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“Liberdade de expressão publicitária”, uma falsa discussão

A discussão sobre a regulamentação da publicidade ganhou força durante o IV Congresso Brasileiro de Publicidade, realizado de 14 a 16 de julho, em São Paulo, cujo tema principal foi a defesa de uma "liberdade de expressão publicitária". Foi uma reação de anunciantes, agências de publicidade e grupos de comunicação contra propostas do governo de regulamentar a publicidade de medicamentos, alimentos e bebidas que podem causar danos à saúde, além da publicidade para crianças. Esses grupos argumentam que qualquer tentativa nesse sentido é censura, uma forma de violação à liberdade de expressão dos anunciantes. Mas até que ponto o discurso publicitário é protegido pela liberdade de expressão?

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e por diversos tratados internacionais de direitos humanos. O artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos diz que "todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de ter opiniões sem sofrer interferência e de procurar, receber e divulgar informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras". A liberdade de expressão é um fundamento essencial da democracia e a pedra angular de todas as liberdades: permite o debate de temas de interesse público, a construção do processo decisório, o progresso de idéias, costumes e valores e a realização de outros direitos.

Regulamentação é legítima

Mas a liberdade de expressão não é um direito absoluto; ela pode estar sujeita a restrições. Isso ocorre quando existe um interesse legítimo de se proteger outros direitos humanos, como o direito à vida, à saúde, à segurança, à dignidade humana, inclusive o direito à liberdade. Liberdade como valor universal implica que ela pode ser restringida em seu próprio nome. O interesse público, o alcance do bem comum, é o objetivo maior que baliza a restrição da liberdade. O mesmo ocorre com a liberdade de expressão.

Podemos, então, voltar à pergunta, mas de outro modo: até que ponto o discurso publicitário pode estar sujeito a restrições? Para analisar se a regulamentação da publicidade é legítima, é preciso ver se há interesse público em proteger outros direitos que podem ser colocados em risco pelo discurso publicitário. Mesmo que se admita a existência de uma "liberdade de expressão publicitária", é necessário primeiro avaliar os interesses da sociedade e verificar o que é mais importante: veicular a publicidade, garantindo a liberdade de expressão, ou proteger outros direitos e valores que podem ser prejudicados por ela.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária define a publicidade e a propaganda como "atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias". A publicidade é, portanto, uma prática comercial, destinada a promover a venda. Para isso, ultrapassa o discurso informativo e entra no campo da persuasão. Ao estimular o consumo por meio do convencimento, o discurso publicitário tem o poder de interferir na saúde, na segurança, na definição de valores culturais e educacionais de uma sociedade e de cada indivíduo, incluindo a formação de crenças e valores das crianças. Se uma sociedade está preocupada com o tipo de influência que a publicidade pode exercer na formação de valores e no exercício de outros direitos, regulamentá-la é perfeitamente legítimo.

"Liberdade de escolha"

Além da liberdade de expressão poder ser restringida para proteger outros interesses, o discurso publicitário, originalmente, já não está sujeito ao mesmo nível de proteção de outros discursos. Ao proteger a opinião e a livre expressão do pensamento, a Constituição Federal teve a intenção de garantir a manifestação de idéias e convicções individuais ou da coletividade, mesmo que estas possam causar incômodo. Publicidade não se trata disso: seu fim não é expressar uma convicção ou uma informação, mas vender. O titular da liberdade de expressão como direito fundamental é sempre o indivíduo ou a coletividade, não as empresas.

Defensores da "liberdade de expressão publicitária" também argumentam que a regulamentação da publicidade fere o direito à informação, um direito humano fundamental que deriva da liberdade de expressão. Alegam que a publicidade é uma prática informativa que permite o exercício da liberdade de escolha: sem ela, consumidores não poderiam tomar decisões bem-informadas sobre como gastar seu dinheiro da forma mais eficiente.

Definição dos limites

Este é um argumento falacioso. Embora a publicidade possa ter algum conteúdo informativo, sua intenção final não é informar, mas convencer o consumidor a comprar algo. Se a publicidade tivesse por objetivo final informar, publicitários e anunciantes teriam aplaudido as propostas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de inserir nos anúncios de certas bebidas e alimentos dados sobre riscos à saúde.

