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Por uma mídia que ouse ser ética

Mais uma vez o que me motiva a sair da inércia para escrever é a nossa mídia, aquela mesma de sempre, ávida pelo lucro e cheia de vaidades. A mídia não é um ser inanimado, ela é feita de pessoas. A mídia é feita, principalmente, de jornalistas que devem receber uma formação para saber, antes de tudo, o que é notícia e o que é espetacularização. Jornalistas que devem sempre optar pela notícia.

É uma pena que, em todas as tragédias, nós tenhamos péssimos exemplos da nossa imprensa. As coberturas são traumáticas. A grande maioria tenta logo de saída fazer das tragédias grandes espetáculos. Procuram por parentes, procuram por vítimas, procuram por testemunhas. Pessoas que, por tão intensamente envolvidas, podem não querer colocar mais uma vez o dedo na ferida. Pessoas que estão tendo que prestar depoimentos na polícia e assim por diante. (Esse tipo de fonte deve ser usada com muita cautela e parcimônia; eu diria que em doses homeopáticas. Nunca podem ser o foco da cobertura). Os jornalistas procuram também por fotos, imagens de qualquer tipo, mas que de preferência mostre desespero, mostre aflição e, na maioria das vezes, que mostrem corpos. Corpos estendidos no chão, amontoados, enfim, corpos. Cenas dos familiares recebendo as notícias, se despedindo dos entes, em momentos de profunda dor e de uma dor familiar, privada e não pública. E essas histórias se repetem a exaustão, por vários e intermináveis dias.

Convido todos os jornalistas, mas em especial os das emissoras e veículos públicos para pensar sobre a cobertura das tragédias. Estes últimos em destaque porque, por princípio, deve ousar e fazer diferente. Primeiramente, vou pedir para que vocês não pensem na audiência, o que pode ou não “trazer gente para matéria”. Não pensem em alavancar audiência para veículo A ou B, não vejam isso como tábuas de salvação para o “sucesso” de vocês.

Convido vocês a pensar então na notícia. Será que todas as imagens – sejam fotos, sejam vídeos na internet que vocês colocaram na matéria – têm, de fato, o propósito de contribuir com a informação? Já sei que você vai me responder que todo mundo clica no vídeo e na imagem, que todo mundo quer ver sim aquelas imagens. E eu vou refazer a pergunta destacando a ideia principal do questionamento que é: a imagem tem relevância para aquela informação que você está dando como notícia? É essa relação muito tênue do que você precisa dar com o que as pessoas “querem ver” que precisa ser repensada. É nela que reside a audiência como preciosidade e, muitas vezes, não é só o lucro em si que move esse interesse, é a audiência mesmo, é mostrar que está bem, é fazer sucesso. É dizer que bateu o site A, B ou C, é dizer que teve mais Ibope que o programa tal e o programa tal.

A questão é a seguinte: se jornalista colocar as imagens vai ter sim quem veja e muita gente mesmo vai querer ver. A diferença de um jornalista responsável para um vaidoso é justamente saber diferenciar o que é de interesse público e o que é de interesse do público. A comunicação é também um modelo informal de educação, cabe ao jornalista saber que tipo de sociedade ele quer ajudar a formar a partir do que ele decide veicular. Isso é o princípio da responsabilidade, caro ao jornalista comprometido. O processo de seleção é um eterno conflito e são nos conflitos, nos dilemas, que se avaliam a reserva ética e moral de um cidadão, bem como de um jornalista. É, portanto, aí que reside um dos principais problemas, que não é só da mídia, mas é também do jornalista, das equipes: a vaidade!

O que pode ser mais importante na tragédia de Santa Maria, por exemplo, do que mostrar as imagens das pessoas tentando salvar as vidas ou tirando os corpos da boate? O que é mais importante do que mostrar a dor das famílias? Os momentos de desespero e os momentos de profunda particularidade das pessoas? De saída, afirmo que é tentar compreender as causas e consequências das tragédias. O que ainda pode e, principalmente, o que deve ser feito. Como as pessoas devem se voluntariar. Onde estão os responsáveis, quem são as autoridades envolvidas? Deve-se também não querer encontrar de cara um culpado, seja o poder público, sejam pessoas particularmente. Essa é uma informação que merece ser dada com precisão. Estamos trabalhando com pessoas, com vidas, com emoções. Vale sempre lembrar que o papel da polícia, das perícias e das investigações deve ser respeitado.

Gosto sempre de lembrar aos jornalistas que eles não têm na faculdade nenhuma disciplina pericial ou de investigação criminal. Portanto, polícia é polícia e jornalista é jornalista. O que não o impede de apurar de forma muito séria e aguerrida os fatos, as causas. Um bom jornalista trabalha em parceria com a polícia e sabe os órgãos sérios com quem pode contar.

