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Famílias dominam radiodifusão catarinense

A democratização da comunicação no Brasil ainda precisa amadurecer. O favorecimento das classes dominantes, a concentração na propriedade dos meios de comunicação e até mesmo o comando de empresas do setor por políticos são freqüentes na mídia nacional. Desta forma, a liberdade de expressão e o acesso às informações sem censura – direitos, hoje, assegurados por lei – acabam comprometidos.

Diante disso, o MONITOR DE MÍDIA investigou como se configura o cenário da comunicação em Santa Catarina, apurando quais são os proprietários de emissoras de rádio e televisão. Para este estudo, foram consultados o banco de dados do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), onde tivemos acesso aos nomes que compõem os quadros societários e outras informações dos veículos no estado. Também ajudou neste diagnóstico o site Donos da Mídia, que faz o cruzamento entre políticos e meios de comunicação.

As conclusões a que esta pesquisa chega apontam para a formação de oligopólios na radiodifusão catarinense e a pequena presença de políticos na cúpula de empresas de comunicação, ocorrências preocupantes para a democracia local.

Informação e poder: mídia e política

No panorama nacional, existem mais de duas centenas de políticos como proprietários de meios de comunicação. Ilegal, a prática é utilizada como artifício para se manipular a opinião pública. O termo utilizado para denominar o fenômeno, coronelismo eletrônico, remete ao final dos séculos XIX e início do XX, quando a relação entre os coronéis e líderes das oligarquias locais com o governo se baseava na troca de favores. Nesta época, a autoridade dos coronéis era sustentada pela posse de terras, sinônimo de poder. Os senhores da terra usavam o seu domínio para obrigar a população a votar nos candidatos que apoiavam – o voto de cabresto. Estes candidatos, uma vez no governo, favoreciam os coronéis direta ou indiretamente.

Atualmente, o voto não é mais conseguido através da força, nem o coronelismo se dá pela propriedade da terra. Os instrumentos e mecanismos utilizados hoje são a posse dos meios de comunicação e a manipulação que possibilita como forma de se conquistar votos e o controle da população. Um exemplo foi o governo do ex-presidente José Sarney, que entre 1985 e 1988, concedeu 1028 outorgas de rádio e televisão; parte delas para empresas ligadas a parlamentares federais, os mesmos que o ajudaram a aprovar a emenda que lhe possibilitou cinco anos de mandato.

No Brasil, os meios de radiodifusão pertencem à União, e a lei determina que esse serviço deva ser outorgado por meio de licitação, a ser apreciada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Executivo. O Congresso Nacional passou a interferir no processo somente a partir da Constituição de 1988. Antes disso, cabia apenas ao Executivo a autorização dos serviços de radiodifusão. Com a entrada do Legislativo no trâmite, acreditava-se que diminuiria o uso das concessões como moeda de barganha. Episódios recentes contrariam a hipótese, como na era Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando foram autorizadas 1848 licenças de repetidoras de televisão até setembro de 1996, das quais 268 foram para entidades ou empresas dirigidas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda de reeleição. Tal vitória pode ter sido decisiva para que FHC permanecesse mais quatro anos no poder.

Brechas legais perigosas

Dados de março de 2008 do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), mostram que no Brasil, pelo menos 271 políticos são sócios ou diretores de emissoras de rádio e televisão. Uma dúvida pertinente é de como os políticos conseguem burlar a lei, que não permite essa posse. Entre todas as lacunas existentes nas normas que regem o processo de concessão, duas são preponderantes para esta irregularidade constitucional: em 1995, FHC, por meio do Decreto 1720/95, determinou que as outorgas de radiodifusão só fossem realizadas através de licitação. No entanto, a nova regulamentação incidia exclusivamente nas emissoras de radiodifusão comercial, ou seja, rádios e televisões educativas poderiam ser outorgadas sem edital. Assim, foi possível que muitos políticos se tornassem concessionários, mesmo que a programação veiculada nos canais adquiridos não fosse de caráter exclusivamente educativo.

A segunda brecha diz respeito à transformação das retransmissoras (RTVs) mistas, que, até o ano de 1998, eram serviços explorados por entidades com ou sem fins educativos. Com o Decreto 2593, de 15 de maio de 1998, entrou em vigor o Regulamento dos Serviços de Retransmissão e Repetição de Televisão, que extinguiu o serviço, mas possibilitou que as RTVs mistas se tornassem geradoras educativas. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo em 2002, Minas Gerais – estado do então ministro das Comunicações Pimenta da Veiga – apresentou a maior incidência de RTVs mistas transformadas em geradoras, o que demonstra indícios de influência política. Desta forma, o proprietário escapava das exigências para regulamentar o canal.

