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A agenda da mídia e a mídia fora da agenda

A capacidade dos veículos da grande mídia de pautar uns aos outros, de levar junto a oposição política (ou vice-versa) e parcela importante da chamada opinião pública, obrigando autoridades do governo (neste ou em qualquer outro governo) a, permanentemente, responder a uma agenda "externa" tem se demonstrado infindável no Brasil. Não há dúvida de que, do ponto de vista da grande mídia, o país vive uma crise contínua e interminável.

Acrescente-se a essa capacidade uma outra – a de emocionar e mobilizar parcelas imensas da população em torno de tragédias individuais –, e teremos o cenário midiático que tem predominado entre nós há algum tempo.

O observador da mídia precisa estar em alerta constante para que ele próprio não seja "cooptado" pela agenda da grande mídia e levado a considerar a agenda dela como sendo aquela do país. Ao contrário, cabe ao observador revelar a lógica interna da agenda midiática e o seu distanciamento de outras importantes questões de interesse coletivo que continuam a fazer parte da agenda pública e da disputa política. E isso, sobretudo, no nosso próprio campo, as comunicações.

Garantias ao produtor independente

Um exemplo: quando este texto estiver "no ar" já deverá estar publicada no Diário Oficial da União a lei que cria a EBC – Empresa Brasileira de Comunicação. A se confirmarem as expectativas, o presidente da República deve ter vetado o artigo inserido no projeto de lei de conversão pelo relator Walter Pinheiro (PT-BA), que previa que as emissoras de TV comerciais teriam que entregar à TV pública os sinais de jogos de seleções nacionais contratados com exclusividade e não transmitidos em seus canais. Se o veto presidencial tiver de fato acontecido, mais uma vez, vence a disputa o interesse dos grandes grupos privados de radiodifusão.

Outro exemplo: é grande a movimentação na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados em torno do encaminhamento de propostas regulatórias para o setor.

O relatório da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), aprovado na subcomissão especial que analisa mudanças no processo de outorgas de rádio e televisão, no final de 2007, foi agora apresentado ao plenário da Comissão e deverá ser votado ao longo deste semestre. O relatório prevê, dentre outras, a proibição a qualquer detentor de cargo eletivo de ser proprietário de emissoras de rádio e televisão; e também o fim da exigência de decisão judicial para o cancelamento ou cassação de outorgas de radiodifusão. Essas duas propostas, como se sabe, implicam alterações constitucionais.

Prossegue também a disputa em torno do Projeto de Lei 29/2007 que "dispõe sobre a comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado e da outras providências". Em jogo a regulação da entrada das empresas de telefonia na distribuição de conteúdo audiovisual e a regulação das empresas de TV paga. Espera-se a apresentação de novo substitutivo, pelo relator Jorge Bittar (PT-RJ), ao longo desta semana.

Um dos atores mais atuantes nesta disputa tem sido a ABTA – Associação Brasileira de Televisão por Assinatura que, na sexta feira (4/4), divulgou longo documento no qual se posiciona radicalmente contra "a imposição de cotas de conteúdo nacional na TV paga". Para a ABTA as cotas "resultarão em um brutal aumento de custos para o operador, em dificuldades operacionais para programadores e canais, impactando o valor das mensalidades pagas pelos assinantes, que necessariamente serão elevadas" [ver íntegra aqui].

Essa posição é oposta àquela defendida pela ABPITV – Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão, que havia entregue um manifesto favorável às cotas nacionais de produção independente aos deputados da CCTCI, na quarta-feira (2/4) [ver aqui].

O manifesto da ABPITV conta com o apoio de diversas entidades e associações e afirma que aquilo que o PL 29/2007 defende não é nenhuma novidade nos países da América do Norte ou da Europa. Lembra, por exemplo, a criação do "Fyn Syn", nos Estados Unidos, um sistema que limita o número de horas de programas feitos in house que as redes poderiam veicular, garantindo ao produtor independente os direitos patrimoniais dos projetos realizados por ele e promovendo a regionalização do conteúdo. Para a ABPITV, a norma norte-americana impede a formação de cartéis e garante que mais de 70% do conteúdo qualificado da televisão nos EUA seja desenvolvido por produtores independentes.

Convém não esquecer

Um observador de mídia precisa também ficar atento àqueles temas que dominam a pauta da grande mídia intensamente por algum tempo e depois, sem mais, desaparecem.

Um exemplo: a recente pauta sobre a ameaça a liberdade de imprensa e as "tentações da censura" provocada por dezenas de ações de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra a Folha de S.Paulo colocou sob suspeição o próprio Poder Judiciário. O tempo está mostrando, mais uma vez, que a reação dos grandes grupos de mídia foi, de fato, muito maior do que a ameaça. Dos 77 processos impetrados, todos – até agora 23 – estão sendo, um a um, arquivados. Nem um único sequer foi acatado pela Justiça.

