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Lei Azeredo torna telecentro dedo-duro e retarda inclusão digital

As novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC's) e em especial a Internet, vêm de forma rápida contribuindo com o debate entre capital x trabalho. São inúmeras as alterações nesta relação. A partir disso constrói-se um novo cenário de possibilidades econômicas a partir das novas tecnologias, mas as antigas contradições da exploração do trabalho para obter lucros ainda permanecem.

A inclusão digital tem papel estratégico para eficiência da promoção da democracia, impedir a corrupção e fomentar o controle social dos recursos públicos através da disponibilização de prestação de contas com mecanismos de acesso fácil a essas informações.

A inclusão digital deve ser parte do governo eletrônico, que além de disponibilizar informações e serviços digitais por um lado, de outro deve garantir a existência de espaços públicos de acesso livre a esses conteúdos e serviços. Um governo que não pensa em garantir espaços públicos de acesso a serviços e informações online, está na verdade privilegiando e privatizando o acesso ao governo eletrônico e os serviços públicos online, posto que, limita estes serviços a quem tem condições de ter computador e conexão em casa.

A inclusão digital a cada dia tem entrado nas agendas, de governos e sociedade civil. Quando o poder público e a população estão integrados através de interfaces em uma mesma rede de comunicação, com a garantia da universalização do acesso às novas tecnologias e à Internet em banda larga, acompanhados de uma intensa oferta e utilização de serviços públicos on-line, então, podemos dizer que temos inclusão digital.

Essas interfaces devem facilitar o fluxo de informações, conhecimentos e serviços entre:

Sociedade x Sociedade
Sociedade x Estado
Estado x Estado

Mas o conceito de inclusão digital está em processo de evolução para a idéia de cidades digitais, onde com infra-estrutura ampliada será capaz de oferecer serviços de conectividade, e sistemas de informação integrado para todos os setores sociais e de forma aberta para toda uma determinada cidade.

O projeto e controle da internet é criminal. O projeto tem como objetivo "tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares, e dá outras providências." O projeto tem como objetivo preservar os negócios dos bancos, das grandes gravadoras e grandes editoras. E utilizam a pedofilia que não acontece na internet, mas presencial nos lares e nas ruas para justificar o projeto.

Mas no fundo esse projeto irá atrapalhar a inclusão digital no Brasil e não resolverá os problemas que pretende, portanto, será um projeto para recuperar os lucros dos bancos, das grandes gravadoras e grandes editoras.

É importante mencionar que esse projeto defendido e articulado pelos senadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Aloísio Mercadante (PT-SP) foi aprovado sem nenhum debate com a sociedade civil como eles afirmam a todo o momento. Para os referidos senadores ouvir a sociedade civil é: simplesmente fazer audiência pública, nas quais (onde) os senadores falam mais do que escutam e os/as participantes podem somente participar mandando "bilhetinhos", sendo que (onde) o coordenador da mesa lê se for conveniente. E o que sai dessa audiência os/as participantes nem sabem se foi aproveitado ou não. Um detalhe. A única audiência pública que teria a participação de pessoas do terceiro setor foi cancelada e sem qualquer justificativa.

Se os Senadores quisessem mesmo escutar a sociedade, então, deveriam criar um grupo de trabalho para frequentemente debaterem o tema. Para assim, entenderem melhor as consequências de um projeto dessa natureza.

Mas, todas essas idéias de governo eletrônico, cidades digitais e inclusão digital e todos os valores agregados e associados a essas políticas estão sob grandes ameaças construídas pelo projeto de crimes digitais já aprovado no congresso nacional.

Vejamos o seguinte:

Cada telecentro é um provedor de acesso a rede mundial de computadores, e portanto, está sujeito a lei. Por isso, também deverá cumprir a lei, e não tem como um Senador dizer: Essa lei não atinge os projetos de inclusão digital ou as redes comunitárias. Quando eles falam isso, é porque, na verdade não entendem o projeto que aprovaram. Ou entendem e querem tentar confundir o debate.