Ao proteger o direito à informação, a Constituição Federal e os instrumentos internacionais de direitos humanos tiveram o objetivo de proteger o direito dos indivíduos de saber, de ter disponíveis informações que lhes permitam fazer escolhas bem-avaliadas em diversos aspectos de suas vidas. Nesta noção está implícita a idéia de acesso a informações verdadeiras, balanceadas e imparciais.

O direito à informação está vinculado à tomada de decisões individuais e coletivas de forma livre e bem-fundamentada, ao exercício do controle social da administração pública, ao acesso a informações em poder do Estado, à transparência pública e à realização de outros direitos. Mais uma vez, publicidade não se trata disso. Já algumas tentativas de regulamentá-la vão justamente nesse sentido: ao exigir maior quantidade e qualidade de informação nos anúncios (como, por exemplo, sobre os riscos que um produto pode causar à saúde humana), elas buscam que a publicidade esteja mais próxima aos ideais do direito à informação.

Finalmente, é necessário apontar a imensa confusão que se está fazendo entre liberdade de imprensa e publicidade. É certo que a imprensa depende de verbas publicitárias diversas para viver com independência. Mas afirmar que regulamentar a publicidade ameaça a liberdade de imprensa não se sustenta. O que se busca ao regular a publicidade não é impedir seu exercício legítimo, mas definir parâmetros que estejam de acordo com os valores da sociedade. Quem deve definir os limites da regulamentação é, portanto, a própria sociedade, de maneira participativa e democrática, e não os publicitários e anunciantes isoladamente.

* Paula Ligia Martins é advogada e mestre em Direitos Humanos, coordenadora do escritório brasileiro da Article 19, organização de direitos humanos que trabalha pela liberdade de expressão e informação em todo o mundo há mais de 20 anos; Maíra Magro é jornalista e mestre em Estudos Latino-Americanos com foco em Ciências Políticas, oficial de projetos da Article 19 no Brasil.

Democracia e PL-29, nada a ver

Após o fim do regime tirânico de Pisístrato e de seus dois filhos, Hiparco e Hípias, por volta de 550 a.C., os regimes aristocrático, monárquico e oligárquico em Atenas estavam enfraquecidos. O povo, então, deu poderes ao novo líder, Clístenes, para a elaboração de uma nova Constituição que, por sua vez, instituiu algo inédito: a democracia, um regime governado diretamente pelo povo.

O termo democracia vem do grego demos, povo, e kratein, governo. O governo do povo ateniense evoluiu da assembléia (eclésia), realizada em praça pública (ágora) com a presença dos cidadãos, à moderna democracia representativa, onde a população elege representantes para decidirem os rumos do governo em seu nome. Esta mudança se deve principalmente pelo desenvolvimento das polis e crescimento do número de eleitores, impulsionado pelo sufrágio universal.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Assembléia Constituinte se declara, ainda no preâmbulo, representante do povo brasileiro com o objetivo de instituir, através daquela Constituição, um Estado Democrático. O parágrafo único do art. 1º afirma que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou de forma direta.

Proposições de diferentes espécies

Dito isso, não resta dúvida que no Brasil adotamos a República através da democracia representativa e nossos representantes, escolhidos através de processo eleitoral, têm por função exercer o poder originado no próprio cidadão.

Nos últimos um ano e meio, a Câmara dos Deputados brasileira discute um projeto de lei, o PL-29/2007. Este projeto dispõe, basicamente, sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado, mais comumente chamado de TV por assinatura; reúne em apenas uma lei todas as formas de TV por assinatura (cabo, MMDS, TVA, satélite e DTH) e cria regras para a produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo no setor.

O deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC) apresentou o projeto em plenário no dia 5 de fevereiro de 2007. Até o dia 9 de julho de 2008, o PL já passou por quatro substitutivos, um do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) e três do deputado Wellington Fagundes (PR-MT); 177 emendas sobre os substitutivos pela CCTCI (Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática) e CDEIC (Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio); 37 emendas feitas pelas CCTCI e CDEIC; e 11 requerimentos (redistribuição, apensação, audiência, recurso).

