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Confecom: um inédito confronto na arena da comunicação

Se alguém tinha alguma dúvida de que as coisas estão realmente mudando na comunicação, a evidência definitiva poderá ser a realização em Brasília, no início de dezembro, da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), um evento nacional onde pela primeira vez governo, empresários e sociedade civil vão discutir, olho no olho, o futuro da mídia brasileira.

É uma ocasião única porque uma conjuntura muito particular colocou os três blocos numa situação em que um precisa do outro para sobreviver à crise dos modelos convencionais de comunicação num país onde a tradição é o monólogo nesta matéria.

A coincidência de um processo eleitoral, da crise de um modelo de negócios e do crescimento do caráter social da internet fez com que o Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil passassem a apostar na comunicação como a principal ferramenta para alcançar seus respectivos objetivos estratégicos.

Cada um dos três protagonistas tem seus próprios objetivos: o governo quer romper o cerco imposto pelos interesses corporativos privados na área da informação, enquanto as indústrias da comunicação buscam condições mais favoráveis para absorver as mudanças impostas pela era digital. Já as organizações sem fins lucrativos e não estatais querem ampliar o espaço público na produção e disseminação de informações.

Os objetivos são tão amplos e diversificados que dificilmente a CONFECOM poderá ser avaliada pelos seus resultados concretos. É utópico pensar que burocratas estatais, executivos privados e ativistas sociais consigam resolver suas divergências nos três dias de conferência, cujo público é estimado em aproximadamente 300 pessoas.

Mas a inédita decisão de sentar-se à uma mesma mesa já dá esperanças de que os protagonistas tenham entendido que o histórico monólogo na abordagem da questão comunicacional no país precisa ser substituído por um diálogo, por mais frágil que seja. Se este estado de espírito for alcançado ele será muito mais importante do que os comunicados finais, geralmente inócuos e suficientemente vagos para acomodar posições diametralmente opostas.

A posição do governo está facilitada pelos dilemas dos principais grupos privados na área de comunicação no país. Os grandes conglomerados da imprensa estão debilitados pelas incertezas em torno do futuro do seu negócio e pela pressão das operadoras de telefonia móvel, interessadas em entrar para valer na área de produção de conteúdos audiovisuais.

As empresas apostam tudo na manutenção do laissez faire total na área de comunicação, denunciado tanto supostas — como reais — intenções estatizantes do governo ao mesmo tempo em que vêem com desconfiança o renovado ativismo de organizações sociais, cujo poder de fogo foi ampliado pela internet.

O setor não governamental e não lucrativo é o maior interessado na CONFECOM porque é a sua estréia como protagonista de peso no debate das políticas de comunicação no país. Por menores que sejam os resultados do evento, ainda assim as organizações sociais têm grandes chances de cantar vitória porque elas finalmente terão sido reconhecidas como ator político relevante na arena informativa.

As estratégias setoriais ainda estão sendo elaboradas, mas boa parte delas ainda passa ao largo da grande questão: como o cidadão da rua poderá ser ouvido. Eventos desta natureza normalmente acabam sendo monopolizados pelos líderes e articuladores, enquanto o cidadão comum fica relegado à posição de espectador passivo.

O argumento é que a sociedade civil é essencialmente desorganizada, mas agora o quadro mudou. A internet oferece a possibilidade de as pessoas comuns falarem um pouco mais alto e grosso, usando os weblogs, comunidades, correio eletrônico, Twitter etc etc para expressar suas opiniões. Comparado ao total de população, os incluídos digitalmente ainda são uma minoria, mas comparado ao índice de 1999, houve um vertiginoso aumento no número de atores digitais.

Só que eles não usam o jargão dos políticos e lideranças. A voz da rua e dos blogueiros, por exemplo, é bem menos sofisticada. Ela assusta e, muitas vezes, se expressa através de demandas que nem sempre podem ser chamadas de politicamente corretas.