O que se depreende da observação da mídia brasileira nos últimos tempos é que a pauta da mídia continua excluindo a própria mídia. E mais: a ausência de sintonia entre a sua pauta e aquela da maioria da população brasileira – que, é verdade, muitos acreditam não ser necessária.

Como a grande mídia impressa entre nós tem sido, historicamente, excludente e elitista, a omissão e o distanciamento do público não constituem problemas para ela. Mas, certamente, essa não pode ser a vocação da mídia eletrônica. Emissoras de rádio e televisão – é sempre bom lembrar – são concessões de um serviço público cuja prioridade deve ser o atendimento ao interesse público.

Humorístico CQC é a melhor estréia de 2008

O nome é incômodo – soa ao mesmo tempo como CPC, CCC e c.q.d, siglas para coisas tão díspares quanto os centros populares de cultura, o Comando de Caça aos Comunistas e o "como queríamos demonstrar" da matemática-, mas o "CQC" é, por enquanto, a melhor estréia da TV neste ano.

O formato é importado e, na verdade, bastante simples. Numa espécie de telejornal do absurdo, três âncoras apresentam entrevistas com perguntas embaraçosas, reportagens ao estilo de Michael Moore e Borat -repórteres interessados no avesso da notícia ou investidos de missões esdrúxulas etc.

A equipe combina Marcelo Tas, espécie de pioneiro do jornalismo saia-justa com seu repórter Ernesto Varela, com nomes mais recentes do humor, como Rafinha Bastos, Marcelo Luque e Rodrigo Gentili, conhecidos dos circuitos de comédia stand-up e do teatro, além de repórteres com queda para o humor.

O programa vem sendo comparado ao "Pânico na TV", mas guarda diferenças. Embora a irreverência diante de autoridades e celebridades se mantenha em quadros como as excelentes entrevistas do repórter inexperiente Danilo Gentili, o "CQC" leva adiante a verve política.

Mais do que a esculhambação indiscriminada, o programa trabalha com a ironia, sobretudo em relação à própria TV. Que, aliás, sempre foi um dos melhores materiais para se fazer humor em TV: veja-se o "Flying Circus" do Monty Python, o quadro "Weekend Update" do "Saturday Night Live", a "TV Pirata" etc.

O "CQC", por ora, esquivou-se da armadilha fácil daquilo que se chama de baixaria e que, em graus diferentes, assola o humor da TV brasileira. Do "Casseta e Planeta" ao "Toma Lá, Dá Cá", do "Programa do Tom" à "Praça É Nossa", parece que não há possibilidade de fazer graça sem certa humilhação. No "CQC", há mais sutileza e agilidade verbal, além de uma preocupação genuína, ao que parece, em fazer um tipo de jornalismo de denúncia engraçado.

O diabo é, de fato, prosseguir incólume aos apelos do apelativo. Mas a rede já aderiu com entusiasmo ao "CQC", espalhando trechos dos três episódios apresentados até agora pelo YouTube e pela blogosfera. Se a emissora (e os anunciantes) conseguirem ouvir, pode funcionar.

ISO aprova arranjo do monopólio como padrão mundial

Bush e os diplomatas da micro$oft atuaram para inverter o posicionamento técnico do Japão e da Inglaterra. Países pobres, aprisionados pelas promessas de licenças gratuitas e doações em dinheiro do monopólio mundial de software, votaram com o monopólio. Os ténicos norte-americanos, na primeira votação ocorrida no ano passado, haviam decidido rejeitar o arranjo inoperável chamado Open XML, OOXML. Mas o governo norte-americano interferiu na decisão, pois a administração Bush defende a manutenção do poder de aprisonamento da micro$oft sobre os demais países.

Como eu havia alertado para muitos defensores da qualidade técnica e da interoperabilidade, a decisão sobre padrões deveria ser técnica, mas não é! Se fosse, jamais a ISO aprovaria um padrão que tem mais de 5 mil linhas de códigos, muitas delas definidas como impróprias para o uso pela própria micro$oft. Mas, a ISO foi capturada pelo monopólio e seguirá daqui prá frente uma rota lamentavelmente descendente.

Se a decisão fosse técnica, países asiáticos jamais poderiam considerar como padrão internacional um arranjo que não suporta línguas orientais. Mas o Paquistão, Azerbaijão, Siria e Arábia Saudita votaram com a micro$oft contra sua própria cultura.

