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Comunicação pública não prejudica o bom jornalismo

Vamos a uma tentativa de respostas. A informação é notada, registrada, distribuída e compartilhada. Sendo assim, seria o produtor da matéria o dono dela? E no caso dos releases? Seriam os assessores de imprensa os donos? Afinal eles recebem a informação e divulgam para a grande imprensa. Sendo assim, nas newsletters e informações nos portais de comunicação, os webdesigners poderiam reclamar para si a propriedade pelo produto final?

De acordo com o crítico e pesquisador Lev Manovich, o remix tem extrapolado o universo musical e se estabelecido como re-utilização de materiais já existentes. No caso da informação tratada no jornalismo, não são poucos os casos em que matérias são requentadas, diluídas de um meio de comunicação e colocadas em outro. Esse processo se dá pela recriação, através de marcas do autor original e do autor do remix. "As novas mídias realmente representam a nova vanguarda e suas inovações são pelo menos tão radicais quanto as inovações formais da década de 1920". diz Manovich.

A "cultura do remix" está presente em tudo: artes plásticas, música, moda, aplicativos web, mídia colaborativa, gastronomia e até fusões entre empresas. O rádio faz muito disso recortando e repercutindo notícias dos jornais durante sua programação. E o conceito da autoria, como fica? Então, a informação pertence ao jornalista ou este estaria se apropriando dela quando quer exclusividade sobre seu conteúdo? Voltamos ao conceito de Michel Foucault ao perguntar De quem é a autoria?

Disponibilizar informações através de softwares como blogs para qualquer um acessar parece ser uma medida de transparência irrefutável. É como deixar também para o julgamento público a ordem dos acontecimentos à revelia da edição deste ou de outro veículo. Então, os mais afoitos poderão logo contestar falando que existe uma questão comercial de ordem capitalista. Que capitalismo? Capitalismo social? Neoliberal? Que os jornais precisam de dinheiro para existir e esse rendimento viria dos furos, notícias em primeira mão é algo muito óbvio. Só que a sociedade mudou.

A informação não pode ser mais tratada como mercadoria. A informação precisa ser democratizada. Não é produto de prateleira. A mídia, como negócio e serviço público, precisa ser repensada. A era dos monopólios da mediação com a sociedade acabou ou está acabando. Hoje, qualquer pessoa, além de receptor, é produtor de notícias das mais diversas formas. Atingindo um grande número de pessoas, através do twitter, ou mesmo para um número selecionado usando mensagens curtas (SMS) dos celulares. E esta novidade vem mudando as relações da sociedade com os agentes econômicos e políticos. Há mais saber em meio à sociedade e menos opinião, que, por definição, é volátil e, geralmente, movida por paixões.

Voltando ao negócio jornalístico, este é como o mitológico Janus, exibe duas faces. Uma de negócios e outra de serviço público, que não pode ser suprimida pela primeira. A notícia deve ser pensada como um valor público. Depois, com a existência das mídias sociais, o furo não pertence mais à imprensa. Ou seja, o furo passa a ser uma forma de interpretar a realidade, de ver os fatos, de encadeá-los em perspectivas amplas.

A informação é oferecida, de graça, em diversas plataformas. Twitter, Blogs, Flickr, Orkut, Podcastings, RSS, Facebook e diversos outros mash-ups e widgets. É o moderno boca-a-boca que ganhou o mundo facilitado pelas novas tecnologias. Em tempos como esse, a pergunta que os donos dos jornais devem se fazer é por que é que um leitor compraria um jornal com manchetes de notícias que já foram vistas? O que a mais é possível oferecer para estar um passo à frente da notícia quando o jornal impresso dá sinais de falência dos órgãos, o New York Times é socorrido na UTI por capital do mercado e até o mais famoso telejornal do Brasil anuncia que está reformulando sua forma e conteúdo para se aproximar mais do espectador através de linguagem clara e estruturas menos herméticas entre âncoras e links?

O espaço público voltou a existir. A informação é tudo e tudo é informação. Há espaço para tudo. A única coisa que as máquinas ainda não conseguem fazer com eficiência é definir quais são os seus conteúdos preferidos. Mas, já existe muita gente pensando nisso. Porém, existe algo que as máquinas não podem ocupar. O espaço público, que é dinâmico, deve ser ocupado por aqueles que têm o que dizer para contribuir com a sociedade.