O telecentro quando contrata um serviço de banda larga, recebe um ip válido para a internet. E para todos os efeitos é esse ip válido que é registrado no provedor forncedor do link de internet. E através de uma rede interna ao telecentro com um roteador, que é distribuído uma outra camada de ip's, caracterizando assim, outra rede que não aparece para o provedor do link da internet. Por isso, que cada telecentro como provedor de acesso público deverá também gravar os logs com "dados de endereçamento eletrônico da origem" com horário de entrada e saída da internet.

Sendo o telecentro também um provedor de acesso, então, deverá cumprir o art 22 da lei, que diz: "O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público é obrigado a: I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de três anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;"

O projeto não especifica o que é exatamente "dados de endereçamento eletrônico da origem". Esses dados podem ser o IP ou endereço da placa de rede do computador, mas pode também ser o endereço de email, a página que a pessoa acessou.

Esse artigo é para identificar/relacionar possíveis criminosos ao tal "dados de endereçamento eletrônico da origem", com horas de entrada e saída da internet. Mas, como será feita essa relação sem identificar cada usuária(o)?

Esse artigo 22 forçará todos os telecentros a investirem em infra-estrutura para gravar logs de acesso durante os 3 anos. E terá de ser em "ambiente controlado e de segurança". Portanto esse necessário ambiente adequado para gravar esses log's acarretará em maior investimento por parte dos telecentros para guardar essas informações.

Além disso, ainda no Art 22 parágrafo 1º diz que: "Os dados de que cuida o inciso I deste artigo, as condições de segurança de sua guarda, a auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão definidos nos termos de regulamento…"

Portando, as implicações são maiores do que se imagina. Os logs deverão ser guardados em local seguro, que ofereça condições de acesso fácil para auditorias e que não permita acesso por qualquer outro sujeito que não tenha requisição judicial.

Então cada telecentro deverá possuir uma infra-estrutura para essas funções, e também por isso, a inclusão digital será retardada por que tudo será sinônimo de mais custos. Se o governo não investir nessa infra-estrutura para os telecentros, então, o telecentro não poderá funcionar. Além disso, criará o monopólio dos grandes provedores de link, que são quem poderão investir nessa infra para guardar logs.

Os provedores de link tem um fluxo de acesso ainda maior do que um telecentro, então, sua infra-estrutura será maior. Os grandes provedores terão de investir mais, e consequentemente como sempre repassarão esses custos para os seus clientes, que tornará os serviços de banda larga ainda mais caros para os telecentros e população em geral.

O inciso III do Art. 22 determina: "informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade."

Aqui cria-se o "telecentro delator". Cada telecentro terá a obrigação de vigiar todos os acessos da sua rede. Os telecentros terão de ter mecanismos de vigilância, e com isso, terão de quebrar a privacidade dos suas/os usuárias(os) para verificar que conteúdos transferidos são ou não ilegais. Nessa linha cada unidade do projeto Casa Brasil, cada unidade dos pontos de cultura, cada telecentro do Serpro, cada telecentro do Banco do Brasil, cada telecentro da Caixa Econômica Federal, enfim todos que oferecem acesso público a internet será um dedo-duro dos seus usuários.

Com isso, os telecentros além de terem mais custos com banda larga, também deverão manter estrutura para os logs que aumentará os custos, e vigiar o que as(os) usuárias(os) estão transmitindo/recebendo também é sinônimo de custos e de quebra de privacidade dos seus usuários.

Por fim, vale lembrar que essa lei interessa apenas aos bancos, grandes gravadoras e editoras. O Ministério da Cultura com vários setores da sociedade está em processo de debate sobre o direito autoral. Ainda não concluiu o debate, mas o senado não quis saber e antecipou-se aprovando a lei. Como parte do processo aconteceu nos dia 27 e 28 de ago em SP o Seminário "Direitos Autorais e Acesso à Cultura". http://www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/

Os bancos estão tendo que indenizar seus correntistas vítimas de fraude. E isso está sendo custoso para os bancos. O problema é que os bancos utilizam sistemas de seguranças que são inseguros e proprietários, nos quais (onde) não se sabe como realmente funcionam os sistemas, já que, o código não é disponibilizado como software livre. Esses sistemas de segurança deveriam ser software livre. Então os bancos optam por sistemas proprietários inseguros e não querem se responsabilizar por essas fraudes. Querem com esse projeto do Azeredo repassar essa responsabilidade para os provedores de acesso, que por sua vez repassarão para os seus/as usuários/as.

