Arquivo da categoria: Análises

O Conselho da EPC e os desafios da comunicação pública

Em Recife, um dos momentos mais aguardados pelos movimentos que defendem a democratização da comunicação, após a criação da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC), ocorreu no último dia 19 de setembro: a posse do Conselho de Administração da EPC. A instância tem caráter deliberativo e competência para definir e estabelecer as diretrizes gerais e políticas de atuação da empresa.  O Conselho funcionará juntamente com a Diretoria Executiva, que contará ainda com um Conselho Fiscal.

O Conselho Administrativo será responsável pela gestão da TV Pernambuco; TV Golfinho – sediada na ilha de Fernando de Noronha; uma estação de rádio, além de uma estrutura que cobre o estado por meio de 62 retransmissoras. O órgão é composto por 13 membros: seis integrantes do governo, um representante da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), formada por ex-prefeitos das cidades pernambucanas, e seis da sociedade civil – eleitos por diversos segmentos, em pleito realizado em junho deste ano. Na cerimônia de posse, o secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, foi escolhido para presidir a instância, que já tem como tarefa emergencial a discussão e aprovação do orçamento proposto no Plano de Trabalho da TV, definido no Planejamento Estratégico para 2014 da EPC.

Fruto de intensos debates, pressão social e resolução aprovada na etapa pernambucana da Conferência de Comunicação, em 2009, a EPC é inspirada nos moldes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Assim como na EBC, o caráter público da TV, com participação social, autonomia e qualidade tem na figura jurídica do conselho uma grande aposta. Por isso, a posse do Conselho de Administração traz a expectativa de abertura dos caminhos rumo à efetivação da comunicação pública no estado e da complementaridade entre os sistemas Público, Privado e Estatal, conforme estabelecido pela Constituição Federal.

Uma outra comunicação é possível?

A pesquisa de opinião pública Democratização da Mídia, lançada pela Fundação Perseu Abramo, em agosto, revelou alguns dados importantes sobre a televisão brasileira. O estudo mostra que a TV é assistida diariamente por 82% dos brasileiros, porém 43% da população não se reconhece na programação difundida e 25% se vêem retratados negativamente. 61% dos entrevistados acham que a TV concede mais espaço para o ponto de vista dos empresários do que dos trabalhadores, e 35%, que os meios de comunicação, em geral,  defendem principalmente os interesses dos próprios donos.

O alcance deste meio de comunicação, sem dúvida, traz para o debate importância do papel da comunicação de caráter público na construção de uma televisão cidadã. Em Recife, a TV Pernambuco gravou um especial com membros da sociedade civil integrantes do Conselho sobre as expectativas em relação à instancia participativa. No programa, uma das questões mais comentadas pelos conselheiros é a possibilidade de , com a efetivação da EPC, ser formado um público mais reflexivo e com acesso à diversidade de informações também via difusão cultural.

O estado, todos os anos, garante incentivo a amplo número de  expressões artísticas por meio de edital público, o Fundo de Incentivo da à Cultura  (Funcultura). Este ano, o Fundo contou com R$ 33,5 mi. No entanto, as produções ainda não chegam ao grande público dos domicílios pernambucanos. A possibilidade de uma janela de exibição pública pode suscitar algumas perguntas: seria esta a hora e a vez da participação da produção independente na TV aberta? Seria a chance de conhecer mais e melhor nossas expressões artísticas? De ampliar conhecimentos com o intercâmbio de conteúdos diversos, de outras plagas e públicos? De não ficar fadado às opções ‘mais-do-mesmo’ das tevês comerciais? Espera-se que a reposta a pelo menos algumas das indagações venha com o desenrolar dos capítulos da implementação da EPC e da atuação do Conselho.

O orçamento

Sabe-se que os desafios são muitos para colocar em prática uma efetiva e atrativa comunicação do campo público. Há um fator essencial que pesa nesta balança, além do desejado e conquistado desenho institucional: o orçamento. Essa preocupação foi expressa em carta escrita pelos conselheiros titulares e suplentes da sociedade civil, lida na cerimônia de posse. “Em consulta preliminar dos representantes da sociedade civil, constatamos que não há previsão orçamentária de recursos para 2014, compatível com os desafios imediatos para a implantação da EPC”, diz o texto.

