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Caiu a farsa da Globo sobre o conflito com o MST no Pará

Desde o início, a história estava mal contada. Um novo conflito agrário no interior do Pará, em que profissionais do jornalismo teriam sido usados como escudo humano pelo MST e mantidos em cárcere privado pelo movimento, em uma propriedade rural, cujo dono dificilmente tinha seu nome revelado. Quem conhecia e acompanhava um pouco da história desse conflito sabia que isso se tratava de uma farsa. A população, por sua vez, apesar de aceitar a criminalização do MST pela mídia e criticar a ação do movimento, via que a história estava mal contada.

As perguntas principais eram: Como o cinegrafista, utilizado como escudo humano – considero aqui a expressão em seu real sentido e significados -, teria conseguido filmar todas as imagens? Como aconteceu essa troca de tiros, se as imagens mostravam apenas os "capangas" de Daniel Dantas atirando? Como as equipes de reportagem tiveram acesso à fazenda se a via principal estava bloqueada pelo MST? Por que o nome de Daniel Dantas dificilmente era citado como dono da fazenda e por que as matérias não faziam uma associação entre o proprietário da fazenda e suas rapinagens?

Para completar, o que não explicavam e escondiam da população: as equipes de reportagem foram para a fazenda a convite dos proprietários e com alguns custos bancados – inclusive tendo sido transportados em uma aeronave de Daniel Dantas – como se fossem fazer aquelas típicas matérias recomendadas, tão comum em revistas de turismo, decoração, moda e Cia (isso sem falar na Veja e congêneres).

Além disso, por que a mídia considerava cárcere privado o bloqueio de uma via? E por que o bloqueio dessa via não foi impedimento para a entrada dos jornalistas e agora teria passado a ser para a saída dos mesmos? Quer dizer então que, quando bloqueamos uma via em protesto, estamos colocando em cárcere privado, os milhares de transeuntes que teriam que passar pela mesma e que ficam horas nos engarrafamentos que causamos com nossos legítimos protestos?

Pois bem, as dúvidas eram muitas. Não apenas para quem tem contato com a militância social, mas para a população em geral, que embora alguns concordassem nas críticas da mídia ao MST, viam que a história estava mal contada. Agora, porém, essa história mal contada começa a ruir e a farsa começa a aparecer.

Na tarde de ontem, o repórter da TV Liberal, afiliada da TV Globo, Victor Haor, depôs ao delegado de Polícia de Interior do Estado do Pará. Em seu depoimento, negou que os profissionais do jornalismo tenham sido usados como escudo humano pelos sem-terra, bem como desmentiu a versão – propagada pela Liberal, Globo e Cia. – de que teriam ficado em cárcere privado.

Está de parabéns o repórter – um trabalhador que foi obrigado a cumprir uma pauta recomendada, mas que não aceitou mais compactuar com essa farsa. Talvez tenha lhe voltado à mente o horror presenciado pela repórter Marisa Romão, que em 1996 foi testemunha ocular do Massacre de Eldorado dos Carajás e não aceitou participar da farsa montada pelos latifundiários e por Almir Gabriel, vivendo desde então sob ameaças de morte.

A consciência deve ter pesado, ou o peso de um falso testemunho deva ter influenciado. O certo é que Haor não aceitou participar até o fim de uma pauta encomendada, tal quais os milhares de crimes que são encomendados no interior do Pará. Uma pauta que mostra a pistolagem eletrônica praticada por alguns veículos de comunicação e que temos o dever de denunciar.

TV pública: compromissos e regulamentação

AS TVS públicas do Brasil totalizam 3.300 emissoras e retransmissoras em todo o país e se preparam para dar o segundo passo em direção à sua definição de conceitos, papéis e responsabilidades. Será no 2º Fórum Nacional das TVs Públicas, em que vamos nos encontrar com nossos débitos e créditos e assinar promissórias com a sociedade. No encerramento do 1º Fórum Nacional das TVs públicas, em maio de 2007, o presidente Lula recebeu a Carta de Brasília e os fundamentos do que viria a ser a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), cuja face mais visível é a TV Brasil.

Estava concluído, assim, o primeiro movimento para a construção do conceito da televisão pública brasileira, depois de intensas e longas discussões entre grupos temáticos, reunindo especialistas e realizadores. A Carta de Brasília enunciou princípios fundadores dessa televisão pertencente à sociedade, a ela subordinada e a ela dedicada. A lei que criou a EBC, embora limitada às emissoras do governo federal, inaugurou tais fundamentos, há muito consagrados entre nós, que fazemos televisão pública neste país nas suas diversas especificidades.
Do ponto de vista formal, foi um salto de 1967 a 2008. É preciso lembrar que o decreto-lei 236, de 1967, determina que as emissoras educativas existam só para transmitir aulas, palestras e debates. Que nem sequer recebam doações, mesmo que o doador permaneça anônimo. E esse decreto ainda está em vigor.