A Guerra de padrões é, antes de mais nada, uma disputa econômica e de política tecnológica. Está em jogo, a autonomia tecnológica e a capacidade de desenvolvimento. Por isso, o Brasil, a Índia, a China e a África do Sul votaram claramente NÃO ao OOXML.

O que deve ter acontecido para que tantos comitês técnicos desconsiderassem as mais de 40 objeções que o Brasil levantou contra o padrão OOXML? O brilhante e rigoroso trabalho técnico do Jomar Silva e da equipe brasileira serviu para demonstrar, infelizmente, que nos comitês de padronização a micro$oft sempre tentará fazer valer o seu poder econômico.

Temos agora que tomar cuidado, pois o monopólio tentará atrasar a implementação da ODF no país. No fundo, o monopólio lançou o OOXML para evitar que houvesse concorrência dentro de um mesmo padrão. O monopólio sabe que o OOXML é praticamente inaplicável fora dos produtos da própria micro$oft. É um arranjo absurdo, no qual você tem que implementar até mesmo um erro de data para que sua aplicação funcione corretamente. Não é por menos que a notícia da aprovação do OOXML foi divulgada ontem no Brasil. Sim, ontem, dia 1 de Abril. O dia do OOXML.

Fusão Oi/BrT: a grande trama ignorada

Enquanto a mídia consome papel, energia e tempo com o mais novo factóide da praça, o Dossiê FHC, prosseguem sem a atenção devida as pantanosas negociações para a fusão da Brasil Telecom e da Oi. Estas com potencial bem mais explosivo que a juntada de dados vazada à imprensa pelo senador tucano Álvaro Dias.

As tratativas da fusão seguem seu curso, apesar de, ao contrário do que anunciaram alguns colunistas, ainda não se tenha chegado aos termos finais do contrato. Na quarta-feira 2, as conversas retrocederam ante uma proposta espantosa do banqueiro Daniel Dantas, vetor de estratégias variadas no Brasil e na Itália (como se pode ler na reportagem de Paolo Manzo). Dantas exige, para concordar com a fusão, que os fundos de pensão aceitem ser solidários, judicial e economicamente, com qualquer problema, rombo ou falcatrua surgidos quando o Opportunity geria sozinho a BrT, caso identificados pelos novos controladores.

Durante nove anos, os principais acionistas da operadora de telefonia foram excluídos da gestão. Por nove anos, acusaram Dantas de roubar, enganar, usar a estrutura em proveito próprio, espionar e cometer crimes diversos. Reuniram provas contundentes que resultaram no indiciamento do banqueiro por formação de quadrilha e em inúmeros processos cíveis. Uma auditoria apontou um rombo de mais de 600 milhões de reais na BrT. O Citibank, um dos sócios, cobra 300 milhões de dólares por supostos danos na Justiça dos Estados Unidos.

Depois disso tudo, propõe Dantas, os fundos de pensão não só lhe concedem um atestado de idoneidade, mas também se assumem co-autores de eventuais novos crimes. É muito mais do que apenas passar uma borracha no passado, como já aceitaram as fundações. Na quarta 2, os representantes dos fundos disseram não. Mas não haverá nenhuma surpresa, caso venham a concordar com os termos propostos pelo Opportunity. As conversas foram retomadas na sexta 4.

Impressiona, contudo, a posição de árbitro da negociação que Dantas, acionista minoritário, assumiu. Que cartas o banqueiro tem nas mãos para controlar o jogo?

Volta e meia, partes envolvidas na negociação falam em pressões do governo federal em favor da fusão. Como revelou Samuel Possebon, da revista eletrônica Teletime News, certamente o jornalista mais bem informado a respeito do imbróglio, o Citibank teria aceitado abrir mão da ação contra o Opportunity, em Nova York, por “pressões políticas”. E o fez cerca de duas horas depois de ingressar com novas acusações contra o ex-parceiro na Corte norte-americana. Iguais pressões parecem mover os fundos na mesa de negociação.

Há quem no governo enxergue na fusão uma tacada em prol do desenvolvimento nacional. A criação de uma empresa de capital brasileiro forte no setor supostamente estimularia a contratação de fornecedores nativos. Reforçaria mecanismos de política industrial e evitaria que a telefonia fosse dominada por estrangeiros. Um dos maiores defensores desta tese é o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

As vantagens de bancar uma supertele nacional ainda estão por ser provadas. Certa mesmo é a existência de um conflito de interesses, caso fique absolutamente clara a interferência do Palácio do Planalto. A Oi, maior beneficiária da fusão, é sócia de uma empresa que tem entre seus acionistas Fábio Lula, filho do presidente da República. É um fato que, por si só, exigiria a neutralidade do poder público.