E as grandes grandes gravadoras e grandes editoras visualizam as redes p2p, redes sociais, blogs/fóruns, e outros da mesma natureza como instrumentos prejudiciais para os seus negócios, e por isso, também se interessam pelo projeto.

É por tudo isso que esse projeto atende apenas ao interesses de setores industriais. E inviabiliza todas as outras possibilidades de uma nova economia e sociedade, com mais justiça social e democratização da informação com a qual a internet pode e tem muito a contribuir.

* Everton Rodrigues é ativista do Movimento Software Livre e membro suplente do CGI.br pelo terceiro setor



O coronelismo eletrônico evangélico

Na Constituinte de 1987-88, ao contrário de todos os outros temas, o capítulo da Comunicação Social só logrou ser "rascunhado" na Comissão de Sistematização e somente ganhou forma definitiva por acordo de plenário. As normas constitucionais finalmente aprovadas sacramentaram bandeiras defendidas por radiodifusores e representantes de igrejas evangélicas, sobretudo no que se refere ao processo de concessão, renovação e cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão.

A ação coordenada dos interesses da "bancada da comunicação" articulada a parlamentares evangélicos está identificada no artigo "Comunicação na Constituinte: a defesa de velhos interesses" [não disponível online], que publiquei no primeiro número do Caderno CEAC/UnB, ainda em agosto de 1987. Àquela época, no entanto, não estava claro que a Constituinte viria a se constituir no ponto de referência para a atuação e o crescimento de representantes das igrejas evangélicas no Congresso Nacional e, sobretudo, para o avanço significativo de diferentes denominações evangélicas como concessionárias de emissoras de rádio e televisão no país.

A participação de igrejas no sistema de comunicações e na política vem, gradativamente, merecendo a atenção de analistas e pesquisadores. A tese de doutorado defendida há pouco no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) pelo cientista político Valdemar Figueredo Filho, com o título "Os três poderes das redes de comunicação evangélicas: simbólico, econômico e político", é mais uma contribuição ao entendimento de parte importante das relações entre religião e mídia no nosso país.

O argumento principal do trabalho de Figueredo Filho é que "a representação política evangélica é o mesmo que representação das redes de comunicação evangélicas" e "nem mesmo os supostos valores morais comuns ao grupo religioso conseguem o grau de coesão alcançados pelos interesses relacionados à formação, manutenção e expansão de suas redes de comunicação". No contexto legal que regula a concessão, renovação e o cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão no Brasil, isso significa a manutenção de um tipo particular de coronelismo eletrônico, agora o evangélico.

Bases do coronelismo eletrônico evangélico

A representação evangélica no Congresso Nacional (ver Quadro 1) tem aumentado na medida em que também aumenta o percentual de evangélicos no total da população brasileira. Dados apresentados por Figueredo Filho para o ano de 2000 indicam que esse percentual já atingia 15,6% contra apenas 9%, em 1990. Em relação à representação política, no entanto, há uma diferença fundamental. Se até o fim da década de 1980 ela era composta, sobretudo, por usuários do rádio e da televisão (a chamada "igreja eletrônica"), a partir de então ela passou a ser principalmente de concessionários deste serviço público.