De 4 a 11 de setembro de 2007, a Câmara dos Deputados discutiu o pedido do deputado dr. Ubiali de tramitar o PL 29/2007 juntamente ao PL 1631/2007. O pedido foi negado "pois as proposições são de diferentes espécies" (o PL 1631 fala sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, FNDCT, de natureza puramente contábil e com objetivo de financiar a pesquisa e inovação – realmente, bastante importante, mas não combina com uma discussão sobre regulação de transmissão televisiva).

A lógica capitalista

Mais recentemente, o deputado Cezar Silvestri (PPS-PR) solicitou que o projeto fosse apreciado também pela Comissão de Defesa do Consumidor. Sendo que este pedido já havia sido feito e retirado em abril de 2008.

Toda solicitação, seja pedido de redistribuição ou análise, leva tempo para ser julgada; por isso, qualquer pedido tem que ser avaliado antes de solicitado oficialmente. Infelizmente, o processo burocrático usado para transparecer o método democrático de tramitação de um projeto de lei na Câmara é usado como instrumento protelatório pelos grupos contrários.

E que grupos são esses? Visivelmente, os radiodifusores e as empresas de TV por assinatura (Abert e ABTA). A pressão com que atuam sobre os deputados é extremamente forte e eficaz. Seus motivos também são claros: defendem um modelo de negócios há muito tempo lucrativo e livre de regulamentação. Qualquer insinuação de criação de leis que limitem sua liberdade é combatida ferozmente através de pressões políticas e da influência sobre as massas, através de propagandas incompletas sobre o que está acontecendo no governo (aquele comercial da ABTA foi ridículo).

No entanto, não podemos crucificar os empresários. Seus motivos contrários à aprovação do projeto de lei estão de acordo com a lógica capitalista com que sempre dirigiram seus negócios. A defesa do mercado já conquistado é uma reação normal e previsível. Apesar de a transmissão televisiva ser uma concessão pública, as emissoras são privadas e, como qualquer empresa, visam ao lucro.

Divulgação independente

Esta resistência à criação de novos paradigmas que envolvam os radiodifusores não é exclusividade da PL -29. Toda a discussão sobre a implantação da transmissão digital de televisão no Brasil foi guiada por interesses comerciais das emissoras de TV aberta (além das empresas de eletrônicos), que fizeram de tudo para manter o antigo modelo econômico ao mesmo tempo em que divulgaram para a população uma revolução no modo de assistir televisão. No fim, a televisão digital brasileira não passa de analógica com enfeites.

Mesmo assim, os radiodifusores não podem ser excluídos da discussão. Entretanto, não podem ser os únicos ouvidos. O conceito de democracia possui princípios como igualdade, participação e liberdade. Todos têm o direito de participar: empresários, agentes sociais, cidadãos, teóricos, especialistas… E a opinião de todos deve ser aceita e igualmente valorizada. A interpretação dos radiodifusores é voltada para interesses próprios, e não da população, então por que seguir estritamente o que dizem? Ideal é valorizar também a visão não-mercadológica, dar espaço para a sociedade civil se manifestar e atribuir o real valor à sua análise (não adianta nada pedir um relatório e ignorá-lo).

Chega a ser ridícula a situação quando, para dar prosseguimento ao processo, os deputados usam como trunfo o apoio de grandes radiodifusores e sua esfera de influência midiática. A comunicação é parte de um Estado democrático e o acesso à informação, antes de ser constitucional, é garantia mundial e explicitamente definida na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, de 1948. A divulgação do projeto deve ser feita independente da aceitação da mídia. Obviamente, estou sendo inocente neste momento em considerar que isso poderia acontecer…

Os interesses da maioria

Globo, Band, SBT e companhia comparecem em peso às comissões e fazem de tudo para convencer os deputados sobre seus interesses. E, pior, conseguem! A força política dos radiodifusores já é conhecida e não surpreende. O que espanta é a total falta de respeito com o cidadão. Um projeto de lei deve ser avaliado sobre os benefícios que trará à população. A visão empresarial será analisada, mas o principal é montar um projeto que represente os reais interesses do cidadão. Não estou avaliando aqui o conteúdo da PL, se está correto ou não (particularmente, acho que possui pontos positivos e negativos – o que falta é conseguir balanceá-los).

