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Retrocesso nas políticas públicas de comunicação do Distrito Federal

O Distrito Federal ganhou visibilidade na área de comunicação com a proposta de criação de um Conselho de Comunicação Social e com a aprovação de outras propostas – como a criação de uma TV Pública Distrital e de um fundo para estimular produções de veículos alternativos – no 1º Seminário de Comunicação do Distrito Federal (#ComunicaDF). O evento foi organizado a partir de um diálogo entre entidades da sociedade civil e a atual gestão Agnelo Queiroz iniciado desde o pós-eleição, em 2010.   

Mas agora não apenas essas propostas mas como toda a agenda das políticas de comunicação correm o sério risco de serem ignoradas pelo governo petista de Agnelo Queiroz. As mudanças anunciadas na Secretaria de Comunicação Social do GDF, nos últimos dias, não refletem avanços nesse processo. Pelo contrário, no Distrito Federal a lógica da estratégia de comunicação focada apenas em assessoria de imprensa prevalece, mais uma vez, em detrimento da construção de uma política de comunicação mais inclusiva e democrática.

A secretária Samanta Sallum foi exonerada da Secretaria de Comunicação e nomeada titular da Coordenadoria de Comunicação da Copa de 2014, órgão temporário e que, portanto, vai ser extinto em algum momento após a competição. O seu lugar foi ocupado por Ugo Braga. A área responsável pelas políticas de comunicação, a Subsecretaria de Articulação Social e Novas Mídias, foi desmontada e transformada na Subsecretaria de Comunicação Pública, vinculada à Coordenadoria de Comunicação da Copa. Sim, a área de políticas de comunicação, que deveria estar na Secretaria de Comunicação, foi para um órgão de assessoria de imprensa temporário voltado para a Copa do Mundo na capital, indo contra toda e qualquer lógica de organização dessa política setorial.

Como se não bastasse tamanha falta de compreensão sobre a importância e o lugar das políticas de comunicação, a vontade expressada pelo novo secretário de comunicação, Ugo Braga, era de que não pretendia levar adiante o debate e as ações relativas às políticas públicas de comunicação em sua gestão. Portanto, a política pública, que deveria estar a bem do interesse do povo, ficou a mercê das opções individuais de gestores, colocando o Distrito Federal em situação inexplicável e quase vexatória perante a realidade de outros estados.

As políticas de comunicação, como qualquer outra política pública, devem ter atenção permanente e receber o espaço necessário e adequado nas estruturas de governo, e não ser levadas à frente ou estagnadas pela decisão de um ou outro gestor. É necessário ao Governo do Distrito Federal o exercício da razoabilidade, sendo urgente uma repactuação que não gere prejuízos à sociedade.

Sabemos que no Brasil este debate é cercado de meandros e dificuldades, seja no governo federal, seja nos governos estaduais. Mesmo assim, foi possível avançar positivamente em estados como a Bahia, o Rio Grande do Sul, Pernambuco e Sergipe, que já compreenderam a importância das políticas públicas de comunicação para o avanço e a consolidação da democracia na nossa sociedade.

É inadmissível, portanto, que haja, por parte de um governo do Partido dos Trabalhadores, (partido que inclusive aprovou uma resolução de que priorizará a luta pela democratização da comunicação no próximo período), tamanho descaso e retrocesso em relação a este tema. Sobretudo, após o avanço alcançado graças ao estabelecimento de um canal de diálogo entre sociedade civil e governo, que resultou na aprovação legítima de 12 prioridades de políticas de comunicação assumidas publicamente pelo senhor governador Agnelo Queiroz.

Esperamos que o governador honre sua palavra e cumpra os compromissos que assumiu com a sociedade civil do Distrito Federal. Em primeiro lugar, reestruturando o setor responsável pelas políticas de comunicação. Em segundo lugar, enviando à Câmara Legislativa o projeto de lei de criação do Conselho de Comunicação Social do DF. E, em terceiro lugar, retomando o diálogo para encaminhar as demais propostas aprovadas no ComunicaDF.