Mas se a cidadania é considerada uma parte obrigatória no funcionamento de uma comunicação livre, então ela terá que ser aceita em seu estado bruto. Caberá aos demais protagonistas entender e contextualizar a participação social como ela é, e não como gostariam que fosse. 

Carlos Castilho é Professor de Jornalismo Online no curso de Mídia Eletrônica, Faculdades ASSESC (Florianópolis), autor do capítulo Webjornalismo no livro No Próximo Bloco – Editora PUC-Rio -2005, cursando pós graduação em Mídia e Conhecimento no EGC/UFSC. 
-Reside em Florianópolis (SC) e-mail ccastilho@gmail.com.

Existe jornalismo independente?

A Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) promove na quarta-feira (27), um seminário sobre "Jornalismo Independente" no contexto do debate em torno da liberdade de imprensa, do direito à informação e da democracia no Brasil. A velha questão está mais atual do que nunca: a Lei de Imprensa do período autoritário foi revogada, estamos em ano pré-eleitoral e a mídia tradicional passa por profundas transformações provocadas pela revolução digital. O tema merece, portanto, reflexão renovada. Esboçamos algumas linhas mestras para ela, nos limites deste pequeno artigo.

Primeiro, para que a reflexão não caia no idealismo abstrato recorrente, é necessário registrar que o jornalismo é uma atividade exercida por profissionais, em empresas de mídia, sejam elas de jornalismo impresso – jornais ou revistas – ou de jornalismo eletrônico – o serviço público de rádio e televisão – podendo estas pertencer aos sistemas privado, público ou estatal (não vamos discutir aqui o "jornalismo" das assessorias de imprensa e nem o jornalismo da internet). Outro ponto de partida é que, na expressão "jornalismo independente", o adjetivo "independente" significa "livre de qualquer sujeição, autônomo".

Considerando que existe entre nós uma hegemonia histórica do sistema privado de mídia, tanto impresso como eletrônico, poderíamos, então, formular a seguinte questão: o jornalismo praticado nas empresas privadas brasileiras de mídia é independente, autônomo? A pergunta remete imediatamente a outra: independente, autônomo, em relação a que, ou, mais precisamente, a qual poder?

O Estado como ameaça única

Talvez por um vício de origem do embate sobre a liberdade de impressão – que não é idêntica à liberdade individual de expressão e nem à liberdade de imprensa – ainda nos tempos do absolutismo político e religioso europeu, geralmente se equaciona independência e autonomia do jornalismo em relação ao poder do Estado.

No caso brasileiro, é verdade que o nosso jornalismo, desde os poucos anos em que existiu durante o Brasil Colônia, ao longo do Império e desde a proclamação da República, sempre manteve uma relação de interdependência com o Estado. Esta interdependência se materializa através de subsídios, empréstimos bancários e financiamentos oficiais; de isenções fiscais, publicidade legal obrigatória ou publicidade oficial e, mais recentemente, até mesmo pela compra volumosa – e sem licitação – de material didático.

Por óbvio, essa interdependência histórica, muitas vezes fez com o jornalismo se submetesse aos interesses do Estado, sobretudo nas relações da mídia regional e local com os governos estaduais e municipais.

Por outro lado, é verdade também que, em diferentes momentos, floresceu um jornalismo de combate ao Estado autoritário e defesa das liberdades democráticas como, por exemplo, aquele da chamada "imprensa alternativa" dos anos 1970 e 80; ou da campanha pelas "Diretas Já" em 1984-85 ou da campanha pelo impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.

Outras poderes

Mas constituiria o Estado, de fato, a única ameaça à independência e autonomia do jornalismo? No debate público que a mídia propõe de questões como liberdade de imprensa ou qualquer forma de regulação do setor de comunicações, afirma-se que sim. O Estado é sempre identificado como único poder que ameaça – por sua própria natureza – as liberdades individuais e, por extensão, a liberdade do exercício do jornalismo.

