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Teleproblemas

Por que as operadoras de telefonia estão boicotando o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)?

Pelo mesmo motivo que as leva a prestar um serviço ruim e caro – dos mais caros do mundo, aliás. Porque "há algo de muito errado no reino das telecomunicações".

O PNBL nem é um plano tão ousado assim, uma vez que pretende levar internet a 68% dos domicílios, com velocidade de até 1 Mbps, por até R$ 35. Convenhamos que o "até 1 Mbps" ainda nos deixará longe da banda larga de outros países.

Mas, pelo menos, o PNBL fixa um teto de preço e tem abrangência boa, uma vez que o acesso à internet é fundamental para que os cidadãos não fiquem fora do mundo digital, inclusive em termos de informação e de conhecimento.

A exclusão digital, hoje, tende a se transformar em perda de qualidade de vida e em limitação no mercado de trabalho. Consequentemente, com queda de rendimento e de ascensão social.

É preciso que o governo federal aproveite esse episódio -a resistência das teles- para mudar o tratamento que recebem quando não retornam aos consumidores o que cobram por seus serviços, principalmente em telefonia móvel.

Uma das saídas para o impasse -a ameaça de convidar empresas estrangeiras para o PNBL- deveria valer também para os demais serviços de má qualidade.

Há certa reserva de mercado que não se justifica, pois as companhias são privadas.

Nunca é demais lembrar que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) trata as teles a pão de ló, como se dizia antigamente.

Por exemplo, a agência se nega a tornar pública a lista dos bens, como imóveis e softwares -que devem retornar à União em 2025. São os chamados "bens reversíveis". Muitos desses bens já foram vendidos, embora a Lei Geral de Telecomunicações proíba que isso ocorra sem a autorização da Anatel.

Então, há por aqui um estranho panorama: tarifas caríssimas, serviço ruim, tratamento meia-boca e total e absoluta complacência da agência reguladora e do Ministério das Comunicações com as companhias responsáveis por essas infrações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Somente isso já valeria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso, para que os brasileiros saibam o que há por trás das telecomunicações no país.

A impressão que fica é a de que as operadoras de telefonia fazem o que fazem porque são grandes e fortes. Que não há ninguém, entre as autoridades dos três Poderes, com coragem para enfrentá-las.

Até agora, a presidente Dilma Rousseff sinalizou mudanças no relacionamento com as operadoras.

Primeiramente, ao exigir mais velocidade no PNBL. E, como a Folha noticiou, teria autorizado o convite a empresas estrangeiras para participar do PNBL, se a resistência das operadoras continuar.

São reações adequadas, mas há que mudar o principal, no dia a dia de atuação dessas empresas. Não por acaso, são elas que lideram os rankings de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.

As operadoras móveis querem participar da popularização da banda larga. Aqui, caberia uma avaliação criteriosa, porque também não se destacam pela qualidade dos serviços prestados.

Uma das áreas vitais para o desenvolvimento de uma nação moderna está, então, nas mãos de empresas que deixam muito a desejar em todos os sentidos, inclusive bens públicos, que retornarão à União em pouco mais de dez anos, se não forem dilapidados até lá.

Ninguém está satisfeito, mas as providências para mudar esse quadro não parecem suficientes.

Não há nada que justifique a tranquilidade com que as companhias dessa área passam por cima dos interesses dos consumidores.

Queremos somente bons serviços, a preços justos. Não é pedir demais, exceto se as teles, como os bancos, tiverem licença e proteção para fazer as coisas como acharem certo, mesmo quando estiverem erradas.

É uma resposta que os cidadãos esperam para ontem.

*Maria Inês Dolci é advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores.

Fortalecer a Telebrás para viabilizar o PNBL

Nosso compromisso militante com a universalização da banda larga nos impele a tecer considerações sobre os desafios colocados pela conjuntura no embate entre a afirmação de um projeto estratégico nacional de digitalização, no qual o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) se insere, e a manutenção da lógica das teles que controlam o setor.