Quais interesses movem as partes? E por que o banqueiro responsável pela montagem de um dossiê contra figuras-chave da República, um “bandido” na definição de muitos dos envolvidos nas negociações, parece contar com a ajuda de Brasília? O que Dantas tem na manga? E contra quem?

O caso Isabella Nardoni é uma nova Escola Base?

O Diário de S.Paulo apostou todas as suas fichas em uma hipótese, a de que o pai de Isabella está envolvido na morte da filha. Se ele de fato estiver, o jornal tripudiou sobre um assassino. Se não estiver, acabou com a vida de um homem inocente. O bom jornalismo poderia evitar este tipo de atitude intempestiva. Ao que parece, a lição da Escola Base já começou a ser esquecida.


O episódio da morte da menina Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, que está comovendo o país, e é um desses casos policiais repletos de mistérios e que pode até ter um final surpreendente. A partir da história contada pelo pai e pela madrasta da menina à polícia, as suspeitas se voltaram justamente contra o casal, especialmente o pai: segundo o relato, ele teria subido para o apartamento com Isabella já adormecida, colocado ela na cama, trancado a porta e retornado para a garagem a fim de ajudar sua mulher a subir com os dois filhos do casal, meio-irmãos da garota. Quando enfim os dois voltaram ao apartamento com as crianças, a porta estaria aberta, a luz do quarto dos irmãos de Isabella acesa, e a rede de proteção, cortada. Por ali a menina teria sido jogada para a morte.

Uma série de indícios, porém, colocaram em xeque a versão do pai e da madrasta: havia vestígios de sangue no apartamento, Isabella parece ter morrido por asfixia e quebrou apenas um pulso na queda. Há também o relato de vizinhos que teriam ouvido a menina gritar "Pára, pai! Pára, pai!". Tudo isto deu motivo para que uma delegada que acompanha o caso tenha chamado o pai de Isabella de assassino na saída do depoimento à polícia. Segundo informação publicada nos jornais, há entre os investigadores quem acredite que Isabella sequer foi jogada pela janela.

A soma dos indícios sem dúvida pode levar o público a desconfiar da história contada pelo pai e pela madrasta da criança morta, mas não pode de maneira alguma permitir que os responsáveis pela publicação das reportagens sobre o caso tratem o casal como culpados ou mesmo suspeitos em um momento tão inicial das investigações.

Condenado a priori

Quando estourou o caso da Escola Base, hoje um exemplo estudado nas faculdades sobre o que não deve ser feito em matéria de jornalismo policial, um único jornal desconfiou da história e se recusou a dar uma linha sobre a cascata. Quando o caso foi elucidado e a inocência dos donos da escola restou provada, houve quem sugerisse que o hoje extinto Diário Popular recebesse, naquele ano, o Prêmio Esso de jornalismo pela não publicação das matérias.

Tempos depois, o Diário Popular foi vendido para as Organizações Globo e mudou de nome para Diário de S.Paulo. Pelo visto, mudou também de caráter: a primeira página reproduzida abaixo, da edição de terça-feira (1/4), configura um verdadeiro crime contra o bom jornalismo. Não se trata aqui de defender o pai de Isabella – ele pode até ser culpado pela morte da filha –, mas de constatar que a capa do Diário fere os princípios mais básicos da ética jornalística e da presunção da inocência.

Um cínico pode alegar que tudo que está na manchete do jornal é verdadeiro, o Diário não veiculou informação falsa nem acusou peremptoriamente o pai de Isabella de assassinato. Sim, e provavelmente esta capa passou pelo departamento jurídico do jornal para avaliar se ela poderia ser objeto de processo. A manchete certamente também cumpriu o objetivo de fazer o jornal vender mais. Os responsáveis pela publicação sabem, também, que esta manchete destruiu a reputação do pai de Isabella. Ainda que no final das investigações o assassino seja outra pessoa, como bem observou na terça-feira (2/4) o jornalista Clóvis Rossi na Folha de S.Paulo, o pai de Isabella já foi condenado pela imprensa. No caso do Diário de S.Paulo, foi condenado e exposto com requintes de crueldade.

Lição esquecida

Para o advogado do casal, a menina realmente gritou, mas foi por ajuda: teria sido algo como "Pára, pára! Pai, pai!", o que também faz sentido se ele estivesse sendo atacada por uma terceira pessoa. A quem mais ela poderia recorrer senão ao pai?

O Diário de S.Paulo apostou todas as suas fichas em uma hipótese, a de que o pai de Isabella está envolvido na morte da filha. Se ele de fato estiver, o jornal tripudiou sobre um assassino. Se não estiver, acabou com a vida de um homem inocente. O bom jornalismo poderia evitar este tipo de atitude intempestiva. Ao que parece, a lição da Escola Base já começou a ser esquecida.