O documento salienta outra preocupação – a mudança da radiodifusão para o sistema digital e os prazos do cronograma do Ministério das Comunicações: “É fundamental viabilizar instalações físicas adequadas; a aquisição/substituição de equipamentos de produção e transmissão que garantam o cumprimento dos prazos definidos pelo MiniCom para ingresso da emissora no sistema digital”. O conselheiro Pedro Severien, presidente da Associação Nacional de Documentaristas – PE e da Associação Pernambucana de Cineastas (ABD/APECI), ressaltou:“Uma de nossas preocupações prioritárias é tentar encaminhar a proposta de orçamento da EPC a ser discutida pelo conselho, em tempo de ser incluída no orçamento do estado”.

Para o jornalista integrante do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), Ivan Moraes Filho, que participou do Grupo de Trabalho para a criação da EPC, a situação da financeira da TV não é muito animadora: “Para se ter uma ideia, dos cerca de R$ 15 milhões solicitados pela atual direção para o exercício de 2014,  apenas cerca de R$ 2 milhões constam na proposta orçamentária que a Secretaria de Planejamento enviará para aprovação na Assembléia Legislativa”, afirmou em entrevista. O chefe da Casa Civil, Tadeu Alencar, recém-empossado presidente do conselho, avalia que o problema poderá ser resolvido.

A primeira reunião do conselho está agendada para dia 23 de outubro, às 15h. Entre os pontos de pauta, estão: a avaliação de proposta de orçamento para tocar o planejamento estratégico da TV para 2014 e o processo de digitalização da emissora. As expectativas seguem para que a EPC alcance de fato os/as pernambucanos/as e que a conquista de seu desenho institucional participativo possa inspirar diferentes iniciativas em outras regiões com vistas ao fortalecimento e intercâmbio entre novas propostas comunicativas.

* Cátia Oliveira é jornalista, mestranda em Ciência Política na UFPE, integrante do Intervozes e uma das representantes da sociedade civil no Conselho da EPC

Maioria dos brasileiros acha que publicidade trata a mulher como objeto

A pesquisa "Representações das mulheres nas propagandas na TV", realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão e lançada nesta segunda-feira (30), em São Paulo, revela que uma das principais bandeiras do movimento feminista e dos defensores da democratização da mídia agora também é abraçada pela maioria da população brasileira. O estudo, que ouviu 1.501 homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, mostrou que 56% dos brasileiros e brasileiras não acreditam que as propagandas de TV mostram a mulher da vida real. Para 65%, o padrão de beleza nas propagandas é muito distante da realidade da nossa população, e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não conseguem ter o corpo e a beleza das mulheres mostradas nos comerciais.

A pesquisa mostrou ainda que 84% da população – 84% dos homens também! – acham que o corpo da mulher é usado para promover a venda de produtos. Para 58%, as propagandas de TV mostram a mulher como um objeto sexual, reduzida a bunda e peito. Um dos dados mais interessantes do estudo, no entanto, é o que aponta que 70% da população defendem algum tipo de punição para os responsáveis por propagandas que mostram a mulher de forma ofensiva. Ou seja, de maneira semelhante ao dado da pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que revelou que 71% dos brasileiros e brasileiras defendem a regulação dos meios de comunicação de massa, agora, percentual equivalente também defende a regulação da propaganda, com responsabilização pela veiculação de conteúdos machistas e que violem os direitos das mulheres.

Na avaliação da diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa será uma ferramenta importante para levar este debate ao conjunto da população do país. "Uma coisa são nossos argumentos, do movimento feminista. Outra é uma pesquisa que mostra uma percepção contundente e coerente da população sobre este tema", disse.

No Brasil, a regulação da publicidade cabe ao CONAR, conselho de autorregulação do setor, que atua com base no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.O Código, em seus artigos 19 e 20, afirma que "toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana" e que "nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade". As críticas à atuação do CONAR, no entanto, são inúmeras, da lentidão à não aplicação efetiva do Código.

É por isso que países como a França e a Inglaterra adotam mecanismos de corregulação da publicidade. Ou seja, se a autorregulação não funciona, o Estado – através da aplicação de leis e do funcionamento de órgãos reguladores – tem o direito e o dever de agir. E a pesquisa do Data Popular/Instituto Patrícia Galvão é a prova de que as mulheres seguem sendo desrespeitadas nas propagandas de TV no Brasil.

