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Participação social é fundamental na comunicação pública

Por Paulo Victor Melo*
Está aberta, até o dia 23 de fevereiro, a consulta pública para renovação de cinco vagas do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, emissora pública responsável por gerir as emissoras de rádio e televisão públicas federais (incluindo a TV Brasil e a TV Brasil Internacional), sete rádios públicas, duas agências de notícias e um portal na internet. Esse é um momento em que diversas entidades, conscientes da importância da participação social na comunicação pública, se organizam e se articulam para indicar candidaturas que atendam aos perfis necessários à composição do Conselho.Mas o processo de renovação de vagas do principal espaço de participação da sociedade na mídia pública brasileira deve ser, acima de tudo, um momento para o fundamental debate sobre a situação da comunicação pública em nosso país e os seus desafios. Essa é uma exigência que está colocada, dado o silêncio dos meios de comunicação (inclusive os públicos) sobre o tema e dada a insuficiência e superficialidade com que o assunto é discutido nas faculdades e cursos de comunicação. Esse é o objetivo deste texto, tendo como foco a questão da participação social.Passados aproximadamente 6 anos de sua existência, a EBC precisa radicalizar o seu caráter público, especialmente no que diz respeito ao diálogo com a sociedade. É fato que a sua criação em 2008, fruto do acúmulo de mobilizações de entidades e movimentos do campo da comunicação, sinalizou para o fim da situação de marginalidade a que a comunicação pública foi historicamente relegada em nosso país. Mas é evidente também que a empresa ainda necessita de avanços no sentido de se constituir como uma empresa de comunicação em que a diversidade de vozes do povo brasileiro se manifeste.

Para isso, a EBC precisa ser um espaço em que a população brasileira em sua diversidade (étnico-racial, de gênero, regional, de sexualidade, geracional e de condição física) esteja representada não apenas em seu conteúdo, mas também na sua gestão e no seu monitoramento, como instrumentos de fortalecimento da autonomia da empresa frente a interesses governamentais e de mercado. Importante frisar que essa é uma opinião compartilhada também por alguns integrantes do Conselho. Em entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação, em dezembro do ano passado, a Presidenta do órgão, Ana Fleck, afirmou que “ainda não temos um protagonismo da sociedade dentro da EBC nem do Conselho, mas essa é nossa luta constante…nosso trabalho é levar o Conselho para a sociedade e estimular a participação”.

Isso passa essencialmente pelo fortalecimento do Conselho Curador. Previsto na Lei que criou a EBC, é o Conselho a instância responsável por zelar pelos princípios e objetivos da empresa, deliberar sobre o planejamento anual proposto pela Diretoria Executiva, bem como pela linha editorial de programação proposta, devendo manifestar-se sobre a sua aplicação prática. Em outras palavras, o Conselho Curador tem um papel determinante na defesa do sistema público de comunicação, na preservação da autonomia e independência da empresa, garantindo sua relação com a sociedade, e na priorização do interesse público nos rumos assumidos pela EBC. Ampliação do corpo técnico, maior estruturação das Câmaras Temáticas e participação nas decisões do Conselho de Administração da EBC (que não possui nenhum representante da sociedade civil) são algumas medidas importantes nesse sentido.

Passa também pela ampliação da diversidade dentro do Conselho. Nas vagas da sociedade civil, as mulheres são minoria; a representação do povo negro está muito aquém da sua participação no conjunto da população brasileira; das regiões Norte e Nordeste são poucos os integrantes; a juventude não está representada, já que nenhum dos conselheiros têm entre 15 e 29 anos; o mesmo vale para os povos indígenas. Por isso, é positivo o edital da atual consulta pública já apontar para o crescimento desses segmentos no Conselho.

Mas além do empoderamento e da garantia da máxima diversidade do Conselho Curador em si, é essencial a ampliação dos processos de escuta da sociedade.

Nesse caminho, nos últimos dois anos, o Conselho Curador promoveu audiências e consultas públicas em diversos estados para discutir, junto às populações locais, temas relativos à EBC. Foram atividades importantes para que os integrantes do Conselho pudessem ouvir o que o povo pensa sobre a EBC, ainda uma ilustre desconhecida em muitos lugares do país. É essencial, para os próximos anos, a ampliação deste processo de escuta da sociedade.