Portanto, temos uma pauta para cumprir para erigir uma televisão pública democrática, plural, dedicada à formação da cidadania neste país. E capaz de cumprir o estabelecido na Constituição Federal, em seus artigos 221 a 223, como não ocorre no segmento privado. É por isso que, mais uma vez, o campo público de televisão, por meio de suas entidades representativas, se organiza em torno de um grande fórum de debates. Dessa vez, o 2º Fórum Nacional das TVs Públicas, convocado pelas entidades do setor para acontecer em maio, será uma instância oficial da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que o governo programa para dezembro.

Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), Astral (Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas) e ABCcom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) se unem para um amplo debate das questões urgentes do setor, com o apoio inequívoco e fundamental do Ministério da Cultura e da EBC, a grande beneficiária do primeiro evento, e contando com a presença de entes públicos pertinentes aos temas, especialmente o Ministério das Comunicações e o Poder Legislativo federal.

Ao fim do 2º fórum, vamos nos empenhar para a implantação do que for aprovado e para entrarmos consistentes na prevista Conferência Nacional de Comunicação, outro anseio inarredável da sociedade. Há um alinhamento de fatores que torna especial e imperdível essa oportunidade. Qualquer evolução nesse campo depende da qualidade da democracia em funcionamento que, evidentemente, melhorou muito nos últimos 40 anos.

A implantação da transmissão digital terrestre, em curso, reduzirá os abismos tecnológicos existentes hoje entre as diversas emissoras e, na sequência, provocará revoluções no jeito de fazer e de usar televisão. A interatividade e a convergência de mídias apontam para o surgimento de novas verdades e novos parâmetros -acreditamos que para a construção da cidadania e do fortalecimento da educação libertadora. Por isso vamos demandar regulação, para que não nos faltem reconhecimento jurídico, compromissos democráticos e responsabilidades.

Por isso buscamos clareza na forma de financiamento, o indispensável acesso à multiprogramação e a criação de um instituto que se dedique à evolução da atividade. Esse 2º fórum haverá de contribuir para que a sociedade se torne protagonista, ultrapasse a condição de meros consumidores e seja maior do que seus tutores em seus processos de reflexão.

Antônio Achilils, 59, jornalista, especialista em gestão estratégica da informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, é presidente da Rede Minas e da Abepec. Cláudio Magalhães, 44, jornalista e professor, doutor em educação pela UFMG, é presidente da ABTU. Evelin Maciel, 40, jornalista, mestre em ciência política e especialista em regulação de telecomunicações pela UnB (Universidade de Brasília), é presidente da Astral. Edivaldo Farias, 65, bacharel em direito, juiz aposentado, é presidente da ABCcom.

Todo apoio à Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação

A luta pela democratização da comunicação em nosso país não começou hoje, nem no resto do mundo. Desde que o homem é homem, e principalmente a partir do momento em que ele se organiza em sociedade, a luta pela liberdade de expressão e pelo direito à informação contra toda e qualquer forma de censura faz parte das lutas sociais da humanidade. Assim foi no mundo, e aí está a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que desde 1948 já mencionava diretamente esta questão, assim tem sido também no Brasil, onde tanto no período da ditadura do Estado Novo, como no da Ditadura Militar (64-85) estes temas estiveram umbilicalmente ligados à luta pelas liberdades democráticas.

Já no período em que antecedeu à Constituinte de 1988, a luta pela democratização dos meios de comunicação no país ganha maior destaque e organicidade, a partir da atuação decisiva de entidades como a FENAJ e a ABI, e ganha uma dimensão organizativa nacional a partir de 1990, com a criação do FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, organizando inúmeros comitês estaduais e municipais por todo o país, tendo à frente entidades como a FENAJ, FITERT, ANEAT, ENECOS, FITTEL, CUT, e tantas outras. Com avanços e recuos, vitórias e derrotas, os anos 90 trouxeram questões importantes como as legislações sobre o Conselho de Comunicação Social e a Lei da Cabodifusão, assim como o fortalecimento do movimento das rádios comunitárias.