O caso da vitória do presidente norte americano, Barack Obama, que utilizou uma plataforma similar a do Facebook, o MyBo (criado pelo mesmo jovem de 25 anos que é um dos criadores do Facebook) mostra claramente como o poder público está atento às novas realidades colaborativas. Em novembro, quando o presidente Obama estava eleito, o site contava com 2 milhões de perfis de participantes que organizaram 200 mil eventos, 400 mil blogs e somaram a quantia de arrecadação de US$ 30 milhões. No Brasil, não tem sido diferente. Governos como o do Governo do Estado da Bahia já têm seu twitter, flickr e espaço próprio no youtube.

A Secretaria da Segurança Pública, do Governo do Estado de São Paulo, tem usado cada vez mais as novas mídias. Para atender, de maneira profícua, as mais de 100 solicitações diárias da imprensa, utiliza um blog para centralizar as informações e, também para oficializá-las. Então a questão: por que uma companhia como a Petrobrás, freqüentemente sitiada pelas pressões da mídia, não pode ter um blog para se relacionar diretamente com a sociedade? Claro, que pode. É legitimo. Aliás, como muito bem enfatizou a ABI em nota oficial.

O que não pode ocorrer é a censura. A perseguição a jornalistas, o boicote à apuração de reportagens. E isso não acontece no Brasil dos dias atuais. Salvo a publicação da íntegra de perguntas e respostas antes da veiculação da matéria (o que foi resolvido com a ação de atender a critérios éticos e publicar no blog somente após a veiculação da notícia) o que o blog da Petrobrás significa é uma saudável forma de enfrentamento da realidade.

Existe no Brasil dos nossos dias uma intensa corrida para ocupação dos espaços públicos. De um lado, por aqueles que teimam em tentar travar o avanço da modernização política. De outro, pelos que ambicionam e se movimentam por essa mobilização. A imprensa é parte indissociável desse processo, mas tem se confundido ao fazer da notícia matéria prima constante para escândalos, denúncias e sensacionalismos esquecendo o debate em torno dos destinos do país, esquecendo ainda de se esforçar para responder a uma questão essencial: que país ambicionamos ser? Para onde iremos?

O blog da Petrobrás é emblemático da necessidade de uma mudança de visão do trabalho jornalístico nos tempos da comunicação em tempo real. É preciso refletir e agir tendo como ponto de partida o real. O mais será pura lamúria. A ênfase à comunicação pública não prejudica o bom jornalismo. Até porque o bom jornalismo deve ser produto da boa apuração. E se o jornalista deseja matérias exclusivas e contundentes deve buscá-las em fontes exclusivas. O trabalho da assessoria de comunicação pública é como diz o próprio nome: público.

Ricardo Lauricella, 27 anos, é estudante de pós-graduação da PUC-SP e especialista em mídias sociais.

USP: TV reproduz versões e se exime de apurar

A cobertura televisiva da mobilização na USP – em especial, do ataque da Polícia Militar a estudantes, funcionários e professores ocorrido na terça-feira (9) – é exemplo de uma prática jornalística que se resume à reprodução de "aspas", em que os jornalistas abdicam de apurar e ser testemunhas mesmo havendo estado lá.

Essa tendência não é exclusiva da mídia eletrônica. Verifica-se um fenômeno semelhante na imprensa. Porém, na televisão, em que as imagens cumprem um papel central, a ausência de apuração causa uma espécie de curto-circuito: os apresentadores e repórteres não são capazes de dar conta das cenas transmitidas em seus próprios programas. Satisfazem-se em veicular "versões" (muitas vezes de um só dos "lados"), mesmo quando essas são desmentidas pelo que se vê.

Abdicando de informar

Em depoimento ao SPTV 2ª edição (9/6), da Rede Globo (ver aqui ), o comandante da operação da PM, Cláudio Longo, afirma: "Existe uma ordem pra prender alguns lideres que estão incitando essa greve".