Para nós, combatentes pela democratização da comunicação, a manutenção de tão desastroso monopólio representa o avesso de tudo o quanto buscamos: a universalização dos serviços com o acesso à internet a baixos custos e com qualidade para todos, o que necessariamente deve estar articulado ao processo de digitalização da TV e do rádio em curso no país.

Em tempos de convergência digital, uma Telebrás amarrada à lógica privatista, incapacitada pelos sucessivos cortes de recursos, e, pelas recentes declarações do ministro Paulo Bernardo de que “Não é tarefa da Telebrás disputar mercado com as teles. Ela vai sair da disputa para ser uma articuladora de ações”, é tudo o que não precisamos. Pois é tudo o que as teles querem, para que nada mude.

Na nossa compreensão, isso seria mais do que uma capitulação do governo diante dos interesses do capital estrangeiro, representaria um verdadeiro crime contra o desenvolvimento nacional, já que comprometeria o presente e o futuro de gerações, que ficariam à mercê dos interesses dos monopólios privados. É um cartel que atua tão somente nas “áreas atrativas”, inferior à metade do nosso território, onde vivem 58% da população, excluindo, antes de mais nada, 42% dos brasileiros. Conforme a Telebrasil, associação das teles, existem no país apenas 10 milhões de usuários da banda larga. Como alertou o ex-presidente da Telebrás, Rogério Santana, “90%, 95% dos acessos de Internet vendidos no país estão na mão de cinco empresas, sendo que 85% na mão de três – a Telefónica, a Oi e a Net/Embratel”.

Todos sabemos o que representa, na nossa vida prática, no bolso, esse controle das teles: desembolsamos preços exorbitantes por serviços de péssima qualidade, onde se dão ao luxo de poder nos oferecer somente 1/16 do contratado, ao que se soma um rol de abusos, incapacidade permanente de atendimento e péssimos serviços. Não por acaso, elas estão entre os campeãs de reclamação no Procon, com recordes sucessivos.

Só para lembrar: em 2008, o faturamento da Telefónica, Embratel, Oi, Vivo, TIM, Brasil Telecom e Claro foi de US$ 58,1 bilhões, mais da metade dos US$ 110 bilhões de faturamento das 200 maiores empresas de tecnologia instaladas no país. Em 2010 o faturamento das sete teles acima foi alavancado: alcançou U$ 96,5 bilhões.

A forma parasitária com que atuam é uma herança do desgoverno Fernando Henrique, que as instalou – via privatização/desnacionalização – nesta esfera estratégica de poder. Não por acaso o presidente Lula indicou Rogério Santanna, idealizador do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) para tecer uma malha independente – deixando as teles com a rede delas e criando uma rede neutra, pública, a partir da utilização da rede de fibras ópticas do governo.

Assim foi concebida a reativação da Telebrás, obviamente sabotada pelas teles e por todos os seus marionetes, na mídia, no parlamento – e também no governo -, ávidos por algo das migalhas dos lucros estratosféricos recebidos pelos serviços de baixíssima qualidade.

Diferentemente do que propalam os que querem manter o país marcando passo na era digital, os custos do Plano Nacional de Banda Larga são irrisórios para o Estado, diante da magnitude da sua relevância para o desenvolvimento. Ainda mais porque se utiliza de uma rede que – em grande parte – já existe, colocando o atendimento direto ao usuário – a “última milha” – aos pequenos provedores privados, o que também aquece a economia. Basta ver que com a Telebrás operando no atacado, o governo garantiria que mais de dois mil provedores pudessem atender ao usuário no varejo. E nas localidades sem provedores a estatal poderia atender diretamente ao usuário.

O aporte inicial projetado pelo governo Lula à Telebrás foi de R$ 1 bilhão até o final de 2011 – com possível suplementação de R$ 400 milhões. Infelizmente, o primeiro aporte, de R$ 600 milhões, foi diminuído no atual governo para R$ 316 milhões, com sucessivas reduções que acabam inviabilizando a meta do PNBL para 2011.