Na última década, em particular nos últimos 03 (três) anos, o movimento ganhou em organização e capilaridade, e avançou em suas lutas, ao adotar com maior firmeza a bandeira da campanha pela I Conferência Nacional de Comunicação. Para isso, foi fundamental a organização de uma CNPC – Comissão Nacional Pró-Conferência de Comunicação, que desde seu início teve a participação destacada de entidades como o FNDC, o Coletivo Intervozes, a ABRAÇO, a ARPUB, o LapCom-UNB, o MNDH, a FENAJ, a ABCCOM, o CFP-Conselho Federal de Psicologia, a CUT, a AMARC, a FITERT, a ENECOS, entre outras, e de três importantes Comissões da Câmara Federal (CTCI, CDHM, CLP), e que ao longo do caminho conseguiu arregimentar o apoio de 36 entidades nacionais, do peso do MST, ABI, OAB, MNU, FENAJUFE, UNE, ABTU, etc, ajudando a organizar em vários Estados as Comissões Estaduais Pró-Conferência.

Finalmente, no início deste ano, o movimento teve retorno do Governo Federal, após muita mobilização e pressão (abaixo-assinado, seminários, atos públicos, manifestações, audiências, conferência preparatória), com o anúncio feito pelo Presidente Lula de que a I Conferência Nacional de Comunicação será efetivamente realizada ainda em 2009. Esta foi uma vitória do movimento, de todos nós, de todas as entidades envolvidas, e em particular da CPC que coordenou este trabalho incansavelmente até aqui. Para tal, foi fundamental a nossa unidade interna e o fortalecimento institucional da própria CNPC, que se tornou importante interlocutor junto ao Governo Federal.

A unidade na diversidade

Nossa força reside, exatamente, em sermos capazes de construir a nossa unidade respeitando a diversidade de opiniões, de lastro político, de representatividade social, de estilos de organização e de militância, de níveis de institucionalidade e de poder de mobilização entre nossas entidades. Como em qualquer outro movimento ou luta social e política, nosso movimento também tem suas imperfeições e insuficiências, mas elas não tem sido capazes de nos derrotar ou de nos paralisar.

Precisamos estar muito atentos, hoje mais do que nunca, para evitarmos entre nós a cizânia e a divisão interna. As divergências políticas são naturais e saudáveis, num movimento como o nosso, e devem ser tratadas com muito respeito. Não podemos cometer o erro de superdimensionar nossas divergências internas, permitindo que elas se cristalizem e nos dividam na hora da ação política concreta, e tampouco devemos subestimá-las e desconhecê-las, pois ao fazermos isso poderemos estar criando um caldo de cultura propício à derrota ou à diluição política.

Temos unidade interna em 90% das questões centrais do movimento, mas sempre haverá divergências pontuais, nos demais 10%, quer sejam em questões de método de direção, em questões organizativas e operacionais, ou mesmo em questões de conteúdo político. Mas, tais divergências não podem e não devem servir para criar entre nós desentendimentos e desunião naquilo que é fundamental. Podemos e devemos ser capazes de preservar a unidade, tão essencial à vitória da  nossa luta, preservando também a identidade de cada entidade no interior do movimento.

O que dá maior ou menor representatividade à CNPC é exatamente a capacidade de arregimentar  um número cada vez maior de apoio social e político, de agregar novas entidades ao movimento, de coesionar a nossa atuação em torno de algumas premissas básicas, de auxiliar efetivamente na organização das Comissões Estaduais. O que dá maior ou menor representatividade à CNPC é a maior participação efetiva de todas as entidades nacionais que aderiram ao movimento (já são 36), em todas as suas reuniões e deliberações. Todos nós precisamos fazer um esforço concentrado para participar de forma efetiva e presencial, de todas as reuniões e atividades propostas e agendadas a partir da CNPC, pois sabemos que apenas isso dará legitimidade às nossas decisões e encaminhamentos. Neste sentido, chamamos a atenção para o aparente esvaziamento de algumas reuniões da CNPC, que poderão provocar questionamentos de legitimidade de futuras decisões.

Felizmente, isso ainda não ocorreu em momentos de importantes tomadas de decisões estratégicas, quando conseguimos garantir a legitimidade em relação aos passos adotados. Tal foi o caso da decisão referente à proposta de critérios para a composição do GT organizador da I Conferência Nacional de Comunicação, proposta essa entregue pelos representantes da CNPC aos representantes do Governo Federal, em fevereiro deste ano. Era necessário definir alguns critérios,  e fazer uma proposta inicial de composição do GT. A CNPC era o fórum legítimo e privilegiado para discutir, decidir e encaminhar uma proposta que representasse o nosso movimento. Sabemos que,  quando se trata de ocupar espaço político, é difícil agradar a todos e encontrar uma proposta de consenso.

