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Seqüestro de Santo André: Está na rede

Não há palavras para descrever. Só vendo. Quem puder entre no Youtube e assista a algo inacreditável. A conversa do produtor do programa "A Tarde é Sua", apresentado por Sonia Abrão, na Rede TV, com Lindemberg Alves, em plena ação de sequestro da menina Eloá. Por mais que o fato já tenha sido comentado, qualquer descrição do que aconteceu fica muito longe da realidade. Trata-se da visão trágica dos limites a que chega a dignidade humana. E aqui não falo do sequestrador e sim de quem o entrevista, dos seus chefes e patrões. Eles mentem, usurpam funções especializadas pretendendo-se negociadores, violam o Estatuto da Criança e do Adolescente e intervêm indevidamente numa ação do Estado, representado naquele momento pelas forças policiais.

A espetacularização da notícia na TV não é novidade, com conseqüências trágicas em alguns casos. Escola Base e Bar Bodega são apenas os exemplos mais conhecidos. E o caso Isabela Nardoni, o mais recente. Mas nunca a televisão havia ultrapassado o limite da informação (ainda que distorcida ou sensacionalista) passando à intervenção. No caso Eloá, a TV mudou o rumo dos acontecimentos ao bloquear as negociações telefônicas da polícia com o seqüestrador e interferir no seu humor. No vídeo ele chega a dizer para o entrevistador: "não me deixa nervoso não" que responde do alto do seu conhecimento psicológico pedindo calma.

Que direito tem uma empresa comercial de intervir num processo da alçada exclusiva do Estado? Espero que essa pergunta seja respondida na ação proposta pelo Ministério Público Federal contra a Rede TV. Cabe ao Judiciário decidir se houve abuso ou não. Nesse sentido, para embasar melhor o processo seria muito importante que entidades como o Conselho Federal de Psicologia, a Federação Nacional dos Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil oferecessem pareceres sobre o caso. Afinal produtores e apresentadores de televisão transformaram-se, nesse caso, publicamente em psicólogos, advogados e jornalistas sem escrúpulos.

Claro que a Rede TV já está tratando a possibilidade da ação como "uma forma velada de censura". Ao que a procuradora Adriana Fernandes, autora do pedido, respondeu com propriedade dizendo que a liberdade de expressão não é absoluta e que, neste caso, deveria ter sido respeitado o fato de uma menor estar envolvida. É sempre assim, e não é só a Rede TV que faz isso. Basta qualquer setor da sociedade exigir um pouco mais de responsabilidade de um concessionário de TV que a resposta é sempre a mesma. Infelizmente a combinação cronológica entre o fim da ditadura militar e a ascensão do neoliberalismo pelo mundo deixaram a população brasileira refém do fantasma da censura e da fantasia do mercado como regulador supremo. É através desse casamento que a TV deita e rola. Tudo que a incomoda é censura e o limite admitido é dado apenas pelos índices de audiência. Como se eles refletissem algum tipo de escolha democrática e não fossem mera sanção do mercado, no dizer preciso de Pierre Bourdieu.

A Rede TV também afirma que sempre vai defender "a liberdade de expressão e o não cerceamento do jornalismo de informar os telespectadores". Gostaria de saber onde há informação numa entrevista realizada com um seqüestrador em pleno ato criminoso. Pode-se afirmar que até a Constituição Federal foi afrontada. Lá está dito que "a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas". Em nenhum momento está prevista a intervenção da concessionária num crime, como fez a Rede TV.

Ressalte-se que essa emissora é reincidente. No final de 2005 foi obrigada, judicialmente, a retirar do ar um programa que violava os Direitos Humanos e, durante um mês, colocar no mesmo horário produções elaboradas por organizações sociais. Fato inédito na história da TV brasileira, tornado possível graças à articulação da sociedade e o acolhimento da demanda pelo Ministério Público. Em vista do trágico desfecho, o caso atual é ainda mais grave. E não ficou restrito à Rede TV. Record e Globo a seguiram.