Jonas Valente é jornalista, pesquisador da área de políticas de comunicação e autor de livros sobre o tema. É secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Foi da Comissão Organizadora Nacional da 1a Conferência Nacional de Comunicação. Coordenou o programa de governo de Comunicação e Democracia da candidatura de Luis Inácio Lula da Silva em 2006. É pesquisador associado do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília.

Mulheres e o marco regulatório da comunicação

Foi sancionada no dia 27 de fevereiro deste ano, na Câmara de Vereadores de Fortaleza, através da Mesa Diretora, a proposta do presidente da Casa Walter Cavalcante (PMDB) de exibição missas e cultos, aos domingos, na rádio e TV Fortaleza. Sabemos que o fundamentalismo cristão foi – e ainda é – um dos principais aliados do patriarcado na opressão às mulheres.

A resolução, de nº 005/2013, nos fez refletir sobre o papel de nós, feministas, na construção de uma outra comunicação. Será que há possibilidade de construirmos uma comunicação não machista? Qual nossa tarefa? Quais debates estão ocorrendo no Brasil sobre a comunicação? A comunicação é uma pauta das mulheres?

Estamos cansadas de saber que a mídia nos invisibiliza, mercantiliza nosso corpo e nossas vidas e impõe um estereótipo que, na maioria das vezes, não reflete a nossa realidade. A comunicação, desde os mais antigos registros da humanidade, sempre esteve sob o controle dos que têm o poder. Ora, a nós mulheres, cujo processo de exclusão do poder se dá pelo nosso papel da reprodução, resta-nos uma mídia que legitima e naturaliza a discriminação, o sexismo, o machismo e a violência contra a mulher.

As informações disseminadas em qualquer época estão longe de serem neutras – afinal, a neutralidade é algo que só aprendemos (e que só existe) na faculdade. Assim, quem detém os meios de comunicação hegemoniza uma visão social de mundo, inclusive no que tange ao papel da mulher na sociedade. Cotidianamente, ocorrem a exibição e a circulação de fatos e imagens da mulher, no mínimo, constrangedores, que nos inferiorizam seja através das peças publicitárias, seja por meio de produções como novelas, programas humorísticos, letras de música, etc.

O Brasil possui, segundo o estudo Donos da Mídia, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), 9.477 veículos de comunicação, mas apenas quatro grupos nacionais controlam diferentes mídias, gerando um evidente oligopólio na comunicação. A Rede Globo de Televisão possui 340 veículos, o SBT tem 195, a Rede Bandeirantes, 166, e a Rede Record, 142. A comunicação concentrada e globalizada se constitui um fundamental instrumento ideológico das classes dominantes.

Não há um marco regulatório que coloque princípios, diretrizes e regras nítidas para a garantia da comunicação como direito. E, por ela ser um direito, deve estar submetida ao controle social. O debate sobre a necessidade de democratização da comunicação no Brasil tem sido feito há muito tempo. Em 2009, através de uma grande pressão social, foi convocada, no governo do presidente Lula, a I Conferência Nacional de Comunicação. Mais de 600 propostas, desde o fim do oligopólio no setor até o estímulo a produção independente, foram aprovadas para a democratização da comunicação.

Em 2012, mais uma vez por meio de mobilização da sociedade, foi lançada a campanha “Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo“, articulada pelo FNDC. A campanha coloca como pauta do dia para o Brasil a discussão de uma nova Lei de Regulação da mídia.

Para nós, feministas, que fazemos o contraponto à forma como a produção de conteúdos é criada e veiculada hoje na mídia, é extremamente importante intervir de forma ativa e sistemática para alterar o contexto que se apresenta carregado de estereótipo e preconceito contra as mulheres, em todas as fases de nossas vidas. É impossível dissociar a mudança dessa forma de produção dos pontos estruturais da comunicação para construir uma perspectiva declasse, gênero, raça, etnia e orientação sexual.

Precisamos de mecanismos reais que possam fortalecer as ações pontuais de conteúdo e produzir impactos nas políticas públicas de comunicação.

Por isso, compreendemos que a luta feminista passa, também, pela construção e pela efetivação de um novo Marco Regulatório da Comunicação no Brasil.