Ao invés de mostrar os corpos ou as imagens, pode-se falar quem são as vítimas, o que estavam fazendo no local da tragédia, o que faziam da vida. Não é preciso apostar em dramatizar a vida das pessoas. Sejam sérios e serenos. Num momento como esse, pense nos entes que ficaram, que irão ver a sua matéria, o que ele irão sentir? Sejam responsáveis com a vida e o sentimento das pessoas, sejam humanos, sejam coerentes. Ser um bom jornalista é poder deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir tranquilo.

Convido então os jornalistas a ousarem fazer uma cobertura mais humana, menos refém da audiência, diferente de tudo que acontece sempre, preocupado com as causas e com as consequências dos fatos. Preocupem-se não apenas em chocar a sociedade, isso acaba banalizando a tática, procurem fazer com que as pessoas se movimentem, saiam também da sua inércia, exerçam a sua cidadania, mas também a sua solidariedade. Contribuam efetivamente para que as pessoas não aceitem mais crimes impunes, que se sintam parte das histórias e possam ter instrumentos para construírem um mundo melhor a partir do aprendizado, que, mesmo de forma dolorosa, as tragédias podem nos trazer.

Mariana Martins é jornalista, mestra e doutoranda em Comunicação. Foi professora substituta da Universidade de Brasília. Professora de ética na comunicação, políticas de comunicação e Comunicação Pública.

Rádio Digital: padrão será escolhido no Brasil em 2013?

DRM, IBOC, HD Radio, DMB, DAB, ISDB-TSB… a digitalização do rádio parece uma sopa de letrinhas restrita a engenheiros e se arrasta há anos. Em 2012, o Ministério das Comunicações realizou testes e criou um Conselho Consultivo, o que parecia dar um desfecho para a novela. Porém uma série de lacunas, principalmente para as rádios comunitárias, ainda dificulta a decisão por um padrão de rádio digital no Brasil.

1 – Faltam critérios para análise dos testes

A primeira falta é de critérios para a análise dos testes. A Portaria 209 de 2010, que criou o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), define 14 objetivos do serviço, mas a orientação do Ministério é que os testes sejam avaliados levando em conta apenas aspectos técnicos, como alcance e robustez do sinal. Um desperdício de tempo para o Conselho que reúne empresários e movimentos sociais, além de ser um fator que empobrece o debate sobre a importante escolha do rádio digital, a qual deve orientar dezenas de países em suas decisões, como ocorrido no caso da TV Digital e já revelado informalmente por integrantes dos governos do Chile e Angola.

Foram criadas três comissões no Conselho Consultivo de Rádio Digital: Análise de Testes; Inovação Tecnológica; e Políticas Industriais. Assim como o Conselho, sem prazo definido para término dos trabalhos e sem abordar objetivamente os critérios da Portaria do SBRD como transferência tecnológica, melhor uso das frequências, custos reduzidos e interatividade.

Há ainda os novos parâmetros definidos pelo chamado Marco Regulatório das Comunicações, cujo texto está com o Ministério e sua divulgação é prometida há mais de dois anos. O processo do rádio digital poderia corrigir problemas como monopólio dos meios comerciais, vendaaluguel de frequências, concessão para políticos e pouca oferta de emissoras públicascomunitárias, mas sem uma nova lei geral como a da Argentina, vamos continuar trabalhando com base em referências legais ultrapassadas dos pontos de vista político e histórico.

2 – Digitalização impossível para Rádios Comunitárias

A Lei de Rádios Comunitárias (9.612 de 1998) é conservadora e o processo de atualização tecnológica só reforça isto. Como não há permissão para publicidade do comércio local e fundo público para financiamento das rádios, as comunitárias não têm condições de se digitalizarem. Os equipamentos de transmissão são caros e, sem mecanismos de sustentabilidade, será impossível uma migração tecnológica para essas estações.

Hoje no Brasil, há mais emissoras comunitárias que comerciais: são mais de 4600 estações. Uma política pública para garantir a sustentabilidade financeira das comunitárias e subsidiar os equipamentos contribuiria decisivamente para o sucesso do rádio digital no país. Sem isso, apenas as poucas grandes redes migrariam para o digital, deixando de fora as comunitárias, além das pequenas e médias rádios comerciais.

Outro ponto é a incompatibilidade dos testes com a realidade das rádios comunitárias. No Brasil, a lei diz que são emissoras de muita baixa potência (25W) e que dividem uma mesma frequência. Se no analógico, uma programação acaba interferindo na outra gerando o que chamamos de “linha cruzada”, no digital nenhum dos áudios seria ouvido. Esse teste de interferência de cocanal não foi realizado, por exemplo. Além disso, os testes do Recanto das Emas (cidade-satélite de Brasília) e de Xerém (zona rural de Duque de Caxias-RJ) não conseguem reproduzir a realidade de grande parte das comunitárias, que ficam em ambientes urbanos repletos de interferências. Como no digital a potência é bem menor que a analógica, ruídos urbanos podem gerar um verdadeiro “apagão” das rádios comunitárias que já operam em muita baixa potência nas transmissões analógicas.