Uma outra referência pode ser utilizada, talvez, para auxiliar na instrução da ação judicial caso ela ocorra. São alguns trechos das normas editoriais da BBC. Dizem elas que "em casos de seqüestros devemos estar cientes de que qualquer informação pode ser vista ou ouvida pelos responsáveis pelo ataque. Devemos avaliar as questões éticas envolvidas em conceder uma vitrina a seqüestradores, especialmente se eles fazem contato direto". Reparem que a preocupação é com o contato que o seqüestrador possa fazer com a emissora. Nem passa pela cabeça dos jornalistas britânicos a possibilidade da emissora fazer contato com o seqüestrador como aconteceu por aqui.

E mais: "devemos permanecer no controle editorial da cobertura dos eventos e não entrevistar um responsável por um ataque ao vivo; instalar um delay (pequeno atraso na veiculação de sons e imagens em relação ao tempo real) quando transmitimos ao vivo material de coberturas delicadas, por exemplo, um cerco a escola ou seqüestro de avião. Isto é especialmente importante quando o desenlace é imprevisível e podemos registrar material perturbador, impróprio para transmitir sem uma reflexão cuidadosa". Em Santo André, nós todos corremos o risco de ver um assassinato ao vivo.

E para finalizar, diz a BBC que "quando cobrimos seqüestros devemos ouvir a orientação da polícia e de outras autoridades sobre qualquer coisa que, se divulgada, possa exacerbar a situação". Parece que estão falando conosco, não?

* Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Novo conceito jurídico para sistema privado de TV

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), da Câmara dos Deputados, realizou na quinta-feira (27/11) a primeira audiência pública de sua história com o tema "Debate sobre os atos do Poder Executivo que renovam as outorgas das concessões de serviços de radiodifusão", atendendo a requerimento apresentado em agosto passado pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA).

Na verdade, essa audiência é uma das conseqüências do Ato Normativo nº1/2007, que institui novas regras para a apreciação dos processos de outorga e de renovação de concessões de radiodifusão na CCTCI, em vigor desde 1º de julho de 2007.

Foram convidados representantes do Ministério das Comunicações (Minicom); da Agência Nacional de Telecomunicações; do Tribunal de Contas da União; de três associações de radiodifusores: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Radiodifusores e Associação Brasileira de Radiodifusão, Tecnologia e Telecomunicações; representantes da sociedade civil (Intervozes e Abraço) e da Universidade de Brasília (Lapcom, Laboratório de Políticas de Comunicação).

Marco regulatório

Não há dúvida: a realização da audiência é, em si mesmo, um fato auspicioso. Até aqui, as outorgas e renovações de concessões sempre foram quase automáticas, simplesmente "passavam" pela CCTCI sem que qualquer avaliação de mérito fosse realizada. Isso fez com que os concessionários de radiodifusão se comportassem como "proprietários" e não apenas "curadores" desse serviço público.

Na audiência, o Minicom e os representantes das concessionárias alegaram que o principal problema relacionado às concessões de radiodifusão é a burocracia. Nenhum outro serviço público no Brasil enfrentaria um trâmite burocrático com a complexidade exigida na radiodifusão. Daí porque o Minicom anuncia a contratação, no próximo ano, de uma consultoria da Fundação Getúlio Vargas para simplificar e agilizar o processo.

Os representantes da sociedade civil, por outro lado, fizeram o "dever de casa" e apresentaram várias propostas concretas tanto de critérios para novas outorgas e renovações de concessões como para a inadiável elaboração de um marco regulatório para o setor.

Sem responsabilidade pública

A novidade da audiência, no entanto, foi a introdução – aparentemente despretensiosa – de uma tese que, mesmo sem ser advogado, ouso afirmar, constitui uma inédita e perigosa inovação na regulação de serviços públicos.