Laryssa Praciano é militante da Marcha Mundial das Mulheres do Ceará.

Paulo Bernardo, ministro das comunicações ou das teles?

Paulo Bernardo esteve ontem em São Paulo para uma audiência com o prefeito Fernando Haddad. Ao sair, afirmou: “O prefeito me disse que tem abertura para discutir (na Câmara Municipal) mudança na legislação. Ele me falou da intenção da prefeitura de estabelecer políticas públicas na área de comunicação, por exemplo, uma rede de wi-fi na cidade”. E acrescentou: “Eu disse ao prefeito: ‘você quer uma rede de wi-fi na cidade, mas se fizer uma rede chinfrim, o pessoal vai fazer uma festa, inaugura, dali a dois meses vai começar a reclamar que a internet é muito lenta. Vão falar mal de quem? Vão falar do Fernando Haddad.”

Se tivesse lido essa declaração em outro veículo e assinada por outro jornalista, duvidaria. Mas o texto é do talentoso amigo Eduardo Maretti e foi publicado na Rede Brasil Atual, que até onde sei não tem nada contra Paulo Bernardo e nem contra Haddad. A propósito, Paulo Bernardo nos idos tempos foi ligado ao movimento sindical bancário e era um petista de quatro costados. E hoje, a quem serve Paulo Bernardo?

O PT aprovou recente resolução defendendo a regulamentação da área de comunicação e questionando os 60 bilhões de isenção (que Bernardo diz serem 6 bilhões) para as teles. E Bernardo, que se diz petista, fez de conta que não era com ele. Agora Bernardo vem a São Paulo defender as teles e tentar colocar reio no governo municipal porque este quer distribuir wi-fi grátis na cidade. Vem em nome das teles ou do governo federal? Qual é o papel de um ministro? Incentivar políticas públicas ou tentar impedi-las em nome de interesses privados?

Dilma sabia que Paulo Bernardo viria a São Paulo com esta missão hoje? Isso foi discutido em âmbito federal?  Foi Dilma quem solicitou a ele que fizesse lobby tentando impedir a cidade de abrir o sinal da internet em alguns pontos?

Entrei em contato com algumas pessoas que estão na equipe do secretário Simão Pedro (Obras e Serviços) e que estudam formas de criar condições para lançar uma política pública de banda larga na cidade. Quando lia os trechos da reportagem, a perplexidade era imensa. Em nenhum momento a equipe do ministro ou assessores dele procuraram assessores da prefeitura que estão trabalhando no tema. Ou seja, Bernardo não tem nenhum elemento para dizer que o plano é chinfrim. Mas mesmo assim saiu atacando-o porque as teles estão morrendo de medo que se implantado com sucesso em São Paulo, um plano desses as fará perder parte do mercado que as alimenta com monstruosos lucros operando um serviço de péssima qualidade.

Entre outras coisas, no projeto de wi-fi grátis de São Paulo discute-se que onde o sinal for aberto aproximadamente 1 mil pessoas possam vir a se conectar ao mesmo tempo tendo uma banda superior a 1 Mbps. Bem diferente do PNBL chinfrim que Paulo Bernardo falou que ia implantar, mas que virou plano de negócios das teles. Hoje, o governo federal e a Telebrás só entram onde as teles não têm interesse em operar.

O ex-bancário, sindicalista, petista e agora ministro, trabalha para o governo e para a sociedade brasileira? Porque se é isso, melhor refletir sobre a visita de ontem a São Paulo, onde se comportou como um garoto de recado das teles.

Renato Rovai é editor da Revista Fórum

Por que a Ley de Medios da Argentina é referencia fundamental para a América Latina

O atual processo de transformações políticas, socioeconômicas e culturais na América Latina tem na Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina um de seus marcos mais significativos. Pela primeira vez na história da região, um país formula, aprova e faz cumprir uma legislação que protege e valoriza a diversidade informativa e cultural, com marcos regulatórios democraticamente discutidos e instituídos.