No mundo contemporâneo, todavia, há fartas evidências de que as ameaças à independência e autonomia do jornalismo podem vir tanto do Estado como do poder econômico, como dos próprios conglomerados empresariais dos quais alguns grupos de mídia fazem parte. Essas ameaças podem vir, inclusive, da autocensura praticada pelos próprios jornalistas profissionais que internalizam regras empresariais de atuação – não necessariamente escritas – formuladas no interesse dos proprietários dos grupos de mídia.

No caso brasileiro, há se acrescentar ainda a ameaça a independência e à autonomia do jornalismo que decorre da imbricação histórica existente entre as oligarquias políticas regionais e locais com as concessões de radiodifusão, agravada por dispositivos da Constituição de 1988 que fazem de alguns parlamentares, ao mesmo tempo, poder concedente e concessionários desses serviços públicos.

Subcultura e rotinas produtivas

Há ainda que se registrar que os estudos sobre linguagem, a sociologia do jornalismo e sobre a construção da notícia (newsmaking), o enquadramento (framing) e o agendamento (agenda setting), apesar de diferenças significativas, revelam que a prática do jornalismo profissional ocorre no contexto de uma subcultura própria; de rotinas produtivas que se transformam em normas; e de interferências editoriais – explícitas ou não – que tornam sem sentido qualquer pretensão à existência do mito da objetividade jornalística ou de uma prática jornalística neutra e isenta.

Como se vê, a questão do jornalismo independente é complexa e comporta um amplo leque de considerações que, embora apenas indicadas neste texto, apontam para a impossibilidade da existência de uma prática jornalística inteiramente livre de constrangimentos – vale dizer, um jornalismo que pairasse acima das disputas de poder que existem no seio da sociedade. Pode-se, no entanto, afirmar com segurança que as limitações à independência e autonomia do jornalismo não se originam apenas no Estado, mas estão presentes, inclusive, no interior dos grupos de mídia e no próprio exercício da profissão de jornalista.

Informática nas escolas: modernização com despolitização?

Não foi por acaso que, fazendo uma pesquisa na rede, ao buscar dados sobre o documento "Uma nova agenda para a educação pública", anunciado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em agosto de 2007, cheguei à matéria publicada no último sábado (16/5), na revista IstoÉ, "Computadores sob suspeita".

A reportagem denuncia que o megaprojeto "Computador na Escola" corre o risco de "travar" em função de irregularidades em licitações investigadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pela Polícia Federal (PF) na Operação Mainframe. Segundo a revista semanal, a CTIS, empresa vitoriosa na disputa para o fornecimento dos computadores, é acusada pela Polícia Federal de liderar o maior cartel de informática do país.

A Secretaria de Educação publicou em seu site uma resposta à IstoÉ (ver aqui ), em que evoca seu direito enquanto citada de se pronunciar na matéria. Afirma que o contrato é regular e legal e que…

"…a contratação do consórcio Educat, que fornecerá por aluguel computadores e softwares pelo período do contrato, não é objeto de investigação. O Tribunal de Contas do Estado analisa o referido contrato em procedimento de rotina, por força de seu valor. Além disso, é equivocado afirmar que o contrato tem valor de 1,5 bilhão de reais e apenas 400 milhões de reais serão utilizados no programa Computador na Escola. Esse último valor é o teto do contrato, válido por 48 meses, e foi amplamente divulgado na mídia quando de sua assinatura, em março último. O valor de 1,5 bilhão de reais é, portanto, mais um dos erros da reportagem".

Práticas educativas

O que menos interessa aqui é entrar em pormenores do bate-boca da secretaria com a revista. O fato é que a matéria evoca mais um dos casos de entrada das mídias – e de seus discursos, valores, relações políticas – na escola de forma oculta.