Temos tentado evitar votar questões políticas importantes, no âmbito da CNPC, e buscamos construir o máximo de consenso em nossas decisões. Mas o consenso total não é possível sempre,  e a democracia também se constrói pelo voto. Se alguma entidade nacional que apóia o movimento e que integra a CNPC se sentiu prejudicada, pela decisão final, pode e deve fazer o debate e manifestar as suas divergências nos fóruns legítimos do próprio movimento. O que não pode, sob hipótese alguma, é desqualificar ou criticar a CNPC publicamente, pois isso só levaria a deslegitimá-la, e a enfraquecer a nossa luta.

O novo papel da CNPC na atual conjuntura

O principal objetivo da CNPC até o momento era organizar a sociedade para pressionar o Governo Federal no sentido da convocação da I Conferência Nacional de Comunicação. Tudo indica que, nos próximos dias, sairá o Decreto Presidencial e a Portaria do MiniCom, convocando oficialmente a Conferência. Possivelmente a composição formal do GT a ser indicado pela Portaria do MiniCom não terá exatamente o perfil e os critérios sugeridos pela CNPC. Não importa. Fomos vitoriosos no nosso objetivo principal. Quais deverão ser os próximos passos, e qual o papel da CNPC a partir daí?

É óbvio que será o GT instituído a partir da Portaria do MiniCom quem deverá organizar e dirigir todo o processo formal de montagem da Conferência, acompanhando as suas etapas regionais e estaduais, até a realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Isso significa que esgotou-se o papel da CNPC, na atual conjuntura?  De jeito nenhum, muito pelo contrário. A CNPC continuará a ter um papel importante e privilegiado na organização deste luta, e este papel não se confunde com o papel formal do GT a ser instituído.

Em primeiro lugar, a CNPC sempre foi o espaço de articulação da sociedade civil e dos movimentos sociais e populares, além de representantes do Poder Legislativo e do Ministério Público Federal. E, nos parece, que ela deverá continuar a cumprir este papel. Na CNPC não estão sentados o Governo Federal (Poder Executivo), nem o empresariado do setor (Poder Econômico), ambos setores presentes no futuro GT, e com os quais teremos que dialogar. E, neste caso, é muito melhor travar esse diálogo (e conseqüente negociações), buscando construir uma razoável unidade entre os setores que representam a sociedade civil organizada, para podermos obter melhores condições e maiores vitórias no âmbito das negociações que ocorrerão dentro do GT.

Isso não restringe nem coíbe a atuação individual desta ou daquela entidade. Em toda a democracia, a construção de uma determinada hegemonia, passa pela conquista de maiorias explícitas, dentro de movimentos ou de organizações sociais. Num movimento amplo como o nosso, devemos priorizar o consenso e a construção de posições políticas unitárias, o que só se consegue após muita discussão, debate e diálogo no interior da CNPC. Quanto mais unidos pudermos atuar, no âmbito do GT, melhor para a nossa luta. 

Mas, se e quando, surgirem divergências, se elas forem insanáveis e insuperáveis a partir do debate interno na CNPC, elas certamente aparecerão dentro do GT, pois esta ou aquela entidade se sentirá a vontade para lutar por suas propostas, principalmente quando se tratarem de questões políticas importantes. Essa dinâmica já acontece hoje, quando a CNPC tem se constituído na nossa principal interlocutora junto do Governo Federal, mas mesmo assim várias entidades que compõem a CNPC buscam fazer sua interlocução própria com os mesmos agentes do Governo Federal. Isso é normal e legítimo, desde que nenhuma entidade que compõe a CNPC esteja desautorizando ou deslegitimando a CNPC em seus encontros com os representantes do Governo Federal, pois isso sim seria 'dar um tiro no pé'.

Em segundo lugar, a CNPC é, e deverá continuar a ser, o fórum privilegiado de mobilização e organização dos setores populares e democráticos da sociedade civil, e de seus aliados no Poder Legislativo e no Ministério Público, a nível nacional. Isso significa dizer que, muito mais do que o poder formal do GT, serão as Comissões Estaduais, coordenadas pela CNPC, que conseguirão dar uma maior capilaridade e representatividade nas etapas regionais e estaduais da Conferência, que ora se iniciam, mobilizando através de suas entidades e representações regionais e estaduais.