Falta diversidade

A pesquisa lançada nesta segunda-feira também apresenta uma série de dados que mostram a brutal ausência de diversidade na representação da mulher nos comerciais de televisão. Na percepção da sociedade, as mulheres nas propagandas são majoritariamente jovens, brancas, magras e loiras, têm cabelos lisos e são de classe alta. O problema é que não é assim que as mulheres querem se ver representadas.

Enquanto 80% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas, 51% gostariam de ver mais mulheres negras. Não coincidentemente, a população negra no Brasil é muito próxima deste percentual. Enquanto 73% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres de classe alta, 64% gostariam de ver mulheres de classes populares nas propagandas. Enquanto 87% veem mais mulheres magras nas propagandas na TV, 43% gostariam de ver mais mulheres gordas. Enquanto 78% veem mais mulheres jovens, 55% gostariam de ver mais mulheres maduras.

Há quem possa argumentar: "mas a publicidade nunca trabalhou com representação; sempre vendeu um determinado padrão". A novidade é que isso não está mais colando!

Para Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, a pesquisa mostra que há uma crise de identidade na publicidade e uma incompetência do mercado em relação à mulher. Enquanto as mulheres querem se ver e se reconhecer nas propogandas, os comerciais continuam trabalhando com um padrão aspiracional. "A questão é que a lógica da frustração não serve mais para vender produtos no Brasil. A mulher quer algo que está ao seu alcance, e não o impossível", afirma.

Ou seja, nem com toda a overdose massacrante dos padrões de beleza, que transformaram o Brasil no país da cirurgia plástica e dos lucros bilionários da indústria dos cosméticos, a mulher brasileira deixou de considerar importante se sentir representada na TV. Isso ficou muito claro na pesquisa. E certamente será um importante instrumento de luta para deixar a televisão brasileira com a nossa cara.

A partir dos dados da pesquisa, o Instituto Patrícia Galvão lançará um concurso de vídeos que discutam o tema da imagem da mulher na publicidade. A íntegra do estudo pode ser acessada aqui .

* Bia Barbosa é jornalista, membro do Conselho Diretor do Intervozes e militante feminista.

Europa avança na construção de um mercado único de telecomunicações

No dia 11 de setembro, o presidente da Comissão Européia, José Manoel Durão Barroso, anunciou um conjunto de propostas que, se aprovadas, representarão um passo decisivo na adoção de um mercado único europeu de telecomunicações. Há pontos positivos na proposta, como o fim do roaming internacional dentro da União Européia e o reforço da neutralidade de rede. Mas também há uma aposta liberal de que o mercado será capaz de fixar melhor os preços para contratação das redes de banda larga.

A proposta é a mais ousada iniciativa para concretizar o Pilar I (“mercado único digital”) da Agenda Digital para a Europa que, por sua vez, integra o Europa 2020, um plano de dez anos, definido pela União Européia, para recolocar o continente no rumo do crescimento econômico, depois da crise de 2008.

Embora anunciada com estardaçalho por Durão Barroso, a iniciativa, na verdade, é um recúo frente à proposta inicial, defendida pela comissária para Agenda Digital, Neelie Kroes. Diante da pressão de alguns estados-membro, a Comissão Européia deixou claro que não se trata de criar um órgão regulador único ou uma licença pan-européia para uso do espectro, conforme defendia Kroes.

Principais ações

A proposta fala em regras de gestão do tráfego de dados que sejam não discriminatórias, proporcionais e transparentes e proíbe a degradação de serviços concorrentes (como o Skype, por exemplo). Mas, permite que sejam vendidos serviços com qualidade superior ao acesso comum.

A União Européia também propõe aumentar os direitos do consumidor, com a disponibilização de informações sobre velocidade real de acesso (inclusive em momentos de pico de consumo) e práticas de gestão de tráfico adotadas. Os reguladores nacionais devem passar a monitorar a qualidade do serviço e podem impor requisitos mínimos de qualidade para o acesso a banda larga.

Mas, o mercado único começaria mesmo pela adoção de uma única licença que permitiria a operadora de telecomunicações atuar nos 28 estados-membro. Também haveria uma harmonização das regras para licenciamento de espectro, que embora continue ocorrendo em nível nacional, passaria a ser padronizado em todo continente, facilitando que operadoras atuem fora de seus países de origem.

