paulo Bernardo tem uma história política decente. Diante disso, trazemos algumas sugestões ao novo ministro das Comunicações no que se refere às rádios comunitárias.

Relações promíscuas com padres e pastores

Eis o que o ministro pode fazer:

1. Mudar urgentemente o primeiro e segundo escalão do Ministério. Esse grupo tem demonstrado um comprometimento histórico com as grandes redes e irá boicotar todo avanço que o ministro propuser nessa área.

2. Revisar os processos das quase 4 mil rádios outorgadas. Nossa estimativa é de que somente 10% do que foi outorgado é rádio comunitária de verdade. Considere-se que o Minicom está ciente dessa irregularidade; pior, ele é cúmplice do que está acontecendo.

3. Estabelecer norma que permita a cassação das outorgas das rádios pseudo-comunitárias, por receberem as concessões de forma espúria, ilegal, imoral. Cito como exemplo: a "rádio comunitária" da igreja católica em Copacabana (RJ), Rua Hilário Gomes, 36; a "rádio comunitária" da Casa da Benção, em Taguatinga (DF); a "rádio comunitária" Paullus FM, no município de Diamante (PB). Essas igrejas deveriam ter vergonha por se apossar – de forma ilegal! – de bens públicos. Existem centenas de rádios assim. O vergonhoso é que o Minicom seja cúmplice dessa ilegalidade e a Anatel seja omissa diante desses casos.

4. Promover inquérito administrativo para apurar e punir os envolvidos na outorga de RCs às igrejas e políticos, resultado de interferências políticas e religiosas dentro do Minicom. Tornar público o resultado desses inquéritos, revelando os nomes dos servidores públicos que mantiveram essas relações promíscuas com padres e pastores para outorgar RCs. Sobre o assunto ler o estudo publicado neste Observatório, de autoria de Venício A. Lima e Cristiano Lopes, intitulado"Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política".

Moedas de troca na bodega da política

5. Elaborar um novo Decreto regulamentando a Lei 9.612/98, das rádios comunitárias. O Decreto em vigor, nº 2.615/98, contém irregularidades e cria mais restrições do que a lei já prevê. Por exemplo, ele limita o alcance a 1 Km, estabelece uma burocracia kafkiana, cria uma dezenas de punições, não define o que é apoio cultural…

6. Promover cursos e oficinas para as rádios comunitárias, conforme prevê o artigo 20 da Lei 9.612/98. Doze anos depois de promulgada a lei consta que o Minicom não fez nada neste sentido. Isto é, o Minicom não cumpre a lei.

7. Impedir que o Minicom e a Anatel continuem com a política de exclusão para quem faz rádio comunitária. Essa é uma postura histórica. Como exemplo, podem ser citadas as Resoluções da Anatel (60/98 e 356/04) que determinam canais de operação para as RCs fora do dial. Isto é, propõe-se um gueto, um campo de concentração: se o dial de FM vai de 88 a 108 MHz, a Anatel determina que a RCs irão operar na faixa de 87,5 a 87,9 MHz.

8. Encaminhar ao Congresso Nacional uma nova proposta de lei para as RCs. Mas isso não é o suficiente; o governo tem que fazer a sua defesa. Revogar a lei em vigor – nº 9.612/98 – é uma necessidade. Ela é tão restritiva, excludente, que bem poderia ter sido assinada por Benito Mussolini.

9. Elaborar Medida Provisória (MP) anistiando as milhares de pessoas acusadas de "operar emissora sem autorização". Esta MP recuperaria o substitutivo do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), detonado pelo governo ao encaminhar PL com o mesmo objetivo, mas com intenções nada decentes. A MP deve tocar em três pontos: 1) anistiar os que foram punidos; 2) propor nova redação ao artigo 183 da lei 9.472/97, que estabelece cadeia (2 a 4 anos) para este tipo de crime, substituindo por punição administrativa; 3) revogar o artigo 70 da lei 4.117/62, criado pelo Decreto 236/67, obra da ditadura militar que está sendo utilizada até hoje.

10. Extinguir o "banco de negócios" instalado no Palácio Planalto. Funciona do seguinte modo: processos de rádios autorizadas pelo Minicom são negociadas com parlamentares e religiões antes de serem enviadas ao Congresso Nacional; são moedas de troca na bodega da política. Claro, só andam as RCs que têm padrinhos poderosos.