QUADRO 1
Representação Evangélica no Congresso Nacional (1983-2011)

Legislatura

Titulares

1983-1987

12

1987-1991 (Constituinte)

32

1991-1995

23

1995-1999

30

1999-2003

52

2003-2007

48

2007-2011

44

O levantamento realizado por Figueredo Filho, apoiado em informações da Anatel e da Abert, até março de 2006 revela que 25,18% das emissoras de rádio FM e 20,55% das AM nas capitais brasileiras são evangélicas (ver Quadros 2 e 3). Há de se notar, no entanto, que as denominações pentecostais são as que controlam o maior número de concessões, destacando-se a Igreja Universal do reino de Deus (IURD) entre as FM (24) e da Igreja Assembléia de Deus (IAD) entre as AM (9).

QUADRO 2
Rádios FM evangélicas nas capitais brasileiras

 

Evangélicos Pentecostais

47

69,11%

Evangélicos de Missão

5

7,35%

Paraeclesiásticas Evangélicas

16

23,52%

Total de FMs evangélicas nas capitais brasileiras

68

100%

 

QUADRO 3
Rádios AM evangélicas nas capitais brasileiras

 

Evangélicos Pentecostais

24

64,86%

Evangélicos de Missão

5

13,51%

Paraeclesiásticas Evangélicas

8

21,62%

Total de AMs evangélicas nas capitais brasileiras

37

100%

Em relação à televisão, além do grande número de programas evangélicos que é transmitido por emissoras de TV abertas, existem também redes cujas entidades concessionários são igrejas. E, sobretudo, existe um grande número de retransmissoras (RTVs) controladas diretamente por igrejas (Quadro 4, com dados anteriores a setembro de 2007).

QUADRO 4
RTVs controladas por entidades evangélicas

 

ENTIDADES
EVANGÉLICAS

NÚMERO DE RTVs

GRUPO

Fundação Evangélica Boas Novas

19

IAD

Rádio e Televisão Record S.A

196

IURD

Rede Mulher de Televisão Ltda(desde 9/2007 Record News)

61

IURD

Rede Família de Comunicações S/C Ltda

10

IURD

A criação de uma Frente Parlamentar Evangélica (FPE), em 2003, formaliza a articulação dos interesses evangélicos no Congresso Nacional. Estes são defendidos através da participação de seus membros nas comissões de Comunicação tanto na Câmara quanto no Senado e nas votações das proposições legislativas em plenário.

Fundada por iniciativa do deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), membro da IAD, a FPE é atualmente presidia pelo deputado pastor Manoel Ferreira (PTB-RJ), principal líder da IAD da Convenção Madureira. O Quadro 5, organizado por Figueredo Filho, mostra a composição atual da FPE.

QUADRO 5
Frente Parlamentar Evangélica (2007-2011)

 

NOME

TÍTULO ECLESIÁSTICO

PARTIDO

UF

IGREJA

01

Antonio Cruz

Presbítero

PP

MS

IAD

02

João Campos

Pastor

PSDB

GO

IAD

03

Silas Câmara

Membro

PTB

AM

IAD

04

Takayama

Pastor

PMDB

PR

IAD

05

Zequinha Marinho

Membro

PSC

PA

IAD

06

Dr. Nechar

Membro

PV

SP

IAD

07

João Oliveira de Souza

Membro

PFL

TO

IAD

08

Jurandir Loureiro

Pastor

PAN

ES

IAD

09

Sabino Castelo Branco

Membro

PTB

AM

IAD

10

Manoel Ferreira

Pastor

PTB

RJ

IAD Madureira

11

Filipe Pereira

Diácono

PSC

RJ

IAD Madureira

12

Cleber Verde

Membro

PAN

MA

IAD Madureira

13

Antonio Bulhões

Bispo

PMDB

SP

IURD

14

Flávio Bezerra

Bispo

PMDB

CE

IURD

15

George Hilton

Pastor

PP

MG

IURD

16

Léo Vivas

Bispo

PRB

RJ

IURD

17

Paulo Roberto

Bispo

PTB

RS

IURD

18

Eduardo Lopes

Bispo

PSB

RJ

IURD

19

Vinicius Carvalho

Pastor

PT do B

RJ

IURD

20

Mario de Oliveira

Pastor

PSC

MG

IEQ

21

Jorge Tadeu Mudalen

Membro

PFL

SP

IIGD

22

Dr. Adilson Soares

Pastor

PRB

RJ

IIGD

23

Eduardo Cunha

Membro

PMDB

RJ

CESNT [Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra]