Nosso objetivo aqui é evidenciar a importância da legislação argentina como fonte de inspiração para providências antimonopólicas ao alcance dos demais governos progressistas latino-americanos, em sintonia com a agenda de reivindicações de entidades e movimentos sociais que defendem a comunicação como direito humano. O que parecia ser um ideal distante, quase inexequível, torna-se uma certeza que começa a alastrar-se pelo continente. Em um processo que faça convergir as vontades transformadoras do Estado e de amplos segmentos da sociedade civil, a nova lei traz o convencimento de que é viável “uma outra comunicação possível”, descentralizada e plural, conquistada de forma equilibrada e participativa.

O texto que se vai ler divide-se duas partes. Na primeira, focalizamos, resumidamente, o quadro de concentração midiática na América Latina e suas implicações, com o propósito de situar o contexto adverso que levou governos progressistas a intervirem, com intensidades que variam de país para país, nos sistemas de difusão. Na segunda parte, abordamos a correspondência entre as disposições da Lei de Comunicação Audiovisual e as aspirações sociais por uma comunicação mais democrática. Apontamos medidas, reclamadas ou em preparação em outros países, que se materializam, pioneiramente, na legislação argentina, transformando-a em referência obrigatória.

O cenário que deve mudar

Para se avaliar a relevância da Lei de Comunicação Audiovisual como instrumento de reestruturação dos setores de informação cultura em moldes mais pluralistas, é essencial explicitar o intrincado cenário midiático da América Latina.

As últimas décadas acentuaram a concentração da mídia latino-americana nas mãos de um reduzido mínimo de megagrupos. Essa moldura de concentração prospera em meio à convergência de sistemas, redes e plataformas de produção, transmissão e recepção de dados, imagens e sons. A digitalização alarga o acesso às tecnologias a faixas mais amplas da sociedade – ainda que de maneira bastante desigual – e impulsiona o crescimento da oferta de produtos e serviços em diferentes plataformas, redes, canais e suportes digitais, sob controle estrito de grupos nacionais e transnacionais. Os focos das políticas de comercialização são a expansão ininterrupta dos mercados consumidores, diminuição de custos industriais e enormes ganhos de produtividade com a economia de escala.

A expansão das indústrias de mídia na América Latina vincula-se historicamente a interesses privados e transnacionais, favorecidos pela fragilidade dos mecanismos de regulação e controle dos fluxos audiovisuais e de capital que cruzam fronteiras por satélites e redes infoeletrônicas. Os baixos investimentos dos governos em tecnologias e produção cultural, as políticas públicas inconsistentes ou inexistentes e a inercia regulatória afastaram o Estado do protagonismo nas áreas de informação, entretenimento e telecomunicações. As desregulamentações e privatizações neoliberais durante os anos 1980 e 1990 favoreceram a acumulação de propriedade, meios e tecnologias, permitindo a constituição de verdadeiros latifúndios midiáticos, que exploram simultaneamente as cadeias de produção, distribuição, circulação e consumo de dados, sons e imagens, em busca de dividendos competitivos e lucros acelerados.

Na escalada da internacionalização, corporações transnacionais como News Corporation, Viacom, Time Warner, Disney, Bertelsmann, Sony e Prisa adquiriram ativos de mídia e/ou sedimentaram acordos com grupos multimídias regionais, ampliando exponencialmente suas atuações multissetoriais e os mercados para seus produtos e serviços. O resultado não poderia ser diferente: 85,5% das importações audiovisuais da América Latina provêm dos Estados Unidos.

Para os quatro maiores conglomerados latino-americanos – Globo do Brasil; Televisa do México; Cisneros da Venezuela; e Clarín da Argentina –, tais parcerias representam a possibilidade de entrecruzar negócios e estabelecer alianças com os atores de maior peso no plano internacional, que lhes oferecem logísticas sólidas, financiamentos e inserção mercadológica (BUSTAMANTE, 2009: 79-80).

Globo, Televisa, Cisneros e Clarín retêm 60% do faturamento total dos mercados e das audiências, assim distribuídos: Clarín controla 31% da circulação dos jornais, 40,5% da receita da TV aberta e 23,2% da TV paga; Globo responde por 16,2% da mídia impressa, 56% da TV aberta e 44% da TV paga; Televisa e TV Azteca formam um duopólio, acumulando 69% e 31,37% da TV aberta, respectivamente. Brasil, México e Argentina reúnem mais da metade dos jornais e das emissoras de rádio e televisão e 75% das salas de cinema da região.