Neste momento de definições, cabe à militância cutista somar esforços com as demais centrais, movimentos sociais e pela democratização da comunicação em torno à campanha Banda Larga é um direito seu. A mobilização popular deve ampliar a pressão para que não haja recuo no PNBL, a Telebrás seja valorizada e colocada no patamar que o Brasil e a sociedade brasileira merecem.

*Rosane Bertotti é secretária de Comunicação da CUT Nacional 

Curso de Comunicação Social: retomando o debate esquecido

Daqui a menos de dois meses, precisamente no dia 5 de julho, todos os conselheiros do Conselho Nacional de Educação (CNE) voltam a se reunir e, embora a pauta ainda não esteja definida, é provável que as Diretrizes Curriculares Nacionais de Jornalismo entrem na discussão. O tema é polêmico, pois a proposta elaborada por uma comissão de nove especialistas, e chancelada pelo Ministério da Educação (MEC), prevê a transformação da habilitação de Jornalismo em um curso específico, o que pode culminar com a extinção do curso de Comunicação Social. Além disso, a comissão também propõe algumas mudanças que inclinam substancialmente este "novo" curso na direção das demandas do mercado de trabalho. E pior: para um mercado em constante transformação, que já não é mais aquilo que foi nas décadas passadas e, muito provavelmente, continuará mudando nas próximas.

É indiscutível o direito de uma categoria profissional ou de um campo acadêmico, através de suas entidades, reivindicar mudanças no curso responsável por formar os profissionais daquela área. Assim como também é legítima a defesa da manutenção de um curso que pode fornecer mão de obra qualificada para as novas funções, atribuições e profissões da área da Comunicação Social. Profissionais estes que assimilem as transformações pelas quais este campo profissional, político e acadêmico vêm passando nos últimos anos.

O longo silêncio do MEC e dos conselheiros do CNE são motivos de preocupação. Nenhuma palavra foi proferida em público sobre o assunto desde a audiência realizada em outubro do ano passado e, quando se tenta contatar diretamente os relatores do projeto (os conselheiros Reynaldo Fernandes e Arthur Roquete de Macedo), a assessoria do CNE informa que os mesmos não querem falar sobre o assunto, pois ainda estão analisando o projeto. Também preocupa ver tanta gente trabalhando direta ou indiretamente pela extinção do curso de Comunicação Social, entre os quais o MEC e uma significativa parte da comunidade científica da comunicação, da qual faz parte o "campo do Jornalismo", que também conta com a aderência de seu braço sindical. Os interesses podem ser distintos, mas, ao que parece, atuam de forma articulada. Analisemos os fatos.

A proposta "padronizadora" do MEC

Em ofício do dia 23 de abril de 2010 (OF. CIRC-SE/Andifes nº 064/2010), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) enviou às universidades um documento elaborado pela Secretaria de Ensino Superior (SESU) do MEC intitulado "Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura". Não se sabe ao certo quais universidades receberam e quantos professores realmente chegaram a tomar conhecimento do tal documento. O que sabemos é que com ele o MEC pretende: 1) limitar a menos de 100 o número de cursos de graduação que poderão funcionar no Brasil; 2) padronizar a nomenclatura dos cursos; 3) exigir que as universidades adotem currículos padronizados. Impressiona o poder de síntese e a eficiente técnica "padronizadora" do ministério. No documento, cada um dos noventa e poucos cursos merece exatamente uma página de "referenciais curriculares", divididos em quatro partes: perfil do egresso; temas abordados na formação; ambientes de atuação; e infraestrutura recomendada. Cada um destes itens não conta com mais do que seis linhas.

Com relação especificamente ao curso de Comunicação Social, outra surpresa: as seis habilitações vigentes desde 2001 (Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Cinema, Relações Públicas, Produção Editorial e Rádio e TV) se transformam em cinco cursos isolados. Os quatro primeiros ganham "independência"; Produção Editorial desaparece; e Rádio e TV passa a se chamar Rádio, TV e Internet. O questionamento quanto ao destino da habilitação de Produção Editorial também se faz em relação a cursos da área de comunicação que não são habilitações de Comunicação Social, como Produção Cultural, Estudos de Mídia, Midialogia, Educomunicação, Comunicação Integrada, entre outros.

