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A infância roubada na publicidade da Couro Fino

A garota-propaganda tem as unhas pintadas de vermelho, sombra nos olhos, rímel, batom e blush. Ela leva as próprias roupas para o ensaio fotográfico, mas o produtor sugere que ela fique só de calcinha. Ficaria mais condizente com a mensagem da campanha publicitária. O cenário está preparado. Ela finge se maquiar em frente ao espelho, coloca colares e pulseiras de pérola. Ela manda beijo, faz movimento com o corpo para os cabelos voarem e faz pose sensual em cima de salto alto. Se o caso já não fosse conhecido, dificilmente se pensaria que a descrição é de uma menina de apenas três anos. As peças publicitárias que compõem a campanha da marca cearense de sapatos Couro Fino foram lançadas nas redes sociais este mês em referência ao Dia das Crianças. O conteúdo incomodou logo de cara, o que motivou centenas de críticas, feitas também pelos próprios consumidores da marca, além de 70 notificações em apenas dois dias no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR. Segundo nota de esclarecimento da Couro Fino, a reação foi provocada por "interpretação equivocada da arte veiculada".

Erro de interpretação em grande quantidade representa, no mínimo, uma falha dos códigos utilizados. Levando em conta o uso de uma criança para comunicar algo que não diz respeito ao universo infantil, interpretando uma mulher adulta e na qual o alvo do consumo são as próprias adultas, a agência publicitária Salto Alto pecou frente aos princípios estabelecidos pelo CONAR e às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo artigo 37 do Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária, "crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos em anúncio de serviço incompatível com sua condição". Já o ECA deixa claro em seus artigos 17 e 18 o respeito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

O maior problema em questão é a naturalização do tipo de conteúdo e o entendimento ingênuo e preocupante de que uma brincadeira de criança (brincar de ser gente grande), como declarou a marca, não justificaria esse olhar negativo às peças. A própria mãe da menina, que chegou a dizer que a repercussão foi uma grande "tempestade em copo d'água", se preocupou só agora com a imagem da filha, que "não merecia passar por isso".

O problema não é a brincadeira, mas o estímulo a um comportamento que suspende desde cedo o interesse da criança em ser apenas criança. Ações do gênero não podem mais ser somente interpretadas como brincadeira, porque ultrapassam esse limite. Falam de um comportamento que extrapola a fantasia e que interfere diretamente na formação de nossas crianças. Cada vez mais cedo e com mais frequência, meninos e meninas revelam um processo acelerado do que ficou chamado de adultização. Quando os pequenos passam a se preocupar mais com a aparência do que com as brincadeiras, o universo infantil já não tem mais espaço. E uma infância mal vivida desencadeia uma série de problemas quando essa criança, enfim, se torna uma pessoa adulta.

Não há dúvidas de que a mídia é um dos grandes responsáveis por esse fenômeno, ao comunicar, o tempo todo, valores, comportamentos e necessidades que, se impactam os adultos, atingem com muito mais facilidade as crianças, em processo de formação de identidade e de compreensão dos códigos sociais. Basta uma breve análise do conteúdo midiático que chega às nossas casas e é consequentemente consumido pelo segmento infanto-juvenil para identificar uma série de estímulos que tem grande chance de interferir negativamente no comportamento de crianças e adolescentes: apelo erótico, imposição de padrões de beleza que não condizem com nossa pluralidade estética, estímulo ao consumismo, ridicularização dos que são tidos como diferentes dos padrões pré-estabelecidos, violência, intolerância, preconceitos de todos os tipos.

Tanto do ponto de vista individual, no que se refere à exposição indevida da criança pela mídia e a violação de seu direito, quanto do ponto de vista da imagem de crianças e adolescentes em nossa sociedade – muitas vezes representadas de forma apelativa e estigmatizante pelos meios de comunicação de massa -, o caso da campanha da Couro Fino é emblemático. E nos aponta a necessidade de ampliação de mecanismos de fiscalização e controle social das produções midiáticas, incluindo aí as campanhas publicitárias.

Assim como os meios precisam ser regulados sobre a qualidade do serviço que prestam, a publicidade necessita de regras claras de produção e veiculação. Debates sobre a publicidade infantil se arrastam hoje no campo jurídico e legislativo, ao mesmo tempo em que a autorregulamentação, de forma isolada, já se mostrou insuficiente para garantir a proteção dos consumidores e cidadãos. Daí a importância do monitoramento permanente da sociedade civil.