Entre os impactos mais graves da concentração midiática na América Latina, podemos apontar: as políticas de preços predatórias destinadas a eliminar ou a restringir severamente a concorrência; os controles oligopólicos sobre produção, distribuição e difusão dos conteúdos; e a acumulação de parentes e direitos de propriedade intelectual por cartéis empresariais. Ainda há o alto risco de unificação das linhas editoriais e a prevalência das ambições empresariais sobre os interesses do conjunto da sociedade. As conveniências corporativas frequentemente se fixam em estratégias de maximização de lucros, sem demonstrar maior atenção com a formação educacional e cultural das plateias, muito menos com sentimentos de pertencimento e valores que conformam identidades nacionais e regionais.

A outra comunicação possível

Nos últimos anos, governos eleitos com o compromisso de reverter desigualdades e injustiças sociais, agravadas pela submissão de seus antecessores aos ditames do neoliberalismo, incluíram a democratização da comunicação em suas pautas de prioridades. Há consenso entre eles de que é indispensável a participação do poder público nos sistemas de informação e difusão cultural, a partir do entendimento de que as questões comunicacionais dizem respeito, na maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem limitar-se a vontades particulares ou cálculos corporativos, pois envolvem múltiplos pontos de vista existentes na sociedade. A ação regulatória do Estado deve zelar pelo equilíbrio entre o que deve ser público e o que pode ser privado, inclusive esclarecendo à população que as empresas de rádio e televisão não são proprietárias dos canais, apenas concessionárias de um serviço público com prazo de validade estabelecido em lei, podendo ou não ser renovado.

O fato alentador é a conversão de algumas de tais premissas em políticas públicas de comunicação, englobando providências para desfazer monopólios na radiodifusão; apoiar meios alternativos e comunitários e descentralizar os canais de veiculação; incentivar a produção audiovisual independente; garantir maior equanimidade nos acessos ao conhecimento e às tecnologias; e promover a geração e a distribuição de conteúdos regionais e locais sem fins comerciais.

A Lei de Comunicação Audiovisual da Argentina projeta-se como um instrumento inovador de regulação, fiscalização, fomento e diversificação das atividades informativas e culturais. As mudanças por ela introduzidas têm o pressuposto de que a comunicação é um serviço ligado a um direito humano, e não um negócio lucrativo. Os princípios antimonopólicos visam garantir a pluralidade de vozes e a horizontalidade informativa, fixando um marco regulatório abrangente para a comunicação midiática, incluindo convergência digital entre TV a cabo, telefonia e Internet e um regime de outorgas em condições equitativas e não discriminatórias.

São vários os pontos de identificação entre a legislação argentina e os anseios dos organismos e movimentos sociais que reivindicam uma comunicação democrática na América Latina. O primeiro item a destacar é a metodologia adotada pela presidenta Cristina Kirchner para a definição do anteprojeto de lei. As consultas públicas a setores representativos da sociedade civil consagraram um processo democrático de diálogo, consulta e negociação ético-política entre os atores envolvidos na matéria. A própria Cristina presidiu reuniões na Casa Rosada com empresários, líderes sindicais e estudantis, proprietários de empresas de comunicação, produtores independentes, reitores de universidades, diretores e professores de faculdades de comunicação, líderes da Igreja e de associações de rádios e televisões comunitárias, para apresentar ideias e receber sugestões. Sem contar os inúmeros debates sobre a lei promovidos em todo o país pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática (integrada por sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras comunitárias e movimentos de direitos humanos).