Outra iniciativa importante com vistas ao aprofundamento do diálogo com a sociedade é a criação de mecanismos online permanentes da EBC com a sociedade, como um portal interativo, por exemplo, sendo a gestão desses processos compartilhada entre o Conselho Curador e a Ouvidoria da empresa.

Em sua segunda edição, a Revista do Conselho Curador é outro importante meio de aproximação da sociedade com a realidade da EBC. Para estreitar os laços com a sociedade, uma medida possível é a produção em versão impressa (atualmente, a revista é apenas eletrônica), garantindo a distribuição gratuita em universidades, centros de pesquisa, bibliotecas públicas, redações de veículos de comunicação e entidades da sociedade civil.

São algumas questões que acredito podem contribuir para que tenhamos, num futuro próximo, uma nova realidade nas comunicações brasileiras. Uma realidade em que a comunicação pública seja parte do cotidiano de discussões e preocupações do povo brasileiro.

*Paulo Victor Melo, jornalista, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e candidato a uma das vagas do Conselho Curador da EBC.

**Este artigo é o primeiro de uma série de três em que serão discutidas propostas e questões para a EBC e o Conselho Curador da empresa.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Violação de direitos humanos na mídia: até quando?

Por Ana Graziela Aguiar*

As cenas de violência contra um jovem de dezesseis anos, amarrado nu a um poste, no Rio de Janeiro, chocaram o país. O jovem foi espancado e estava sendo linchado publicamente, supostamente por ser acusado de roubo. A imagem já é chocante, mas ganhou cores ainda mais intensas com o comentário feito pela jornalista Rachel Sheherazade, âncora do principal telejornal do SBT. Conhecida por seus pronunciamentos conservadores, Sheherazade classificou o adolescente como “marginalzinho” e afirmou que a atitude de “vingadores” é compreensível em um país onde, segundo ela, o Estado é omisso e a justiça falha. Não satisfeita, a jornalista incitou: “O que resta ao cidadão de bem, que ainda por cima é desarmado? Se defender, é claro”.

O comentário de Rachel Sheherazade reacendeu a importante discussão sobre a relação da mídia com os direitos humanos, que percorre desde a incitação à violência e o desrespeito aos direitos humanos e chega à discussão sobre a concessão de rádios e TVs no Brasil. Diante disso, é fundamental recordar que o respeito “à dignidade da pessoa humana” consta já no primeiro artigo da Constituição Federal. Ao incitar a violência, convocar o cidadão a ir para as ruas e “resolver” o que o Estado e a polícia são incapazes de resolver, Rachel Sheherazade feriu de forma grave a Constituição. E não apenas. Ela desrespeitou também a proteção à criança e ao adolescente, que é reafirmada no artigo quinto do Estatuto da Criança e do Adolescente: “ Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Quando concorda com o linchamento público de um adolescente suspeito de roubar algo, a jornalista fere também o ECA e legitima o preconceito e o extermínio sofridos por jovens negros de todo o país.

Além de leis que regem a atuação de todos nós, cidadão comuns em nossa vida em sociedade – e aqui se inclui também Sheherazade, há outras normas que regulam emissoras de rádio e de televisão e que seguem sendo desrespeitadas com frequência, certamente encorajadas pelo silêncio do Estado, do governo, do Ministério das Comunicações. Desresponsabilização que foi utilizada pelo SBT como argumento para se esquivar das inúmeras críticas à postura expressa no telejornal da emissora. O que não condiz com a verdade. Por se tratar de um bem público e, portanto, que deve ser regulamentado pelo Estado, há uma série de leis que organizam o campo das comunicações e que deveriam ser seguidas. É o caso do decreto que regulamenta os serviços de radiodifusão (Decreto presidencial 52795/63), que em seu Artigo 28, item 12, inciso b, determina que que as emissoras devem respeitar obrigações como “ não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

É importante ressaltar que embora a liberdade de radiodifusão seja algo assegurado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, infrações podem e devem ser punidas. O Artigo 122 do mesmo Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, em seus item 1, 4 e 5, respectivamente, deixa claro que incitar a desobediência às leis ou às decisões judiciárias; fazer propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social e promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião são faltas graves, cuja pena pode variar de um a trinta dias de suspensão para permissionárias e/ou concessionárias dos serviços de radiodifusão.