A frase chama a atenção por dois motivos. Por um lado, indica que a ação da PM foi premeditada. Por outro, revela que não se visava garantir o propalado direito de ir e vir ou o cumprimento de mandato de reintegração de posse, como sustentam, em uníssono, a reitora e o governador do estado. Tratou-se, sim, de repressão ao direito constitucional à greve. O repórter, contudo, não compartilha do assombro; Longo não é interpelado a respeito do que dissera e a declaração não recebe o devido destaque. Posteriormente, a Globo passa a aceitar outras versões da PM, em clara contradição com essa. Apurar para quê?

Nos programas veiculados nas diferentes emissoras da TV aberta, há confusão generalizada sobre o grau de adesão à greve, as datas em que cada categoria ou unidade aderiu à mobilização e, especialmente, em relação à pauta. A edição do Jornal Nacional de segunda-feira (15/6) se esforça por apresentar de modo "didático" as reivindicações, que, segundo o telejornal, "incluem até o fim do ensino à distância". Ora, ao que saibamos, a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) sequer começou a funcionar.

O tratamento conferido pela mídia a essa pauta específica torna evidente a abdicação do papel de informar. Os veículos afirmam, em coro, que os estudantes são contra "a criação de cursos à distância pela universidade".

Essa simplificação torna a informação incorreta. Os estudantes não são contra o ensino à distância em todas as suas manifestações, mas sim contra um projeto específico, com características específicas. O projeto que os estudantes colocam em questão, porém, foi escondido, pelas emissoras, do telespectador. O termo Univesp sequer é citado.

Tal expediente abre espaço para estigmatizar o movimento estudantil como elitista e contrário a ampliação de vagas da universidade, ao mesmo tempo em que poupa os veículos de apresentarem ao público as críticas concretas formuladas pelos estudantes ao projeto do governo do estado de São Paulo.

Ao mesmo tempo, proliferam erros pontuais: no SPTV 2ª edição, o comandante Cláudio Longo vira Cláudio Lobo; no Em cima da hora, também da Rede Globo, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas se transforma em Instituto de Filosofia e Ciências Humanas… Para evitar o enfado, nos furtamos de elencar um a um.

YouTube x televisão

Nenhum canal de televisão foi capaz de mostrar ao telespectador uma das cenas mais importantes dos acontecimentos da terça-feira (9/6): o momento exato em que teve início a repressão policial contra os estudantes. Só tiveram acesso a essas imagens aqueles que assistiram, no YouTube ou em outros espaços semelhantes na internet, aos vídeos produzidos pelos próprios estudantes.

Os cinegrafistas das emissoras de TV que estavam no local não captaram esse momento? Se esse tiver sido o caso, não era possível reproduzir as imagens independentes? Ao não fazê-lo, as emissoras deixaram de transmitir uma informação relevante a sua audiência.

As imagens mostram com clareza que o início do "confronto" foi, na verdade, uma ação unilateral da força policial. No momento em que a polícia jogou a primeira granada contra os manifestantes (como registrado aqui), não havia policiais cercados ou sob ameaça – e, muito menos, qualquer agressão dos estudantes contra eles.

Na falta de imagens, os veículos da grande imprensa abdicaram da busca pelos fatos, optando por apresentar como possíveis as diferentes versões sobre o início – ainda que algumas delas, como a apresentada por Longo, pudessem ser postas abaixo pelas imagens que a televisão deixou de exibir.

Para militantes e apoiadores do movimento grevista, a veiculação de vídeos pela internet converteu-se em valioso instrumento informativo e de disputa da opinião. Celulares, câmeras fotográficas e de vídeo foram amplamente utilizados. As imagens, que se proliferaram rapidamente, constituem um registro muito mais abrangente e diversificado que o veiculado pela televisão comercial (a não ser, é claro, pelas imagens aéreas, uma exclusividade da grande mídia).

A televisão parece perder o bonde em meio a tal efervescência. Crescem os acessos aos vídeos de imagens por vezes desfocadas, trêmulas, reveladoras. Que formalmente trazem as marcas de sua fatura: imagens feitas entre golpes. Quando a câmera repentinamente aponta para o chão é o cinegrafista-estudante a apanhar da polícia. "Ô, louco, pra que isso irmão?! Cobertura [jonalística]!"

"A verdade é que, ao que parece…, né?"

Cabe especial atenção à cobertura dada aos acontecimentos pelo programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, conduzido por José Luiz Datena (disponível no site da Bandeirantes).