Centrais, Confederações e Federações Sindicais, ong's e movimentos sociais e entidades nacionais com representações regionais, tem muito mais capacidade de mobilização do que o GT poderá ter.  Por isso, o papel da CNPC de mobilização (e, por tabela, de co-organização) da Conferência, é fundamental. O Governo Federal (Poder Executivo) certamente terá seus fóruns internos para definir sua estratégia e suas posições, e o mesmo deverá acontecer com o empresariado (o próximo Congresso da ABERT está convocado para 19 a 21 de maio). É justo que a sociedade civil organizada e os movimentos populares tenham seus fóruns próprios de construção de propostas unificadas, mas principalmente de mobilização e coordenação de suas bases de representação social.

Isso não inibe e não restringe nenhuma iniciativa isolada que qualquer entidade possa e queira organizar, como processo de mobilização e organização para a I  Conferência Nacional de Comunicação. Cada entidade tem sua dinâmica própria, que deve ser respeitada, seus fóruns próprios de discussão e deliberação, que devem ser preservados e fortalecidos. Isso não se confunde com a atuação da CNPC, como uma espécie de coordenação supra-entidades, ajudando a dar densidade, organicidade e visibilidade à nossa luta.

Lembramos que cada entidade participante da CNPC tem um perfil de organização social distinto, portanto não se trata de comparar a capacidade de mobilização ou a capilaridade desta entidade com a daquela, como se estivéssemos disputando um rali de representatividade. Não é possível comparar federações e sindicatos, partidos políticos e ong's, movimentos sociais e entidades. Todos temos a nossa importância nesta luta, e cada uma de nossas entidades joga um papel fundamental neste processo. Há lugar para todos nessa luta, e podemos somar, ao invés de nos dividir.

Outros jornalismos, outra comunicação

A sociedade atual, indiscutivelmente, está mais informada do que a de 30, 40 anos atrás. Isso se deve a um conjunto de fatores, entre os quais a proeminência das tecnologias, particularmente nos campos da comunicação e da difusão cultural. Sob a égide da digitalização, multiplicaram-se os sistemas, formatos, linguagens e meios de transmissão, distribuição, circulação, exibição e consumo de dados, sons e imagens. Da mesma forma, a oferta de conteúdos cresceu de maneira exponencial. As tecnologias digitais favorecem a convergência de redes e plataformas numa linguagem única, viabilizando a geração de produtos e serviços que abarcam as interfaces multimídias.

A cultura tecnológica consolidou-se nos marcos da globalização capitalista. As economias e os mercados interligaram-se em rede, beneficiados pelas desregulamentações e privatizações neoliberais nas décadas de 1980 e 1990. A aceleração tecnológica sem precedentes dinamizou as engrenagens tecnoprodutivas da economia capitalista, com aumento substancial da rentabilidade em escala global. No plano da comunicação, o paradigma digital favoreceu a expansão dos serviços de informação e entretenimento, atraiu players internacionais para negócios em todos os continentes, intensificou transmissões em tempo real e instituiu outras formas de expressão, conexão, sociabilidade e circularidade informativa, sobretudo através da Internet e de redes infoeletrônicas.

Os globalófilos e os neoliberais convictos ou envergonhados proclamam que a humanidade nunca teve tanta “diversidade cultural”. É uma análise parcial e mistificadora. Temos que avaliar quem controla a variedade de oferta, qual é a natureza ideológica de produtos e programações, que margens de pluralismo se observam nos materiais difundidos, quais os seus condicionantes comerciais e mercadológicos, que modalidades de consulta e participação são facultadas às audiências, entre outros quesitos.
Cultura tecnológica, diversidade e exclusão

O quadro é complexo e intrincado. De um lado, há uma profusão de conteúdos industrializados na proporção exigida por canais multimídias em crescimento contínuo. De outro, há uma perversa concentração das fontes emissoras de tais conteúdos, em sintonia com a meta de ampliar o valor mercantil e os padrões de acumulação e lucratividade dos conglomerados do setor. Se há uma concentração dessas fontes nas mãos de mega-grupos, o que é produzido obedece a uma escala de valores e de visões geralmente restrita às avaliações e conveniências das mesmas fontes controladoras. A “diversidade” apregoada pelos arautos do neoliberalismo está, quase sempre, sob forte controle das fontes de emissão, responsáveis pela mercantilização generalizada da produção simbólica.

Por outro lado, o acesso aos conteúdos é profundamente desigual. Há grave assimetria entre a expansão dos sistemas tecnológicos e a capacidade de inclusão da base da sociedade nos benefícios decorrentes. Os descompassos estendem-se à Internet. Enquanto Estados Unidos e Europa concentram 67% dos usuários, a América Latina, que reúne 8% da população mundial e contribui com 7% do PIB global, conta com pouco mais de 4% do total de internautas.