De acordo com informações veiculadas este ano pelo site Donos da Mídia, em todos os estados brasileiros existem casos de políticos proprietários de meios de radiodifusão. A maior ocorrência se dá em Minas Gerais, com 38 casos. Santa Catarina possui nove políticos à frente dos referidos meios, ocupando o décimo terceiro lugar na lista. Dois dos três senadores catarinenses – Neuto De Conto (PMDB) e Raimundo Colombo (DEM) – e, inclusive, o vice-governador do estado, Leonel Pavan (PSDB), são sócios dirigentes de veículos de comunicação. Além disso, outros cinco prefeitos e um deputado são proprietários na mídia:

Famílias no controle da mídia

Políticos não podem ser donos de meios de comunicação por razões legais e éticas. A Constituição proíbe a prática, e a moral impede que um detentor de cargo público seja também concessionário de serviço público, o que causaria evidentes conflitos de interesse. Como no resto do país, há políticos na mídia catarinense, mas aqui, o que mais preocupa mesmo são os oligopólios familiares que dominam os principais mercados da radiodifusão.

“Oligopólio” pode ser entendido como a concentração de poder nas mãos de poucos, ou também como a oferta de um produto ou serviço, que tem vários consumidores, controlado por um pequeno grupo, restringindo a escolha e determinando condições de oferta e de preço, por exemplo. Isto é, a concorrência – sempre saudável nas economias de mercado – fica restrita a poucos, prejudicando o consumidor, o elo mais vulnerável nesta corrente.

Hoje em dia, quatro famílias predominam na radiodifusão catarinense. Como nenhum dos políticos citados anteriormente faz parte destas famílias, não se configura no estado o coronelismo eletrônico. Mas a concentração dos meios é também preocupante em Santa Catarina. A tabela a seguir mostra o poderio desses clãs, levando-se em conta apenas as emissoras geradoras e retransmissoras de radiodifusão.

Os quatro grupos que controlam a radiodifusão no estado não apenas ocupam os espaços mais privilegiados no mercado de mídia como também associam suas empresas aos grandes conglomerados nacionais.

Controlado pela Família Sirotsky, o Grupo Rede Brasil Sul (RBS) foi fundado em 1957 por Maurício Sirotsky Sobrinho, em Porto Alegre. Hoje, opera nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com 5,7 mil funcionários. Em Santa Catarina, os Sirotsky detêm emissoras de TV (aberta, comunitária e segmentada) e de rádio (FM e AM) e quatro jornais (Diário Catarinense, A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Hora de Santa Catarina). Além disso, possuem dois portais na internet (ClicRBS e Hagah), uma editora (RBS Publicações), uma gravadora (Orbeat Music), entre outros negócios. Na TV aberta, a RBSTV retransmite a líder de audiência – Rede Globo -, e no rádio o sistema CBN. Com faturamento que beirou os R$ 900 milhões em 2006, é o oitavo grupo de mídia no Brasil.

A família Amaral controla o Sistema Catarinense de Comunicações (SCC), que existe há 67 anos. O grupo retransmite o SBT em Santa Catarina, além de compreender as rádios Clube Lages, Globo Lages e Gralha Azul. Tem, ainda, redes de televisão (por assinatura) e provedor de internet banda larga, além de atuar também na área de comunicação empresarial.

Os Petrelli têm a Rede Independência de Comunicação (RIC), fundada em 1980. O grupo opera nos mercados do Paraná e Santa Catarina em mídia eletrônica (televisão, rádio e internet) e impressa (jornal e revistas). Atualmente, a RICTV é afiliada da Rede Record de Televisão, já a RICRádio é afiliada da Jovem Pan Sat. O grupo tem hoje três emissoras de rádio no Paraná: Rádio Jovem Pan Curitiba, Rádio Jovem Pan Ponta Grossa e a Rádio Classic Pan em Maringa. Apesar de não ter nenhuma rádio em Santa Catarina, a RIC mantém no estado o jornal Notícias do Dia, nas maiores cidades do estado: Florianópolis e Joinville.

Os Brandalise têm a Central Barriga Verde de Comunicação, que opera nos três estados do sul desde o início dos anos 1980. Possui emissora de TV, produtora de vídeo e 14 emissoras de rádio. A TVBV, com matriz em Florianópolis, tem sucursais nas cidades de Tubarão, Itajaí, Blumenau, Joinville, Chapecó, Joaçaba e Lages, e retransmite a programação da TV Band.

A tabela abaixo faz um comparativo entre as famílias em termos de veículos:

Segundo o IBGE, Santa Catarina tem 293 municípios e as quatro famílias mais poderosas da mídia têm controle em 97 deles, ou seja, elas detêm emissoras de radiodifusão em 33,1% das localidades. Na verdade, as principais cidades de todas as regiões do estado, exercendo influência nos diferentes cantos de Santa Catarina.