Ao reagir a propostas que incluem o "interesse público" como critério para avaliação das concessionárias, o representante da Abert estabeleceu uma diferença entre as responsabilidades dos três sistemas previstos na Constituição – privado, público e estatal. Disse ele: "Os concessionários comerciais não precisam atender todo o público, uma vez que pertencem ao sistema privado". Vale dizer, aqueles que têm responsabilidades com o atendimento do "interesse público" são os sistemas público e estatal; o sistema privado atende aos seus próprios interesses e, claro, aos interesses do mercado.

A tese que desobriga os concessionários privados a atender ao "interesse público" já havia aparecido para justificar a "inconstitucionalidade" da exigência de transmissão do programa Voz do Brasil. Artigo recente, publicado no caderno "Direito e Justiça" do Correio Braziliense ("Inconstitucionalidade da Voz do Brasil", 24/11/2008, pág. 3), afirma:

"Entende-se que prevalece a liberdade empresarial da concessionária em escolher retransmitir ou não a Voz do Brasil, ao invés da imposição autoritária. Isso porque a Constituição impõe a complementaridade entre os setores de radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica a harmonia e o equilíbrio entre eles. Por que a União não se vale de seus próprios meios de comunicação se pretende divulgar as ações dos três poderes republicanos? Ela deve utilizar o sistema de radiodifusão estatal e não o privado" (disponível aqui) .

O que não se sabia é ser também essa a posição da maior associação de concessionárias de radiodifusão privada brasileira, a Abert, em relação às responsabilidades de seus membros no atendimento ao "interesse público".

Difícil de acreditar

Ao exigir a observância do princípio da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal para outorga e renovação das concessões de radiodifusão (artigo 223), o constituinte tinha como objetivo corrigir o inquestionável desequilíbrio histórico existente entre esses sistemas, com a óbvia hegemonia do sistema privado.

Além disso, a Constituição não faz qualquer distinção entre os sistemas privado, público ou estatal quando se trata da produção e programação de seu conteúdo. A prova disso está no artigo 221 que define os critérios a serem atendidos por todas as emissoras de rádio e televisão. Reza o texto:

"A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente que objetive sua divulgação; obedecer aos princípios da regionalização da produção cultural, artística e jornalística e do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

A tese agora defendida pela Abert, portanto, contraria claramente a norma constitucional em vigor.

Dessa forma, aqueles interessados em preservar o "interesse público" como critério de avaliação para o desempenho dos concessionários dos serviços públicos de radiodifusão devem colocar "as barbas de molho". Está em gestação nos laboratórios jurídicos do país um novo conceito: o concessionário privado de radiodifusão não tem qualquer responsabilidade de atender ao "interesse público". Isso é tarefa exclusiva dos sistemas estatal e público.

É difícil de acreditar, mas é verdade.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

Sobre sindicatos, diplomas e ouvidorias

A discussão sobre a exigência do diploma para exercer a profissão de jornalista merece um outro ponto de vista, não longe dessa arenga, claro. Quero refletir sobre as mudanças da modernidade (ou pós-isso) e o papel dos sindicatos e da sua federação.

Um dos elementos-chaves das mudanças é o fato da era Gutenberg estar se extinguindo ou, pelo menos, deixando de ser o foco da comunicação. Traduzindo: as notícias já não precisam de tinta e papel para circular. Desconfio (porque não tenho a numerologia) que a maior parte dos fatos ou acontecimentos (como diria Mouillaud) já está na internet; a notícia já não precisa virar jornal ou revista para ser notícia. E tem mais – atenção, irmãos de fé! – boa parte do que circula como informação não é produzido por jornalistas.

Enfim, estamos apenas no começo de algo que se avizinha maior que o tsunami. Todo mundo vai virar fonte, todo mundo vai produzir notícia, todo mundo é notícia. A única saída é fechar a internet e proibir as pessoas de falarem, fotografarem e escreverem. Ou então, estabelecer: só pode fazer notícia, escrever notícia, distribuir notícia quem fizer um curso superior de Jornalismo. Não vai ser fácil estabelecer esta censura. Com a ágora cibernética mundial, misto de clube de amigos e espaço de xingamento planetário, lugar onde se pode saber o que ocorre na Eslovênia ou na Manchúria antes dos jornais, todo mundo vai querer escrever, mostrar sua foto, fazer "reportagens", fazer-se de jornalista, pelo menos.