A propaganda da Couro Fino não foi a primeira, nem será a última a violar direitos fundamentais. Mas o impacto negativo na campanha da marca cearense, por meio das críticas que circularam nas redes sociais e das denúncias junto ao CONAR, deixa claro que a população está atenta, se posicionando e cobrando, exigindo uma comunicação – seja no noticiário da manhã ou na campanha publicitária -, que esteja comprometida com o interesse público e a efetivação de uma sociedade verdadeiramente democrática.

* Natasha Cruz e Raquel Dantas são jornalistas e integrantes do Intervozes no Ceará.

Argentina 4 x 0 Brasil

A Argentina comemorou 4 anos de vida da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual 26.522, popularmente conhecida como lei de meios, no dia 10 de outubro. Os resultados produzidos pela lei construída para democratizar a comunicação no país saltam aos olhos, mesmo que o monopólio siga com todos os esforços para interditar a aplicação integral da regra.

O Grupo Clarín se recusa a cumprir o artigo 161 e mantém uma batalha judicial para que não seja obrigado a compartilhar o espaço que ocupa no sistema de comunicações com outras vozes. O artigo é um dos principais instrumentos de desconcentração da propriedade dos meios e de promoção da diversidade e da pluralidade, pois define que cada grupo deve ter, no máximo, 24 licenças de TV a cabo e 10 licenças de serviços abertos (TV aberta, rádios AM e FM). Estabelece, ainda, que aqueles que excederem esse limite devem apresentar um plano de adequação devolvendo as licenças que tiver em excesso para que todos possam ter o direito a ocupar esse espaço que, afinal de contas, é público.

O Clarín possui nada menos que 240 licenças de TV a cabo, 9 de rádios AM, 1 de FM e 4 de TV aberta. Depois de ter vista a falência da estratégia de chamar a lei de meios de “lei mordaça”, dado o amplo apoio popular ao instrumento multiplicador de vozes, o grupo monopólico se resignou a defender que tinha direito de ficar com todas as licenças, mesmo que isso não fosse o mais democrático. O Clarín agora reivindica abertamente o direito de ter o monopólio que adquiriu ao longo da história, porém a história agora é outra.

Mesmo com boa parte do espectro radiodifusor nas mãos do monopólio, a lei já criou um ambiente com uma diversidade de vozes que faz inveja a países como o Brasil. Os números do que já foi feito em 4 anos dão a dimensão da mudança. Desde a aprovação da lei de meios, foram instaladas, na Argentina, 152 rádios em escolas de primeiro e segundo graus, 45 TVs e 53 rádios FM universitárias. Se, no Brasil, os povos originários lutam para não perder direitos constitucionais, no país vizinho eles já passaram a ter o seu primeiro canal na TV aberta e 33 canais de rádio. A posse de meios de comunicação por parte desses povos era proibida antes da nova lei entrar em vigor.

Além de distribuir o espaço de forma mais equilibrada e plural, a lei de meios também começa a transformar radicalmente a economia setor. Mais de 65% do país está coberto por cooperativas de operadoras de TV a cabo e a distribuição gratuita de 1 milhão e duzentos mil codificadores digitais já possibilita a cobertura de 82,5% do território com TV digital aberta. Mais de 4.200 horas de conteúdos e 900 séries de ficção foram produzidas com fomento federal e distribuídas em mais de 30 canais nacionais e estaduais. A Argentina agora conta com 9 polos de produção audiovisual e 100.000 novos postos de trabalho no setor.

Centenas de comunicadores também surgiram nos últimos 4 anos. E para comemorar a política pública que tem tornado efetivo o direito à comunicação e transformado milhões de consumidores em comunicadores ativos não se restringiu a um tradicional ato público, eles foram reunidos no Primeiro Encontro de Comunicação dos Territórios. Nele, compartilharam experiências que estão sendo construídas do extremo norte do país à Patagônia, não mais apenas na cidade de Buenos Aires. O evento aconteceu na antiga Escola de Guerra Naval, hoje transformada no Espaço da Memória e de Defesa dos Direito Humanos. Não há como descrever a emoção de ver os corredores onde 5.000 pessoas foram torturadas, mortas e desaparecidas pela ditadura tomados por pessoas que comemoravam a vitória da democracia. Some-se a isso o fato do espaço não se dedicar apenas à memória, mas também à defesa dos direitos humanos, o que faz dele um espaço vivo que abriga, além do Arquivo Nacional da Memória a Universidade da Madres de Mayo, a produção de um dos canais de TV Públicos e diversas outras estruturas de organizações de ativistas defensores de direitos humanos.