Se o assunto precisa ser discutido exaustivamente, então que os parlamentares façam direito. Coloquem em consulta pública; peçam relatórios para os atores direta e indiretamente envolvidos (radiodifusores, representantes governamentais, sociedade civil); e, mais importante, façam com que tudo seja divulgado na mídia. A consulta pública deve ser divulgada, tanto quanto seu processo e sua conclusão; as análises devem ser distribuídas a todos os interessados e devem se encontrar disponíveis para consulta; o processo de discussão da PL precisa ser coberto pela imprensa de forma objetiva (sei que é uma utopia imaginar esta posição da mídia, mas não custa nada tentar).

Eu não quero que o radiodifusor decida o que é melhor para o país. Eu não moro no Projac e não votei na Globo para me representar. Quero que meu deputado tenha personalidade, inteligência, ética e saiba que ele está lá para mim, para a sociedade; ele está lá para representar os interesses da maioria.

Afinal, esta é a definição de democracia.

* Gustavo Audi é formado em Rádio e TV pela UFRJ e especialista em Mídias Digitais pela Unesa

A perigosa relação do bebê com a TV

Crianças têm necessidade de atividade motora para construir seu universo mental. A capacidade de interagir com o meio que o cerca e a aquisição progressiva da motricidade são fundamentais para o desenvolvimento psicológico do bebê.

Quem discorda dessas assertivas, que deixe seu bebê entre 6 meses e 3 anos diante da TV para "se distrair" ou para "adormecer". Quem acredita que a TV é um instrumento positivo no desenvolvimento de uma criança, ligue a BabyFirst e reze para que seu bebê não tenha o cérebro atrofiado nem seu desenvolvimento motor prejudicado.

O debate sobre a televisão e suas conseqüências sobre os espectadores de fraldas foi aberto na França há pouco mais de um ano com um texto publicado no jornal Le Monde, assinado por dois pedopsiquiatras de renome, Pierre Delion e Bernard Golse. Os especialistas pediam uma "moratória" para o canal BabyFirst, destinado a crianças de 6 meses a 3 anos e que tem como slogan "Veja seu bebê se desenvolver" [ver, neste OI, "Cientistas franceses pedem moratória para canal"].

O manifesto que pedia a moratória para esse tipo de canal destinado aos bebês era enfático:

"Numa época em que se fala muito de ecologia, é preciso que nos conscientizemos de que proteger nossos filhos do risco de desenvolver uma forma de dependência em relação à tela luminosa é uma forma de ecologia do espírito. Por isso, é urgente que nos mobilizemos para a criação de uma moratória que proíba a existência desses canais, antes que a ciência possa conhecer melhor a relação da criança pequena com a tela."

Bebê necessita de atividade física

A moratória foi apenas uma boa idéia de cientistas humanistas, vencidos pela realidade do mercado e pelo poder da nova mídia.

Agora, a polêmica volta através da revista semanal do Le Monde, a Monde 2, que ouviu especialistas sobre a exposição precoce dos bebês à TV. Eles não recomendam a babá eletrônica para o público de fraldas. Muito pelo contrário. Serge Hefez, um dos psicanalistas que assinaram o manifesto, diz:

"A simples idéia desse canal contraria tudo o que sabemos sobre o psiquismo do bebê. Ele o transforma em espectador quando ele precisa tornar-se ator; o torna passivo no momento em que ele aperfeiçoa suas capacidades de ser ativo. Será sempre mais saudável deixá-lo brincar sozinho com um bichinho de pelúcia e aprender tranqüilamente a se entediar para desenvolver sua capacidade de ser autônomo."

O primeiro canal dirigido aos espectadores de chupeta foi criado em Israel em 2003 e se chamava BabyTV, depois comprado pela Fox, de Rupert Murdoch. Na chegada à França, em 2005, o canal suscitou o alerta e o pedido de "moratória" dos pedopsiquiatras Delion e Golse até que a ciência possa determinar a inocuidade da TV para o desenvolvimento psicológico e motor dos bebês. Os cientistas frisam que para formar a inteligência nessa idade em que o cérebro se organiza, forma categorias e se constrói, o bebê necessita de atividade física.