A participação nas reuniões gerais e temáticas não é garantida pelo Ministério das Comunicações, além disto setores essenciais para o debate ficaram de fora do Conselho, como academia e radialistas. Consequência disto é a frequente impossibilidade de participação de conselheiros e interessados de fora de Brasília, seja por limitações financeiras de determinado grupo ou devido à dificuldade de liberação do trabalho.

As reuniões não são transmitidas pela internet, ou seja, quem não pode ir à capital federal fica de fora do debate. O Ministério criou um espaço em seu site para divulgar os documentos e permite a presença de ouvintes nas reuniões, mas é preciso mais transparência e mecanismos de participação nas discussões.

3 – Convergência, interatividade e Ondas Curtas

Outras lacunas permanecem existindo, contudo seus esclarecimentos podem definir uma escolha segura entre os dois padrões testados (DRM e HD RadioIBOC), já que o resultado das análises técnicas mostrou poucas diferenças entre eles.

O Ministério não realizou nenhum teste oficial de Ondas Curtas e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que administra a Rádio Nacional da Amazônia, solicitou a digitalização destas transmissões, mas não obteve resposta. Apenas o padrão europeu DRM possui rádio digital em OC atualmente.

Outro interesse é que o rádio digital possua interatividade como a da TV Digital. O Ginga (middleware responsável pela interatividade na TV) já foi demonstrado em funcionamento com o DRM durante uma reunião do Conselho. Já o HD RadioIBOC disse também possuir a capacidade, mas ainda não realizou nenhuma exibição pública.

A convergência com outros sistemas e aparelhos é outro ponto essencial para o sucesso do rádio digital, que se permanecer isolado em um receptor próprio, como o rádio AM, tende a entrar em crise rapidamente. O DRM possui tecnologia de áudio similiar à usada pela TV Digital brasileira, o que facilitaria a criação de receptores conjuntos, como também a audiência em smartphones. O mesmo já acontece no Japão e na Coreia do Sul com o ISDB-Tsb e o DMBDAB+, respectivamente, padrões que não foram testados no Brasil. Já o HD RadioIBOC diz ter a potencialidade de convergência, mas nada comprovado ainda.

Será que 2013 vai ser o ano do Rádio Digital no Brasil? A próxima reunião do Conselho Consultivo está marcada para 28 de fevereiro, depois do Carnaval. Estamos perto de uma definição, mas sem o esclarecimento dos pontos acima, a escolha poderá não atender a interesses públicos e muito provavelmente resultará na decadência de um dos mais importantes meios de comunicação.

Arthur William é representante no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) e integra o Conselho Consultivo do Rádio Digital.

Teles privatizadas continuam saqueando o Brasil

Depois de pegar emprestados bilhões de reais a juros subsidiados com o BNDES nos últimos anos, a Telefónica Brasil (VIVO) aprovou o pagamento de um bilhão, seiscentos e cinquenta milhões de reais em dividendos, relativos apenas ao lucro auferido nos três primeiros trimestres de 2012. Setenta e quatro por cento dessa quantia, ou o equivalente a quase 500 milhões de euros, vai direto para a matriz, na Espanha.

Quanto ao cabide de empregos do Conselho da Telefónica – lembram que essa foi uma das desculpas para a  privatização das estatais, inclusive Telebras, na década  de 90 ? – continua lindo.

Mal saiu Iñaki Undargarin, ex-jogador de basquete e genro do Rei Juan Carlos, o Caçador de Elefantes,  acusado de corrupção e contratado  por um milhão e quinhentos mil euros (quase 4 milhões de reais) por ano, como "conselheiro" para a América Latina, já entrou Rodrigo Rato, ex-presidente do FMI e  sob investigação por fraude no banco estatal espanhol Bankia, que vai receber  belíssima soma para atuar como "consultor externo" da multinacional espanhola, que, no Brasil, é comandada, há anos, por um ex-diretor da ANATEL.

Segundo O Estado de S. Paulo, as empresas de telefonia que operam no Brasil tiveram uma expansão de sua receita em 8,3% ao ano, desde 2005, e só reinvestiram 3% ao ano, no mesmo período.

Mais grave ainda é a revelação de que, desde a privatização do sistema Telebrás, em 1998, as empresas investiram 390 bilhões, contra uma receita calculada em quase dois trilhões de reais. Esse número é obtido pela informação dos dois principais dirigentes da Oi e da Vivo, de que foram investidos mais ou menos 20% da receita total. Se os investimentos foram de 390 bilhões, basta multiplicar por cinco, para obter a receita total destes 14 anos. É bom lembrar que boa parte dos investimentos foram bancados pelo BNDES, a juros de mãe amorosa.