As famílias rivalizam suas hegemonias nas regiões do estado, conforme se pode observar na tabela abaixo:


Estratégias de concentração e manutenção

Assim como brechas legais possibilitam que políticos sejam donos de meios de radiodifusão, há fatores que favorecem a formação das denominadas empresas familiares no Brasil. Um deles é a não obrigatoriedade de divulgação dos verdadeiros concessionários, contrariando uma necessária transparência no setor. O decreto-lei 236 de 1967 permite a concessão de apenas duas TVs por Estado para cada pessoa física. Entretanto, há uma manobra que possibilita às famílias expandir seu poder, ao distribuir as concessões entre os parentes – assim, quanto maior a família, maior poderá ser o patrimônio. Cada um dos acionistas permanece dentro da lei, mesmo que o veículo de comunicação não seja dirigido, de fato, por um deles.

Assim, os clãs registram seus veículos em nome dos diferentes familiares nos quadros societário e diretivo das emissoras. Isso se dá com os Sirotsky, com os Brandalise e Petrelli e com a família Amaral. É ilegal? Não. Brechas na legislação permitem, e não existem mecanismos que coíbam esses contornos.

Os movimentos de mercado, como as parcerias e fusões, são outras formas de fortalecer os grupos na tentativa de manter posições no mercado e expandir para novos nichos. Essas estratégias não são inovadoras, já que se repetem em outras partes do país e do mundo globalizado. É um jogo para quem pode mais. Quem pode, enfrenta os concorrentes; quem não pode, ou se associa ou entrega os pontos. Não há espaço desocupado.

A radiodifusão catarinense se desenvolve à sombra da política e do mundo dos negócios, da rotina familiar e de soluções jurídicas. A ocorrência de políticos donos de meios de radiodifusão e a formação de grupos familiares são resultados de uma legislação permissiva, da inoperância de agências reguladoras, entre outros fatores. Uma revisão das leis da comunicação no Brasil, visando a democratização da área, talvez seja uma solução eficaz. Isto é, eliminar as brechas que permitem a formação de grupos familiares, bem como a propriedade dos meios de comunicação por políticos. Ainda, uma leitura mais crítica dos meios, por parte de toda a sociedade, pode contribuir para que um dia a democracia na comunicação brasileira seja efetiva.

O ‘merchandising social’ da TV Globo e os desertos verdes

Foi o professor Arlindo Machado, pelo que me lembro, que conceituou de forma brilhante a importância de analisarmos a televisão não como um meio em si – tal como Adorno ou McLuhan, para se odiar ou venerar a tevê –, mas pelo conteúdo dos seus programas. Os brasileiros preocupados com os rumos democráticos da nossa Nação precisam ficar atentos ao conteúdo específico de cada programa de grande repercussão e rediscuti-los urgentemente, a julgar pelo que se passou na novela “A Favorita”, da TV Globo, no sábado (4).

Entrou em pauta neste dia o tema da celulose e o respeito ao meio ambiente, de forma explícita, na fala entre a personagem Donatela (interpretada por Claudia Raia) e Augusto César (interpretado por José Mayer). Contextualizando: Donatela é uma mulher que está atualmente do lado do “bem” no imaginário simbólico dos telespectadores (que “torcem” por ela), buscando justiça contra sua adversária Flora (Patrícia Pillar), uma criminosa da pior estirpe (capaz de seqüestrar a própria filha por dinheiro).

Donatela vive atualmente escondida de todos, ao lado de Augusto César, “um homem bonito, atraente, romântico e delirante”, segundo a descrição no site oficial da novela. Segue um breve relato sobre Augusto: “É ufólogo atuante e realiza encontros para meditação. Ganhou fama de doido quando resolveu largar o rock para se tornar um eremita à espera de um disco voador. Acredita que a mulher Rosana Costa foi abduzida por alienígenas há 13 anos e ainda vai retornar ao planeta para viver junto dele e do meio-filho, Shiva Lênin.” Atualmente, ele efetivamente pensa – fruto de seu delírio – que Donatela é a tal esposa abduzida.

O “debate” sobre o meio ambiente

Este lunático tentou convencer sua “esposa” que não deveria vender seu lote de terra para a exploração de eucalipto, em benefício de uma grande empresa comandada por Gonçalo Fontini (Mauro Mendonça).

Gonçalo, este grande empresário, é estrategicamente posicionado no roteiro: “É um homem inteligente, culto, íntegro e dedicado à família. Sua autoridade é imposta naturalmente. Quando jovem, Gonçalo tinha idéias comunistas, mas, ao longo da vida, traiu seus ideais e tornou-se um homem riquíssimo. Apesar disso, é discreto e não gosta de ostentação nem de bajuladores. Gonçalo é muito apegado à neta Lara e sofre com o assassinato de seu filho único Marcelo.” Sendo inteligente e culto, na percepção dos autores, faz algum sentido que – de acordo com a ideologia da emissora – tenha “traído” seus idéias e se tornado “riquíssimo”.

Voltando à cena em questão, Donatela argumenta com Augusto (o “delirante”) que ele deveria vender suas terras. Augusto se defende com dois argumentos: construiu sua vida ali, naquela terra, ao lado da esposa (a que foi “abduzida”, que ele pensa ser a Donatela) e acredita que “esse pessoal só pensa em lucrar”.