Robô que forma robôs

Não houve moratória e, como os sinais são emitidos da Inglaterra, o Coletivo Interassociativo Infância e Mídia (Collectif interassociatif enfance et média – CIEM) também não pôde impedir, em nome da lei francesa, a difusão de programas do canal por assinatura, suscetíveis, segundo o Coletivo, de "prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores". Um organismo do governo, a DGS (Direction générale de la santé), advertiu, contudo, que as empresas que comercializam programas destinados ao público de menos de três anos "não podem fazer publicidade atribuindo a eles benefícios para a saúde ou para o desenvolvimento da criança".

O pediatra Frederick Zimmerman, professor da Universidade de Washington e especialista nos efeitos das diferentes mídias sobre as crianças, dirigiu no ano passado uma pesquisa sobre a televisão para crianças de 2 a 24 meses. Constatou que 40% dos bebês de três meses vêem televisão todos os dias. Aos 24 meses, eles já são 90% a ver TV.

O estudo do doutor Zimmerman desaconselhava qualquer programa de TV para crianças menores de dois anos. Por quê? Segundo ele, as dificuldades de aprender a ler e a estudar matemática, a tendência à obesidade (25% das crianças norte-americanas de 1 a 6 anos estão com peso acima do normal), a síndrome de hiperatividade e os comportamentos agressivos foram relacionados pelo estudo a um longo período de exposição das crianças aos programas ditos "infantis". A Academia Americana de Pediatras (AAP), que publicou o estudo de Zimmerman, também condenou a exposição de menores de dois anos à televisão. O estudo do doutor Zimmerman mostra que a visão da televisão como um robô que forma robôs não é unicamente francesa.

Cabe aos pais defender os bebês de até três anos da famosa "máquina de fazer doido", que o jornalista Sérgio Porto intuiu, muito antes das pesquisas que provam que ela pode ser muito nociva.

Principalmente para os espectadores de fraldas.

* Leneide Duarte-Plon é jornalista.

Daniel Dantas, Lula e a mulher de César

 

"O cara vai pegar o que ele vendeu e vai cantar noutro lugar, entendeu? Vai tentar, ele tá começando outra vida pô, vamos ver”. De Luiz Eduardo Greenhalgh para Sigmaringa Seixas, em conversa telefônica grampeada pela Polícia Federal

Como diz o ditado, à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta. Pois, se Lula pretende que a compra da Brasil Telecom pela Oi tenha uma áurea de decência, deve suspender imediatamente qualquer revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) até que a justiça se manifeste definitivamente sobre o mérito da operação Satiagraha, desencadeada pela Polícia Federal para investigar o banqueiro Daniel Dantas (DD). Vale lembrar que cabe ao presidente da República autorizar a mudança no PGO.

Segundo informações extra-oficiais que circulam pela imprensa, Banco do Brasil, BNDES e fundos de pensão de estatais (especialmente a Previ) irão diminuir sua participação na empresa resultante da compra. Ou seja, o governo anuncia que se trata de um bom negócio, mas ele próprio decide diminuir sua participação. É importante saber se esse desinvestimento trará prejuízo para os acionistas do BB (em especial a União), para o BNDES e para os fundos de pensão de estatais (cuja saúde financeira é fundamental para o futuro de milhares de trabalhadores e suas famílias).

Também pela imprensa ficamos sabendo que o BNDES deve emprestar uma quantia de alguns bilhões de reais para essa operação. Não é normal que o BNDES empreste recursos para meras aquisições. Por que dessa vez? Agora, a Oi acaba de anunciar oficialmente que pegou um empréstimo de R$ 4,3 bilhões com o Banco do Brasil em condições mais favoráveis do que as de mercado (CDI + 1,3% ao ano).

Pelo modelo societário proposto, Carlos Jereissati e a Andrade Gutierrez serão os principais acionistas dessa nova empresa. Esta última foi a maior financiadora da campanha de Lula em 2006 e propôs ao conselho da Oi a ajuda de R$ 5 milhões à Gamecorp, onde o filho de Lula é um dos sócios.