Enunciadores se transformam em um só

A internet está pondo em xeque a imprensa. Como dizer o que já foi dito? Como mostrar o que já foi mostrado? E, do ponto de vista ideológico, como manter o pensamento único se todo mundo agora tem acesso a outras fontes, isto é, o "pensamento único" se tornou apenas o pensamento um? Hoje é corrente que qualquer pessoa tem acesso a várias versões do mesmo fato; são versões que se contrapõem ou se somam aquilo que foi dito em tom maior.

E não é de agora. Quando os Estados Unidos resolveram invadir o Iraque, a grande imprensa mundial (e os clones nacionais) reproduziu os releases do Departamento de Estado norte-americano garantindo que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. Mas quem tinha um computador e acesso à internet sabia que era mentira, tratava-se de um saque, um roubo. Quando os grandes veículos e seus pequeninos repórteres instalados em Nova York ou Bagdá disseram que não havia armas de destruição em massa, o sujeito lá em Quixeramobim, Ceará, no seu barraco, onde pega mui rudimentarmente a internet, falou baixinho: "Ôxe, mas eu já sabia disso…" Ele e boa parte do mundo.

Este é apenas um exemplo de como a grande imprensa (e nossos valores guerreiros da notícia) deveria pensar duas vezes antes de espalhar uma mentira, ou pelo menos uma meia verdade (o que dá no mesmo). O que não está acontecendo.

Vamos considerar, como Nelson Traquina, que a "teoria conspiratória" de Noam Chomsky seja uma espécie de teoria hipodérmica ideológica sobre os profissionais. Isto é, a tese de Chomsky de que os jornalistas obedecem aos patrões que, por sua vez, impõem interesses ideológicos e de Estado, estaria furada. Acontece, porém, que há algo na notícia e em quem traz a notícia – o jornalista – que nos sugere Chomsky. Quando os enunciadores se transformam em um só – pelo querer ou não do patrão – é porque tem algo muito troncho na categoria dos jornalistas. E isto é assunto para os sindicatos. Qual a posição do sindicato, ou da Fenaj, quando o jornalista mente, engana a sociedade? Parece que nenhuma.

Objeto de uso restrito

Com a multiplicação das fontes, é sabido que a grande imprensa (burguesa, capitalista, cada vez mais um partido político, como quiserem tratar) continua cometendo seus grandes crimes; fazendo suas grandes bobagens; distribuindo seus grandes xingamentos… E a sociedade não tem muitas opções para reagir. Conta-se nos dedos da mão esquerda os poucos espaços de análise e crítica da mídia. Aqui tem o Observatório da Imprensa, e acolá o recifense Fopecom, mais adiante alguns sítios acadêmicos, mais uma ou outra ONG… e pronto. Acabou. Por que os sindicatos não entram nessa? Corporativismo?

Os sindicatos têm grandes desafios neste momento. Desafios do lado de fora e do lado de dentro.

O que farão os sindicatos dos jornalistas e a Fenaj diante do fato de que pedreiros e marceneiros, motoristas de caminhão, garis, estão fazendo rádiojornalismo em rádios comunitárias? Vão denunciar à Polícia Federal? À KGB? À CIA? Ou apenas ao Ministério do Trabalho? Em todas as boas rádios comunitárias há essa realidade: o rádiojornalismo, ou seja lá o que for, acontece. Isto é crime? Se for, a quadrilha hoje deve superar 50 mil meliantes. Dentro de um ano esse número vai dobrar. E vai sempre aumentar. Haja presídios para botar tanta gente.

Ironias a parte, se a Fenaj e os sindicatos defendem tanto a liberdade de expressão e a democracia na comunicação, não podem limitar o direito a liberdade de expressão ou o fazimento da democracia (como diria Darcy Ribeiro) a uns poucos, aos da entidade, aos da corporação, aos ricos e belos que conseguiram obter um diploma. Isto é, a democracia ou a comunicação não podem ser objeto de uso restrito daqueles que dominam determinado campo (Bourdieu).