Cabe ao Ministério das Comunicações fiscalizar de forma ostensiva todo o conteúdo veiculado por emissoras de rádio e televisão e fazer com que o Código Brasileiro de Telecomunicações seja respeitado. Além desse acompanhamento por parte do Estado, é papel também do cidadão tomar a comunicação como um direito seu e atuar diretamente na observação e denúncia de desrespeitos aos direitos humanos observados no sistema de radiodifusão.

É a partir de um olhar crítico do cidadão que teremos menos “Racheis Sheherazades” e mais espaço para um jornalismo que cumpra realmente com a função social de informar e educar. E a resposta à provocação feita pela jornalista, quando nos convida a “adotar um bandido” deve sempre ser a de: sim, queremos acolher e proteger um ser humano. E queremos que a mídia faça o mesmo ou que seja responsabilizada pelo descumprimento da legislação e de suas funções.

* Ana Graziela Aguiar é jornalista e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

 

O beijo gay e a regulação da mídia

Por Symmy Larrat*

O beijo entre um casal homossexual, ocorrido no final da novela “Amor à Vida” e transmitida em horário nobre da TV brasileira, arrancou aplausos e gritos como que numa final de copa. No entanto, se analisarmos a cena após a emoção de ter assistido a um marco na história da teledramaturgia brasileira, podemos avaliar com mais nitidez o quanto avançamos e o quanto ainda temos que avançar para uma mídia realmente igual e diversa.

Ao observar a cena, constatamos que o beijo entre homens não teve o mesmo calor dos beijos entre personagens heterossexuais, constatação que está longe de querer heteronormatizar o beijo, ou estereotipar a homoafetividade, mas sim de promover a equidade do espaço televisivo às orientações sexuais e, mais ainda, às identidades de gênero.

No dia seguinte, mesmo dia da tradicional reprise do último capítulo que escancarou o beijo entre homens, a Globo nos presenteou, como faz todos os sábados, com um programa humorístico repleto de estereótipos homofóbicos e transfóbicos.

Está claro que devemos debater o modelo de comunicação que queremos no seio dos movimentos sociais. A grande mídia tem DNA conservador e a luta por direitos humanos perpassa em combater a centralização da mídia. Não temos referência legal que garanta a diversidade e pluralidade na mídia atual.

Se tomarmos pelo debate das identidades, cabe a pergunta: quando vamos ver travestis e transexuais interpretando a elas mesmas? Quando as identidades trans são abordadas na mídia, com personagens de destaque, o que assistimos são homens travestidos. Se avançarmos ao jornalismo, o desconhecimento destas identidades é absurdo.

Para a mídia, em geral, pessoas trans tem seu gênero definido por sua genitália, não possuem nome social, são vulgo, tem alcunha, ou nome de guerra. O humor, aliás, é o carro-chefe, somado ao jornalismo policial, do desrespeito a pessoas trans. Virou moda fazer humor com a orientação sexual alheia, ou com as pessoas que assumem seu gênero diferenciado do seu sexo biológico. Virou moda fazer teste para identificar quem das modelos são mulheres “de verdade”, expondo travestis e transexuais ao ridículo e pisoteando sua feminilidade.

O feminicídio das identidades trans sempre foi permitido, assim como a banalização da expressão sexual e a demonização das orientações sexuais. O canal aberto sempre foi aberto a estereótipos e a propagação de conceitos Lesbo-Homo-Transfóbicos, sexistas, machistas e misóginos.

Contudo, o beijo retratado em rede nacional, na maior e não menos conservadora emissora do país, é uma conquista dos que sempre lutaram pelos direitos da população LGBT. Comemoremos o beijo!  A possibilidade da existência deste beijo é importante, mas que só valerá se vier acompanhada de um debate sério sobre o novo marco regulatório das comunicações no Brasil.

O marco regulatório deve se balizar na defesa de uma estrutura que responda as diretrizes fundamentadas nos princípios constitucionais e que represente as várias populações e demandas sociais, entre elas o respeito à livre expressão das diversas orientações sexuais e da identidade de gênero. Só assim legitimaremos a equidade necessária dentro dos meios de comunicação.

