Em Recife, um dos momentos mais aguardados pelos movimentos que defendem a democratização da comunicação, após a criação da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC), ocorreu no último dia 19 de setembro: a posse do Conselho de Administração da EPC. A instância tem caráter deliberativo e competência para definir e estabelecer as diretrizes gerais e políticas de atuação da empresa. O Conselho funcionará juntamente com a Diretoria Executiva, que contará ainda com um Conselho Fiscal.
O Conselho Administrativo será responsável pela gestão da TV Pernambuco; TV Golfinho – sediada na ilha de Fernando de Noronha; uma estação de rádio, além de uma estrutura que cobre o estado por meio de 62 retransmissoras. O órgão é composto por 13 membros: seis integrantes do governo, um representante da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), formada por ex-prefeitos das cidades pernambucanas, e seis da sociedade civil – eleitos por diversos segmentos, em pleito realizado em junho deste ano. Na cerimônia de posse, o secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, foi escolhido para presidir a instância, que já tem como tarefa emergencial a discussão e aprovação do orçamento proposto no Plano de Trabalho da TV, definido no Planejamento Estratégico para 2014 da EPC.
Fruto de intensos debates, pressão social e resolução aprovada na etapa pernambucana da Conferência de Comunicação, em 2009, a EPC é inspirada nos moldes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Assim como na EBC, o caráter público da TV, com participação social, autonomia e qualidade tem na figura jurídica do conselho uma grande aposta. Por isso, a posse do Conselho de Administração traz a expectativa de abertura dos caminhos rumo à efetivação da comunicação pública no estado e da complementaridade entre os sistemas Público, Privado e Estatal, conforme estabelecido pela Constituição Federal.
Uma outra comunicação é possível?
A pesquisa de opinião pública Democratização da Mídia, lançada pela Fundação Perseu Abramo, em agosto, revelou alguns dados importantes sobre a televisão brasileira. O estudo mostra que a TV é assistida diariamente por 82% dos brasileiros, porém 43% da população não se reconhece na programação difundida e 25% se vêem retratados negativamente. 61% dos entrevistados acham que a TV concede mais espaço para o ponto de vista dos empresários do que dos trabalhadores, e 35%, que os meios de comunicação, em geral, defendem principalmente os interesses dos próprios donos.
O alcance deste meio de comunicação, sem dúvida, traz para o debate importância do papel da comunicação de caráter público na construção de uma televisão cidadã. Em Recife, a TV Pernambuco gravou um especial com membros da sociedade civil integrantes do Conselho sobre as expectativas em relação à instancia participativa. No programa, uma das questões mais comentadas pelos conselheiros é a possibilidade de , com a efetivação da EPC, ser formado um público mais reflexivo e com acesso à diversidade de informações também via difusão cultural.
O estado, todos os anos, garante incentivo a amplo número de expressões artísticas por meio de edital público, o Fundo de Incentivo da à Cultura (Funcultura). Este ano, o Fundo contou com R$ 33,5 mi. No entanto, as produções ainda não chegam ao grande público dos domicílios pernambucanos. A possibilidade de uma janela de exibição pública pode suscitar algumas perguntas: seria esta a hora e a vez da participação da produção independente na TV aberta? Seria a chance de conhecer mais e melhor nossas expressões artísticas? De ampliar conhecimentos com o intercâmbio de conteúdos diversos, de outras plagas e públicos? De não ficar fadado às opções ‘mais-do-mesmo’ das tevês comerciais? Espera-se que a reposta a pelo menos algumas das indagações venha com o desenrolar dos capítulos da implementação da EPC e da atuação do Conselho.
O orçamento
Sabe-se que os desafios são muitos para colocar em prática uma efetiva e atrativa comunicação do campo público. Há um fator essencial que pesa nesta balança, além do desejado e conquistado desenho institucional: o orçamento. Essa preocupação foi expressa em carta escrita pelos conselheiros titulares e suplentes da sociedade civil, lida na cerimônia de posse. “Em consulta preliminar dos representantes da sociedade civil, constatamos que não há previsão orçamentária de recursos para 2014, compatível com os desafios imediatos para a implantação da EPC”, diz o texto.
O documento salienta outra preocupação – a mudança da radiodifusão para o sistema digital e os prazos do cronograma do Ministério das Comunicações: “É fundamental viabilizar instalações físicas adequadas; a aquisição/substituição de equipamentos de produção e transmissão que garantam o cumprimento dos prazos definidos pelo MiniCom para ingresso da emissora no sistema digital”. O conselheiro Pedro Severien, presidente da Associação Nacional de Documentaristas – PE e da Associação Pernambucana de Cineastas (ABD/APECI), ressaltou:“Uma de nossas preocupações prioritárias é tentar encaminhar a proposta de orçamento da EPC a ser discutida pelo conselho, em tempo de ser incluída no orçamento do estado”.
Para o jornalista integrante do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), Ivan Moraes Filho, que participou do Grupo de Trabalho para a criação da EPC, a situação da financeira da TV não é muito animadora: “Para se ter uma ideia, dos cerca de R$ 15 milhões solicitados pela atual direção para o exercício de 2014, apenas cerca de R$ 2 milhões constam na proposta orçamentária que a Secretaria de Planejamento enviará para aprovação na Assembléia Legislativa”, afirmou em entrevista. O chefe da Casa Civil, Tadeu Alencar, recém-empossado presidente do conselho, avalia que o problema poderá ser resolvido.
A primeira reunião do conselho está agendada para dia 23 de outubro, às 15h. Entre os pontos de pauta, estão: a avaliação de proposta de orçamento para tocar o planejamento estratégico da TV para 2014 e o processo de digitalização da emissora. As expectativas seguem para que a EPC alcance de fato os/as pernambucanos/as e que a conquista de seu desenho institucional participativo possa inspirar diferentes iniciativas em outras regiões com vistas ao fortalecimento e intercâmbio entre novas propostas comunicativas.
* Cátia Oliveira é jornalista, mestranda em Ciência Política na UFPE, integrante do Intervozes e uma das representantes da sociedade civil no Conselho da EPC