Daniel Dantas

Mas, a compra não será positiva apenas para Carlos Jereissati e a Andrade Gutierrez. O banqueiro Daniel Dantas, principal alvo da operação Satiagraha, deve receber um pouco mais de R$ 1 bilhão pela venda de suas participações tanto na Oi quanto, especialmente, na Brasil Telecom. Para que isso ocorresse, os fundos de pensão das estatais abriram mão dos processos que moviam contra Daniel Dantas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos

Depois de muitos rumores, a operação Satiagraha está provando que DD nasceu pelas mãos do PFL, enriqueceu com os tucanos, mas já estendeu seus laços por todo o governo Lula. E de uma forma tão profunda que está surpreendendo até os mais céticos.

O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, prestou consultoria para Dantas. Sua namorada, Evanise Santos, assessora da Casa Civil, se prestou a marcar encontros sigilosos para discutir a situação de DD.

A atual ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, teve encontros não marcados em sua agenda para discutir a vontade de Dantas de “resolver” sua situação na Brasil Telecom. Logo depois destas reuniões, os fundos de pensão anunciaram que estavam desistindo dos processos judiciais.

O ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, membro da direção do PT e ex-candidato à presidente da Câmara dos Deputados, recebeu cerca de R$ 650 mil para ser o lobista de DD junto ao governo federal e contou com a ajuda do também ex-deputado petista Sigmaringa Seixas, frequentador da casa de Lula.

Antes mesmo da operação Satiagraha, em Brasília todos sabiam que o compadre de Lula, Roberto Teixeira, prestou consultoria para DD. Também era conhecido o fato de que, até assumir uma pasta no ministério de Lula, Roberto Mangabeira Unger funcionava como trustee dos negócios de DD nos Estados Unidos. E há ainda uma mal explicada participação do deputado federal pelo PT, José Eduardo Cardoso, em ação judicial envolvendo a Brasil Telecom que supostamente favoreceria Daniel Dantas.

Mas, foi com a Satiagraha que tornou-se pública a informação de que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, tentou descobrir a quantas andavam as investigações contra Daniel Dantas, a pedidos do então lobista Greenhalgh.

Para Lula, isso significa que seu ex e sua atual ministra mais importante, um outro ministro, seu chefe de gabinete, um amigo pessoal, seu compadre e seu candidato à presidente da Câmara tiveram relações diretas com os negócios de Daniel Dantas, que agora, graças à decisão dos fundos de pensão de estatais, vai lucrar mais de R$ 1 bilhão.

Significa, também, que BNDES e BB vão emprestar dinheiro em condições melhores do que as do mercado para que a empresa que mais lhe doou recursos de campanha, e que financiou os negócios de seu filho, possa se tornar sócia majoritária (em conjunto com o irmão de um senador do PSDB) da futura maior empresa de telecomunicações do Brasil.

Pode ser que tudo isso não passe de uma terrível coincidência, mas se o presidente Lula pretende entrar para a história sem a pecha de ter compactuado com negociata bilionária, é bom suspender a mudança do PGO até a decisão judicial do mérito da operação Satiagraha.

* Gustavo Gindre é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, coordenador acadêmico do Nupef/RITS e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr).

O Processo de Alteração das Metas de Universalização

No dia 7 de abril deste ano foi editado o Decreto Presidencial 6.424, por meio do qual foi alterado o Plano Geral de Metas de Universalização – PGMU, do Sistema de Telefonia Fixa Comutada – o STFC.

Já em 2003, foi editado o Decreto 4.769 que traz, além de obrigações relativas a acessos individuais e coletivos – mantidas pelo recente Decreto 6.424, de 7 de abril de 2008, as obrigações consistentes na ativação de Postos de Serviços de Telecomunicações, contando com Terminais de Uso Público (TUP’s) e Terminais de Acesso Público (TAP’s) à internet, e possibilitando o atendimento pessoal ao consumidor, que, depois da alteração legal, os PST’s só serão implementados em áreas rurais. Segundo estimativas apresentadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e empresas, seriam instalados mais de 8 mil PST’s. Essas metas deveriam ser implementadas paulatinamente a partir de janeiro de 2007 e alcançar todos os municípios até 2011.