* Symmy Larrat é jornalista, ativista do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (GRETTA) e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Uma contribuição à análise das mídias e das manifestações

Por Daniel Fonsêca*

Vivemos novamente um contexto de intensos debates nas mídias sociais, nas organizações políticas, nos espaços públicos. Se em 2013 o que moveu multidões pelo Brasil foram, principalmente, as questões do direito à cidade, da violência do Estado e da atuação da mídia – tudo azeitado com o aumento da tarifa dos transportes e com a realização da Copa das Confederações –, dessa fez é o grande momento da realização do capital do espetáculo que se aproxima: a Copa do Mundo da Fifa 2014.

Igualmente, quase repetindo o script, em vários municípios, a exemplo do Rio de Janeiro, a prefeitura tem ameaçado (e já executado) o aumento das tarifas. O mundo virtual, fabuloso pela seara que estabelece, mas, muitas vezes, descolado da realidade, está em ebulição. Em São Paulo, uma vítima quase fatal da ação do Estado policial e o fusca que pegou fogo depois de o motorista avançar numa barricada já apontaram que o ano começou de vez.

Tal qual 2013, essa conjuntura que se desenha em 2014 só deve ser minimamente consolidada e, mais ainda, escrutinada no médio e longo prazos. Ainda é difícil analisar o que se passou entre junho e julho – no caso particular do Rio, até outubro/novembro, pelo menos – em todo o país. Não foram apenas os 20 centavos de Real, como quiseram apontar os governos municipais e estaduais; não se limitou à “incompetência” ou à “corrupção” endêmicas no Governo Federal, conforme acusou a mídia corporativa; menos ainda significou a ação de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”, como qualificou o Governo Dilma. Os levantes que ocorreram naquele período, tendendo a ser reprisados neste ano da efeméride dos 40 anos do Golpe Civil-militar no Brasil, reposicionaram os movimentos sociais urbanos, fazendo convergir diversas pautas, históricas e urgentes, que se encontravam represadas, mas que nunca deixaram de estar nas ruas.

Naquela intensa ocupação das ruas brasileiras, existiram pelo menos três causas que merecem ser destacadas pelo fato de terem sido, talvez, as mais comuns em todos os protestos realizados:

1) os transportes e a mobilidade urbana, que demonstram, a partir da contestação do aumento das tarifas, o quanto a questão do direito à cidade tem ganhado centralidade nas últimas décadas. Embora tenha focado o preço do acesso ao transporte coletivo, ficou claro para os manifestantes o grau de saturação dos serviços urbanos oferecidos pelos poderes públicos, situação que potencialmente pode ter sido a disparadora final para a massiva adesão às manifestações.

2) a violência estatal que reprime, assassina ou “desaparece” com as pessoas, o que ficou posto às claras, mesmo depois de ter passado o mês de junho, com a violência praticada pelas polícias militares contra os manifestantes, o assassinato de moradores da Maré e o caso do desaparecimento de Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha que nunca mais foi visto após ter sido levado por uma viatura da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro.

3) o descompasso e a pouca verossimilhança da representação das manifestações na mídia, que foi verificado in loco por praticamente todos os milhões de participantes dos movimentos que agitaram o país naquelas semanas. Isso deu margem para que emissoras, jornais e revistas também fossem lembrados nos atos não somente como potenciais “manipuladores”, mas também como uma pauta em si a partir da afirmação da democratização dos meios de comunicação e do direito à comunicação.

Na verdade, partindo da reivindicação do direito a um transporte coletivo acessível, as mobilizações das “Jornadas de Junho” (de 2013), no Brasil, levaram centenas de milhares de pessoas às ruas. Os manifestantes expressaram seu descontentamento com os lentos avanços na área da saúde pública e da educação, chamando atenção para a corrupção e para os altos gastos com os megaeventos esportivos, reivindicando mais direitos e o fortalecimento da democracia no país.

Não uma democracia qualquer, em que as ações administrativas de governos só podem ser revisadas a partir da “arma do voto” a cada quatro anos para cada nível do governo. Mais do que isso, importa entender a constituição dos poderes como um processo. E verificar que o caráter público dos meios de comunicação e as liberdades políticas mais elementares (direitos de organização e de expressão) são basilares para o próprio conceito de democracia. No Brasil, esses princípios têm sido historicamente violados.

