Iniciado em outubro de 2009, o governo brasileiro através do Ministério da Justiça, lançou uma consulta pública para discutir a regulamentação da internet no país. Segundo a assessoria da Secretaria de Assuntos Legislativos, setor responsável por coordenar a consulta, o objetivo era regulamentar os direitos dos que usam a internet.
Ao término das suas primeira e segunda fase, foram cerca de 2000 contribuições, entre comentários, e-mails e referências propositivas em sites. Isto criou um ante-projeto de Lei, que aguarda na Casa Civil para ser enviado ao Congresso para aprovação.
Desde o início sabia-se dos gargalos que o debate iria enfrentar: guarda de logs, responsabilização de provedores e, talvez o mais polêmico de todos, a retirada e monitoramento de conteúdos de sites, blogs, etc.
É preciso ter clareza de que este último ponto versa sobre o que as democracias modernas sempre defenderam: a liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos. Qualquer legislação que de alguma forma venha restringir estes direitos, que são pilares centrais de um Estado que se diz democrático, deve ser veementemente repelida e combatida de forma sistemática, com ampla mobilização da sociedade civil.
Posturas como a do site Amazon.com que em 2009 deletou de forma remota algumas das edições digitais de livros – e-books – dos aparelhos Kindle de leitores que haviam comprado os título, não condiz com a atual estrutura em que se encontra a sociedade mundial.
Ora, o problema todo, é que as edições eletrônicas dos livros já tinham sido adquiridas pelos consumidores. Isso já eliminaria qualquer incidência da empresa sobre os produtos. A empresa utilizou um acesso remoto, através de rede sem fio.
A postura do site, que é uma das maiores lojas de vendas on line do mundo, deixou os consumidores furiosos e gerou ondas de irritação online. Em sua defesa, a empresa alegou que os livros foram adicionados à loja Kindle por uma empresa que não detinha os direitos autorais.
No final do ano de 2010, tivemos o emblemático caso do site Wikileaks, que sofreu dura repressão do governo americano por ter divulgado documentos que embaixadas americanas espalhadas no mundo enviaram para a Casa Branca. Os documentos datam do período de 1966 a fevereiro de 2010. Em seu bojo, poucas informações relevantes.
O site foi imediatamente tirado do ar e seu fundador, Julian Assange, vítima de uma armação que o incriminava por crimes de abusos sexuais. No fundo, a acusação era pretexto do governo americano para prender o jornalista australiano.
Este ato demonstrou que o Estado que se auto declara como modelo de democracia mundial não tem habilidade para lidar com a liberdade de expressão e com a livre circulação de conteúdos na internet.
Mas os Estados Unidos não é o único país que de forma intransigente e autoritária proíbe a livre circulação da informação na rede mundial de computadores e apela para a censura quando se sente ameaçado pela internet.
Vimos o mesmo acontecer recentemente no Egito, durante as manifestações da população que pedia a saída do presidente Hosni Mubarak, que há 30 anos dirige o país.
Os protestos, raros no país, tiveram suas origens de mobilização pela internet, por meio de uma página no Facebook. Os organizadores, que prometiam manter a mobilização até a queda do governo, diziam protestar contra a tortura, a pobreza, a corrupção e o desemprego. Os organizadores vinham usando também o Twitter para mobilizar as manifestações, mas o serviço de acessoa à rede foi bloqueado pelas autoridades. Mesmo assim, o primeiro-ministro, Ahmed Nazif, afirmou que o governo está comprometido com a liberdade de expressão.
Exemplos de posturas como as descritas acima devem sim servir para um propósito: o de que a regulamentação da internet no Brasil deve respeitar acima de tudo o princípio da liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos, possibilidade peculiar da rede mundial de computadores. O contrário disso, representa seguir o rumo da contramão da história.
Na primeira Conferência de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, que contou com delegados da sociedade civil, do poder público e do setor empresarial, ficou clara a posição destes setores em relação ao tema. A resolução, aprovada de forma consensual, foi o posicionamento oficial da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação em relação ao Marco Civil da Internet:
“Aprovação de lei que defina os direitos civis nas redes digitais que inclua, mas não se limite, a garantir a todos os cidadãos:
1 – O direito ao acesso à Internet sem distinção de renda, classe, credo, raça, cor, orientação sexual, sem discriminação física ou cultural;
2 – O direito à acessibilidade plena, independente das dificuldades físicas ou cognitivas que possam ter;
3 – O direito de abrir suas redes e compartilhar o sinal de internet, com ou sem fio;
4- O direito à comunicação não-vigiada.
Qualquer marco regulatório que venha de encontro ao que foi aprovado na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, deve ser encarado como uma afronta a liberdade de expressão e a livre circulação de conteúdos.
Reforçar este ponto chave no debate da regulação da internet do Brasil deve ser uma tarefa de todas e todos os brasileiros.
Não queremos empresas entrando em nossos sistemas e apagando arquivos, e muito menos ser preso por fazer divulgação de informação. Afinal, a sociedade merecer e deve ser informada.
Marcos Urupá é jornalista, advogado e associado ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.