Donatela (a justiceira, do “bem”), por sua vez, deu outros dois argumentos: “Quê que tem? Todo mundo precisa de papel” e “Pelo que sei, é tudo 100% reflorestado”.

É curioso que a TV Globo faça uma campanha semelhante – para não dizer igual – às campanhas, por exemplo, das empresas Aracruz Celulose e Stora Enso, líderes no mercado da indústria de celulose. Teria sido mais um exemplo do “merchandising social” – uma espécie de inserção de temas sociais para debate público no conteúdo de mídia – ou uma propaganda política

Desinformação a serviço das grandes empresas

Os telespectadores não conhecem, pelas mãos da mesma emissora e do seu departamento de jornalismo, o gigantesco conflito político que, aos olhos dos autores da novela, soa como um agradável bate papo para discutir se precisamos ou não de papel.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, cinco organizações ambientais se uniram no mês passado em uma ação judicial contra a presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Ana Maria Pellini, a quem acusam de praticar assédio moral ao pressionar seus funcionários em processos de interesse do setor papeleiro. A denúncia, segundo reportagem da agência internacional de notícias IPS [1], se refere a ameaças e transferências injustificadas de técnicos que se negaram a modificar critérios de Zoneamento Ambiental da Silvicultura, na licença para construção de represas e para ampliação que quadruplicará a fábrica de celulose Aracruz, maior empresa brasileira do setor, controlada pelos grupos familiares Lorentzen, de origem norueguesa, e Safra, do Líbano.

As ações judiciais neste Estado se encaminham principalmente a irregularidades em licenças ambientais e acordos para que sejam feitos estudos e informes de impacto ambiental. “Exigimos mais restrições, porque o Zoneamento Ambiental, recentemente aprovado, oferece baixa proteção”, explicou Annelise Steigleder, fiscal de Meio Ambiente de Porto Alegre.

Em outro Estado o quadro é parecido, ainda de acordo com o relato da IPS: “Na Bahia, a promotoria estadual pediu à justiça que anule licenças ambientais para plantio de eucalipto, obtidas pela empresa Veracel, criada por uma associação (Joint venture) entre Aracruz e a sueco-finlandesa Stora Enso. A firma “usou meios ilícitos, desde corrupção de funcionários de órgãos vinculados às licenças até subornos de prefeitos e vereadores”, disse João da Silva Neto, coordenador da Promotoria em Eunápolis, município do sul baiano. “Também foram obtidos de forma irregular certificados de qualidade para garantir exportações”, acrescentou.”

O que as personagens Donatela e Augusto “esqueceram” de falar é que, em junho deste ano, a Justiça Federal brasileira condenou a Veracel (Aracruz e Stora Enso) a restaurar, com vegetação nativa, todas suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto que foram liberadas entre 1993 e 1996 neste mesmo município [2]. Significa que uma área de 96 mil hectares, coberta por eucaliptais da empresa, deverá ser reflorestada por árvores da mata atlântica, um dos biomas mais diversos do planeta e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do mundo. A empresa também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões (US$ 12,5 milhões) pelo desmatamento da mata atlântica, com tratores e correntão, ocorrido nos seus primeiros anos de funcionamento (1991-1993).

Este é o tipo de reflorestamento – à força, via Justiça Federal – que as empresas de eucalipto promovem. Depois de muita destruição.

No Espírito Santo, a Aracruz invadiu terras indígenas – reconhecidas legalmente pelo Governo Federal como de posse permanente das comunidades originárias – e devastou boa parte do Estado.

Em quatro estados (RJ, MG, BA e ES), os problemas são acompanhados de perto pela Rede Alerta contra o Deserto Verde, uma ampla rede da sociedade civil composta por mais de 100 entidades, movimentos, comunidades locais, sindicatos, igrejas e cidadãos, preocupados com a contínua expansão das plantações de eucalipto na sua região, assim como a venda de “créditos de carbono”.

Basicamente, a Rede chama atenção para o desastre sócio-ambiental causado nos últimos 35 anos pela monocultura de eucalipto e pinus, integrado aos complexos siderúrgico e de celulose, atingindo diversos ecossistemas e populações do território brasileiro, empobrecendo nossa diversidade biológica, social e cultural, e causando expropriação, desemprego, êxodo rural e fome. Mas também tenta mostrar a viabilidade de modelos alternativos de desenvolvimento que têm sido implementados localmente por vários movimentos e comunidades que participam da Rede.

Grito abafado

Didaticamente: estes 100 movimentos sociais gritam e reivindicam que monoculturas não são florestas. Portanto, não podem ser destruídas e depois “reflorestadas”, pelo sem-número de conseqüências que trazem para o meio ambiente e para as comunidades locais.

De que adianta o clamor da sociedade civil? A justiceira da novela fala para milhões, argumentando com um homem delirante que “pelo que sei, é tudo 100% reflorestado” e que “todo mundo precisa de papel”. O homem delirante é “ufólogo” (com todo o respeito à categoria).