24

Robson Rodovalho

Bispo

PFL

DF

CESNT

25

Francisco Rossi

Membro

PMDB

SP

Comunidade de Carisma

26

Marcos Antônio

Membro

PSC

PE

Metodista Wesleyana

27

Carlos Manato

Membro

PDT

ES

Cristã Maranata

28

Carlos Willian

Membro

PTC

MG

Cristã Maranata

29

Íris de Araújo

Membro

PMDB

GO

IARC [Igreja Apostólica Renascer em Cristo]

30

Geraldo Tenuta

Bispo

PFL

SP

IARC

31

Henrique Afonso

Pastor

PT

AC

Presbiteriana

32

Leonardo Quintão

Membro

PMDB

MG

Presbiteriana

33

Onyx Lorenzoni

Membro

PFL

RS

Luterana

34

Luis Carlos Heinze

Membro

PP

RS

Luterana

35

Arolde de Oliveira

Membro

PFL

RJ

Batista

36

Gilmar Machado

Membro

PT

MG

Batista

37

Natan Donadon

Membro

PMDB

RO

Batista

38

Neucimar Fraga

Membro

PL

ES

Batista

39

Walter Pinheiro

Membro

PT

BA

Batista

40

Andréia Zito

Membro

PSDB

RJ

Batista

41

Jusmari Oliveira

Membro

PFL

BA

Batista

42

Lincoln Portela

Pastor

PL

MG

Batista Renovada (Pentecostal)

43

Marcelo Crivella

Bispo

PRB

RJ

IURD

44

Magno Malta

Pastor

PL

ES

Batista

Serviço público ou proselitismo religioso?

A tese de Figueredo Filho demonstra que, a exemplo do ocorre também em relação às outorgas de rádios comunitárias [ver, neste Observatório, "Rádio comunitárias – Coronelismo eletrônico de novo tipo"], número expressivo das concessionárias das emissoras de rádio e televisão (aberta) e RTVs está vinculado a entidades religiosas. E mais ainda: seus representantes são atores políticos que atuam de forma articulada no Congresso Nacional nas questões referentes às políticas públicas de comunicação e na formação, manutenção e ampliação da suas redes de rádio e televisão.

Obviamente os evangélicos não são o único grupo religioso concessionário do serviço público de radiodifusão. E a utilização de concessões públicas não é a única forma de atuação de grupos religiosos na mídia.

A questão que precisa ser discutida, no entanto, é se um serviço público que, por sua própria natureza, deve estar "a serviço" de toda a população pode continuar a atender interesses particulares de qualquer natureza – inclusive ou, sobretudo, religiosos.

* Venício A. de Lima é é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

TVs públicas e transmissões religiosas

TVs públicas que recebem dinheiro de um Estado laico têm em suas programações regularmente a exibição de cultos religiosos. O caso mais paradoxal é o da TV Cultura, que vem transmitindo há 21 anos o seu "programa" Missa de Aparecida todos os domingos às 8 horas.

Isso é inaceitável e inconstitucional. O Brasil é uma democracia laica, e não uma teocracia cristã/católica. E as outras seitas? E os ateus? Não podem ter os seus próprios programas no canal? Não. Mas serve para exemplificar que, além de ferir o secularismo do Brasil, o que já seria suficiente para eliminação dessa irregularidade, é uma evidente distorção à falta de igualdade. Privilegiam uma determinada denominação religiosa e as outras não têm o mesmo espaço na programação regular. Isso vem ocorrendo há décadas.

Enquanto em outros canais as seitas "lutam" por um espaço com suas melhores armas – o dinheiro –, na TV Cultura, uma TV pública, a Igreja católica tem garantido, e com exclusividade, o seu "programa", o que já é uma vantagem competitiva para o seu proselitismo na disputa acirrada por fiéis/dízimo ou dízimo/fiéis, a TV privada segue a regra do mercado – "quem paga mais leva, é mais justo".