Ocorreu que as concessionárias, que mal tinham acabado de assinar as prorrogações dos contratos, em dezembro de 2005, começaram a fazer um lobby pesado, por meio da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), junto ao Ministério das Comunicações, com a finalidade de se liberarem da obrigação dos PST’s e trocarem essas obrigações pela construção de uma rede de acesso (denominada pelo Decreto Presidencial de backhaul) ao serviço de comunicação de dados – o grande filão do mercado.

Ou seja, as concessionárias esperaram a prorrogação dos contratos de concessão, que lhes garante posição privilegiada quanto ao uso dos backbones até 2025, para, então, passarem a envidar esforços junto ao Ministério das Comunicações (Minicom), no sentido de se livrarem da obrigação de instalação dos PST’s, com o objetivo de criarem condições para SE utilizarem dos recursos do próprio STFC e do Fundo Social das Telecomunicações (Fust, art. 81, LGT), para estenderem suas redes de suporte para o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Foi assim que surgiu a negociação, exitosa, diga-se, para as concessionárias, incluindo os backhauls nos contratos de concessão, na condição de metas de universalização.

Para promover troca dos PST’s pelos backhauls, acordadas entre o Governo e as concessionárias em novembro de 2007, foi instaurada a Consulta Pública 842/2007, cujo prazo para apresentação de contribuições pela sociedade foi de 10 dias. Além disso, a Anatel não disponibilizou nenhum estudo técnico ou econômico, para justificar o ganho social com a mudança ou a equivalência econômica entre os custos de implantação dos PST’s e dos backhauls.

Concluída a consulta pública, a minuta dos aditamentos, firmados para formalizar a concordância das empresas com a alteração das metas, trazia cláusula onde expressamente se incluíam os backhauls na lista de bens reversíveis, expressa no Anexo I aos contratos de concessão.

De acordo com o art. 35, da LGT, cabe ao Conselho Consultivo da Anatel (CC) opinar sobre as metas de universalização, antes que o Decreto que o estabeleça seja editado, por força do que, depois de mais de um ano sem se reunir, o CC, no dia 18 de março deste ano, foi convocado e recebeu a incumbência de se pronunciar até o dia 25 do mesmo mês a respeito da alteração das metas de universalização nos termos definidos pela ANATEL.

Da relação de documentos encaminhados ao CC constava a minuta do aditamento com a cláusula que garantia segurança sobre a reversibilidade dos backhauls. Todavia, os estudos de viabilidade econômica, essenciais para demonstrar que não estaria ocorrendo desequilíbrio em desfavor do interesse público não foram encaminhados ao Conselho. Diga-se, aliás, que até hoje os custos dos PST’s ainda não foram apresentados à sociedade.

Para piorar a lista das graves ilegalidades que reveste todo o processo de alteração das metas, frisamos que dos aditamentos assinados pelas concessionárias foram extirpadas as cláusulas que garantiam a reversibilidade dos backhauls ao final da concessão.

Por solicitação do CC, funcionário da agência esteve presente em reunião, quando pediu desculpas por ter sido enviada para análise minuta que não correspondia àquela que, de fato, seria e foi assinada. Na mesma ocasião, informou que a decisão de retirada da cláusula teria se dado por Circuito Deliberativo ocorrido no dia 7 de abril – véspera da cerimônia de assinatura dos aditivos, e insistiu que o receio sobre a situação de insegurança não se justificava, pois havia consenso quanto à reversibilidade dos bens.

Surpreendentemente, o mesmo funcionário, dias depois desta reunião, havia se demitido da agência e trabalha hoje para a Abrafix, que, por sua vez, tem se pronunciado publicamente no sentido de que a reversibilidade do backhaul não é ponto pacífico.

Levantando as contribuições apresentadas pela Oi, CTBC e Telesp, durante a consulta pública, encontramos o seguinte texto (contribuição n° 32, ID 34224): “O anexo 1 do Contrato de Concessão já contempla todos os bens e equipamentos que podem ser considerados reversíveis, independentemente se utilizados para atendimento dos compromissos de universalização ou não, vez que relacionam todos aquelesindispensáveis para a prestação do serviço. Incluir este novo item ao rol de bens reversíveis pode abrir um precedente para que no futuro outros bens que possam ser agregados a outros compromissos de universalização,mas não indispensáveis a prestação dos serviços sejam equivocadamente classificados como tal”.