O Brasil é o paraíso dos investidores estrangeiros, nesse sistema de colonialismo dissimulado. Há poucos dias, outro jornal, O Globo, divulgava que as montadoras de automóveis lucram 3 vezes mais em nosso país do que nos Estados Unidos. A margem de lucro dessas empresas, no Brasil, é de 10%, enquanto nos Estados Unidos não passa de 3%. E não só nos Estados Unidos os carros são muito mais baratos. Há modelos que custam duas vezes mais no Brasil do que na França, e 30% mais barato ali mesmo, na Argentina.

A defesa do interesse nacional recomenda medidas mais fortes de parte do Estado. O governo, no entanto, caminha lentamente. A restauração da Telebrás, iniciada timidamente, timidamente se desenvolve. Há visível desinteresse do Ministro Paulo Bernardo em dar à velha empresa nacional os instrumentos de sua reorganização e funcionamento, para a universalização da banda larga no país.

A privatização das empresas estatais brasileiras foi decidida, como todos sabemos, em Washington, com a articulação dos economistas neoliberais, no famoso Consenso, que não ouviu os povos, nem examinou criteriosamente os efeitos da globalização exacerbada da economia. Como se recorda, o objetivo, claro e desaforado, da nova ordem que propunham era o de acabar com a democracia política e sua substituição por um governo de gerentes a serviço do sistema financeiro mundial. Nesse sentido, chegou-se a um Acordo Mundial de Investimentos que, simplesmente, colocava o dinheiro sem pátria acima dos estados nacionais. Muitas das cláusulas desse acordo foram cumpridas pelo governo neoliberal de então. E só a reação da França e do Canadá impediu que o tratado espúrio fosse assinado, oficialmente, pelos governos vassalos daquela época, entre eles, o do Brasil.

Hoje, os mais lúcidos economistas do mundo demonstram o erro cometido pelos países que privatizaram suas grandes empresas. Entre eles, dois prêmios Nobel – Joseph Stiglitz e Paul Krugman.

Se a privatização fosse realmente uma vantagem, os Estados Unidos já teriam privatizado a TVA – fundada por Roosevelt, em 1933 – e a Amtrak

Aaron Swartz, guerrilheiro da internet livre

O (suposto) suicídio do gênio da programação e ativista Aaron Swartz não é somente uma tragédia, mas um sinal da enorme dimensão do conflito político e ideológico envolvendo defensores de uma Internet livre e emancipatória, de um lado, e grupos organizados dentro do sistema que pretendem privatizar e limitar o acesso à produção intelectual humana, de outro. Neste sábado (12/01), colunistas de cultura digital de diversos jornais escreveram sobre a morte do jovem Swartz, aos 26 anos, encontrado morto em um apartamento de Nova Iorque (ler os textos de John Schwartz, para o New York Times; Glenn Greenwald, para o The Guardian; Virginia Heffernan, para o Yahoo News; e Tatiana Mello Dias, para o Estadão). Diante da turbulenta vida do jovem Swartz e seu projeto político de luta pela socialização do conhecimento, difícil crer que o suicídio tenha motivações estritamente pessoais, como uma crise depressiva. A morte de Swartz pode significar um alarme para uma ameaça inédita ao projeto emancipatório da revolução informacional. O sistema jurídico está sendo moldado por grupos de interesse para limitação da liberdade de cidadãos engajados com a luta de uma Internet livre. Tais cidadãos são projetados midiaticamente como inimigos desestabilizadores da ordem (hackers). Os usuários da Internet, sedados e dominados pela nova indústria cultural, pouco sabem sobre o que, de fato, está acontecendo mundo afora.

A visão pública da Internet do wiz-kid Swartz: os anos de formação

Nascido em novembro de 1986 em Chicago, Aaron Swartz passou a infância e juventude estudando computação e programação por influência de seu pai, proprietário de uma companhia de software. Aos 13 anos de idade, foi vencedor do prêmio ArsDigita, uma competição para websites não-comerciais “úteis, educacionais e colaborativos”. Com a vitória no prêmio, Swartz visitou o Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde conheceu pesquisadores da área de Internet. Aos 14 anos, ingressou no grupo de trabalho de elaboração do versão 1.0 do Rich Site Summary (RSS), formato de publicação que permite que o usuário subscreva conteúdos de blogs e páginas (feeds), lendos-o através de computadores e celulares.