De acordo com a IstoÉ, o programa "Computador na Escola" é uma das metas mais ambiciosas do governo paulista e consiste em equipar com computadores os quase quatro mil colégios estaduais de São Paulo, que atendem cerca de cinco milhões de alunos. Isso tudo, segundo a revista, pode custar cerca de R$ 1,5 bilhão. A reportagem afirma que só os contratos para a locação de 100 mil microcomputadores têm um custo estimado em R$ 400 milhões.

As tramas da rede são – às vezes – inexplicáveis. Alguns atribuem a isso seu caráter fascinante. A gente entra, cai nos seus links e viaja por relações que não conseguiríamos fazer por conta própria. Seria o mesmo princípio da imaginação humana. Por vezes, nos deixamos passear e chegamos a caminhos que desvirtuam nosso pensamento.

Mas no caso desta minha pesquisa, fui mais pragmática em relação aos sentidos das conexões da internet. Não foi o acaso que me levou à matéria. O projeto de modernização das escolas paulistas é parte integrante de um projeto mais amplo que vem sendo construído desde 1995 pelas gestões do PSDB à frente do estado.

Basta entrar na página do governo estadual, na seção "Trabalhando por você", que traz as metas da gestão até 2010. No tema "Educação", de seis chamadas que havia no site no domingo (17/5), quatro versavam sobre propostas de modernização das escolas, do ensino e das práticas educativas. Uma delas dizia "Acessa Escola promove inclusão digital na capital". Outra, "Modernização de escolas pode motivar alunos".

E ainda: "Computador do Professor: Objetivo é ajudar classe a adquirir notebook de qualidade com preço baixo". Por fim, "Secretaria lança o Sempre. Pronto-atendimento via 0800 agilizará início de obras nas escolas". É ou não é a tecnologia a serviço da qualidade na educação? Um discurso extremamente plausível.

Bem na foto

Mas qual o preço desta modernização? O que está por trás dela? Por enquanto, a lógica do "choque de gestão" vem custando caro à rede, às escolas, aos profissionais da educação e aos alunos. O dinheiro investido nessa modernização está de fato sendo bem empregado? Ou toda essa modernização está encontrando entraves à sua implantação, porque o discurso é muito bonito mas a realidade, no chão da escola, é outra?

A modernização exige uma agilidade, uma prontidão. E o custo disso é fazer política sem fazer política. Ou seja: políticas públicas de modernização sem debate político, sem participação da comunidade escolar nas decisões, sem discussão para saber quais são as prioridades das redes. Mas é uma modernização que sai bem na foto, que dá visibilidade. E que já está legitimada no senso comum como uma "boa ação", prova de que tal ou qual governo investe de fato na educação.

Condições adequadas

É preciso desnaturalizar esse discurso. O preço dele é muito alto. Um dos preços são as irregularidades averiguadas tanto em relação aos computadores quanto em relação às assinaturas dos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo, ou à distribuição da revista Nova Escola. A pressa do mundo moderno permite que sejam atropeladas leis e procedimentos?

Aquelas metas estabelecidas em 2007 pelo governo estadual para a educação paulista são o pano de fundo de toda essa ação modernizante. Na base do discurso modernizador, está uma concepção de qualidade que, por um lado, justifica a precarização das condições de trabalho do professorado e, por outro, reforça a responsabilização dos profissionais da educação pelos problemas da educação pública. Afinal de contas, segundo este discurso, os professores estariam despreparados para lidar com o mundo das tecnologias e recursos midiáticos (ver matéria da Folha de S.Paulo "Professor sem preparo trava uso de computador em escola ").

Este mesmo discurso é o que exime a secretaria da necessidade de garantir condições adequadas para o desenvolvimento do trabalho escolar. É o que a promove enquanto grande artífice da modernização e da qualidade da educação, que acompanha os desafios do nosso tempo, enquanto o professorado precisa correr atrás e se qualificar.