A mesa que abriu os trabalhos estava composta pelo Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério do Trabalho Emprego e Seguridade Social, Ministério de Relações Exteriores, Comissão Nacional de Comunicação e Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) e pelo Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA). A composição nos dá a dimensão do que é trabalhar os diretos humanos como uma política de Estado e não apenas como uma pasta secundária. O INTA é o instituto equivalente à EMBRAPA no Brasil. Se levarmos em conta que foi o INTA o setor que mais mobilizou comunicadores para o evento, conseguiremos entender o que de fato significa construir políticas públicas que considerem a comunicação como direito e não como um negócio comercial. Um país que assume essa postura permite que se torne uma ferramenta importante não apenas para jornalistas e produtores audiovisuais, mas também para camponeses, povos originários e cidadãos.

Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes

Dez anos de luta pela democratização da comunicação

Dizem as boas pesquisas e consolidados bordões ligados à democratização da comunicação que 9 famílias controlam a mídia no Brasil, o que pode ser veiculado, assistido, acessado.

Hoje, pode-se dizer que não são mais exatamente 9 famílias – talvez sejam 7, podem ser 10. É preciso lembrar que figuras estrangeiras, por meios legais e outros nem tanto, também já reservam seu quinhão na comunicação brasileira. As empresas de telecom, após toda a generosidade que marcou as privatizações, também se assanham com outras belezas do mercado nacional. E até a equipe do Excelentíssimo Sr. Presidente dos Estados Unidos já tira a sua casquinha. Por outro lado, muito além do Cidadão Kane, nem tudo mais é controlado, distorcido, concentrado.

Nos últimos dez anos, a concentração aumentou junto com a convergência midiática e com a abertura do mercado nacional para o capital estrangeiro. Vimos, por exemplo, a Oi e a Portugal Telecom virarem uma só empresa e a SKY comprar a DirecTV. As empresas do setor cresceram em influência econômica e mantiveram o poderia político. Mas, por outro lado, a internet e o barateamento das tecnologias multiplicaram os produtores de comunicação. E movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil intensificaram a pressão para que a comunicação seja tomada como um direito humano.

É neste contexto que o Intervozes- Coletivo Brasil de Comunicação Social se insere.

Em 10 anos de existência, o Intervozes se soma aos anseios de construção de um país em que a comunicação não seja um ambiente monopolizado. Mas as perspectivas se tornaram maiores, acompanhando o crescimento do movimento de comunicação. Almeja-se diversidade e pluralidade. Objetiva-se a efetivação do direito à comunicação, a busca por uma sociedade mais justa, solidária e igual, entre tantas outras expectativas delineadas pelo Coletivo em sua Carta de Princípios.

Neste sábado (19/10), o Intervozes promove uma roda de conversa com diversos atores que viveram as transformações da luta pela democratização da comunicação. A partir das 14h30, o Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, será sede do encontro de várias gerações que se unem para avaliar as lutas dos últimos 10 anos, mas também para refletir sobre as perspectivas do movimento pelo direito à comunicação para os anos vindouros. No mesmo dia, a partir das 22h, um grande momento de confraternização será realizado no Centro de Arte Maria Teresa Vieira, também no Rio de Janeiro.

Nesse sentido, impossível não destacar o simbolismo de os debates – e a festa – acontecerem no Rio de Janeiro. Rio de contrastes, de todas as classes, povos, raças e cores. De inigualável elite, e sua formosa Vênus Platinada. Das manifestações sociais em profusão, novas mídias, ninja e comunidade, da polícia equipada, brutal repressão.

Se por um lado pode soar interessante a reflexão a respeito de como o Intervozes foi se transformando a partir dessas mudanças, se renovando e se recriando, o que é realmente notável, contudo, é perceber as transformações experimentadas pela sociedade, pelas comunicações, pelas possibilidades futuras que essa área ainda poderá registrar.