Ao acatar grande parte dos 21 pontos defendidos pela Coalizão, a Lei de Comunicação Audiovisual tornou-se expressão de uma vontade social mais ampla do que a visão exclusiva do governo que a propôs e depois a sancionou. A incorporação das propostas da Coalizão foi enaltecida em carta à presidenta Cristina Kirchner por entidades que atuam em favor da democratização da comunicação na América Latina, como Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (ALER), Associação para o Progresso das Comunicações (APC),Organização Católica Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (OCLACC) e Agência Latino-Americana de Informação (ALAI). [A carta enviada a Cristina Kirchner, em 23 de março de 2009, está disponível aqui.]

A lei argentina acolheu uma reivindicação consensual na maioria dos países latino-americanos, ao definir, em condições equitativas, três tipos de prestadores de serviços de radiodifusão sob concessão pública: a gestão estatal (meios públicos), a gestão privada com fins lucrativos e a gestão privada sem fins lucrativos (organizações não-governamentais, entidades sociais e comunitários, universidades, sindicatos, fundações, produtores independentes). Este ponto é decisivo para reverter a predominância do setor privado-comercial no sistema de mídia, pois estabelece equanimidade em termos de acesso, participação, prerrogativas e representatividade entre as três instâncias envolvidas. A pertinência desta e de outras determinações da lei foi ressaltada pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), que reúne três mil associados em 110 países (18 deles na América Latina e Caribe):

Um dos notáveis aspectos é o estabelecimento de diversas e efetivas medidas para limitar e impedir a concentração indevida de meios. Entre elas, os limites à quantidade de licenças que pode ter uma mesma pessoa ou empresa (a nível nacional e numa mesma área de cobertura) e os limites à propriedade cruzada de meios, em consonância com as melhores práticas internacionais. Com o objetivo de promover a diversidade de conteúdos nacionais e locais, a nova legislação argentina recolhe antecedentes de países europeus e também americanos ao incluir exigências mínimas de produção nacional, local e própria, bem como condições precisas para a formação de redes de emissoras, para limitar a centralização e uniformização em todo o país da programação de poucos grupos empresariais da capital federal. Outro aspecto a destacar é o reconhecimento expresso de três setores: estatal, comercial e sem fins de lucro, garantindo a participação das entidades privadas sem fins de lucro com uma reserva de 33% do espectro radioelétrico. [A nota da AMARC, divulgada em 13 de outubro de 2009, pode ser consultada aqui.]

A influência imediata da Lei de Comunicação Audiovisual pode ser comprovada em proposições semelhantes dos governos do Equador e do Uruguai. Nos dois casos, a revisão da radiodifusão toma em conta a legislação argentina, bem como a metodologia de consultas à sociedade civil para a formulação dos respectivos anteprojetos.

O governo da Venezuela vem modificando os critérios e as prioridades legais para a concessão de licenças de rádio e televisão. O objetivo é reequilibrar a radiodifusão entre os setores estatal, privado e social, tomando por base a Lei de Comunicação Audiovisual. Segundo o ex-ministro da Comunicação e Informação, Andrés Izarra, “na Argentina a legislação é mais avançada do que na Venezuela: um terço do espaço radioelétrico vai para as comunidades organizadas, as organizações não-governamentais”. E completa:

A lei argentina dá legitimidade ao reclamo de uso do espaço radioelétrico por parte dos meios alternativos. Creio que isso vai ser muito positivo para a Argentina, porque põe o país em sintonia com estes tempos. O espaço já não é apenas da oligarquia nem do setor privado, está se democratizando. É um fator comum para todos os nossos processos. Aparecem novos atores que antes nem sonhavam estar na comunicação. [Entrevista de Andrés Izarra a Mercedes López San Miguel “En Argentina la ley sobre los medios es más avanzada que en Venezuela”, 21 de novembro de 2010, disponível aqui.]

Mesmo no Brasil, onde praticamente nada foi feito durante os oito anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva para modificar a anacrônica legislação de mídia, a lei argentina constitui referência indiscutível com vistas a mudanças na radiodifusão. Isso pode ser constatado na similaridade observada em muitas proposições aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação de 2009 e até hoje não efetivadas pelo governo federal. No manifesto em defesa da democratização da comunicação, divulgado em 2 de abril de 2011,13 entidades nacionais, entre elas a Central Única dos Trabalhadores, a Federação Nacional dos Jornalistas, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, o Movimento Nacional de Direitos Humanos e a Amarc-Brasil, mencionam explicitamente a Lei de Comunicação Audiovisual: “Sigamos os exemplos de experiências vitoriosas de mobilização pela reforma do sistema de mídia na América do Sul, como ocorreu na Argentina, onde a sociedade organizada conseguiu ser um ator decisivo na proposta de reforma da legislação”. [O manifesto em favor da democratização da comunicação no Brasil está disponível aqui.]