A isenção de uma TV pública é o alicerce fundamental que a deveria manter, isonomia política (imagine se um partido tivesse o seu próprio programa em detrimento de outros), absoluta independência na sua linha editorial e a isenção religiosa também, fazem parte de suas cláusulas pétreas, a famosa separação Igreja-Estado. Essa preferência duradoura por uma seita, faz pairar dúvidas sobre a independência da TV Cultura.

O marketing divino

Assim como seria difícil abrir espaço para todos os partidos políticos com programas regulares, porque são muitos e essa aproximação é perigosa, por isso devem e são submetidas a uma regulamentação prevista na lei. A um número interminável de religiões e outras mais surgindo (sem pagar imposto) que poderiam reivindicar o seu espaço, e mesmo que houvesse lugar para todas e o canal se tornasse mais uma concessão para "Deus", seria outra aproximação perigosa.

A missa dominical na TV Cultura é uma tradição que vem sendo mantida por todos os diretores/conselheiros da Fundação Padre Anchieta – será que se fosse Fundação Pastor Anchieta teríamos nas manhãs de domingo um culto evangélico? Ou Fundação Pai de Santo Anchieta, com uma transmissão da cerimônia do Candomblé Ao Vivo de um terreiro? A mais nova seguidora dessa doutrina é a TV Brasil (a BBC tupiniquim), que está mantendo a obediência à Santa Igreja.

Num país onde o dinheiro tem uma mensagem do "criador", símbolos religiosos em quase todos os prédios públicos (inclusive no STF) e as TVs públicas exibem cultos dominicais, vivo cercado de propaganda estatal e empresarial por todos os lados e em muitos outros meios e modos operantes do marketing divino. Por enquanto sou um ateu convicto, mas se não fosse continuaria tendo fé em um Estado laico, o que inclui a TV pública.

* Daniel Pacheco de Almeida é estudante de Capela do Alto Alegre (BA).

Sobre o controle na internet

No rastro de matéria publicada neste Observatório ("O controle da internet é necessário? "), resolvi acrescentar as reflexões seguintes.

É certo que estamos numa época assinalada pelo "tempo das mutações". Como tal, torna-se inevitável que se promovam abalos em conceitos e preceitos consolidados por uma tradição cultural e jurídica. Contudo, existem princípios que, dada a sua amplitude ética, não deveriam sofrer regressão por conta de situações novas, menos ainda se essas forem de natureza tecnológica. O que, efetivamente, pretendo expor para a presente questão? É simples: o direito à privacidade como fonte geradora da mais eficiente apuração.

Bem sei que o tema, além de ser polêmico, exige certa coragem para o necessário enfrentamento de problemas que, na origem, são conflitantes. Com o intuito de acelerarmos a reflexão, proponho a seguinte situação: será lícito, em nome do "bem público", a residência de um cidadão ser invadida e vasculhada por suspeita de algum ato delituoso? Se, quanto ao espaço real, a resposta for afirmativa, então, no tocante ao espaço virtual igual deverá ser.

Todavia, se, em relação ao espaço real, a resposta for negativa, que fundamento ético justificará a invasão no espaço virtual?

Situação estranha

De início, há de se pensar que as novas tecnologias da comunicação criaram um embaraço entre o que é real e o que é virtual. No mundo anterior às tecnologias da informação, o real era o espaço no qual transitávamos e o virtual dizia respeito ao que imaginávamos. No mundo atual, porém, é tão real o que "virtualizamos", mediante as "ferramentas" tecnológicas, quanto o que vivenciamos na cena do cotidiano físico. Se não levarmos em conta essa mutação, colocaremos em sério risco todas as árduas conquistas para as quais dedicamos séculos de luta. O princípio é claro: a privacidade no espaço real é tão indevassável quanto aquela a ser preservada no espaço virtual. Para tanto, analisemos.