Para contribuir com o debate e com as formulações da sociedade civil em torno desta agenda, o Intervozes, com o apoio da fundação Friedrich Ebert (FES), produziu um artigo, intitulado “Não dá para não ver – As mídias nas manifestações de junho de 2013”, publicado em dezembro passado. O texto busca historicizar e descrever as manifestações que mobilizaram o país e investiga também a postura dos meios de comunicação tradicionais, que oscilaram no tratamento dos manifestantes, e da chamada “mídia alternativa”, que acompanhou os acontecimentos nas ruas ao vivo nas redes sociais virtuais. O artigo está disponível nas versões em português e em inglês .

* Daniel Fonsêca é doutorando em Comunicação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Mídia livre: uma luta muito além do Brasil

Por Bia Barbosa*

Criminalização de rádios comunitárias, blogueiros e ativistas digitais. Ausência de diversidade e pluralidade dos meios de comunicação de massa. Acesso à internet somente para quem pode pagar (caro) pelo serviço. Leis que cerceiam a liberdade de expressão do conjunto da sociedade, dando voz apenas aos “donos da mídia”. Um sistema público de comunicação frágil e insipiente. Falta de incentivo aos produtores e comunicadores independentes.

Este quadro no sistema midiático está longe de ser exclusivo do Brasil e é mais comum do que imaginamos em todo o planeta. Desafios semelhantes levaram então defensores do direito à comunicação de diferentes países a se articularem, desde 2009, em torno de um fórum de diálogo e planejamento de estratégias conjuntas para enfrentar lado a lado os mesmos problemas.

No último final de semana, esses defensores e ativistas se encontraram novamente, em Porto Alegre, num seminário internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre, que reuniu movimentos da Argentina, França, Itália, Alemanha, Moçambique, Senegal e Marrocos. O encontro, além de debater questões centrais da luta pela democratização das comunicações no Brasil, deu um pontapé para a elaboração da Carta Mundial de Mídia Livre.

O documento tem como objetivo estabelecer princípios e garantias para o funcionamento de uma outra mídia e para o exercício da liberdade de expressão em todo o mundo. Entre elas estão a reserva de espectro para emissoras comunitárias, políticas públicas de sustentabilidade a novas iniciativas de comunicação, uma governança democrática da internet, com neutralidade de rede e preservação da privacidade na web.

Nas últimas décadas, o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, principalmente da internet, abriu novas possibilidades de compartilhamento de conhecimento assim como multiplicou a formação de redes de ativismo. Apropriando-se dessas novas tecnologias, a sociedade civil ampliou iniciativas de rádios e TVs independentes, blogs, redes sociais, plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo, jornais e revistas eletrônicos, entre outros. Também desenvolveu software livres e interfaces alternativas aos programas e serviços comerciais, além de ter impulsionado mudanças em marcos legais como forma de promover o direito à comunicação.

No entanto, apesar desses avanços, a concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa continua crescente. Cotidianamente, em diferentes regiões do globo, interesses de grupos sociais oprimidos seguem invisibilizados. Múltiplas visões de mundo são sonegadas ao grande público.

Em busca de uma radicalização da democracia e entendendo a informação e a comunicação democráticas como condição fundamental para a participação cidadã, as mídias livres atuam para transformar essa realidade, contra-hegemônicamente. Cumprem sua missão com independência em relação ao poder político e econômico dos governos e grandes grupos de comunicação. Não à toa, seguem marginalizadas na maior parte dos países.

A Carta Mundial da Mídia Livre surge então para ser um instrumento de mobilização de diferentes grupos e plataformas de comunicação em torno deste tema. Ela será elaborada ao longo de 2014 em mais três encontros internacionais e colocado em consulta a todos os interessados em uma plataforma virtual. Sua adoção acontecerá em 2015, em Tunes, durante o Fórum Social Mundial. O Intervozes é uma das organizações brasileiras que participa desta iniciativa, e informações sobre o andamento do processo serão publicadas na página do Fórum Mundial da Mídia Livre: www.fmml.net

* Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.