Aos 16 anos frequentou e abandonou a Universidade de Stanford, dedicando-se a fundação de novas companhias, como a Infogami. Aos 17 anos, Aaron ingressou na equipe do Creative Commons, participando de importantes debates sobre propriedade intelectual e licenças open-sources (ver a participação de Swartz em um debate de 2003). Em 2006, ingressou na equipe de programadores da Reddit, plataforma aberta que permite que membros votem em histórias e discussões importantes. No mesmo ano, tornou-se colaborador da Wikipedia e realizou pesquisas importantes sobre o modo de funcionamento da plataforma colaborativa (ler ‘Who Writes Wikipedia?‘). Em 2007, fundou a Jottit, ferramenta que permite a criação colaborativa de websites de forma extremamente simplificada (aqui). Em pouco tempo, Swartz tornou-se uma figura conhecida entre os programadores e grupos de financiamento dedicados a start-ups de tecnologia. Entretanto, sua inteligência e o brilhantismo pareciam não servir para empreendimentos capitalistas. Tornar-se rico não era seu objetivo, mas sim desenvolver ferramentas e instrumentos, através da linguagem de programação virtual, para aprofundar a experiência colaborativa e de cooperação da sociedade.

Aos 21 anos, Aaron ingressou em círculos acadêmicos (como o Harvard University’s Center for Ethics) e não-acadêmicos de discussão sobre as transformações sociais e econômicas provocadas pela Internet, tornando-se, aos poucos, uma figura pública e um expert no debate sobre a “sociedade em rede”. O vídeo abaixo, gravado em São Francisco em 2007, mostra o raciocínio rápido e preciso de Swartz sobre a arquitetura do poder na rede e as mudanças fundamentais da transição da mídia antes e depois da Internet.

Ativismo cívico e projetos políticos na rede: para além de empresas e lucros

A partir de 2008, Aaron Swartz – um “sociólogo aplicado“, como ele se autodenominava – engajou-se em uma série de projetos de cunho político, voltados ao ativismo cívico de base (grassroots) e ao compartilhamento de conteúdo on-line. Dentre eles, destacam-se três projetos específicos: (i) Watchdog, (ii) Open Library e (iii) Demand Progress.

O Watchdog é um website que permite a criação de petições públicas que possam circular on-line. Trata-se de um projeto não lucrativo, cujo mote é Win your campaign for change. O objetivo é fomentar a prática cidadã de monitoramento de condutas ilícitas, como se todos fossem “cães de guarda” da democracia. O segundo projeto, Open Library, pretende criar uma página da web para cada livro já publicado no mundo. O objetivo é criar uma espécie de “biblioteca universal” com bibliotecários voluntários, sendo possível o empréstimo on-line de e-books. Trata-se de um projeto sem fins lucrativos, nos quais programadores são responsáveis pelo registro e criação das páginas (em códigos abertos) para todos os livros (como diz o site: “Open Library é um projeto aberto: software, dados e documentações são abertos, e sua contribuição é bem-vinda. Você pode corrigir um erro, acrescentar um livro ou escrever um widget [programa complementar]. Temos uma equipe de programadores fantástico, que avançaram muito, mas não podemos fazer tudo sozinhos!” (1) . O terceiro e mais interessante projeto é o Demand Progress, plataforma criada por Swartz para conquistar mudanças progressistas em políticas públicas (envolvendo liberdades civis, direitos civis e reformas governamentais) para pessoas comuns através do lobbying organizado de base. A atuação do DP se dá de duas formas: através de campanhas on-line para chamar atenção das pessoas e contatar líderes do Congresso, e através do trabalho de advocacia pública em Washington “nas decisões por trás das salas que afetam nossas vidas”.

Em 2008, indignado com a passividade dos cientistas com relação ao controle das informações por grandes corporações, Swartz publicou um manifesto intitulado Guerilla Open Access Manifesto (Manifesto da Guerrilha pelo Acesso Livre). Trata-se de um texto altamente revolucionário, que encerra-se com um chamado: “Não há justiça em seguir leis injustas. É hora de vir à luz e, na grande tradição da desobediência civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública. Precisamos levar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-la com o mundo. Precisamos levar material que está protegido por direitos autorais e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bancos de dados secretos e colocá-los na Web. Precisamos baixar revistas científicas e subi-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerilla Open Access. Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado” (cf. ‘Aaron Swartz e o manifesto da Guerrila Open Acess‘).

A força criadora do jovem Aaron Swartz residia em um profundo espírito crítico e questionador. Nesta entrevista abaixo (sobre o Progressive Change Campaign), Swartz explica como seu ativismo começou: “Eu sinto fortemente que não é suficiente simplesmente viver no mundo como ele é e fazer o que os adultos disseram o que você deve fazer, ou o que a sociedade diz o que você deve fazer. Eu acredito que você deve sempre estar questionando. Eu levo muito a sério essa atitude científica de que tudo que você aprende é provisório, tudo é aberto ao questionamento e à refutação. O mesmo se aplica à sociedade. Eu cresci e através de um lento processo percebi que o discurso de que nada pode ser mudado e que as coisas são naturalmente como são é falso. Elas não são naturais. As coisas podem ser mudadas. E mais importante: há coisas que são erradas e devem ser mudadas. Depois que eu percebi isso, não havia como voltar atrás. Eu não poderia me enganar e dizer ‘Ok, agora vou trabalhar para uma empresa’. Depois que percebi que havia problemas fundamentais os quais eu poderia enfrentar, eu não podia mais esquecer isso”. Nesta entrevista, Aaron (aos 22 anos), esclarece que livros como Understanding Power (de Noam Chomsky) foram fundamentais para compreender os problemas sistêmicos da sociedade contemporânea. Todavia, a situação não é imodificável. O primeiro passo é acreditar que é possível fazer algo.