Assim, revisitar um pouquinho de cada momento dessa história do Coletivo, reunida no site que registra os seus 10 anos , é também rememorar um pouquinho da história do país, das comunicações, do muito que já foi feito nessa luta, do tanto que sempre estará por fazer.

Semana pela Democratização da Comunicação deve intensificar luta por mudanças

Dia 17 de outubro é o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação. A data, comemorada desde o início dos anos 2000, está relacionada ao Media Democracy Day, que, em diversos países, ocorre no dia 18 de outubro, em alusão à fundação da rede britânica BBC, considerada modelo de sistema público de comunicação.

O dia escolhido para marcar essa luta, no Brasil, pode ter sido fruto de um equívoco. Mas, talvez por uma dessas artimanhas da história, a mudança acabou conferindo à comemoração brasileira um diferencial. Afinal, o mesmo 17 de outubro foi consagrado como o Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza pela Organização das Nações Unidas (ONU). E o que comunicação tem a ver com pobreza? Tudo. O oligopólio dos meios de comunicação é um dos (re)produtores da concentração de poder político e econômico que marca nosso país.

Apenas em 2012, o lucro líquido da Globo foi de  R$ 2,94 bilhões, valor 36% maior do que o resultado do ano anterior, de R$ 2,16 bilhões, de acordo com balanço divulgado pela própria empresa. O montante é o sexto maior do Brasil entre empresas não financeiras. Fica atrás apenas da Petrobras, Vale, Telefônica/Vivo, Ambev e Cemig. E não só os números explicam a pobreza brasileira. A ausência de diversidade na mídia também produz pobreza ao invisibilizar as desigualdades sociais ou ao naturalizá-las. Isso para não falar na pobreza cultural dos programas de auditório repletos de estereótipos e de humor à base de opressão.

Para dar à luta pela democratização da comunicação a dimensão que ela tem para a sociedade brasileira, desde 2003 tem sido articulada a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação. A iniciativa busca unificar esforços de distintos grupos – estudantes, profissionais, sindicatos e organizações culturais – e fortalecer a luta por mudanças estruturais que sejam capazes de dar outro sentido aos meios de comunicação no país, fortalecendo a democracia, distribuindo renda e poder.

Este ano, em que a sociedade civil está mobilizada em torno do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, a data ganha mais relevância. Movimentos sociais e organizações de vários estados irão às ruas, entre os dias 13 e 20 deste mês, fortalecer a luta por um novo marco regulatório das comunicações e ampliar a coleta de assinaturas em apoio ao projeto de lei. Integram a agenda de mobilizações: lançamentos do PL; um ato pela Internet Livre em frente à VIVO/Telefônica, em São Paulo; debate com os relatores pela liberdade de expressão, Frank La Rue (ONU) e Catalina Botero (OEA), no Rio de Janeiro; além discussões sobre o direito à comunicação e à liberdade de expressão, lançamentos de livros, passeatas e ações culturais.

Para se somar às mobilizações, basta seguir a programação divulgada pelos movimentos sociais. A atualização das informações está disponível na página do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Relator da ONU para liberdade de expressão está no Brasil. Vamos falar disso?

hegou esta semana em Brasília, com uma agenda que envolve uma série de reuniões com representantes do poder público e da sociedade civil, o relator das Nações Unidas para a liberdade de expressão, Frank La Rue. O guatemalteco La Rue esteve no Brasil no final de 2012, a convite do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, para conhecer um pouco mais de perto a realidade atual do nosso quase monopólico sistema midiático. Desta vez, voltou numa visita oficial, organizada em conjunto com o Itamaraty.

Em Brasília, La Rue se reuniu nesta segunda-feira com a Secretaria Geral da Presidência da República. Ele se encontrará ainda com os ministros das Comunicações e da Justiça, com a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos e com deputados e senadores. A agenda oficial tem quatro temas centrais: o marco civil da internet, o marco regulatório das comunicações, a proteção da infância na mídia e as agressões sofridas por jornalistas no Brasil.