Mas porque o MEC se esforça tanto para padronizar os cursos superiores e, por conseqüência, limitar a função da Universidade de perceber as demandas sociais para criar cursos que atendam a estas demandas? Será que isso tem alguma coisa a ver com a tal da Reforma Universitária, com o Reuni, ou com as imposições do FMI e do Banco Mundial para nossa educação?

Interesses acadêmicos

A transformação das habilitações em cursos isolados não tem fim em si mesma, ou seja, não significa apenas um movimento de reorganização da formação dos diferentes profissionais da área de comunicação. É sim um movimento político-acadêmico, coordenado pela elite do campo acadêmico da comunicação no Brasil. Esta elite atuou na criação da maioria das entidades científicas do campo no país e, nos últimos anos, vem batalhando pela afirmação do pesquisador brasileiro e latinoamericano perante a comunidade acadêmica internacional do setor, historicamente hegemonizada pelos "falantes" do inglês e do francês (não por acaso estes idiomas concentram a maior parte da bibliografia mundial do campo da comunicação e são exigidos na maioria dos cursos de mestrado e doutorado em comunicação no Brasil).

No entanto, este processo de afirmação internacional depende, e muito, de movimentações nacionais. Para ser mais claro e objetivo, depende de financiamento público. Financiamento é um problema para a pesquisa científica em países subdesenvolvidos e só se consegue com o crescimento do reconhecimento, do prestigio, da importância. Haja vista o que ocorre na maioria das universidades brasileiras, onde as ciências biológicas e exatas, sobretudo a medicina, a engenharia e a informática, recebem muito mais recursos que as ciências humanas. Deste cenário nada favorável surge um projeto de financiamento público da pesquisa cientifica em comunicação com o objetivo de trazer reconhecimento internacional a este campo: tirar o curso de Comunicação Social do "guarda-chuva" das Ciências Sociais Aplicadas e transformá-lo num novo "guarda-chuva". Assim, na concepção destes pesquisadores, a transformação das habilitações em cursos isolados se tornou indispensável.

O "campo do Jornalismo"

Não há como negar que os maiores entusiastas da transformação da habilitação de Jornalismo em curso isolado são as entidades autodenominadas como integrantes do "campo acadêmico-profissional do Jornalismo". Para a Fenaj (jornalistas), o FNPJ (professores) e a SBPJor (pesquisadores), o Jornalismo já amadureceu suficientemente para ser alçado do limbo comum dos objetos de estudo para a pomposa seara dos campos acadêmicos. Até um mestrado específico em Jornalismo, da UFSC, estas entidades e seus dirigentes já ajudaram a criar.

Também não há como negar a relação entre a principal bandeira do movimento sindical dos jornalistas e o processo de reforma das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso. É visível que a luta pela obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão fez com que a elite dos sindicalistas do Jornalismo investisse num processo de (super)valorização do curso, como se não houvesse vida inteligente antes de seu tardio surgimento no Brasil, em meados da década de 1940. Como se não tivesse havido jornalismo de qualidade em nosso país antes da igualmente tardia obrigatoriedade do diploma, instituída por decreto em 1969. E mais, como se não houvesse graves problemas no processo de formação dos profissionais "diplomados", como cursos sem estrutura laboratorial adequada e com corpo docente mal preparado, além dos conhecidos problemas do mercado de trabalho, que não se resolveram com diploma. Os principais representantes deste campo acreditam que a resolução destes problemas se dará aumentando o status do curso, incentivando cada vez mais jovens a optar por esta carreira, e restringindo o exercício profissional aos possuidores do diploma universitário. Uma concepção, no mínimo, burguesa da profissão e da sociedade.