No espaço real, um cidadão qualquer tem a intenção de praticar um ato delituoso. Cabe à polícia, com seus mecanismos de inteligência, antecipar-se ou apresentar-se à cena do delito em tempo hábil, seja para impedir, seja para, adiante, prender o criminoso. Ora, no espaço virtual, o princípio há de ser o mesmo. O Orkut, por exemplo, é um amplo portal para qualquer rastreamento de qualquer policial que deseje encontrar "páginas indevidas" (ou suspeitas). Então, que faça suas investigações pessoais. Não é preciso, para esse fim, quebrar a inviolabilidade do provedor.

Se qualquer cidadão pode ter acesso a páginas suspeitas sem a menor obstrução, por que a polícia não faz o mesmo sem ter de recorrer a delações impostas a provedores? Assim como a polícia faz ronda nas ruas, faça-a também na internet. Muito antes de a questão ocupar matérias na mídia, usuários do Orkut já haviam identificado páginas de pedofilia, mensagens pró-nazismo e outras aberrações. Como, portanto, entidades responsáveis pela segurança pública não rastrearam e, por conta própria, não iniciaram investigações? No mínimo, a situação é estranha. Aliás, segundo minha avaliação, é mais fácil a polícia, sem restrição na rede, identificar pessoas inclinadas a práticas criminosas do que a mesma polícia sair pelas ruas, a esmo, para tentar encontrar marginais.

Coibir, não, e sim, agir

Confesso que a defesa pelo controle (censura) de páginas ou publicações na rede, para mim, soa como algo revestido de dubiedade. Se eu fosse agente de segurança pública, preferiria a defesa pela total liberdade de expressão no espaço virtual. A certeza dessa preservação, na condição de policial, dar-me-ia amplo espectro de uma parcela populacional, disposta à promoção de atos ilegais, o que me propiciaria a decisão de providências inibidoras dos delitos. O que, portanto, me causa espanto é o silêncio da mídia quanto a essa questão. A quem, verdadeiramente, interessa obstruir em lugar de liberar?

Por outra: o que será mais difícil? Identificar, nos milhares de cidades das centenas de milhares de ruas, um potencial indivíduo, pronto para uma ação criminosa, ou, numa página do Orkut (ou site), encontrar uma rede de "deformados", sedentos por tráfico de coisas horripilantes? Volto a enfatizar: eu, como agente da segurança pública, adoraria a máxima e livre exposição de tudo. Da liberdade de expressão, eu colheria itinerários, com informações seguras, que me levariam à identificação rápida de todos aqueles que estivessem predispostos a ações criminosas.

Sinceramente, não consigo compreender as razões logísticas (ou estratégicas) daqueles que erguem "bandeiras" contra a liberdade propiciada pelas novas tecnologias da informação. Ou será, perversamente pensando, que as autoridades públicas não desejam, exatamente, a exposição dos delitos a fim de não serem cobradas pela sua inoperância? Não sei. É apenas uma tentativa de refletir sobre algo que abriga um conteúdo um tanto nebuloso. Espero que leitores atentos colaborem com o propósito da elucidação.

Em defesa da plena liberação, recordo que redes de criminosos foram interceptadas por conta da ausência de restrição. Quantas mais poderão ser identificadas ante as restrições que as conduzem, agora, à clandestinidade? Quem puder esclarecer que se apresente. Prometo ter a melhor acolhida a quaisquer réplicas bem fundamentadas. De resto, cabe compreender que a ação adequada não deve ser aquela que coíbe o potencial da nova "ferramenta tecnológica", e sim, a atuação devida dos setores de inteligência contra indivíduos ou grupos de infratores.

* Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).

Publicidade não deve poder tudo

O adolescente que assalta para ter o tênis de marca que viu na televisão, o menino obeso que pressiona a mãe no supermercado para experimentar as últimas novidades com gordura trans e a menina sexualmente precoce que até consegue ir à escola sem comer, mas não sem a maquiagem no rosto são, na verdade, presas fáceis de uma mesma armadilha de apelo ao consumo. São reféns de uma situação grave e preocupante que, no Brasil, não foi ainda tratada com a urgência necessária, considerando os impactos negativos que provoca e ainda poderá provocar na formação educacional das futuras gerações.