Governador sem crítica alguma

O jornalismo comunitário está crescendo apesar das botinadas estatais, da legislação, do governo Lula. E ele não descarta o jornalista formado. É isso que os sindicatos (incluindo alguns de radialistas que desprezam quem faz rádio comunitária e defendem o patrão) dos jornalistas não perceberam. O jornalismo no Brasil dará um grande salto quando jornalistas formados se unirem aos jornalistas (ou repórteres) não formados para fazer comunicação.

Esta é a primeira sugestão.

A segunda é: os sindicatos e a Fenaj não podem ficar omissos diante das barbaridades cometidas contra a sociedade pela grande imprensa. Minha proposta é de que cada sindicato de jornalistas tenha uma ouvidoria para avaliar a atuação dos jornalistas. E que essa ouvidoria aja de forma honesta e objetiva em defesa dos interesses maiores, com ampla divulgação dos erros e acertos da categoria. Devemos ser corporativos com os interesses maiores da sociedade, e não dos coleguinhas que abusam do seu poder e do crachá de jornalista para defender patrão, seu dinheiro, sua armações e até sua má-fé – coisas, aliás, que acontecem em todas as categorias.

Se já tivéssemos ouvidorias funcionando no Brasil, certamente alguns jornalistas de projeção nacional não estariam cometendo as baixarias que cometem hoje. E melhor ainda seria seu efeito nas localidades.

Por exemplo, 99% dos jornais (e jornalistas) do Distrito Federal não conseguem publicar uma linha de crítica ao atual governador José Roberto Arruda. Não se trata do autor deste artigo ser contra ou a favor de Arruda, mas de defender o jornalismo. Porque não é preciso ser crítico de jornalismo para perceber que Arruda ainda não chegou à perfeição divina e, portanto, deve cometer seus erros. O que aparece nos jornais de Brasília, porém, é coisa de outro mundo: é Arruda inaugurando obras, Arruda obtendo recursos, Arruda defendendo a cidade.

Isto é jornalismo? Qual a opinião da sociedade sobre esse jornalismo? Talvez o jornalista esteja sendo pressionado. Talvez seja uma opção sua. Mas caberia ao sindicato denunciar a verdade.

Arrogância é ardil dos medrosos

No interior do país, as coisas são mais dantescas. Lá, o poder local (executivo, judiciário, legislativo) muitas vezes não aceita uma imprensa crítica; pelo contrário, é comum o executivo financiar uma imprensa servil. O que o sindicato diz disso? Nada? Pois a sociedade precisa exatamente é de uma instituição que receba as suas críticas ao mau jornalismo, às falcatruas, às aberrações da profissão.

Com as ouvidorias nos sindicatos, a sociedade poderia questionar o papel do jornalismo e do jornalista, tornando-se um apoio para o cidadão e para a cidadã, hoje desprotegidos, à mercê do poder local que domina a imprensa.

Por princípio um ente autônomo, o sindicato dos jornalistas tem todas as condições de exercer esta função. Na verdade, em alguns sindicatos existe um "comitê de ética" ou de "liberdade de expressão". Mas é um apêndice limitado do sindicato, ele não supre a carência da sociedade de aliados na luta contra o jornalismo de má qualidade, que não é questão de ter ou não diploma.

A criação de ouvidorias nos sindicatos dos jornalistas romperia as barreiras estabelecidas entre os pretensos arautos da verdade e da decência, colocaria no seu devido lugar o jornalismo ruim, faria com que nós, jornalistas, nos aproximássemos mais do nosso público (Wolton revela que poucos jornalistas estão interessados em saber como é seu público), aprendendo sobre realidade, gente, povo, sociedade, pessoas, seres humanos, cidadania… Essas coisas que uma boa parte da categoria despreza. Com as ouvidorias em funcionamento, estaríamos abrindo um debate com a sociedade sobre o jornalismo e os jornalistas. Ah, sim, poucos têm coragem de fazer isso. Entendo: a arrogância é o ardil maior dos medrosos.