A luta e a resposta do sistema: do movimento Anti-SOPA à batalha judicial do JSTOR

No final de 2010, Aaron Swartz identificou uma anomalia procedimental com relação a uma nova lei de copyright, proposta por integrantes dos partidos republicanos e democratas em setembro daquele ano. A lei havia sido introduzida com apoio majoritário, com um lapso de poucas semanas para votação. Obviamente, segundo o olhar crítico de Swartz, havia algo por trás desta lei. O objetivo camuflado era a censura da Internet.

A partir da união de três amigos, Swartz formulou uma petição on-line para chamar a atenção dos usuários da Internet e de grupos políticos dos Estados Unidos. Em dias, a petição ganhou 10 mil assinaturas. Em semanas, mais de 500 mil. Com a circulação da petição, os democratas adiaram a votação do projeto de lei para uma analise mais profunda do documento. Ao mesmo tempo, empresas da Internet como Reddit, Google e Tumblr iniciaram uma campanha maciça para conscientização sobre os efeitos da legislação (a lei autorizaria o “Departamento de Justiça dos Estados Unidos e os detentores de direitos autorais a obter ordens judiciais contra sites que estejam facilitando ou infringindo os direitos de autor ou cometendo outros delitos e estejam fora da jurisdição estadunidense. O procurador-geral dos Estados Unidos poderia também requerer que empresas estadunidenses parem de negociar com estes sites, incluindo pedidos para que mecanismos de busca retirem referências a eles e os domínios destes sites sejam filtrados para que sejam dados como não existentes”, como consta do Wikipedia).

Em outubro de 2011, o projeto foi reapresentado por Lamar Smith com o nome de Stop Online Piracy Act. Em janeiro de 2012, após um intenso debate promovido na rede, a mobilização de base entre ativistas chamou a atenção de diversas organizações, como Facebook, Twitter, Google, Zynga, 9GAG, entre outros. Em 18 de janeiro, a Wikipedia realizou um blecaute na versão anglófona, simulando como seria se o website fosse retirado do ar (cf. ‘Quem apagou as luzes em protesto à SOPA?‘ e ‘O apagão da Wikipedia‘). A reação no Congresso foi imediata e culminou na suspensão do projeto de lei. Vitória do novo ativismo cívico? Para Swartz, sim. Uma vitória inédita que mostrou a força da população e da mobilização possível na Internet. Mas não por muito tempo. Em um discurso feito em maio de 2012 — que merece ser visto com muita atenção –, Aaron foi claro: o projeto de lei para controlar a Internet irá voltar, com outro nome e outro formato, mas irá voltar…

Mas não foi somente através da liderança no movimento de peticionamento on-line que culminou nos protestos contra o SOPA que Swartz chamou a atenção das autoridades estadunidenses. Em 2008, ele foi investigado pelo FBI por ter baixado milhões de documentos públicos do Judiciário mantidos pela empresa Pacer (que cobra pelo acesso a documentos públicos!). A investigação, entretanto, não resultou em processo criminal ou civil.

O processo kafkiano que pode estar relacionado com a morte de Swartz teve início em julho de 2011, quando o ativista foi processado por “fraude eletrônica, fraude de computador, de obtenção ilegal de informações a partir de um computador protegido”, a partir de uma acusação da companhia JSTOR – uma das maiores organizações de compilação e acesso pago a artigos científicos. Aaron programara um dos computadores públicos do Massachussets Institute of Technology (MIT) para acessar o banco de dados da JSTOR e fazer download de artigos científicos de diversas áreas do conhecimento. Em poucos dias, baixou mais de 4 milhões de artigos científicos (e não se sabe qual era seu plano inicial, ou seja, de que modo ele pretendia publicar esses documentos de acordo com a tese do open acess movement). Pelo fato de Swartz ter feito o download de muitos documentos ao mesmo tempo (mas o acesso pelo computador da instituição não permite isso?), foi processado por fraude eletrônica e obtenção ilegal de informações.