Projeto oculto

É importante pontuar que a escola não deve ser antimoderna. Não defendo que o ambiente escolar se isente do mundo marcado centralmente pelas mídias e pela tecnologia. É justamente por que vivemos nesta "era digital" que faz tanto sentido o discurso da modernização.

É preciso pensar nas formas democráticas de garantir esta modernização, com a participação dos profissionais da educação no debate; com a formação destes profissionais para lidar com os novos recursos e com o uso destes recursos de acordo com os níveis e modalidades da educação em que eles podem estar presentes sem comprometer a formação presencial; com regulamentação e legislações que garantam a transparência e a idoneidade nos processos de confecção e contratação de materiais e recursos, entre uma infinidade de possibilidades.

Só não podemos naturalizar a entrada das mídias na escola como se as escolas sem mídias fossem atrasadas. As mídias e as tecnologias na sala de aula não são uma questão meramente técnica. E ainda se fossem, sabemos que as tecnologias não são neutras (e muito menos são as mídias).

A entrada das mídias e tecnologias nas escolas é uma questão política, então devemos politizá-la. Ela não está solta no vento e se localiza em um tempo histórico marcado pelas políticas e reformas neoliberais. Sem fazer esta conexão, vamos seguir permitindo que, disfarçadas de técnica no contexto da modernidade, elas cheguem e levem para as escolas – além de jogos, relações e interesses políticos – um projeto oculto de socialização.

Michelle Prazeres é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em educação (USP), integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e assessora de comunicação da ONG Ação Educativa.

Congresso da Abert: quando falam os dinossauros

Termina na quinta-feira (21), em Brasília, o 25º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, com pífia cobertura da imprensa escrita. Um dos destaques do evento é o patrocínio das empresas de rádio e televisão a uma emenda do deputado paraibano Vital do Rego Filho ao Projeto de Lei 29, propondo submeter os serviços de acesso à internet à lei de comunicação social.

Isso significa que a internet, no Brasil, teria de se submeter a regras como a que prevê um limite para o capital estrangeiro e a que estabelece controles sobre a transmissão de conteúdos.As poucas reportagens sobre o encontro foram um primor de transcrição de discursos e declarações.

Nenhuma palavra da chamada grande imprensa sobre as questões que têm realmente importância, como a democratização do acesso aos meios e a concentração da propriedade dos negócios de mídia.

Pauta urgente

Um dos pontos altos do congresso foi o discurso do ministro das Comunicações, Hélio Costa, no qual ele proferiu a seguinte pérola: "Essa juventude tem que parar de só ficar pendurada na internet. Tem que assistir mais rádio e televisão". O ministro das Comunicações parece ignorar que, neste momento, muitas pessoas estão ouvindo rádio e assistindo televisão… pela internet.

Faltou acrescentar que todos deveriam evitar os aviões e metrôs e voltar ao tempo dos tílburis e das carruagens. Outra declaração "bombástica" registrada pela imprensa foi produzida pelo presidente da Abert, Associação Brasileiras das Emissoras de Rádio e Televisão, Daniel Slaviero: "A internet é aberta mas não desvinculada do mercado", afirmou, segundo o registro dos jornais.

E se a internet é vinculada ao mercado, no raciocínio do dirigente, tem que se submeter às regras que mantém sob controle restrito as concessões de rádio e televisão. Os milhões de jovens que trocaram a atitude passiva diante da televisão pelo protagonismo na rede mundial de computadores devem estar assombrados. É como se tivessem entrado virtualmente no parque dos dinossauros.

Enquanto isso, a imprensa segue ignorando os temas que deveriam estar em pauta sobre comunicação no Brasil: a concentração do setor, a propriedade cruzada de meios de comunicação e o controle das concessões em vastas regiões do País por parlamentares, que se se eternizam no Congresso por conta da manipulação de emissoras de rádio e televisão.

Comentário para o programa radiofônico do OI do dia 21 de maio.