Coragem será percebida quando moralizar o sistema

11. Nomear um interlocutor do Minicom para o setor. Salvo exceções, os indicados pelo Executivo até são ignorantes no tema e enrolões – prometiam o que não podiam cumprir e nunca aprenderam sobre o que é rádio comunitária. Tá na hora de se indicar alguém com o mínimo de conhecimento no assunto e o mínimo de respeito ao movimento.

Estas medidas certamente irão atrair a ira daqueles que querem manter as RCs em guetos, como os nazistas fizeram aos judeus. Eles irão procurar Paulo Bernardo e Dilma Rousseff e se posicionar contra qualquer reforma legal ou administrativa que beneficie as rádios comunitárias. O que incomoda a esses poderosos se traduz como uma questão de classe: os senhores da Casa Grande não admitem que a senzala tenha acesso a um meio de comunicação que lhe permita pensar, crescer, desenvolver, decidir sobre o seu destino. Os da Casa Grande e os da catedral querem continuar manipulando as pessoas, impedindo seu acesso aos bens e serviços que o Estado fornece ou deveria fornecer.

Os inimigos das RCs estão dentro e fora do Estado. No Estado, temos historicamente o Minicom, mas a Anatel ganha de todos no capítulo ferocidade contra as rádios comunitárias. Fora do Estado, há as grandes redes de comunicação (Globo, SBT, RBS, etc.) e as igrejas cristãs. As igrejas estão disputando quem constrói o maior latifúndio da comunicação, incluindo rádios comunitárias. A ganância, a ambição dessas religiões – católicas e protestantes – é do tamanho do deus em que acreditam.

A batalha é imensa. Paulo Bernardo está chegando agora, mas os padres e bispos estão acostumados a transitar nos palácios desde quando eles inventaram um deus e uma religião. É o ambiente do poder. Quem vai dizer não para as sete famílias da comunicação ou para o Vaticano? Padre de direita ou de esquerda, sempre teve as portas abertas, incluindo aquela onde se guardam os tesouros. A coragem de Paulo Bernardo será percebida quando ele moralizar o sistema, limpar a sujeira denunciada, e dizer não aos padres, pastores e falsos líderes sociais.

 

* Dioclécio Luz é jornalista, escritor e pesquisador de rádios comunitárias e mestrando em Comunicação pela UnB

Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento

A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.

O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.

A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.

Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.

O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.

Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.

Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.

Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:

“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”

Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:

A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?

Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.

O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.

O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?

E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?

Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.

Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.

E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?

Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes  na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.

Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.

Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.

A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.

E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.

Porque na hora H, não é  com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.

PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.

Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.

Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.

Renato Rovai é editor da revista Fórum outro mundo em debate. Originalmente publicado em seu blog

Surpresa: a Tunísia era uma ditadura

Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. “É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante”, sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas — Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.

Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washingon.

Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem “surpresas” como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia — um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus — era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso?

A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro.

O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o “Ocidente”, é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense.

Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas.

Igor Fuser é jornalista, doutorando em Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato

 

As expectativas para a comunicação em 2011

O ano de 2011 começa cheio de expectativas. Primeiro, porque é pela primeira vez que temos uma mulher no mais alto posto do País; segundo, porque ao que parece, a comunicação realmente na pauta política do Brasil.

No dia 01 de janeiro de 2011, tomou posse Dilma Rousseff como a primeira mulher eleita presidente do Brasil. No seu discurso, deixou claro que "Reafirmará o seu compromisso inegociável com a garantia plena das liberdades individuais; da liberdade de culto e de religião; da liberdade de imprensa e de opinião".

No mesmo dia, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, em seu discurso disse que queria a imprensa acompanhando seu governo de perto, deixando claro que sempre  que a imprensa gaúcha tiver promova, as denúncias mais duras a respeito do seu governador, do seu vice-governador e dos seus secretários. E complementou:  “Porque é desta informação colocada na esfera pública que surge a transparência, que surge a possibilidade da informação como resposta, que surge a democracia regulada pelo sentimento cívico da transparência e da verdade. Vocês, integrantes da imprensa, terão no nosso governo um apoio especialíssimo para que vocês realizem o trabalho de vocês com dignidade, com sobriedade e com respeito ao povo gaúcho".