O apresentador reservou mais de 20 minutos de seu programa (9/6) para cobrir, ao vivo, a ação policial na USP, e contou para tanto com um helicóptero, que sobrevoava o campus Butantã, e uma equipe de reportagem no solo. O aparato permitia uma visão privilegiada da movimentação no campus, possibilitando um acompanhamento dinâmico e detalhado da situação. Ainda assim, Datena foi incapaz de transmitir aos espectadores as informações básicas sobre o ocorrido.

O que se revela é a completa dissociação entre a rua e o estúdio; o comentário do apresentador e as imagens colhidas ao vivo não se concatenam. Enquanto as imagens aéreas mostram as fileiras da Força Tática posicionadas na Cidade Universitária, em um longo e repetitivo monólogo Datena vaza suas opiniões pessoais, alternando momentos exaltados ("o pau vai comer", "vai ter porrada" etc.), com aconselhamentos conciliatórios, em tom paternalista, aos estudantes.

Ao lembrar a ocupação da reitoria da USP ocorrida em 2007, Datena comenta: "Da outra vez até que o governador Serra demorou demais pra intervir". Para ele, Serra "teve até paciência extrema", foi "condescendente demais". Com a linguagem que lhe é peculiar, Datena afirma que, violado o direito de ir e vir, os "princípios democráticos são arranhados" e "o couro come".

A falação é interrompida apenas quando novas imagens surgem na tela, captadas pela equipe no solo. Um homem caído. Por quê? Datena especula: teria ele desmaiado, nervoso com o clima de tensão? Em uma passagem símbolo da extrema dissociação entre os fatos e o comentário, vemos uma mulher que, ao lado do homem caído, gesticula e grita diante da câmera. Uma imagem muda. Em lugar de suas palavras, que poderiam trazer elementos sobre as circunstâncias nas quais o homem passou mal, ouvimos o falar de Datena, que segue aventando hipóteses.

Ora, o homem era uma vítima visível de spray de pimenta. Contudo, até esse momento, Datena não se dera conta de que a ação da polícia já acontecera. A cobertura tivera início quanto o "confronto" já estava em sua fase final, isso é, quando estudantes e funcionários estavam refugiados no prédio da História e Geografia, depois de terem sido perseguidos pela polícia por mais de 1 quilômetro.

"Parece que a PM até agora não agiu", diz Datena. Ele fala em "desobstruir ruas", quando o que se vê é um grande vazio. Por mais surreal que possa parecer, Datena – apresentador de um telejornal, ou seja, aquele na posição de informar – simplesmente desconhece o que acabara de ocorrer.

Quando, em seguida, surge a imagem de um estudante com a perna ferida por uma bala de borracha, Datena se dá conta, no ar, de que a polícia já agira. Aos 8 minutos de reportagem, conclui: "A verdade é que, ao que parece, o local já foi desobstruído, né?". A altura da coluna de fumaça focalizada na sequência apenas reafirma o atraso da cobertura.

Uma vez constatado que a operação já ocorrera, vão ao ar imagens frias, de horas antes, que Datena identifica como "o momento em que o pau quebrou". As imagens, contudo, se referem ao início do ato pacífico diante do portão da USP, que ocorrera mais de uma hora antes do "confronto". Em meio a esses tropeços, amplo espaço para a versão da PM, uma ode ao "Estado de direito" e o encampar irrestrito da tese de que a polícia só agiu porque foi provocada com pedras.

Bruno Mandelli e Daniela Alarcon são jornalistas formados pela ECA-USP.

Petrobras democratiza a comunicação

Depois de décadas sofrendo ataques violentos vindo de grupos que nunca engoliram a sua existência, a Petrobras resolveu tomar uma atitude preventiva, de defesa. Daí a surpresa e a grandiosidade do ato de criação do blog Fatos e Dados, um marco na história da comunicação social. O blog Fatos e Dados colocado no ar pela Petrobras é um marco na história da comunicação social. A partir de agora a relação entre as fontes e os veículos de informação muda de patamar, tornando-se mais equilibrada.

Até então a fonte, detentora da titularidade da informação, abria mão desse poder transferindo-o de forma integral para a mídia. E esta fazia do conteúdo informativo o que bem entendia. Daqui para frente isso não irá mais acontecer. Precavida, a fonte se antecipa ao veículo tornando públicas as informações prestadas. Estreita-se dessa forma a margem de manipulação. E quem ganha é o público, na medida em que as informações tornam-se mais confiáveis. Ou pelos menos "checáveis".