O empresário responsável pela monocultura criminosa é “inteligente, culto e íntegro” e sugeriu a um negociador, ainda durante a novela de hoje, que dobre o preço pela terra, “que é muito importante”.

Com estas referências – a julgar pelo conteúdo desta novela da TV Globo, as únicas referências que milhões de pessoas receberão –, de que “lado” você ficaria?

* Gustavo Barreto é co-editor nos meios independentes Consciência.Net e Fazendo Media.

A nova cyberperiferia

O extraordinário crescimento do uso das tecnologias digitais pelas classes populares no Brasil vai obrigar as empresas envolvidas em toda a cadeia da comunicação a repensarem as ameaças e oportunidades de negócios nos próximos anos. Essa foi uma das principais conclusões do debate de Carla Barros, Fábio Seixas, Osvaldo Barbosa e Ronaldo Lemos no Digital Age 2.0 da semana passada.

Uma análise do banco de dados agregados do IBGE entre 2003 e 2007 ajuda a quantificar o fenômeno. O número de domicílios que possuem um computador com acesso à Web passou de 5,7 milhões em 2003 para 11,3 milhões no ano passado.

Separando este crescimento por faixas de renda, o número de domicílios com acesso entre as camadas mais ricas (rendimento acima de 10 salários mínimos), passou de 3,2 milhões para 3,8 milhões no mesmo período, chegando mesmo a diminuir entre os domicílios que apresentam rendimentos acima de 20 salários mínimos (embora esta queda precise ser relativizada por conta do aumento real do salário mínimo no período –em termos percentuais, nesta faixa de renda, passamos de 71% para 83% de domicílios com conexão).

Já o número de domicílios com acesso, com rendimento até 10 salários mínimos mais do que triplicou, passando de 2,1 milhões para 6,8 milhões –um crescimento de 217% em 4 anos! A esse fenômeno precisamos adicionar também o crescimento do acesso em Lan Houses –segundo Carla Barros, da ESPM, somente na favela da Rocinha existem cerca de 150 lan-houses, incluindo quartos ou “puxadinhos” com 4 ou 5 computadores em cada um.

Quando observamos os dados do Comitê Gestor, verificamos que as classes populares apresentam um uso menos variado da Internet do que as camadas mais ricas, exceto em 2 aspectos: comunidades sociais e games. De acordo com Osvaldo Barbosa, da Microsoft, elas também utilizam menos comunicadores instantâneos como o MSN Messenger, mas ainda assim sua taxa de utilização é elevada: 60%.

São justamente estas tendências que fazem prever um uso ainda mais acentuado das diversas tecnologias digitais da Web 2.0, na qual o Brasil já é um dos líderes: de acordo com a pesquisa “Social Media Research”, da Universal McCann, que entrevistou 17 mil pessoas em 29 países, o Brasil é um dos líderes na leitura diária de blogs (52%, contra 31% da média mundial), atualização frequente de páginas pessoais em redes sociais (57% dos internautas) e upload de vídeos (68% dos internautas brasileiros já fizeram, contra 25% dos americanos).

Algumas das implicações destas tendências podem ser vistas em Belém do Pará, onde uma pesquisa da FGV sobre Open Business Models mostrou a existência de uma vasta rede de produção musical sustentada inteiramente na distribuição de conteúdo gratuito.

De acordo com Ronaldo Lemos, coordenador da pesquisa e co-autor do livro “Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música”, bandas deste ritmo bastante popular no Norte e entre as camadas de baixa renda das grandes cidades (a banda Calypso é a mais conhecida do Brasil, segundo outra pesquisa da FGV) distribuem CDs gratuitamente entre os camelôs de Belém, para que eles os revendam por baixo preço ou mesmo distribuam como “brinde” para seus fregueses. Esses CDs se encarregam de popularizar as bandas, que cobram entre R$ 5.000 e R$ 10.000 para fazer um show ou animar uma festa. Número de festas mensais realizadas no Pará com apresentações destas bandas: 850. Façam as contas e repitam a pergunta que alguns destes artistas fizeram para os pesquisadores da FGV: “quem precisa de uma gravadora?”.

Segundo Lemos, o mesmo modelo se repete com a indústria do cinema na Nigéria, a terceira maior do mundo, depois de Hollywood e Bombaim. Já são mais de 20 mil (!) filmes de baixo custo, realizados com equipamentos semi-profissionais ou mesmo amadores, sem apoio de grandes estúdios, que mesclam o folclore africano com temas atuais, distribuídos através de 5 canais diferentes para toda África e Caribe.