A partir de julho de 2014 não haverá mais a cobrança de roaming para receber ligações. E, em 2016, o consumidor, quando em deslocamento, poderá optar por uma operadora que ofereça planos mais baratos, sem precisar trocar seu SIMcard.

A Comissão Européia optou por não impor a regulação dos preços no atacado para o acesso às redes de “nova geração” de alta velocidade. Sob o argumento de que o mercado europeu convive com diferentes regras que acabam se tornando uma barreira à concorrência, a Comissão Européia optou pelo caminho liberal da auto-regulação através do mercado.

Estratégia norte-americana

Embora o documento em vários momentos cite os benefícios para o cidadão comum, no fundo sua motivação é econômica e política e se assemelha muito àquela adotada pelos Estados Unidos, quando da aprovação do Telecommunications Act, de 1996.

Em 1981, a justiça norte-americana decretou o desmembramento da AT&T em várias operadoras regionais, que ficavam impedidas de avançar sobre as áreas de suas rivais. Já no começo dos anos 90 nascia a percepção de que tais empresas regionais eram pequenas demais para resistir ao avanço de suas concorrentes européias e japonesas. A estratégia norte-americana, então, foi derrubar barreiras e permitir o surgimento de grandes operadoras nacionais que pudessem constituir uma barreira a entrada de grupos estrangeiros.

Com a crise européia, as empresas de telecomunicações dos pequenos países da região passaram a ter preços atrativos. O mexicano Carlos Slim Helu, dono no Brasil da Embratel, da Claro e da NET, comprou 24% da Telekom Austria e deve assumir o controle total da holandesa KPN. Comenta-se que a AT&T e a chinesa Hutchison Whampoa estariam de olho na Italia Telecom.

A esperança da Comissão Européia é diminuir barreiras para ver surgir três ou quatro empresas de perfil continental. O grande problema é que todos os estados-membro esperam que suas empresas estejam no lado comprador dessa história e não será fácil compatibilizar tantos interesses. Os próximos passos dessa iniciativa prometem ser ainda mais polêmicos.

* Gustavo Gindre é especialista em regulação da atividade audiovisual na Ancine e membro do Intervozes.

O rádio completa 90 anos no Brasil. Há motivos para comemorar?

Há nove décadas, a radiodifusão começava no país. Desde lá, a tecnologia evoluiu e a cidadania avançou, mas a democracia continua longe da comunicação eletrônica de massa.

O rádio nasceu comunitário. Pessoas ligadas à Academia Brasileira de Ciências, como Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto, reuniram-se para criar uma emissora com finalidades educativas e culturais. Após 90 anos, umas das lei que regula a comunicação só entende comunidade como território (de mil metros). Fica de fora a chamada “comunidade de interesses”, como os pioneiros da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro faziam.

Depois de doar a emissora ao Ministério da Educação, Roquette-Pinto lutou para criar uma TV educativa. Contudo, as TVs educativas acabaram nascendo descoladas de um projeto de mídia pública. Retrato das comunicações do Brasil: um amontoado de serviços, definidos por diversas leis, decretos e portarias, que, apesar da quantidade, não conseguem garantir o mais importante para a sociedade, que é o direito humano à comunicação.

Aliás, Roquette-Pinto já anunciava muito do que estamos discutindo em tempos de convergência. Ele usava diversas mídias com o objetivo de educar. Cinema e rádio foram as principais plataformas disponíveis à época para explorar o potencial transformador da comunicação.

Hoje, as empresas ainda engatinham na comunicação multiplataforma. Até mesmo grupos de natureza convergente, como a EBC, aproveitam pouco sua potencialidade. Por falar nela, a Empresa Brasil de Comunicação perdeu a oportunidade de celebrar o feito de Roquette-Pinto e companhia. Os 90 anos da Rádio Sociedade (atual MEC AM) foram ignorados pela diretoria da estatal, atualmente responsável pelas MEC AM e FM, Rádios Nacional do Rio, Brasília, Amazônia e Alto Solimões, além de TV Brasil (antiga TVE), NBR e Agência Brasil.