Nesse sentido a ação comunicativa da Petrobras vai muito além dos seus resultados imediatos. Ela se insere no processo de construção de uma ordem informativa mais democrática e equilibrada que teve um dos seus pontos altos ao final dos anos 1970 quando a UNESCO deu por concluída a tarefa de propor a criação de uma nova ordem mundial da informação e da comunicação. O resultado desse trabalho, realizado por uma comissão presidida pelo irlandês Sean Mac Bride e que contou com a participação, entre outros, do colombiano Gabriel Garcia Marquez, está no livro "Um mundo e muitas vozes", publicado pela Fundação Getúlio Vargas.

Propunha-se, naquele momento, a busca do equilíbrio dos fluxos informativos entre os hemisférios Norte e Sul e apontava-se para a necessidade de estimular a circulação de informações entre os países do sul. Era uma resposta às políticas impostas ao mundo pelas potências hegemônicas, segundo as quais deveria prevalecer o "livre fluxo das informações", ou seja regulado apenas pelo mercado.

O debate entre as duas posições entrou pelos anos 1980 e chocou-se com a ascensão do neoliberalismo nos Estados Unidos de Ronald Reagan e no Reino Unido de Margareth Tatcher. O resultado é conhecido. Os dois países, retiraram-se da UNESCO, seguidos logo depois pelo Japão, esvaziando a organização e sepultando a generosa idéia de uma nova ordem informativa global.

No Brasil, o primeiro movimento mais articulado visando a democratização da comunicação ocorreu 1983, numa iniciativa de um grupo de professores do curso de comunicação social da Universidade Federal de Santa Catarina. Eles lançaram a Frente Nacional de Lutas por Políticas Democráticas de Comunicação, incorporada posteriormente pela Abepec (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação) e pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).

De prático esses movimentos pouco conquistaram. A lógica do capital, concentrando cada vez mais o mercado produtor e distribuidor de informações, combinada com a política de enfraquecimento dos estados nacionais, sepultou as esperanças de uma circulação de informações mais equilibrada pelo mundo. No Brasil houve um avanço com a Carta de 1988, especialmente no que se refere ao capítulo da Comunicação Social. Mas da Lei à prática a distância ainda é grande.

Assim ficamos, durante muito tempo, restritos a declarações e manifestos. Por isso, a ação concreta da Petrobras ganha dimensão histórica. Materializa objetivos perseguidos numa luta de décadas e aponta caminhos novos na relação entre mídia e sociedade. Com certeza o exemplo será seguido por outras pessoas físicas e jurídicas. E, aos poucos, a prática jornalística irá incorporando esse dado novo, estabelecido pela possibilidade de confrontação entre o que é dito e o que é publicado.

Deve-se ressaltar o papel fundamental da internet nesse processo, sem a qual nada disso seria possível. Mas é preciso não esquecer também a coragem política da empresa, sabedora sem dúvida, de que iria bater de frente com o mais poderoso setor empresarial do pais. E o curioso é que não se tratou de ato ofensivo. Depois de décadas sofrendo ataques violentos de grupos que nunca engoliram a sua existência, a Petrobras resolveu tomar uma atitude preventiva, de defesa. Daí a surpresa e a grandiosidade do seu ato.

O blog da Petrobras se soma, no cenário latinoamericano, ao jornal Cambio da Bolívia, às rádios e televisões públicas da Venezuela e às propostas de alteração nas leis de radiodifusão da Argentina e do Equador. São diferentes instrumentos encontrados pelos governos populares da região para romper o cerco que lhes foi imposto pelas grandes corporações da mídia e para tornar um pouco menos desequilibrada a circulação da informação em seus respectivos países.