No Pará, o governo eleito Simão Jatene, deixou para nomear o seu Secretário de Comunicação, assim como a presidente da Funtelpa – Fundação mantenedora dos veículos públicos do Estado – nos últimos minutos antes de tomar posse. Segundo o governador em entrevistas, a comunicação era um setor estratégico, e por isso a demora na indicação do titular da secretária.

O que todas essas circunstâncias e opiniões tem em comum? A mesma leitura: a de que a comunicação terá um tratamento especial. De que a comunicação, ao longo do tempo, tem sido vista como uma área que merece ser rediscutida, e acima de tudo, repensada. Durante muito tempo, isso sempre foi uma leitura, e bandeira de luta, da Sociedade Civil.

Não está se afirmando que estes governos, com estas declarações, farão a revolução na área da comunicação. Mas apenas apontando que a comunicação está na ponta da língua de quem está a frente da elaboração e execução das políticas públicas no Brasil.

Após um ano da realização da Conferência de Comunicação, que diga-se de passagem, saiu porque a sociedade civil arregaçou as mangas e forçou os Estados a realizarem sua etapa nacional,  várias são as propostas que esperam por implementação. Até o final do ano passado, a Secom, quando tinha a frente o jornalista Franklin Martins, estava fazendo uma consolidação das propostas para que o próximo governo as implementassem. Ao mesmo tempo, temos uma opinião do próprio ex-ministro Franklin Martins, que diz que o Minicom precisa ser refundado e que reconhece que o Governo Lula nessa área, deixou a desejar.

Por tudo isso, o ano de 2011 promete muito para a Comunicação. A sociedade civil está pronta para o que der e vier e se for preciso, arregaçará as mangas, mais uma vez.

Marcos Urupá é jornalista e advogado. Foi diretor da TV Cultura do Pará e é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Os números da Globo: lenta decadência

Altamiro Borges, aqui, e Paulo Henrique Amorim, aqui, destacam fatos que demonstram a decadência da TV Globo.

O texto de Miro mostra que o Faustão – em crise de audiência (e de faturamento?) – demitiu a banda de músicos. E que o “Fantástico” enfrenta a pior crise de sua longa história. O Paulo Henrique relata como a audiência do “JN” encolheu em dez anos: o jornal apresentado por Bonner perdeu um de cada quatro telespectadores de 2000 para 2010 – são números oficiais do IBOPE.

São fatos. Não é bom brigar com eles. Mas é bom analisar esse proceso com cautela.

Quando entrei na TV Globo, em 95, o “JN” dava quase 50 pontos de audiência. Era massacrante.  O “Globo Repórter” dava perto de 40 pontos.

Em 2005/2006, quando eu estava prestes a sair da emissora, o “JN” já tinha caído pra casa dos 36 ou 37 pontos (havia dias em que o jornal local conseguia mais audiência do que o principal jornal da casa) e o “Globo Repórter”  se segurava em torno de 30 ou 32 pontos (programa que desse menos de 30 abria crise, era preciso sustentar a marca dos 30).

Esse tempo ficou pra trás. O “JN” já caiu pra menos de 30 pontos. E o Globo Repórter hoje patina em 24 ou 25 – dizem-me.

O “Jornal da Record” dobrou de audiência. Em São Paulo chega a 10 pontos, em outros Estados passa dos 12 ou 13. Nas manhãs, a Globo e a Record (com o SBT um pouco atrás) brigam pau a pau. E a Record vence em muitos horários matutinos, há meses. Aos domingos, a Globo também sofre. A grande jóia da coroa da emissora carioca é o horário nobre durante a semana: novelas+ JN. Nesse caso, os números revelam que o domínio da Globo se reduz, ainda que de forma lenta.

Muita gente espera o dia em que a Globo vai passar por uma hecatombe e deixará de ser a Globo. Acredito que isso não vai acontecer: a queda será lenta, negociada, chorada…  

A Globo poderia ter quebrado ali pelo ano 2000. No primeiro governo FHC, Marluce (então diretora geral) tivera duas idéias “brilhantes”: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa “holding”. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre! Passada a reeleição de FHC, em 98, o Brasil quebrou, veio a crise cambial e a Globo ficou pendurada numa dívida em dólar que (de uma semana pra outra) triplicou.

A dívida era da TV a cabo mas, como Marluce e os geniais irmãos Marinho tinham centralizado as operações na holding, contaminou todo o grupo. A Globo entrou em “default”. Quebrou tecnicamente. Poderia ter virado uma Varig. Mas conseguiu (sabe-se lá com quais acordos e pressões políticas) equalizar a dívida.