O sentido de um processo kafkiano (referente ao Processo da obra literária de Franz Kafka) deve ser melhor explicado. A questão é que Aaron Swartz não cometeu, a princípio, nenhum ato ilícito (ele poderia fazer o download de artigos científicos como qualquer acadêmico logado a uma máquina com acesso ao JSTOR pode). E mesmo depois de acusado, entregou-se à Justiça e afirmou que não tinha intenção de lucrar com o ato. Diante do aviso de que a distribuição dos arquivos infringiria leis nacionais, Aaron devolveu os arquivos digitalizados para a JSTOR, que retirou a ação judicial de caráter civil. Ou seja: caso encerrado, correto?

Errado. Após o acordo entre Aaron e a JSTOR, a Promotoria de Justiça de Boston, através da US Attorney Carmen Ortiz, indiciou Aaron Swartz por diversas ofensas criminais, pedindo a condenação do ativista em 35 anos de prisão (sic!) e o pagamento de 1 bilhão de dólares de multa. O processo penal teve início, sendo oferecida a Swartz a oportunidade de fazer um acordo penal que reconhecesse sua culpa (plead guilty). Irredutivelmente — mesmo sendo aconselhado por alguns advogados a agir em sentido contrário –, Swartz recusou-se a declarar-se culpado, por não considerar seus atos como ilícitos. Mesmo com a intervenção da JSTOR, que reconheceu não se sentir prejudicada pelos atos de Swartz, a Promotoria continuou a amedrontá-lo. O processo penal — extremamente custoso nos Estados Unidos — esvaziou suas poucas reservas financeiras e gerou um enorme trauma psicológico. O julgamento da ação penal estava marcado para abril de 2013 e Aaron Swartz recusava-se a comentar o assunto em entrevistas, palestras e eventos. Alguns especulam que o suicídio está ligado com o processo penal, considerado por muitos como uma resposta do governo dos Estados Unidos contra o ativismo libertário de Aaron. Na opinião de Greenwald, o colunista do Guardian, ele “foi destruído por um sistema de ‘justiça’ que dá proteção integral aos criminosos mais ilustres — desde que sejam integrantes dos grupos mais poderosos do país, ou úteis para estes –, mas que pune sem piedade e com dureza incomparável que não tem poder e, em especial, quem desafia o poder”. (2)

Até o momento, não há cartas ou posts de Swartz sobre o assunto. Não há, aliás, confirmação concreta de que houve suicídio (ou se foi uma morte herzogiana, comum na história brasileira). Trata-se de um grande mistério. Para a família de Swartz, uma coisa é clara: se houve suicídio, o bullying judicial realizado pelo Judiciário estadunidense foi um fator que levou o jovem ativista a encerrar a própria vida, em um sinal de protesto contra todo o injusto sistema.

As lições de um jovem revolucionário

Há muito o que extrair das falas, dos textos e das ações do gênio da informática Aaron Swartz. Ativista político, sociólogo aplicado, defensor da Internet livre, criador de mecanismos de compartilhamento de dados e crítico da forma como a sociedade global está se estruturando contra as liberdades básicas, Swartz deixa aos jovens da era da Internet um forte recado revolucionário: a mudança começa em cada um. Todo indivíduo possui autonomia para pensar e contestar o que está posto. Além de contestar, a ação colaborativa pode modificar as instituições existentes em uma perspectiva pós-capitalista. O conhecimento pode ser compartilhado, softwares podem ser desenvolvidos em conjunto e projetos podem ser executados com o financiamento coletivo.

Informação é poder. Swartz enxergou muito além do que seus contemporâneos e tentou mobilizar os usuários de Internet para construção de um outro mundo. Infelizmente, não foi apoiado da forma como precisava. A reverberação de suas ideias e suas ações ainda é muito fraca. Mas isso não é motivo para desistência. A brevíssima vida deste jovem estadunidense pode inspirar corações e mentes. Em tempos de discussão no Brasil sobre o Marco Civil da Internet, corrupção da política e agigantamento do Judicário, o resgate a seu pensamento é necessário. Ainda mais em um país que conta com mais de 80 milhões de usuários de Internet. A questão é saber se as pessoas terão curiosidade e interesse em compreender o projeto de vida de Swartz ou se irão continuar lendo matérias produzidas por corporações interessadas na limitação da liberdade na Internet.

Eu fico com o projeto de Swartz. Aliás, fique livre para copiar esse texto.

Rafael A. F. Zanatta, mestrando em sociologia jurídica (FD/USP), pesquisador (Direito GV), professor universitário e advogado. Editor do blog E-mancipação.

(1) Open Library is an open project: the software is open, the data are open, the documentation is open, and we welcome your contribution. Whether you fix a typo, add a book, or write a widget–it’s all welcome. We have a small team of fantastic programmers who have accomplished a lot, but we can’t do it alone!”

(2) “Swartz was destroyed by a “justice” system that fully protects the most egregious criminals as long as they are members of or useful to the nation’s most powerful factions, but punishes with incomparable mercilessness and harshness those who lack power and, most of all, those who challenge power“

Lições do MEC ao MiniCom

Em 8 de janeiro último saiu publicado no Diário Oficial a lista de 38 cursos universitários reprovados pelo Ministério da Educação (MEC), o que contou com uma vasta cobertura jornalística. E se o Ministério das Comunicações fizesse o mesmo? Qual seria o tom das matérias?