O crítico é o Grilo Falante da cidadania

Há poucos dias, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Franklin Martins, disse em palestra no Rio de Janeiro que a crítica da mídia se espalha na sociedade: é o Grilo Falante da mídia brasileira. Ele fazia referência a uma personagem dos desenhos de Walt Disney, que age como conselheiro crítico de outras personagens. O Grilo Falante desempenha o papel de consciência oculta. O nome provém do eufemismo Jiminy Cricket, derivado de Jesus Christ, em inglês.

A metáfora é sugestiva. Proponho que os observatórios de mídia adotem esta personagem como figura-símbolo. Ela se ajusta bem aos observatórios de imprensa. Os observatórios não pretendem ser anjos da guarda da sociedade. Mas desempenham um inevitável papel na proteção dos cidadãos diante dos abusos dos meios de comunicação. Especialmente a partir de agora, depois que caiu a Lei de Imprensa. O Grilo Falante é um bichinho simpático, grita sempre quando seu protegido está à beira de cair em armadilhas. É um observador precavido, atua para evitar o pior.

O jornalismo é um serviço público, mas em nossa sociedade se organizou como atividade exclusivamente comercial. Em sua lógica, obedece prioritariamente às demandas do mercado, não às da sociedade. Quem argumentar contra, basta recordar a feroz disputa atual por índices de audiência entre os telejornais.

Uma ponte entre obra e leitor

Há uma defasagem permanente entre o que o jornalismo reporta e o que a sociedade quer. Agenda pública e cobertura jornalística nem sempre coincidem. O jornalismo não responde necessariamente à pluralidade dos interesses e demandas sociais. Daí, a necessidade da crítica. A crítica é uma prática ética, uma atividade hermenêutica que se contrapõe à primeira interpretação dos fatos, a interpretação jornalística. Revela os mal-entendidos, amplia a compreensão, mostra a distância entre textos e contextos.

A crítica parte de juízos prévios, implica sempre uma atitude valorativa. Não há exercício crítico sem valores e não há qualquer problema com isso. As pressuposições de um indivíduo ou grupo, muito mais que preconceitos, constituem a realidade histórica do ser, como nos recorda H. Gadamer. Pressupostos são, portanto, parte constituinte da crítica.

O crítico é o Grilo Falante, o mediador entre os objetos culturais (notícias, reportagens, telenovelas etc.) e o público. Liga a obra ao universo cotidiano do leitor, ouvinte ou telespectador. Projeta-se como uma ponte entre obra e leitor, abrindo-lhe portas a processos da produção jornalística ou midiática freqüentemente desconhecidos e longínquos.

Um olhar ético e universalizante

Qualquer crítico investe na parcialidade. Como afirmam muitos autores, estando próximo da paixão, o crítico fica mais perto da universalidade. A paixão instrui as perguntas que vamos formular aos objetos culturais. A questão passa então a ser: quais valores justificam tais perguntas? A resposta não é fácil, e necessariamente remete à reflexão sobre o posicionamento histórico do crítico e do objeto cultural a ser criticado.

A partir deste raciocínio, proponho que o crítico adote valores universais, assuma a posição do outro, amplie seus horizontes para além dos pressupostos individuais. Onde encontrar valores universais? Respondo: em um universalismo ético e pluralista. Colocar-se em defesa da ética da responsabilidade social, contra as injustiças, no lugar do outro, a favor dos que não têm voz.

Concretamente, enquanto crítico da mídia, posicionar-se na defesa de um desenvolvimento social e dos direitos humanos. Não precisamos de muita sociologia. Basta rever documentos assinados pelos nossos chefes de Estado, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Metas do Milênio, ou os indicadores do IDH. Eles materializam valores universais e pluralistas e podem ser consultados a qualquer momento. A partir deles, os observatórios podem desenvolver um olhar crítico ético e universalizante. Podem desempenhar com orgulho o papel de Grilo Falante junto à cidadania.