Ou seja, o documento oficial das concessionárias deixa muito claro, ainda em novembro de 2007, que os backhauls, por não serem indispensáveis para a prestação do STFC, não poderiam ser classificados como bens reversíveis. Porém, injustificada e surpreendentemente, o parecer emitido pela Advocacia Geral da União (AGU), a respeito da alteração que lhe fora apresentada pela Anatel, afirma que a retirada da cláusula é irrelevante, com base na justificativa da Oi, que compartilha da mesma linha de entendimento da Telesp e CTBC.

Ora, o backhaul não é mesmo essencial para o STFC. A despeito de o Decreto 6.424/2008, defini-lo como “infra-estrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga, interligando as redes de acesso ao backbone da operadora”, sabemos que a telefonia fixa não depende do backhaul para funcionar. Sendo assim, nos termos do art. 100, da LGT e da cláusula 22.1 dos contratos de concessão, os bens só retornam para o patrimônio da União ao termo do contrato, aqueles que foremindispensáveis para a prestação da telefonia fixa ou se estiveremexpressamente descritos na lista de bens reversíveis.

A legalidade da troca das metas já está sob a apreciação do Poder Judiciário, posto que é ilegal subsidiar serviço prestado em regime privado com recursos provenientes da exploração do serviço prestado em regime público (art. 103, § 2°, da LGT). A Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor ajuizou Ação Civil Pública, pois entende que, além de ilegal, a troca é socialmente injusta, pois há estados do Brasil, como o Maranhão, onde a teledensidade dos acessos individuais não chega a 7 telefones por cada 100 habitantes; a teledensidade média do Brasil, segundo a ANATEL, é de menos de 21%. Ou seja, promovida a universalização da infra-estrutura, que de fato é essencial para o STFC, em virtude do que sempre se justificou o alto preço da assinatura básica, milhões de brasileiros foram excluídos da condição de consumidores de um serviço essencial. Assim, agora seria o momento de se reduzir o valor das tarifas e não de se impor novas obrigações às concessionárias, que servirão, como sempre ocorreu, de justificativa para a manutenção do valor inadequado das tarifas ao poder de compra da grande maioria dos cidadãos brasileiros.

Resta agora ao Ministério Público Federal apurar os fortes indícios de improbidade administrativa. Discordamos da AGU, pois o tema sobre a retirada da cláusula de reversibilidade dos aditivos assinados não é irrelevante. Ao contrário, estamos tratando da utilização de recursos públicos para financiar uma rede que, os riscos são muito grandes, ao final da concessão, poderá ficar incorporada ao patrimônio das empresas privadas.

Além disso, não podemos deixar de reconhecer que a alteração se deu de forma sorrateira e sem respeitar a transparência e o princípio da impessoalidade, pois, sem licitação, concedeu-se às concessionárias a possibilidade de implementarem uma nova infra-estrutura para o serviço de dados, em detrimento da abertura do mercado para novos agentes econômicos.

Além disso, essa alteração é a base para que se concretizem novas alterações no Plano Geral de Outorgas, pois será a construção dos backhauls na região da BrT-Oi (fusão da Brasil Telecom com a Oi), que justificará a utilização dos recursos do FUST para a extensão da rede de banda larga. Portanto, é extremamente prejudicial que as duas discussões estejam ocorrendo de forma estanque, pois a segmentação cria uma cortina de fumaça a impedir que a sociedade identifique as reais intenções do Governo e das empresas envolvidas.

O apagão do serviço de dados da Telefonica e os mais novos capítulos envolvendo o Sr. Daniel Dantas, Oportunity e empresas de Telecom são fortes sinais de que a prudência nesse momento é a melhor conselheira. Esperamos que a Anatel e o Minicom estejam sensíveis para as perplexidades que poderão acometer suas ações e/ou omissões e escutem a voz da cautela e a voz do povo; afinal, o Brasil é um país de todos!

* Flávia Lefèvre Guimarães é advogada, representante dos usuários no Conselho Consultivo da Anatel.