O primeiro tema é talvez o mais quente da agenda do relator da ONU. O governo federal parece mesmo querer votar o marco civil da internet, na proposta do relador Alessandro Molon (PT/RJ). A presidenta Dilma, depois dos escândalos de espionagem internacional, até colocou o projeto em regime de urgência na Câmara e no Senado. Mas o lobby das empresas de telecomunicações segue forte no Congresso. Por interesses econômicos, as teles querem retirar do texto a garantia do princípio da neutralidade de rede, que impede qualquer discriminação no fluxo de dados de acordo com o tipo de conteúdo (texto, foto, vídeo etc) que estiver sendo acessado pelo usuário. Seu objetivo é poder cobrar mais de quem usar a rede para serviços que consumam mais banda – o que, por si só, viola a privacidade do usuário.

A sociedade civil, que participou ativamente do processo de elaboração do texto do Marco Civil, segue mobilizada por sua aprovação. Na próxima quarta-feira, dia 16, está agendado um ato em frente à Vivo-Telefônica em São Paulo, pedindo a votação do projeto, com garantia de neutralidade de rede, privacidade e liberdade de expressão. A expectativa é que Frank La Rue se pronuncie favoravelmente a esses aspectos do texto em sua visita ao Brasil. Para saber mais sobre a mobilização, clique aqui.

O segundo tema da agenda do relator da ONU é o marco regulatório das comunicações. Sentado em cima do anteprojeto elaborado pelo então ministro Franklin Martins, nos 45 do segundo tempo do governo Lula, o atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, deve receber Frank La Rue. E o que a liberdade de expressão tem a ver com marco regulatório? Tudo! Da brutal concentração da propriedade dos meios à ausência de transparência na gestão das concessões de rádio e TV, passando pela não regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da produção regional e independente e do sistema público de comunicação, tudo isso são barreiras ao pleno exercício da liberdade de expressão em nosso país. Daí a importância da relatoria da ONU – como já fez a Unesco, através de um estudo lançado em 2011 no Brasil – afirmar a urgência de um novo marco regulatório das comunicações no país.

O terceiro tema está ligado a um dos fatos que mais chocou Frank La Rue em sua viagem ao Brasil no ano passado. Na ocasião, o relator – que, por não estar em visita oficial, não podia, pelos protocolos da ONU, fazer declarações sobre a realidade brasileira – ultrapassou as barreiras diplomáticas para afirmar sua preocupação com o risco de desmonte da política de classificação indicativa no Brasil. Em resumo, a classificação indicativa sinaliza para pais e crianças a idade adequada para assistir a determinado tipo de conteúdo na TV, e a ela está vinculada uma faixa horária, para que programas destinados a maiores de 18, por exemplo, não passem às 15h da tarde. Alegando violação da liberdade de expressão, as emissoras pretendem derrubar a vinculação horária da classificação indicativa no Supremo Tribunal Federal. E, pasmem, quatro ministros já votaram a favor desta idéia! Em 2012, Frank La Rue lembrou, com todas as letras, que o exercício da radiodifusão tem limites, impostos pela garantia necessária a outros direitos fundamentais, como a proteção da infância. É assim em todo o mundo democrático. E precisa ser assim também no Brasil. La Rue já esteve no STF, em outra visita ao Brasil, e se reunirá novamente agora com o Ministério da Justiça, responsável pela classificação indicativa.

O último tema, e não menos importante, são as agressões a jornalistas. De assassinatos motivados por interesses políticos a processos judiciais, a questão continua preocupante no país. O Brasil é uma das últimas democracias do mundo que ainda trata de forma criminal – ou seja, com pena passível de prisão – delitos como calúnia, injúria e difamação. Outro aspecto do problema, que merecerá a atenção do relator da ONU, são as agressões sofridas pelos comunicadores nos recentes protestos e mobilizações de rua no país. Seria fundamental um posicionamento de La Rue contra as forças de repressão do Estado, que não apenas impedem o trabalho dos profissionais de comunicação como os transformaram em alvos a serem abatidos nas ruas.

Para além da agenda com o poder público, no próximo domingo, dia 13, Frank La Rue e Catalina Botero, relatora da OEA para a liberdade de expressão, encontrarão entidades e movimentos sociais no Rio de Janeiro. Na ocasião, os relatores receberão casos, denúncias e informes da sociedade civil brasileira em torno desta agenda, tão estratégica para a nossa democracia.

Então, vamos falar disso?

* Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e membro da Coordenação Executiva do Intervozes.