Os países mais ricos e as elites dominantes são os que verdadeiramente desfrutam dos acessos, usos e vantagens do excesso de estímulos impressos e audiovisuais. Portanto, tanto os usos das tecnologias avançadas quanto a propalada “diversidade” são estratificadas e sob controle, não são para todos. Conforme o Mapa das Desigualdades Digitais, no Brasil os 10% mais ricos usufruem até cinco vezes mais dos benefícios da rede do que os 40% mais pobres da população.  Como se deduz, o universo de usuários, por mais que se contem aos milhões, não corresponde à totalidade social, que é paradoxal, desigual e injusta. Totalidade que revela diferentes capitais educacionais, culturais e socioeconômicos. Então, as consequências negativas de uma sociedade estratificada se projetam no usufruto seletivo e privilegiado de informações, saberes e conhecimentos.

Efeitos e interferências possíveis no campo jornalístico

O cenário que procurei sintetizar acima provoca uma série de efeitos e impactos na práxis jornalística. Costumo dizer que o jornalismo envolve, ao mesmo tempo, a melhor profissão do mundo e uma das profissões mais problemáticas do mundo. Porque, se nenhuma outra profissão tem a profundidade e a variedade de contatos e trocas com a condição humana como o jornalismo, é forçoso reconhecer que a estrutura empresarial que rege o jornalismo de mercado é profundamente verticalizada e avessa a expressões autônomas e participativas por parte dos jornalistas.

Os mecanismos de controle cresceram enormemente nas empresas de mídia, gerando, como efeito colateral, uma sensível diminuição da possibilidade de interferência autoral dos jornalistas nos produtos e mensagens que elaboram. Resultam daí ambivalências e frustrações. Sem dúvida, há desvios nos processos informativos, provocados, em grande medida, pelo modelo autoritário que rege as relações internas das redações, um modelo intensamente controlador das informações e opiniões veiculadas. Mas a impaciência analítica se manifesta quando só se mede a atividade jornalística por equívocos e manipulações.

Trata-se, no caso, de achar que só existe um jornalismo, quando existem jornalismos, no plural. As experiências do jornal Brasil de Fato, dos sites Carta Maior e Correio da Cidadania e do Observatório do Direito à Comunicação têm alguma coisa a ver com o jornalismo do grupo O Estado de S. Paulo e das Organizações Globo? Evidente que não. Isso não quer dizer, obviamente, que tudo que se faz no jornalismo do grupo O Estado de São Paulo e das Organizações Globo seja ruim.

O que diferencia Carta Maior, Brasil de Fato, Correio da Cidadania e Observatório do Direito à Comunicação é que eles produzem um outro tipo de jornalismo, mais insubordinado e comprometido com a crítica ao capitalismo, ao neoliberalismo e às elites dominantes – vale dizer, ao modo de produção elitista e excludente que serve de lastro a modelos verticalizados como os da maior parte das empresas de comunicação.

Um jornalismo mais plural

Quando tomamos contato com veículos contra-hegemônicos e alternativos, verificamos múltiplos enfoques e interpretações sobre acontecimentos e questões sociais, políticas, econômicas e culturais. É um tipo de jornalismo mais plural, mais inclusivo, não-mercantilizado e permeável às causas comunitárias e populares. E, no entanto, é jornalismo. E as pessoas que fazem essas publicações são jornalistas. Quem dirige essas redações são jornalistas. Insisto que devemos adotar um raciocínio dialético em relação aos jornalistas e pensar sua práxis de uma maneira abrangente.

Os modos de atuação dos jornalistas dentro das corporações podem oscilar, seja por suas posturas, habilidades ou alinhamentos, seja pelas múltiplas experiências vividas, seja por nuanças ideológicas, programáticas e mercadológicas nas diretrizes empresariais. Não podemos esquecer que, entre os jornalistas da grande imprensa, existem aqueles que tentam explorar brechas, fissuras e fendas dentro dos próprios aparatos. Com efeito, é fundamental não reduzir o jornalismo enquanto atividade complexa e plural ao tipo de jornalismo com o qual estamos em desacordo, que é aquele jornalismo sob controle ideológico das classes dominantes, faccioso, e que neutraliza ou silencia as manifestações do contraditório.