Público-alvo de uma indústria que movimenta algo em torno de US$ 15 bilhões por ano, as crianças transformaram-se em um mercado altamente lucrativo. Por conseqüência, tornaram-se objeto do desejo de marcas poderosas que vendem tudo, de biscoitos baratos a "games" caros. Seus hábitos, gostos e comportamentos passaram a integrar estudos de marketing. Desenvolver uma mensagem capaz de despertar o impulso de consumir uma roupa, um sanduíche, um brinquedo ou até mesmo produtos que nunca fizeram parte do seu universo, como maquiagem, passou a ser um desafio para criadores de agências de propaganda de todo o mundo.

Você, assim como eu, já deve ter ouvido ou lido que o mercado infantil é um dos mais promissores do mundo. Dizem que as crianças influenciam a compra dos pais, que estão cada vez mais bem informadas para escolher produtos e serviços e que, portanto, a publicidade a elas dirigida é uma demanda natural de um novo mundo no qual, assim como os adultos, elas devem ter o direito de consumir. Por trás desse discurso, no entanto, esconde-se o equívoco de tratá-las como adultos em miniatura.

A publicidade dirigida a crianças deve, sim, ter limites. E limites muito claros. Ao contrário dos adultos, as crianças não possuem maturidade cognitiva para compreender uma mensagem comercial em toda a sua amplitude. Não dispõem de mecanismos para fazer a necessária crítica aos apelos para o consumo. Quando pequenas, não conseguem diferenciar um comercial de brinquedo de um programa de entretenimento. Mas, a todo momento, são submetidas a uma bateria de mensagens comerciais cujo objetivo nada disfarçado é estimular o consumo de produtos e serviços de que não necessitam.

Consumir a última novidade passa, portanto, a ser uma necessidade em si. E uma atividade geradora de tensão permanente. Para as crianças cujos pais têm bom poder aquisitivo, a tensão está em adquirir sempre mais. Para aquelas que nascem em famílias de baixa renda, a tensão decorre do fato de não poder ter aquilo que a propaganda vende como uma aspiração natural de toda criança. Os resultados sociais desse quadro são visíveis. Mais visíveis ainda são os estragos causados na saúde, na qualidade de vida, no grau de instrução e na convivência.

Os resultados dessa publicidade também atingem algo muito precioso e caro a uma criança e, conseqüentemente, ao seu comportamento na fase adulta, o universo onírico. Que é, em quaisquer circunstâncias, a maneira única e legítima de ela imaginar e criar um mundo que não pode ser imposto, mas construído por suas próprias regras. É fantástica a capacidade que uma criança tem de transformar as coisas mais simples em algo apropriado para sua diversão -por exemplo, torna um pedaço de madeira ou uma folha seca em um cenário harmonioso, em que pode passear, brincar sem perigo e com alegria.

Portanto, precisamos respeitar e preservar esse universo lírico como um valor que constitui a criança e que a faz, de fato, ser o que é -o que tem de diferente do adulto. É hora de repensar, sob o crivo da ética, a publicidade destinada às crianças. A ética do respeito à sua integridade física e emocional. A ética da proteção dos seus direitos elementares.

Uma análise mais detida da Constituição, do ECA e do Código de Defesa do Consumidor fornece elementos suficientes para estabelecer regras restritivas à propaganda infantil. Essa não é uma causa apenas dos profissionais que trabalham diretamente com a educação de crianças no Brasil. Mas uma causa de todos nós -pais, mães, educadores, autoridades públicas, publicitários e dirigentes de empresas socialmente responsáveis.

* Milú Villela é presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, embaixadora da Boa Vontade da Unesco e membro fundador e coordenadora do Comitê de Articulação do Compromisso Todos pela Educação, além de presidente do MAM e do Instituto Itaú Cultural.