Pelo exposto, concluímos que a Lei de Comunicação Audiovisual da Argentina prova a viabilidade de um marco regulatório avançado, “tanto pelo conteúdo democrático que expressa quanto pelo processo de consulta popular que orientou sua elaboração”, como salientou o relator da Comissão de Liberdade de Opinião e Expressão da Organização das Nações Unidas, Frank La Rue. [A avaliação de Frank La Rue está disponível no site ”Hablemos todos“, criado pelo governo da Argentina para divulgar a nova legislação.]Além de leis que impeçam práticas monopólicas, a reconfiguração dos sistemas de comunicação na América Latina depende de políticas públicas consistentes, debatidas e formuladas em sintonia com demandas da sociedade civil, bem como de instrumentos legais e determinação para colocar em prática as medidas de descentralização da mídia. Não adianta ter princípios gerais democráticos se não houver a decisão institucional de fazer valer normas, regulamentações e procedimentos que garantam a sua aplicação. Nesse sentido, é conveniente que governos de países vizinhos avaliem o trabalho em curso da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, organismo público criada pela nova legislação argentina com a incumbência de fiscalizar o cumprimento de suas deliberações e fomentar produção cultural comunitária e independente.

Finalmente, o caso paradigmático da Lei de Comunicação Audiovisual expõe a exigência incontornável de vontade política por parte dos governantes e de respaldo popular para levar adiante as mudanças, em razão das sistemáticas campanhas opositoras da mídia e elites conservadoras. As corporações resistem e resistirão a se submeter a restrições legais que afetem privilégios conquistados em décadas de cumplicidade com sucessivos governos. O que faz supor que será preciso empenhar cada vez mais forças nas batalhas midiáticas, de forma a esclarecer a opinião pública e impedir que prosperem argumentos geralmente falaciosos sobre transformações realmente necessárias no horizonte da comunicação.

Os avanços na Argentina põem em relevo o papel regulador e ativo que o Estado precisa desempenhar na vida social, para apressar, dentro das regras democráticas, legislações antimonopólicas, universalizar o acesso à informação e tentar deter a avassaladora concentração da mídia. Para a América Latina como um todo, significa a oportunidade histórica de analisar e absorver lições da Lei de Comunicação Audiovisual, na busca de legislações que, levando em conta as especificidades de cada país, resguardem e estimulem a diversidade informativa e cultural, a partir do reconhecimento de sua essencialidade para o aprofundamento da democracia.

[O presente texto é uma versão modificada do artigo “La mirada desde América Latina” publicado no livro Ley 26.522: hacia un nuevo paradigma en comunicación audiovisual, organizado por Mariana Baranchuk y Javier Usé (Buenos Aires, Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual/Universidad Nacional Lomas de Zamora, 2011.]

Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso, Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Autor de mais de 20 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba, entre os quais Vozes abertas da América Latina (2011), La cruzada de los medios en América Latina (2011), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (2010), A batalha da mídia (2009), Cultura mediática y poder mundial (2006), Sociedade midiatizada (2006) e Por uma outra comunicação (2003)

Coronéis eletrônicos, mídia e política em Sergipe

Políticos usam rádio e TV em benefício próprio
– Senador, o microfone é todo seu.

Com essas palavras um repórter da Rádio Rural de Concórdia, em Santa Catarina, iniciou uma entrevista, em 1965, com o então senador Atílio Fontana.

A resposta do à época parlamentar catarinense foi simples e direta:
– Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda.

Mais que cômica ou folclórica, a declaração de Atílio Fontana – 48 anos depois – continua emblemática do que representa o controle dos meios de comunicação por políticos no Brasil.