A crítica à mídia é decisiva, imperiosa e inadiável. Impossível sermos indiferentes a distorções, mazelas e interdições por ela praticadas. Os principais órgãos de difusão dizem representar a vontade geral, quando, em verdade, espelham prioridades mercadológicas e conveniências políticas, econômicas e ideológicas dos grupos privados que os controlam. Tudo isso em detrimento do interesse coletivo, que deveria ser o ponto central a ser observado, principalmente por veículos que detêm concessões públicas de licenças de rádio e televisão.

Reivindico apenas que tenhamos um olhar abrangente e equilibrado sobre a produção jornalística como um todo. Não percamos de vista que o jornalismo, por definição, é uma atividade que, a despeito de limitações e coerções, tem a ver com a liberdade de expressão e a diversidade, estando em contato privilegiado com a condição humana, a partir de uma relação febril com a realidade social. O fascínio pelo jornalismo está, a meu ver, associado à sua relação com aspirações, vicissitudes e expectativas dos homens concretos, como também à possibilidade de traduzir em textos, sons e imagens os acontecimentos sociais, econômicos, políticos e esportivos, os conflitos humanos, as criações culturais, o entretenimento, os fatos da vida cotidiana etc.

Devemos manter o espírito crítico aceso em relação aos desvios e manipulações cometidas pelos veículos de massa, mas não podemos esquecer que existem outros jornalismos. E quando me refiro a outros jornalismos não estou me referindo apenas ao jornalismo contra-hegemônico em sentido estrito; existem vários outros jornalismos: comunitário, sindical, estudantil… Há revistas e jornais alternativos, sites, portais, rádios e TVs comunitárias, universitárias e educativas, agências de notícias independentes, ONGs, coletivos de produção independente, o jornalismo dos movimentos sociais. Há uma pluralidade que tem que ser contemplada na análise, e nós não podemos confundir os vários jornalismos diante de nós com o jornalismo problemático da grande mídia.

Tecnicismo x formação humanística

É essencial procurar interferir nos múltiplos cenários que envolvem a atividade jornalística. A começar pela formação dos novos jornalistas, tentando superar insuficiências no ensino de jornalismo. Com frequência preocupante, há uma valorização excessiva do tecnicismo em detrimento de uma formação mais humanística. Sem falar no desaparelhamento tecnológico da maioria das universidades numa era de comunicação multimídia, fenômeno que afeta, sobretudo, as universidades públicas – muitas delas não dispõem de orçamentos, equipamentos e condições de trabalho condizentes com as atuais exigências de qualificação.

É urgente modificar as legislações de comunicação no Brasil, alterando o regime de concessões de licenças de rádio e televisão. Tal providência se impõe tanto para coibir o clientelismo político e abrir oportunidades a canais comunitários e a uma comunicação pública não-governamental quanto para ampliar os mecanismos democráticos de controle social sobre as empresas concessionárias. Melhorar a qualidade de programação da televisão aberta também passa pela contenção da obsessão mercantil das emissoras. Investimentos em meios não mercantilizados podem fortalecer veículos alternativos, comunitários e populares, bem como a produção cultural independente e crítica.

Apesar dos obstáculos, há chances de evoluirmos para exercícios mais instigantes do jornalismo, aproveitando ferramentas e ecossistemas digitais e desenvolvendo formas colaborativas e descentralizadas de produção informativa e cultural, especialmente através do trabalho em rede e de ações compartilhadas. Em busca de outros jornalismos possíveis, devemos reunir projetos convergentes e mobilizar energias criativas e consciências interpeladoras para fazer reviver a inquietação diante de um mundo reificado. Pois foi esta inquietação que motivou tantos de nós, quando jovens, a escolher o jornalismo não apenas como profissão, mas também como destino histórico para nossos espíritos indomáveis.

O cochilo dos coronéis

Tudo começou em 5 de julho de 2006, com um Requerimento (REQ) dirigido ao presidente do Senado, assinado pelos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Tião Viana (PT-AC) (cf. REQ nº 782 de 2006, Diário do Senado Federal de 6/7/2006; pág. 22841). Tendo em vista o procedimento rotineiro de votação simbólica na apreciação dos Decretos Legislativos referentes a outorga e/ou renovação dos serviços de radiodifusão, os senadores solicitavam "a título de definição normativa (…) para o fim de exata instrução de matérias atinentes, a teleologia do disposto no art. 54, inciso II, letra a , da Constituição Federal, nos casos de concessões (de radiodifusão)".

O texto constitucional tem sido permissivamente interpretado como impedindo deputados e senadores apenas de serem gestores nas empresas concessionárias dos serviços de rádio e televisão, embora reze o seguinte:

Artigo 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

(…)

II – desde a posse

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoas jurídicas de direito público, ou nela exercer função remunerada.