Independentemente dos critérios adotados na avaliação do MEC e/ou dos equívocos de boa parte da imprensa em interpretar tais informações, todos reconhecem que, em nome do ensino de qualidade e do interesse público, o Estado cumpre seu papel constitucional em fiscalizar as universidades tanto em forma (laboratórios, bibliotecas, equipamentos…) como em conteúdo (projetos didáticos, capacidade do corpo docente, “provão” para os estudantes…).

No Jornal Nacional daquela noite (ver aqui), pelo lado das universidades mal pontuadas falaram o coordenador do curso de Arquitetura da Mackenzie, Paulo Correia, e a reitora da PUC, Ana Maria Marques Cintra, ambas instituições confessionais com sede em São Paulo. Nos dois casos, mesmo com a surpresa, as respostas foram semelhantes.

“Vamos nos debruçar sobre os dados para que a gente reverta isso da forma mais rápida. Numa escola com esse nível de tradição, nós devemos essa resposta à sociedade”, disse Correia. Já a reitora, falando que tomará providências o quanto antes, afirmou: “Até porque nós entendemos que a avaliação do MEC seja alguma coisa importante para a universidade”.

E a posição do ministro Aloizio Mercadante na sonora que encerra a matéria foi curta e grossa: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de abertura de vestibular”.

A Constituição de 1988 diz em seu artigo 209 que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional, e II – autorização e avaliação de qualidade pelo poder público”. São apenas duas exigências – muito pouco se comparadas aos princípios estabelecidos logo mais adiante, no artigo 221, ainda no título da Ordem Social, quando trata da programação das concessionárias de rádio e televisão:

“I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Qual a diferença entre a educação e a comunicação? Por que uma tem seu controle social legitimado e a outra, repudiado?

Discursos de conveniência

Vale lembrar a cobertura do mesmo Jornal Nacional em 16 de março de 2010, quando do lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), com a Rede Globo criticando a proposta da criação de uma regulamentação do artigo 221 da Constituição, prevendo sanções para concessionárias de rádio e TV que o violassem. Exatamente como o MEC faz com as escolas que autoriza a funcionar.

Havia ainda outra proposta no PNDH-3, esta falando mais fundo nos bolso das concessionárias: “suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”. Para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, banaliza o uso de câmeras escondidas e faz apologia cotidiana da violência, realmente, trata-se de uma grande ameaça.

Além dos discursos de conveniência adotados pela imprensa, vale também levantar o questionamento sobre os discursos do governo. Imaginemos a mesma fala de Aloizio Mercadante na boca do ministro das Comunicações Paulo Bernardo: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de renovação da concessão”. Ou da ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de anúncios do Banco do Brasil, Caixa, Petrobras…”.

O que garante a tranquilidade dos radiodifusores é o fato de terem a certeza de que não serão tocados em seus privilégios. Além da fala presidencial de que o “único tipo de controle à mídia é o controle remoto”, as emissoras de rádio e TV ainda fazem questão de desconsiderarem que são concessionárias de serviço público. Mas nem precisariam, já que o artigo 41 da Lei nº 8.987/1995 – a chamada Lei de Concessões –, o primeiro das disposições transitórias, diz:

“O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.

Por que não?! Abro um parênteses aqui para dar a dica que valeria um bom estudo a respeito do lobby em torno desta lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso.

A histórica inércia do MiniCom pode ser destacada com alguns casos recentes: a) a reforma na regulamentação sobre os conteúdos de TV por assinatura partiu da Ancine; b) os debates sobre o sistema público/estatal de TV foram provocados pelo Ministério da Cultura; c) o Programa Nacional de Banda Larga nasceu na Casa Civil; d) a classificação indicativa é proposta do Ministério da Justiça; e) a regulamentação da publicidade vem da Anvisa e do Ministério da Saúde; f) a Conferência Nacional de Comunicação só saiu do papel porque o então presidente Lula mandou, e isso aos 44 minutos do segundo tempo.

Já passou da hora de o Executivo e o Legislativo brasileiros deixarem de ser omissos em relação aos temas da comunicação. Há de chegar o tempo em que – a exemplo do que acontece nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, França, Alemanha e outros países democráticos – a imprensa brasileira irá noticiar que empresas de mídia foram reprovadas em forma e/ou conteúdo; e seus dirigentes darão entrevistas para falar das mudanças que farão em prol do interesse público.

A Educação tem mesmo muito a ensinar.

Edgard Rebouças é jornalista, mestre e doutor em Comunicação na área de políticas de comunicações, professor na Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas (www.ufes.br/observatoriodamidia)