Outro dado interessante apresentado na discussão: atendente de Lan-House em favela virou formador de opinião. Segundo Carla Barros, é comum nesses ambientes os atendentes indicarem, principalmente para pessoas de mais idade, os sites mais interessantes para visitar. E como existe um grande número de pessoas com tocadores MP3 ou celulares com esta capacidade, estes atendentes também indicam as músicas e bandas mais interessantes para serem ouvidas. Ela mencionou o caso de uma Lan House aonde o atendente era fã de Pearl Jam e acabou por influenciar o gosto de todos os freqüentadores do estabelecimento. Alô alô pessoal da área de trade marketing de hardware, software e outros produtos consumidos por jovens de baixa renda: vocês já tem uma “gerência de canal” para os atendentes de Lan House?

Uma das conclusões dos debatedores foi a de que as ferramentas digitais estão possibilitando a essa imensa camada da população brasileira viabilizar comercialmente produtos, serviços, conteúdos e formatos de distribuição que ainda foram muito pouco explorados pela publicidade tradicional, ainda voltada para o modelo “Broadcast”.

É hora de começarmos a pensar em novos paradigmas, como o “Socialcast”, um modelo de comunicação no qual muitos falam (e dialogam) com muitos. A periferia, ao menos no mundo digital, se encaminha para o centro. Se não embarcarem neste movimento, como lembrou Ronaldo Lemos, quem vai acabar virando “periferia”, ao menos na Internet, são as empresas e organizações que não ousarem desenvolver novos modelos de negócios.

* Marcelo Coutinho é diretor de Análise de Mercado do IBOPE Inteligência e professor do mestrado em Comunicação da Fundação Cásper Líbero.

Debates na Globo e o interesse público

As eleições para cargos públicos no Brasil são reguladas pela Lei (Eleitoral) nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e suas alterações. No que se refere à presença de candidatos nas concessionárias do serviço público de rádio e televisão, além do horário gratuito de propaganda eleitoral, a lei prevê a possibilidade da realização de debates, promovidos pelas emissoras, de acordo com determinadas regras. Essas regras buscam garantir uma disputa eleitoral em igualdade de condições para todos cujos partidos tenham representação na Câmara dos Deputados, independente de percentuais eventualmente obtidos em pesquisas de intenção de voto. É isso que transparece das normas transcritas abaixo:

Artigo 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:

I – nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:

a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;

b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos; (…)

III – os debates deverão ser parte de programação previamente estabelecida e divulgada pela emissora, fazendo-se mediante sorteio a escolha do dia e da ordem de fala de cada candidato, salvo se celebrado acordo em outro sentido entre os partidos e coligações interessados.

§ 1º Será admitida a realização de debate sem a presença de candidato de algum partido, desde que o veículo de comunicação responsável comprove havê-lo convidado com a antecedência mínima de setenta e duas horas da realização do debate. (…)

§ 3º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56.

As penalidades mencionadas no parágrafo 3º e previstas no Artigo 56 serão decididas pela Justiça Eleitoral a partir de requerimento de partido, coligação ou candidato e se referem à suspensão, por 24 horas, da programação normal da emissora e a transmissão, a cada quinze minutos, da informação de que ela está "fora do ar" por desobediência à Lei.

Globo cancela debates em 10 cidades

Na quinta-feira (2), a Rede Globo promoveu debates entre os candidatos a prefeito "mais bem colocados na última pesquisa do IBOPE" em 90 cidades brasileiras. Em matéria nos seus principais telejornais do dia seguinte, sexta-feira (3), universitários enaltecem a realização desses debates que oferecem aos telespectadores "mais uma oportunidade de conhecer os programas dos candidatos" e são importantes para "fortalecer a democracia". Informa-se também que os debates anteriormente programados para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, São Luís, Itabuna, Pelotas, Anápolis, Maringá e Londrina, todavia, não foram realizados.

No Jornal Nacional o apresentador acrescenta que "em dez municípios, não houve acordo para que candidatos de menor peso eleitoral abrissem mão do debate, uma imposição da lei eleitoral. Por esse motivo, o debate não se realizou (…). A TV Globo considera que a lei eleitoral restringe a liberdade de imprensa nesse ponto" (ver aqui).

No dia 30 de setembro, a menos de uma semana da realização das eleições, que aconteceram no domingo (5), a Central Globo de Comunicação já havia emitido um "Comunicado" informando a decisão de cancelar os debates antes do primeiro turno em algumas dessas cidades, inclusive nos dois principais colégios eleitorais do país, São Paulo e Rio de Janeiro.

O "Comunicado" alega que "a lei eleitoral em vigor impõe restrições que limitam a liberdade de imprensa" e acusa os candidatos – que não aceitaram ficar de fora dos debates – "de terem se beneficiado do critério de cobertura proposto a todos os candidatos" e, mesmo assim, não assinarem o acordo oferecido pela concessionária. Em tom de advertência pedagógica e aguardando reflexões da "sociedade e de seus representantes em Brasília", diz mais que:

"A TV Globo agiu assim constrangida pelas restrições à liberdade de imprensa presentes na lei eleitoral. A imprensa deve cobrir o que é notícia, de forma livre e espontânea: aqueles que, ao longo do processo, ganham densidade eleitoral são naturalmente mais bem cobertos, crescem nas pesquisas e asseguram um lugar nos debates. É assim a dinâmica no mundo democrático. É como deveria ser aqui também. (…)

"A TV Globo lamenta que estas restrições na lei eleitoral a impeçam de promover um evento que tem se mostrado valioso em eleições passadas – e espera que a sociedade e seus representantes, em Brasília, reflitam sobre a questão."