Enraizado na cultura e na prática política nacional, o vínculo entre propriedade de mídia e políticos é um fenômeno que permanece atual. Historicamente, meios de comunicação, em especial rádio e televisão, são controlados por poucos grupos familiares. Não coincidentemente, essas famílias são também os mesmos grupos oligárquicos da política local e regional.

Com base em dados oficiais, o projeto Donos da Mídia revelou que mais de 270 políticos são sócios ou diretores de veículos de comunicação em todo o país.

É aí que surge uma das principais características da política brasileira atual: o coronelismo eletrônico, prática em que políticos utilizam-se de concessões públicas de rádio e TV para promover interesses próprios e construir uma boa imagem perante a sociedade. Assim como no velho coronelismo, a moeda de troca continua sendo o voto. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação, na capacidade de influenciar na formação das opiniões.

Como no Brasil todo ano é eleitoral ou pré-eleitoral, ou seja, as disputas eleitorais sempre estão em jogo, os coronéis eletrônicos utilizam os meios de comunicação para promover seus aliados, hostilizar os adversários e cercear qualquer manifestação contrária aos seus interesses. Iniciam-se verdadeiras guerras particulares com armas públicas (afinal, é sempre bom lembrar que rádio e TV são concessões públicas, que têm prazo de validade e princípios constitucionais a seguir).

Uma verdadeira afronta ao Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e à Constituição Federal de 1988. Tanto o Código, que regula o rádio e a TV no Brasil, quanto a Carta Magna proíbem que políticos desempenhem a função de diretor ou gerente em empresas de rádio e TV, ou ainda que mantenham contratos, exerçam cargos ou emprego remunerado nestas empresas.

Sem dúvida, Sergipe é um estado que ilustra com fidelidade esta situação. Velhas e nem tão velhas assim lideranças políticas locais (ou grupos familiares, se preferir) são conhecidas, dentre outras coisas, por terem o controle da propriedade de grupos de comunicação, tanto de radiodifusão quanto de mídia impressa.

Os mais antigos foram “beneficiados” na farra da distribuição de concessões em troca de apoios político-eleitorais, que teve o seu auge no final dos anos 1980, quando o Ministro das Comunicações era ninguém menos que o baiano Antônio Carlos Magalhães, um dos maiores controladores de rádio e TV da história do país.

Outros, a partir do poder econômico do qual desfrutam, perceberam na comunicação um instrumento estratégico de conquista de poder político. E têm conquistado.

Não só os políticos que são sócios ou diretores de empresas de rádio e TV usam dos meios de comunicação para autopromoção. Basta ter um programa de rádio ou um espaço mínimo na televisão e ser aliado do proprietário da emissora.

Exemplo disso é o suplente de deputado estadual, Gilmar Carvalho, que, na semana passada, teve uma Representação impetrada pelo Ministério Público Eleitoral por “promover propaganda eleitoral antecipada” em seu programa de rádio matinal. O suplente de deputado veiculou uma música, com letra de sua própria autoria, em que exalta as suas “qualidades” e ações “públicas”, numa clara indução a uma possível candidatura em 2014.

Mas o uso político de uma emissora de rádio ou TV (concessão pública) nem sempre acontece de forma escancarada como fez Gilmar Carvalho. Se analisarmos com atenção os temas que estão em destaque neste início de ano em Sergipe – como Proinveste, situação financeira da capital, votações na Câmara de Aracaju, disputas na Assembleia Legislativa e articulações e diálogos com vistas às eleições de 2014 – perceberemos que as abordagens das matérias e os focos das análises variam de acordo com a orientação e opinião do político que está à frente da rede de comunicação.

Sai perdendo o jornalismo independente. Sai perdendendo o público, que tem direito a uma informação isenta de coloração partidiária. Sai perdendo a democracia.

Com a proximidade das eleições no próximo ano, essas tendências nas coberturas sobre política e políticos se aprofundarão e a população poderá observar com maior nitidez como se materializa o coronelismo eletrônico em Sergipe.

Paulo Victor Melo é jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência com jornalismo sindical, mídias públicas e políticas públicas de comunicação. Coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.