* Dioclécio Luz é jornalista, escritor, autor de livros sobre rádios comunitárias e diversos artigos sobre democracia na comunicação.

Publicidade para crianças: A raposa vigia o galinheiro

A tropa de choque contrária ao projeto de lei que regulamenta a publicidade destinada a criança ganhou um aliado de peso. Na segunda-feira (24/11), em debate na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio sobre o PL 5.921/2001, de autoria de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), o deputado federal Osório Adriano (DEM-DF) deu parecer como relator rejeitando o substitutivo apresentado pela deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) na Comissão de Defesa do Consumidor.

Seria tudo normal no jogo democrático de posições favoráveis e contrárias dentro do parlamento se não fosse por um detalhe: o PL 5.921/2001, com o substitutivo da deputada mineira, é o que propõe a regulamentação da publicidade destinada a crianças, e o novo relator, além de deputado federal, é o proprietário da fábrica da Coca-Cola no Distrito Federal, a Brasal Refrigerantes.

O mais estranho nesse cenário é que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, no parágrafo 6º de seu artigo 180 (sobre o processo de votação) diz:

"Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o Deputado dar-se por impedido e fazer comunicação nesse sentido à Mesa, sendo seu voto considerado em branco, para efeito de quorum".

Cinco sessões

Após três anos de intensos debates na Comissão de Defesa do Consumidor, onde empresários da mídia, fabricantes de brinquedos e de alimentos, publicitários, psicólogos, nutricionistas, juristas e pesquisadores colaboraram para que o interesse público – mais especificamente das crianças – fosse superior aos interesses econômicos, corre-se o risco de tudo escorrer por goela abaixo como se estivéssemos em um comercial de Coca-Cola… quente.

Em recente disputa de interesses semelhantes, no caso da classificação indicativa para os programas de televisão, não conseguindo desfigurar completamente a proposta fruto de anos de debates, os empresários da mídia recorreram a uma força superior: conseguiram mudar a rotação da Terra e o movimento do Sol, quase igualando todo o fuso horário no país. Desta vez, acionaram outro mecanismo: o deputado/empresário Osório Adriano.

Somente a título de curiosidade: segundo o Ibope/Monitor Evolution, no primeiro semestre de 2008 a divisão de refrigerantes da Coca-Cola investiu R$ 176.370.000,00 em publicidade, o que representa 64% do que foi gasto pelo setor em todas as mídias no país.

O novo substitutivo ao projeto da regulamentação da publicidade destinada a crianças precisa passar ainda por cinco sessões na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara, a contar de quarta-feira (26/11). Há tempo ainda para impedir que as raposas tomem conta do galinheiro.

* Edgard Rebouças é jornalista, doutor em Comunicação, professor de Legislação e Ética no curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Observatório da Mídia Regional.

Imprensa regional: A grande usina de absurdos

Pense num absurdo, na Bahia tem precedente. Essa frase do ex-governador Octávio Mangabeira é tão real e triste que ainda assusta alguns baianos que não perderam o poder da indignação. Os absurdos na "boa-terra" são tão comuns quanto o acarajé da esquina. Em geral, são produzidos pela política e a imprensa.

Os meios de comunicação baianos sempre foram marcados pela fortíssima influência política. Em geral, numa polarização entre carlistas e seus opositores. Mas, política à parte, falemos da grande usina de absurdos locais. A imprensa.

Temos em nosso quadro de jornalistas figuras inusitadas, que não dificilmente fariam o sucesso em qualquer outro lugar do mundo, mas aqui disputam picos de audiência. O carismático Zé Bin é um dos exemplos clássicos. Em seu programa Que venha o povo descobre figuras engraçadas no meio da rua, visita favelas, dança de forma desajeitada e usa chavões ridículos para definir a situação de detentos entrevistados por ele nas delegacias. Como exemplo, a célebre frase "acabou o milho", à qual os presos respondem "acabou a pipoca".