Quando saiu da crise, em meados do primeiro mandato de Lula, a Globo (o jornalismo) estava já sob os auspícios de Ali Kamel – o Ratzinger. Ele conduziu a empresa para a direita: contra as cotas nas universidades, contras as políticas de combate ao racismo (“Não somos racistas”, diz), contra o Bolsa-Família. O grande público não percebe isso de forma racional. Mas (mesmo que de forma despolitizada) sente que a Globo ficou contra todos os avanços sociais dos últimos 8 anos. Lentamente, foi-se criando uma antipatia no público. Ouve-se por aí: a Globo não fica do lado do povão.

Não é à toa que um fenômeno novo surge nas grandes cidades, como São Paulo. Nas padarias, restaurantes populares, pontos de táxi, era comum ver televisores ligados sempre na Globo. Isso há 7 ou 8 anos. Acabou. De manhã, especialmente, a programação da Record e do SBT (e às vezes também dos canais a cabo) entra nas padarias, ocupa os lugares públicos.

Essa é uma mudança simbólica.

Mas é bom não brigar com outro fato: boa parte do público segue a ter admiração e carinho pela progamação da Globo. E há motivos pra isso, entre eles a qualidade técnica. A iluminação, a textura da imagem, o cuidado com o bom acabamento. Tudo isso a Globo conseguiu manter – apesar de muitos tropeços aqui e ali.

Fora isso, apesar de toda crítica que façamos (e eu aqui faço muito) ao jornalismo global, é bom não esquecer que na TV da família Marinho há sim ótimos profissionais, gente séria que tenta (e muitas vezes consegue) fazer bom jornalismo.  

Esse capital – qualidade técnica – a turma do Jardim Botânico tem conseguido manter. O que não ajuda: a política editorial, adotada por exemplo durante a posse de Dilma. Ironias desmedidas, falta de compreensão do momento histórico e uma arrogância de quem se acha no direito de “ensinar” como Dilma deve governar. A seguir nessa toada, a decadência será mais rápida…

E o que mais pode entornar o caldo por lá? Grana.

A Globo tem custos altíssimos de produção. Quem conhece de perto o Projac diz que aquilo é uma fábrica de boas novelas e minisséries, mas também uma fábrica de desperdício. Empresa familiar, que cresceu demais. Cada naco dominado por um diretor, como se fosse um feudo. Até hoje a Globo conseguiu manter essa estrutura porque ficava com uma porção gigante das verbas públicas de publicidade (isso mudou com Lula/Franklin) e com uma porção enorme da publicidade privada: o BV – bônus em que a agência é “premiada” pela Globo se concentrar seus anúncios na emissora – explica em parte essa “mágica”; outra explicação é que a Globo detem (detinha!?) de fato fatia avassaladora da audiência.

Com menos audiência, as agências (ou as empresas anunciantes, através das agências) podem pressionar para que o valor dos anúncios caia. Se isso acontecer, a Globo vai virar um elefante branco. Impossível manter aquela estrutura verticalizada se a grana encurtar.

Qual o limite que a Globo suporta? Difícil saber. Mas dispensa da banda do Faustão é um indicador de que a água pode estar subindo rápido.

Outro problema sério: o risco de perder a transmissão do futebol, ou de ter que pagar caro demais para mantê-lo.

Tudo isso está no horizonte. E mais: a entrada das teles no jogo. O Grupo Telefônica, por exemplo, fatura dez vezes mais que a Globo. Como concorrer? Só com regulação do mercado, assegurando nacos para os proprietários nacionais.

Ou seja: a Globo – que é contra a regulamentação (“censura”, eles bradam) por princípio – vai ter que pedir água, vai ter que negociar alguma regulação pra conter os estrangeiros. E aí pode entrar também a regulação que interessa à sociedade: critérios para concessões, e também para evitar o lixo eletrônico e os abusos generalizados na TV. Regulação, como em qualquer país civilizado. Até aqui a Globo tentou barrar esse debate. Mas vai ter que aceitá-lo agora, porque ficou mais frágil.

De minha parte, não torço pra que aconteça nenhuma “hecatombe”, nem que a Globo quebre. Mas para que fique menos forte, e que o mercado se divida.

Parece que é isso que está pra acontecer. Seria saudável para o Brasil.