Na justificativa ao requerimento, os senadores se apoiavam em matérias publicadas no Estado de S.Paulo (de 2/7/06) e na Folha de S.Paulo (3/7/06).

A primeira matéria tratava de representação que o Projor [veja aqui ], entidade mantenedora deste Observatório da Imprensa, ofereceu à Procuradoria Geral da República em outubro de 2005 sobre parlamentares que não só eram proprietários de emissoras de rádio e televisão, mas votavam na renovação de suas próprias concessões. A segunda relatava ato inédito da Presidência da República que solicitou ao Congresso a devolução de 225 processos de renovação de concessões de rádio e televisão, ameaçados de rejeição pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados.

A longa tramitação do requerimento

Encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o requerimento 782/06 não foi distribuído para relatoria até o final da 52ª Legislatura. De volta à CCJ na 53ª. Legislatura, ele só foi distribuído ao relator quase dezessete meses depois, em 28 de novembro de 2007.

Apesar de entregue vinte dias depois, o relatório alcançou a pauta para votação apenas na 5ª Reunião Ordinária da CCJ em 2009, iniciada no dia 1º e concluída na terça-feira, dia 7/4/09. O requerimento em questão, portanto, precisou de mais de dois anos e nove meses para ser votado na CCJ.

O relatório do senador Pedro Simon (PMDB-RS), aprovado quando a sessão da CCJ – aliás, presidida por um senador do DEM, partido que tradicionalmente abriga parlamentares concessionários de rádio e televisão – já se encontrava esvaziada, conclui que:

"a) não é lícito aos Deputados e Senadores figurarem como diretores, proprietários ou controladores de empresas que explorem serviços de radiodifusão; e

b) caso verificada essa condição, o respectivo ato de outorga ou renovação deverá ser rejeitado."

A reação dos coronéis

Quando os muitos interessados tomaram conhecimento da aprovação do relatório do senador Pedro Simon, além da perplexidade, reagiram imediatamente. Nota sob o título "A bancada da causa própria", publicada na coluna "Panorama Político", de Ilimar Franco, em O Globo de quinta-feira (9/4), descreve:

"O senador ACM Júnior (DEM-BA) deu um ataque ontem com o presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), devido à aprovação, na sua ausência, de parecer dizendo que `não é lícito´ parlamentares serem diretores ou controladores de empresas de rádio e televisão. `Como você coloca um projeto desse em votação? Você disse na reunião de líderes que não colocaria nada polêmico´, cobrou ACM Júnior. Irritado, arrematou: `Ele contraria interesses meus, do Tasso [Jereissati], do [José] Sarney, do [José] Agripino e do Wellington Salgado, que é vice-presidente dessa comissão´."

O que há de novo?

Quem acompanha a política brasileira sabe que não há nada de novo na utilização das concessões de rádio e televisão como objeto de barganha e conhece a utilização desse serviço público no interesse privado e na manutenção do status quo eleitoral. O que há de novo é a explicitação desses interesses pelo legítimo herdeiro de um dos ícones do coronelismo eletrônico brasileiro, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (ver "Desaparece um símbolo do coronelismo eletrônico" ).

O senador ACM Júnior, no entanto, citou apenas alguns dos senadores que tiveram seus interesses pessoais contrariados com a decisão da CCJ. O projeto "Donos da Mídia" informa que pelo menos 20 – ou 24,7 % – dos atuais senadores são sócios ou diretores de empresas concessionárias de rádio e televisão [ver aqui ].

Levantamento sobre os membros das Comissões Temáticas na Câmara dos Deputados (CCTCI) e no Senado Federal (CCT), realizado pelo LapCom-UnB e recentemente divulgado pelo Observatório do Direito à Comunicação (ver "Radiodifusores dominam comissões "), mostra que, na atual legislatura, pelo menos oito dos dezessete membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado controlam direta ou indiretamente emissoras de rádio ou televisão. Dos membros suplentes, pelo menos seis desfrutam a mesma condição. Vale dizer, por exemplo, que numa votação, pelo menos 47% dos votos estarão vinculados aos interesses de radiodifusores privados [ver relação nominal ].

Apenas um cochilo

O parecer aprovado na CCJ irá ainda a votação no plenário do Senado Federal. Não tem a mínima chance de ser aprovado. De qualquer maneira, o cochilo dos coronéis serviu para mostrar, uma vez mais, o absurdo da situação normativa em que vivemos: deputados e senadores, desde a Constituição de 1988, são, ao mesmo tempo, poder concedente e concessionários de um serviço público, a radiodifusão.