Mais de um quarto de século depois da declaração da UNESCO propondo uma nova ordem informativa mundial, eis que na América Latina são
dados os primeiros passos concretos nesse sentido. E o blog Fatos e Dados é uma grande contribuição brasileira. Que venham outras.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Direitos humanos: a pauta sempre neglicenciada

No último fim de semana passado estive em Vitória (ES) participando do II Seminário de Educação em Direitos Humanos promovido pela Prefeitura de Vitória. Evento bem organizado, participantes motivados. Coube-me o tema "Mídia e Direitos Humanos", que foi apresentado na abertura do seminário – primeiro dia, primeiro tema, primeira apresentação, primeiro debate. E também primeira preocupação: não participaram profissionais do ramo como jornalistas, radialistas e gente ligada à televisão. Daí já comecei a pensar como o tema direitos humanos é relegado ao ostracismo quando da feitura das pautas.

Evento dessa amplitude em um mundo turvado por violações dos direitos humanos a torto e a direito, à esquerda e à direita, um mundo que conviveu com os campos de extermínio em Auschwitz, Treblinka e Sobibor, sob o império dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, e também mais recentemente com os horrores da prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, não poderia passar batido ao menos na mídia local. Mas passou. E continuará passando. É como se existisse um pacto solene dos meios de comunicação para ignorar a temática enfeixada sob o título direitos humanos.

Espaço precário

Algumas ideias preconcebidas (poderíamos chamar preconceitos) tomaram consistência ao longo dos anos e continuam vigindo nos anos recentes em que o Brasil reconquistou o estado de Direito e a democracia. Uma dessas é especialmente perniciosa: direitos humanos é o mesmo que "direitos dos bandidos". Ora, essa leitura torcida da realidade somente se explica pelos vinte anos em que o Brasil mergulhou nas trevas do arbítrio, na ditadura militar iniciada com o golpe de 1964.

Naqueles anos, quem ousasse clamar por liberdade, justiça e seus derivativos reunia os predicados para engrossar a população carcerária. Os cidadãos e cidadãs presos eram sumariamente rotulados como bandidos. E não importava se o preso era o professor de filosofia da USP ou da Unicamp, bandido era. Milhares de universitários tinha o relógio de suas vidas parado. Parte ingressava nos presídios, boa parte passava para a clandestinidade. Mundos paralelos existem quando países são (des)governados por ditadores.

Vasta documentação iniciando com o projeto "Brasil – Tortura Nunca Mais" dão conta desse período, época em que para os governantes de plantão falar em direitos humanos era apenas falar em direitos dos bandidos. Alguns filmes retratram à perfeição os anos 1964-1984: O que é isso, companheiro?, Pra frente Brasil, Lamarca, Angel, Batismo de Sangue. Advogados talentosos sobressaíram: Heleno Fragoso, Raymundo Faoro, Evaristo de Morais Filho, Helio Bicudo, Gilson Nogueira, Marcio Thomaz Bastos, Herilda Balduíno representaram dezenas de presos políticos, os bandidos daqueles anos de chumbo.

O fato é que a pecha ficou. E continua em nossos dias. Direitos humanos, direitos dos bandidos. Mantendo a tradição de lutar pela liberdade de opinião quando os principais luminares do pensamento dito de esquerda se encontravam encarcerados, é fato que ainda hoje muitos defensores dos direitos humanos fazem a ronda regular nos presídios para denunciar a prática da tortura contra aqueles sob a proteção do Estado. E assim, uma vez mais, a sociedade deixou de distinguir o trabalho em favor da promoção dos direitos humanos como sendo o trabalho em favor dos criminosos que superlotam nossas penitenciárias.

Fazer tal confusão não é uma raridade, se até bem há pouco acompanhávamos neste Observatório da Imprensa a discussão jurídica – e não apenas de semântica – suscitada pela Folha de S.Paulo quando aludiu à ditadura brasileira como sendo uma "ditabranda", se comparada com a ferocidade de outras ditaduras ao largo e ao longo da América do Sul. Um dos muitos crimes gerados pelo estado de exceção foi o de confinar a visão dos direitos humanos ao pequenino espaço em que estão as pessoas apenadas resultante dos processos legais contra estas instaurados.

Minuto a minuto

A mídia também ignora os direitos humanos em outras instâncias. Quando, por exemplo, organizações da sociedade civil promovem discussão sobre políticas públicas para elevar a dignidade humana, contra o trabalho infantil, contra o trabalho escravo, contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, contra a violência doméstica, contra a violência policial e em especial se as vítimas são moradores de rua ou meninas e meninos de rua.