Projeto único

Sem projeto concreto que se contraponha, ou pelo menos que se apresente como alternativa, ao projeto do MEC, entidades que foram protagonistas da última reforma curricular do curso de Comunicação Social, aprovada em 2001, acabaram ficando à margem do processo. A Intercom, a mais importante instituição científica de comunicação, não se envolveu nas discussões tanto como há dez anos, ou melhor, se envolveu, mas apenas por meio da atuação particular de alguns de seus dirigentes na comissão de especialistas do MEC, como o próprio presidente da comissão, o notável professor José Marques de Melo, fundador e conselheiro da Intercom. Já a Compós, que representa os cursos de mestrado e doutorado em comunicação, fez uma discussão aprofundada e divulgou um documento em que faz algumas críticas ao projeto do MEC. No entanto, a entidade não demonstrou interesse em pressionar o governo a paralisar o atual processo. A posição das outras entidades acadêmicas varia entre algo parecido com a Intercom e a Compôs e a completa indiferença.

Com este quadro, a única voz dissonante, claramente exposta tanto por meio de posicionamentos públicos como também nas audiências convocadas para discutir o projeto, vem da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos). Durante o ano de 2010, a Enecos promoveu a campanha "Somos Todos Comunicação Social", na qual incentivaram os estudantes de Comunicação Social de todo o país a debater sua formação e avaliar a qualidade do ensino ofertado por suas faculdades. Além disso, a entidade publicou documentos criticando a proposta da comissão de especialistas e apontando suas principais divergências com o documento do MEC. Estas críticas e divergências também foram apresentadas nas audiências públicas realizadas no Rio de Janeiro, em 2009, e em Brasília, em 2010, para debater o assunto junto à sociedade. No entanto, ainda não foi apresentado, por nenhuma entidade, um projeto que acabe com o status de proposta única do documento chancelado pelo MEC.

Em defesa do curso de Comunicação Social

Longe de querer esgotar o assunto e apresentar um projeto acabado para ocupar este vazio, apresentamos aqui uma argumentação em defesa do curso de Comunicação Social. Em primeiríssimo lugar, ressaltamos que nenhuma das propostas que dizem respeito única e exclusivamente ao que acontece dentro das universidades, como currículos, laboratórios e professores, terão sentido se o mundo e o mercado de trabalho continuarem exatamente como estão. É mais do que urgente lutarmos por outro modelo de sociedade, menos capitalista e mais socialista, pela efetiva democratização das comunicações, pela construção de um grande e eficiente sistema público de comunicação, além das lutas específicas dos trabalhadores como redução da jornada sem redução nos salários, fim do assédio moral, salários dignos, mais benefícios e mais empregos. Neste sentido, é imprescindível a unidade dos trabalhadores da comunicação, desde os gráficos até os blogueiros, passando por jornalistas, fotógrafos, ilustradores, publicitários, cineastas, call centers e todos os demais. Não perceber a grande influência que os problemas do mundo e da profissão exercem sobre o processo de formação dos profissionais é simplesmente não compreender por completo a questão em discussão.

Com relação à latente possibilidade de extinção do curso de Comunicação Social, volto ao segundo parágrafo deste artigo. É legítimo, embora haja controvérsias, a reivindicação de "independência" de qualquer habilitação. O Cinema já a conquistou em 2006 e as Relações Públicas também estão em processo semelhante. Muito em breve será a vez de Publicidade e Propaganda, Rádio e TV e Produção Editorial (este último, se não for extinto pelos amargos "Referencias Curriculares Nacionais" do MEC). No entanto, estamos propondo a manutenção do curso de Comunicação Social, como opção acadêmica, para os que não se identificarem com os cursos específicos, e como opção profissional, para as diversas funções, atribuições e habilidades as quais os cursos específicos não conseguirão contemplar.

É só nos debruçarmos atentamente ao atual mercado de trabalho da área de comunicação, mesmo com todas as deficiências que tem, e veremos que boa parte (prefiro não me arriscar a dizer que são a maioria, embora eu acredite mesmo que seja) dos profissionais atua em algo que não pode ser rotulado como Jornalismo, Publicidade ou Cinema, por exemplo. São produtores de mídia, analistas de mídias sociais, assessores de comunicação, "marketeiros virais", educomunicadores, entre tantas outras denominações. Lembro-me de um professor que, ao questionar a burocracia dos diplomas, explicava que no mercado de trabalho são muito poucos os que se formam com um "rótulo" (curso) e trabalham neste mesmo rótulo durante toda a vida pós-universitária. E isso é tão verdade que a maioria dos jornalistas já fizeram outra coisa na vida que não pode ser considerado Jornalismo.