Matéria sobre o assunto publicada em O Globo (1/10/2008), sob o título "Paulo Ramos, com 1% em pesquisas, inviabiliza debate do Rio na TV Globo", afirma que a Rede Globo "foi impedida de realizar debates no primeiro turno" pela Lei Eleitoral e pelo candidato do PDT.

Da cautela à rejeição

Não há dúvida de que debates públicos entre candidatos a cargos eletivos, sobretudo quando já constituem uma tradição no processo eleitoral brasileiro, representam sim "mais uma oportunidade de conhecer os programas dos candidatos" e "fortalecem a democracia". Exatamente por isso, ao realizá-los, em conformidade com a Lei Eleitoral, as emissoras de radiodifusão cumprem o seu dever de concessionárias de um serviço público. E é também por essa razão que os candidatos a prefeito, naquelas cidades onde os debates foram cancelados, reagiram à decisão da Rede Globo.

Aqueles candidatos que, por razões eleitorais, acreditavam que o debate poderia prejudicá-los, lamentaram "formalmente" o cancelamento, mas foram cautelosos ao omitir qualquer julgamento sobre as alegações apresentadas pela Rede Globo. Por outro lado, aqueles que se sentiram prejudicados dividiram-se entre (1) os que acusaram outros candidatos de "tramarem" a não realização do debate, mas também pouparam diretamente a concessionária; e (2) aqueles que reagiram rejeitando as razões apresentadas pela Globo para o cancelamento.

Quem são os prejudicados?

O episódio, sem dúvida, convida a algumas "reflexões da sociedade", como espera a Globo.

Primeiro, chama a atenção o fato de que o cancelamento dos debates em 10 cidades – inclusive nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba e São Luiz – foi uma opção exclusiva da Globo. Debates na TV são facultativos e não houve qualquer impedimento legal para que eles se realizassem. Havia, isto sim, uma decisão prévia da própria Globo – fundada no conceito subjetivo de "debate proveitoso" – de somente realizá-los com a participação de, no máximo, seis (ou cinco?) candidatos.

Segundo, causa perplexidade que a Rede Globo de Televisão se exclua inteiramente do processo de formação da opinião do eleitor e, portanto, da sua decisão de voto. Ao afirmar no "Comunicado" que "aqueles [candidatos] que, ao longo do processo, ganham densidade eleitoral são naturalmente mais bem cobertos, crescem nas pesquisas e asseguram um lugar nos debates", ela se coloca como uma mera espectadora, fria, distante e imparcial. Age como se desconhecesse que é parte ativa da disputa eleitoral, construtora determinante do cenário de representação da política (CR-P) e também ator político muitas vezes decisivo, como, aliás, atestam episódios de nossa história política recente.

Terceiro, a Globo recorre ainda uma vez mais ao princípio da liberdade de imprensa, agora para atacar as garantias de igualdade na competição eleitoral estabelecidas em Lei. O que deve prevalecer na democracia representativa: a igualdade de condições para competição eleitoral garantida por Lei discutida, votada e aprovada no Congresso Nacional ou os critérios de noticiabilidade e "densidade eleitoral" arbitrados pelo maior grupo empresarial detentor de concessões dos serviços públicos de rádio e televisão do país?

Por último, vale perguntar: quem teriam sido os principais prejudicados pela não realização dos debates em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, São Luís, Itabuna, Pelotas, Anápolis, Maringá e Londrina? Por certo, os muitos milhões de excluídos, cidadãos eleitores dessas cidades. Exatamente aqueles em nome dos quais são outorgadas as concessões de serviço público de qualquer natureza; em nome dos quais se invoca – reiteradamente – o princípio da liberdade de imprensa e, sobretudo, em nome dos quais se realizam as eleições.

Em um ponto a Globo, certamente, tem total razão: o cancelamento dos debates mais as acusações à Lei Eleitoral e as justificativas oferecidas reforçam a necessidade de que "a sociedade e seus representantes, em Brasília" rediscutam as tensionadas relações entre o público e o privado em nosso país: o que, afinal, constitui o interesse público? E quais são as responsabilidades e deveres dos concessionários dos serviços públicos de radiodifusão com o interesse público?

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

Imprensa: O Senhor Mercado não manda mais

"Acabo de regressar da Europa. Lá como cá, os jornais investem pesado na tentativa de fidelizar leitores etc. etc." Este é o arrebatador início da maçaroca quinzenal assinada pelo guru da mídia, Carlos Alberto Di Franco ["O Globo" (pág. 7) e "O Estado de S.Paulo", (pág. 2) de segunda-feira (6/10)].