A EBC tem se aproximado cada vez mais da velha estatal Radiobrás e de sua ‘Voz do Brasil’, do que da Rádio Sociedade de Roquette-Pinto, da TVE do Rio ou da Rádio Nacional da Era do Rádio. É preciso que se torne atrativa, mais pública e menos estatal. Pode fazer isso começando a aumentar a participação da sociedade na gestão da empresa e garantindo financiamento independente de verbas governamentais. E também experimentando mais, fugindo da tentação de copiar fórmulas batidas de jornalismo e produção, só que com menos dinheiro.

Comunicação colaborativa

É bom lembrar que o rádio era interativo em seu princípio. Com potencial de ecoar a voz de muitos, limitou-se a Rádioamador, abrindo espaço para um rádio unidirecional, onde apenas um fala e o restante escuta. Essa foi uma imposição da sociedade e não da tecnologia. Ótima recordação para aqueles que não dão importância para os debates sobre regulação de novos serviços, como o Marco Civil da Internet.

A tecnologia, por si só, não define o uso do rádio, da internet, do jornal e da televisão. As leis que regulamentam a Comunicação estabelecem como será a mídia de um país. E as diferenças são muitas. Em boa parte da Europa, por exemplo, a maioria das emissoras são públicas. No Brasil, entre os canais de TV 2 a 13, UHF 14 a 69 e do FM 88 a 108 MHz, é possível contar nos dedos de uma mão as estações do campo público: quase todas são privadas com fins lucrativos.

Por aqui o quadro ainda é pior, já que o velho modelo de financiamento copiado dos Estados Unidos está em crise. Com a concorrência de outros meios, a audiência da radiodifusão diminuiu, reduzindo também as verbas publicitárias. Por isso, quase todas as rádios e TVs alugam suas programações para religiões e lojas de varejo que passam o dia inteiro em pregações ou mostrando tapetes, relógios e anéis. Com isso, ficam sem espaço os produtores independentes e a mídia alternativa.

Convergência e Rádio Digital

A evolução tecnológica permite a convergência entre o rádio e outros serviços no chamado rádio digital. Os padrões disponíveis permitem que as atuais estações melhorem a qualidade do áudio e carreguem novas funcionalidades como vídeos de baixa resolução, fotos e notícias.

Seria a realização do sonho multimídia de Roquette-Pinto. Porém, hoje, a mentalidade dos empresários do rádio é mais atrasada daquela dos pioneiros de 1923. Eles parecem não querer o rádio digital, mas apenas a migração das emissoras AM para novas frequências de FM. Isso sem falar nas rádios comunitárias. Mesmo sendo a maioria das atuais estações, continuam sofrendo os ataques de uma lei criada pelos donos das rádios comerciais.

Lei da Mídia Democrática é solução imediata

Muita coisa precisa mudar na comunicação de massa que completa 90 anos no Brasil. As ruas pedem pressa, por isso uma das saídas imediatas é a aprovação do Projeto de Lei da Mídia Democrática, organizado por diversos movimentos sociais ligados à Campanha Para Expressar a Liberdade, promovida pelo FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).

Essa lei, se aprovada, regulamenta importantes artigos da Constituição de 1988, garantindo a democracia na Comunicação em benefício do cidadão e para que os próximos 90 anos da radiodifusão no Brasil sejam de comemoração.

*Arthur William integra o Conselho Diretor do Intervozes.

Violência policial atenta contra direito à comunicação

A cena vem se tornando corriqueira: jornalistas, fotógrafos, repórteres cinematográficos, midialivistras ou qualquer pessoa, com uma câmera ou smartphone, que presencie ou questione algum ação desproporcional da polícia, tem sido agredida. As ferramentas são inúmeras: spray de pimenta, balas de borracha, ordens de prisão sem justificativa plausível, etc. As justificativas do comando policial também repetem o mesmo script: "a polícia agiu dentro da normalidade", "eventuais exageros serão minuciosamente apurados".

Durante atos realizados em meio às comemorações do 7 de setembro, fui uma das inúmeras pessoas agredidas pelo "crime" de cobrir os eventos. Em Brasília, testemunhei policiais da Tropa de Choque atirarem uma bomba de gás lacrimogêneo contra a cabeça de um manifestante que criticava a ação da polícia. Ao tentar apurar o ocorrido, mesmo me apresentando como repórter, fui agredido por três policiais com spray de pimenta e vários empurrões.