Para os que consideram esta realidade da profissão o resultado da precarização da profissão de jornalista, sugiro uma reflexão: qual é a melhor forma de se combater a precarização? Defendendo um duvidoso fortalecimento da formação profissional (digo duvidoso, pois apenas o curso específico e a obrigatoriedade do diploma não mudam em nada a qualidade da formação) ou lutando pelo cumprimento da legislação trabalhista, contra o assédio moral que assola as redações, por políticas públicas que criem empregos qualificados para os jornalistas e pela democratização dos meios de comunicação? Qual caminho parece mais eficiente? Bom, na dúvida, porque não seguirmos os dois?

Várias propostas concretas para melhorar os cursos de Comunicação Social, sugestões sobre currículo, laboratórios, estágio, corpo docente etc, poderiam ser elencadas. Mas não é este o propósito deste artigo. Limitamos-nos a defender a importância social, acadêmica, política e profissional dos cursos de Comunicação Social. Não sei se conseguimos atingir o objetivo. De qualquer forma, o que importa é o debate. Vamos a ele?

Jean Oliveira é estudante de Comunicação Social/Jornalismo na Facha-RJ, estagiário nos departamentos de Comunicação do Sindipetro-RJ e da CUT-RJ e ex-coordenador da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos).

O elefante na sala do ministério

O Ministério da Cultura, capitaneado por Ana de Hollanda, vem enfrentando críticas desde a troca de governo. A razão principal é um verdadeiro elefante na sala: o descompromisso da nova administração com as políticas e conquistas realizadas nos oito anos anteriores. Dentre elas, a transformação do Ministério da Cultura, com seu orçamento minguado, de coadjuvante em protagonista de debates nacionais e globais. Some-se a isso a frustração de quem é da área cultural e votou na presidente Dilma esperando continuidade e está pronta a receita para mais crises. Esses fatores colocaram a ministra sob o olhar atento de uma multidão de pessoas que, pela internet, acompanha, repercute e debate cada um dos seus passos. É só pesquisar no Twitter a qualquer momento para ver a constante discussão.

 

Um dos primeiros atos da nova ministra, realizado ainda em janeiro, foi a retirada da licença Creative Commons do site do ministério. A licença autorizava o uso amplo do conteúdo publicado, uma boa prática que faz sentido. Governos do mundo inteiro estão preocupados em promover o acesso amplo ao conteúdo que disponibilizam. Por isso adotam cada vez mais a licença Creative Commons (veja uma lista de projetos .gov em CC aqui: bit.ly/doBkKz).

 

alô, ministra

 

Na hora de justificar a remoção, a ministra deu uma explicação nada convincente. Alegou que foram retiradas porque são “propaganda” e que seria necessário fazer uma “licitação” antes de adotar o CC. O Creative Commons não é um serviço nem um produto, mas sim um padrão de licenciamento. Não faz sentido falar em licitação (Alô, ministra, aqui um livro para entender por quê).

 

A afirmação causou perplexidade especialmente porque o ministério traz com grande destaque na sua página principal as logomarcas do YouTube, do Flickr e do Twitter, todas empresas privadas com fins lucrativos. E isso acontece, obviamente, sem nenhuma licitação. Se essa é uma questão importante para a ministra, o Twitter poderia ser substituído pelo Identi.ca, site concorrente do microblog, só que baseado em código aberto (e todos os posts são automaticamente licenciados em Creative Commons).

 

O Flickr, escolhido pelo ministério para hospedar suas fotos, poderia ceder lugar para o Wikimedia Commons, projeto aberto e sem fins lucrativos para armazenar imagens e outros recursos audiovisuais. O próprio YouTube poderia dar espaço ao Archive.org, que funciona como um grande arquivo da internet e armazena coleções de vídeos, incluindo de arquivos governamentais. Só que diferentemente do YouTube, o Archive.org não exibe anúncios quando os vídeos são exibidos.