Subindo um canal no controle remoto, saímos da Aratu-SBT e entramos na Record Bahia, onde Zé Eduardo comanda o “Se liga, Bocão”. Uma cópia do programa anterior, idealizado pelo próprio Bocão antes de mudar de emissora, com ênfase nas discussões de vizinhos, confusões, baixarias e as mesmas entrevistas com bandidos presos. Nesse ponto, ele supera o seu ex-parceiro. A pergunta ao detento é ainda mais ridícula: o fumo entrou?

Apoio aos perdedores

Mas passemos ao grande campeão de audiência da Bahia, Raimundo Varela, mais conhecido como "Seu Valera". Usando o formato de programa que consagrou o antigo apresentador Fernando José, que virou prefeito de Salvador, Seu Valera usa e abusa do populismo, ainda mais que todos os outros. Seu programa, Balanço Geral, virou padrão nacional na Rede Record por influência do presidente da emissora, Alexandre Raposo, ex-parceiro de Varela na TV Itapoan, quando Raposo era o diretor da emissora baiana. Homem de muita visão, Raposo viu a força do formato do programa e o distribuiu por todo o país. Deu certo.

Varela na Bahia é o novo pai dos pobres. Denuncia os descasos administrativos, a corrupção, o abandono das periferias locais e se diz não-político. Essas características criaram sobre esse personagem ímpar uma imagem quase santificada junto ao povo carente. Infelizmente, isso não se reverteu em votos e Varelão apoiou dois candidatos perdedores nas eleições municipais de Salvador esse ano. No 1º turno apoiou ACM Neto, do Democratas, e perdeu. Pulou fora dessa coligação e passou a apoiar, pasmem, Walter Pinheiro, do PT. Mas o pior ainda está por vir.

O filho da ditadura

Como se não bastassem esses exemplos vamos agora ao maior de todos os absurdos: o senhor Mário Kertész, ex-prefeito nomeado pela ditadura e afilhado político do finado senador Antonio Carlos Magalhães. Carreira política a parte, o senhor Kertész comprou uma estação de rádio em Salvador onde apresenta três programas diariamente. Pois bem, no dia 28/10, ao ser questionado por um ouvinte sobre o porquê de só abrir espaço para os comentários políticos do democrata Paulo Souto e não colocar outros políticos de outras tendências no ar, o comunicador chamou o ouvinte de asno – literalmente e enfatizando sua expressão. Defendeu-se dizendo ser democrático e afirmando que o seu programa entrevista pessoas de diversas correntes.

Mas entre entrevistar e colocar no ar semanalmente a opinião política de um único partido existe uma grande diferença. Segundo Kertész, atitudes como a desse ouvinte, tentam "censurar o seu programa, é uma completa burrice, uma asneira sem tamanho, coisa de asno mesmo". Essas doces palavras do radialista destinadas a um ouvinte são um exemplo clássico dos absurdos a que são submetidos os baianos.

Mas, cá entre nós, ser chamado de burro não é o pior. O pior é continuar ouvindo as zurradas desse "senhor da verdade". Esse exemplo de democracia e tolerância política foi apenas uma das demonstrações da postura ética desse comunicador baiano. Porém se vivemos alimentando essas figuras que se alimentam da miséria e da ignorância do povo, como questionar o argumento do filho da ditadura?

A "boa terra"

Será que devemos ser como os três macaquinhos? Não ouvir rádio, não ver TV e muito menos nos pronunciar? Será essa a regra na Bahia dos absurdos?

Certo mesmo estava o meu ilustríssimo conterrâneo Gregório de Matos quando, muitos anos atrás, em uma profética poesia, definiu a "Boa Terra" com uma profunda verdade que se arrasta a dezenas de anos:

"Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante."

* Erick da Silva Cerqueira é estudante de Marketing da Faculdade 2 de Julho, em Salvador.