Os policiais claramente queriam evitar que eu identificasse o policial que cometeu a violência. E esse não foi um fato isolado. Colegas de profissão, em várias cidades, também foram atacados/as, o que foi condenado por organizações como a Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Sindicato do Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Até mesmo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) criticou a ação truculenta da polícia (embora não tenha deixado de igualá-la aos atos dos manifestantes).

Os fatos que assistimos tornam ainda mais necessária a discussão sobre a ação dos aparelhos de repressão do Estado, pois são agentes públicos que assumem o papel de violadores de direitos humanos.  Pesa contra o Estado, ainda, a aprovação das ações. Segundo o comandante-geral da Polícia Militar do DF, Jooziel Freire, os ataques decorreram da dificuldade dos "militares distinguirem repórteres na multidão de mascarados. Repórteres sem identificação, usando máscaras e capacetes, podem estar sujeitos à abordagem policial", disse. Para a corporação, parece que a questão se restringe ao uso ou não de equipamentos de proteção, de modo que possam distinguir os profissionais da imprensa dos outros manifestantes.

É, neste ponto, que reside a armadilha. Ao propor este tipo de prática, o aparato de segurança pública objetiva restringir o direito de qualquer cidadão de buscar e difundir informações, princípios basilares do direito à comunicação. Pode-se dizer que a "solução" tem endereço certo: os diferentes grupos de comunicadores, blogueiros e midialivristas que acompanham as manifestações e que fazem um excelente contraponto à cobertura dos grandes meios de comunicação. O que está havendo, portanto, é a banalização da violência, conforme mostra vídeo que circula na Internet, no qual policiais militares aparecem impedindo um grupo de manifestantes de seguir marcha. O integrante do Batalhão de Choque da PM aparece na gravação agredindo os manifestantes com spray de pimenta, sem razão aparente. Perguntado sobre o porquê do feito, responde sorridente, ciente da impunidade: “Porque eu quis. Pode ir lá denunciar”.

Por outro lado, há registros de violência contra profissionais de imprensa praticada por manifestantes, sob o argumento de insatisfação com a forma como as notícias veiculadas pelos grandes veículos. Nestes casos, confundem jornalista com a empresa e descarregam a insatisfação na pessoa. Um tipo de violência que também tem que se repudiada, uma vez que atenta contra trabalhadores que estão exercendo a sua função. Mas que tem que ser percebida desde suas origens: as críticas à cobertura feita pelos meios de comunicação. Isso evidencia a necessidade de se promover mudanças no setor, com vista à democratização da comunicação. Ademais, levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) aponta que, das vinte agressões registradas contra jornalistas nos protestos, 85% foram cometidas pela PM.

Essa situação de violência não se restringe ao contexto das manifestações. Em janeiro, a RSF apresentou um relatório a respeito da liberdade de imprensa. Entre os elementos analisados para avaliar o grau de liberdade dos veículos de imprensa estão a violência contra jornalistas e até a legislação do setor. O levantamento mostra que o Brasil perdeu nove posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, em 2013, passando da 99ª posição, em 2012, para a 108ª posição da lista, que é composta por 179 países. Ano passado, o país já havia caído 41 posições em relação a 2011.

Estudo similar realizado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CJP) indica que, em 2012, o Brasil ocupava o terceiro lugar nas Américas, atrás da Colômbia e do México, e o 11º no mundo, no ranking de impunidade de crimes praticados contra jornalistas. São casos como os dos jornalistas Mauri König e André Caramante, que foram obrigados a deixar o país devido às ameaças sofridas no exercício da atividade profissional. Ambos investigavam a participação de agentes de segurança em organizações criminosas.

A situação atenta contra a própria democracia, conforme assevera o Plano de Ação sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, da Organização das Nações Unidas , que advoga que "sem a liberdade de expressão e, particularmente, sem a liberdade de imprensa, é impossível haver uma cidadania informada, ativa e engajada". E essa liberdade deve ser garantida a todos/as: jornalistas profissionais e aqueles/as que querem exercer livremente o direito à comunicação, pois a sociedade não pode ter violado seu direito fundamental de produção e acesso à informação.

Luciano Nascimento é jornalista da Agência Brasil e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social