 

Em meio a todo esse debate, está uma questão de fundo pouco falada. Em dezembro de 2010 foi aprovado o Plano Nacional de Cultura , transformando em lei um conjunto de diretrizes para as ações do ministério. O plano é ambicioso e complexo. Prevê desde passos amplos para universalizar o acesso e promover a diversidade até pontos específicos como reformar a lei de direitos autorais e regular o Ecad. Até agora ele está esquecido pelo novo ministério.

 

Com isso, cresce a impressão de que o MinC assume novamente o papel de coadjuvante, deixando de lado não só o Plano Nacional de Cultura, mas também as grandes questões que ousou um dia levantar. Tudo trocado por um discurso desconexo e irreal.

 

*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br .

 

O 13 de maio e o mito da liberdade de expressão

Neste dia 13 de maio a sociedade brasileira tem motivo especial para debater os limites da noção de liberdade. Está em curso no país um embate sobre a liberdade de expressão versus liberdade de imprensa que tende ser o balizador da reforma no marco legal das comunicações. Porém, antes de garantir as condições para todos os setores políticos, culturais e econômicos terem o mesmo empoderamento nas tecnologias da informação e comunicação, a liberdade continua um mito para os descendentes dos escravos africanos no país.

O dia da abolição deixou paulatinamente sua face de comemoração em prol da reflexão sobre os limites da liberdade dos ex-escravos no Brasil. A Lei Áurea (1888), uma das mais curtas da história nacional, extinguiu propriedade sob os africanos e seus descendentes que a partir de então obtiveram, na teoria, o livre arbítrio. Porém, na prática, o que se verificou foi a perpetuação das distinções sociais entre brancos e afrodescendentes, impelindo o direito as liberdades numa abordagem mais ampla.

O caso dos ex-escravos estimula expandir a noção da liberdade à necessidade de condições materiais (moradia, renda e transporte) e imateriais (educação, segurança, participação política) para circular as demandas dos indivíduos e grupos sociais, assim como adoção de restrições as práticas que retardem as liberdades de conjunto mais amplo da sociedade.

Liberdade de expressão x imprensa

Além dos pressupostos tradicionais, nas sociedades modernas a necessidade de aprofundar as noções de liberdade se faz, em grande medida, pela relação com as tecnologias da informação e comunicação, onde as ideias e gostos são majoritariamente mediadas. Nesse contexto se intensificam as divergências conceituais entre a liberdade de expressão x liberdade de imprensa no Brasil.

A liberdade de expressão é defendida pelo seu cunho universalista, mais próximo das formulações básicas das liberdades. Já a liberdade de imprensa é aproximada aos direitos empresariais de determinada classe e ao agir sem limites coloca em risco a liberdade de expressão, por cercear ou discriminar pontos de vistas de outras classes sem o mesmo poder econômico.

No caso brasileiro os maiores defensores da liberdade de imprensa são identificados por um seleto grupo familiar, herdeiros de tradição oligárquica e por que não, escravocrata?!

Indicadores

A fim de construir referências objetivas sobre os limites impostos a liberdade de expressão a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) ao lado de entidades dos movimentos sociais e universidade têm desenvolvido no Brasil os indicadores do direito à comunicação. Esses indicadores tendem a se tornar base de sustentação para o Estado nacional avançar em reformas pela democratização do setor.

Quanto o caráter racista no empoderamento das tecnologias da informação e comunicação, é possível chegar a conclusões mais contundentes na radiodifusão, telecomunicações e imprensa no país se incluíssem este recorte étnico nas suas estatísticas. Ao ter tais dados em mãos os organismos internacionais e entidades do movimento social passariam a ter na sua agenda não apenas a democratização nos meios de comunicação, mas possivelmente um racismo institucional que impele valores costumeiramente precedentes a democracia ou mesmo a formação de uma nação.