Não é preciso ir à Europa, à Espanha ou mais precisamente a Navarra para saber o que está acontecendo na mídia impressa no Novo e no Velho Mundo. Ela não está se reinventando. Está desabando.

Basta ler "El País", um dos melhores jornais da atualidade, escrito num idioma capaz de ser entendido pela maioria dos brasileiros de nível superior e que pode ser entregue na porta junto com os jornalões locais. É caro, custa 8 reais, mas a leitura da edição de sábado e/ou domingo é suficiente para satisfazer as necessidades daqueles que precisam entender a conjuntura mundial em qualquer esfera.

Pois o denso e fascinante "El País" começou a publicar no sábado (4) a cobertura preliminar da 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), que congrega 1.300 publicações das Américas e Europa e que pela primeira vez se reúne em Madri.

Aqui surge o primeiro mistério: por que razão o evento madrileno está sendo praticamente ignorado pela mídia impressa brasileira reunida em torno da Associação Nacional de Jornais (ANJ)?

Se a entidade brasileira sempre foi o braço local da SIP, como explicar o súbito silêncio em torno do evento anual da entidade? Alguma ruptura entre os grandes? Alguma birra ideológica entre a turma de Miami (à qual a ANJ sempre esteve ligada) e o grupo Prisa (que edita o diário espanhol), à sua esquerda, anfitrião desta cúpula?

Matriz das distorções

Convém registrar que, depois do México, os EUA é o segundo país hispanófono do mundo – e em 2050 será certamente o primeiro. A investida do "El País" em cima da SIP é um lance político de alta significação, além de brilhante jogada de marketing global. Daí o empenho do governo espanhol em prestigiar a Assembléia com a presença do rei Juan Carlos, do chefe do executivo José Luis Zapatero, do ex-premier Felipe González, e de diretores dos grandes jornais liberais ou progressistas como "The Washington Post" e "Le Monde".

Alguns jornalistas brasileiros estiveram presentes à Cumbre del Periodismo (Cúpula de Jornalismo) na capital espanhola e certamente devem explicar o que efetivamente aconteceu na mídiaesfera ibero-americana. Este Observatório da Imprensa está à disposição.

Por ora interessa a surpreendente notícia publicada pelo tablóide espanhol em sua edição de sábado (4/10), na página dedicada à cobertura da Cúpula de Jornalismo (ver aqui): o presidente francês Nicolas Sarkozy, um dos mais extremados defensores das leis de mercado, produziu um documento sobre a sobrevivência da mídia impressa francesa que está sendo bem avaliado por todos os setores.

Os desdobramentos dessa agenda serão coordenados por um socialista, Bernard Spitz, e englobam questões de grande relevância e urgência:

** O futuro das profissões jornalísticas;

** O processo industrial da imprensa;

** A imprensa digital;

** As relações da imprensa com a sociedade.

O dado novo é que alguns dos relatórios serão produzidos pelos jornalistas franceses aos quais foi dado o prazo de dois meses para elaborar propostas destinadas a melhorar a qualidade e a competitividade da imprensa francesa. Nada de consultorias ou pressões corporativas, Sarkô quer jornalistas cuidando do futuro do seu ofício.

No mesmo documento, o presidente francês vai sugerir modificações na lei que proíbe a concentração da mídia. É desconhecido até agora o teor das modificações que Sarkozy vai propor. Mas a questão é central, matriz das distorções que relativizam o projeto sempre sonhado e raramente alcançado de uma imprensa livre, responsável e isenta.

Perigo no ar

A Cúpula de Madri ocorre num momento de grande perigo. A crise financeira internacional vai certamente forçar uma desconcentração dos meios de comunicação. Impossível gerir mastodontes empresariais no exato momento em que ficou transparente a responsabilidade dos executivos de grandes conglomerados financeiros no crash mundial.

A recessão e/ou a queda acentuada do ritmo de crescimento na maioria dos países, associadas às dificuldades de crédito, vão produzir inevitavelmente um desmembramento dos grandes grupos jornalísticos. As empresas terão que ser enxugadas – sobretudo as gigantes, responsáveis por mais desperdício e mais redundâncias.

A montagem de grandes operações digitais paralelas exigirá investimentos proibitivos que certamente afetarão as atividades-fim. A implantação de empresas multimeios terá que ser adiada sob pena de apressar a quebradeira geral no setor.

O meteorito que vai acabar com os dinossauros da indústria jornalística foi o mesmo que liquidou instituições financeiras seculares: uma bolha, a bolha hipotecária americana. Nosso amigo foi à Europa e não viu a cena mais importante do mais empolgante romance escrito pela dialética: o Senhor Mercado não manda mais.

***

Em tempo, às 14h10 de 7/10: A grande imprensa brasileira segue ignorando completamente a 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Na edição desta terça, dia 8, nenhuma linha sobre o assunto na "Folha", uma notícia secundária no "Estadão".

* Alberto Dines é jornalista, editor do Observatório da Imprensa.