Aliás, quantos radiodifusores são autodeclarados negros ou pardos no país? A resposta nos entraves se resume aos problemas no sistema de partilha de outorgas, balizado pelo clientelismo político e barreiras econômicas.

Já a banda larga, qual o percentual da população afrodescendente que têm acesso a esse serviço no país? A pauta universalista enfatiza a necessidade de um regime público mas não toca no caráter racial da exclusão digital.

E a imprensa negra no Brasil, o que a torna instável e agora sobrevivente basicamente nas páginas eletrônicas na internet? A demanda pela produção de conteúdo é balizada por ideia vaga de pluralidade e diversidade que pouco atinge o gargalho racista do país.

Nabuco e Florestan

Já que o motivador deste texto é o 13 de maio, vale ressaltar duas perspectivas importantes que têm sua contribuição incompleta no país. Ambas podem ser classificadas nos embates raciais como posições etnocêntricas, mas se forem ao menos adotadas por setores progressistas podem dar um grande impulso ao país e aos movimentos sociais.

A primeira perspectiva é do movimento abolicionista que teve no aristocrático Joaquim Nabuco sua principal liderança. Nabuco compreendeu o regime escravista brasileiro como mais penoso e complexo que o dos Estados Unidos, por expandir as divisões raciais por todas as classes. A visão humanista de Joaquim Nabuco se mesclava com o patriotismo para defender que a libertação dos cativos era fundamental para o desenvolvimento do país. Dessa forma, analisava que a economia e política nacional poderiam se erguer ao renovar as relações mercantis e de trabalho, seja pública ou privada.

A segunda perspectiva, a socialista, teve na figura de Florestan Fernandes uma reconhecida interconexão entre luta de classes e racial no Brasil. Fernandes parte do pressuposto que o caminhar para o socialismo no país deve passar obrigatoriamente pelo protagonismo dos movimentos negros e seu reconhecimento enquanto classe trabalhadora. Porém, Fernandes deixa o alerta que a participação negra no processo revolucionário é mais árduo pelo fato dos indivíduos terem que superar duas forças poderosas: o racismo e o capitalismo.

Entretanto os herdeiros desses dois exemplos continuam a negar tais legados. No caso das elites tradicionais, insistem em retardar a participação dos afrodescendentes no mercado como consumidor, produtor ou comerciante. Já as organizações influenciadas pelo pensamento marxista continuam a tratar o racismo como aspecto secundário da agenda política.

Enegrecer

Mesmo se forem seguidos a risca, a ideias de Nabuco e Florestan têm limites para superação do racismo no Brasil. As poucas respostas de ambos aos embates civilizatórios também foram e são barreiras para José do Patrocínio e Luís Gama não ocuparem papel de maior destaque no processo abolicionista; ou para o combativo Movimento Negro Unificado (MNU) não consolidar suas idéias na linha de frente na esquerda nacional na luta da redemocratização até os dias atuais.

No caso do alargamento do conceito de liberdade de expressão, o pensamento de Milton Santos apresenta complementariedade pouco utilizada pelos defensores do direito à comunicação. O geografo deixou o legado de enfrentar o globalitarismo e um dos seus tentáculos, a tirania da informação, a partir de nova consciência universal inspirada dos espaços periféricos.

Dessa forma, estariam nos pequenos provedores de internet nas negras periferias um modelo de apropriação e distribuição das tecnologias para enfrentar as grandes teles? E a reserva do espectro da radiodifusão para comunidades quilombolas rurais ou urbanas, seria uma alternativa para o “coronelismo” midiático e o poderio neo pentecostal?

Durante a I Conferência Nacional de Comunicação a articulação Enegrecer a Confecom iniciou longo processo de responder a essas perguntas e construir uma plataforma. Se por uma lado o contexto do 13 de maio limita aprofundar essa agenda,  no próximo dia 20 de novembro será possível amadurecer a noção da liberdade de expressão aos brasileiros, afinal 2011 é declarado o ano dos afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas (ONU).

* Pedro Caribé é jornalista, militante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, repórter do Observatório do Direito à Comunicação, pesquisador do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da UFBA e integrante da articulação Enegrecer a Confecom.