Chama a atenção observar o enfoque dado por parte da mídia nacional em seu esforço para criminalizar movimentos sociais com o dos trabalhadores rurais sem terra. A mídia mostra todo o seu corporativismo ao ser seletiva na expressão de indignação contra a violação dos direitos humanos de celebridades como a atriz Daniela Perez (dezembro/1992), o jornalista Tim Lopes (junho/2002), o apresentador de televisão Luciano Huck (outubro/2007), a atriz Suzana Vieira (dezembro/2008), apenas para mencionar alguns.

Esta seletividade obedece a critérios como raridade, ineditismo e infelizmente na maioria dos exemplos mencionados as pessoas tiveram o relógio de sua vida parado com requintes de crueldade. A honrosa exceção está para Luciano Huck, que foi capa da revista Época e ocupou espaço privilegiado na Folha de S.Paulo para desaguar seu desabafo com o roubo de seu relógio Rolex.

Não precisaríamos pesquisar muito para ver que nas datas citadas ocorreram lamentavelmente inúmeras tragédias, chacinas com grande número de vítimas e, também infelizmente, com "a marca da maldade". Agora mesmo estou empenhado em um projeto que visa analisar o espaço que a mídia brasileira concede ao tema direitos humanos e, pelo que já vi, trata-se de espaço diminuto se comparado com as pautas sobre estilo de vida, show-business, novas tecnologias e… futilidades.

A alternativa a este cardápio vem a ser a cobertura minuto a minuto das grandes tragédias humanas: tsunamis, terremotos, quedas de avião. Nesses casos, o vilão é invariavelmente alguma força da natureza. Quando o vilão é o próprio homem, o tema passa batido nas redações.

Washington Araújo é mestre em comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo.

Jornalismo de insinuação: “quem você pensa que está enganando?”

Os últimos dados sobre a circulação média de jornais divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) para o mês de abril, e o tipo de jornalismo que continua sendo praticado pelos principais jornalões brasileiros, trouxeram à memória uma música de Paul Simon, muito popular nos anos 1970. Lançada em 1973, mesmo ano das audiências do caso Watergate no Congresso dos EUA, o refrão de Loves me like a rock ("gosta de mim tanto quanto um rock") repetia: "who do you think you´re fooling?" (quem você pensa que está enganando?)

A circulação dos jornalões

Dados do IVC revelam que a Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. Nenhum deles atinge a circulação de 300 mil exemplares diários. Os números arredondados são, respectivamente, 289 mil, 259 mil e 214 mil exemplares [veja aqui matéria "Circulação de jornais cai 6,7% em abril"].

Se supusermos que cada exemplar é lido, em média, por quatro (?) pessoas, o maior jornalão brasileiro teria hoje cerca de 1 milhão, 156 mil leitores/dia. Isto significa atingir potencialmente cerca de 0,604% do total estimado da população brasileira, que é de 191.231.246 habitantes (cf. IBGE , em 4/6/2009).

Considerando esses números em perspectiva histórica, verifica-se que, apesar do crescimento da população alfabetizada, há uma tendência clara de queda nos últimos anos. No ano 2000, a Folha tinha uma circulação média de 429.476 exemplares/dia, O Globo de 334.098 e O Estado de S.Paulo, 391.023. Por outro lado, a pesquisa sobre "O Futuro da Mídia", recentemente divulgada, revela que, entre nós, ler jornais (impressos ou online) é apenas a 10ª fonte de entretenimento preferida (ver "A mudança sem retorno ").

Na verdade, os dados do IVC apenas confirmam o que já se sabia: os jornalões, cada vez mais, circulam apenas entre parcela muito reduzida da elite letrada brasileira. Apesar disso, os números não parecem assustar o representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ), que considera "a situação passageira (…), reflexo da situação da economia (sic)". E, paradoxalmente, também não parecem incomodar aos próprios jornalões.

Jornalismo de insinuação (e de exclusão)

O tipo de cobertura jornalística praticado pelos jornalões aparentemente não se interessa em conquistar novos leitores. Em princípio, uma cobertura equilibrada, que represente todos os lados envolvidos nas questões, seria aquela capaz de conquistar credibilidade e atrair o maior número de leitores – vale dizer, contemplar leitores de diferentes opiniões.

Se, no entanto, a cobertura jornalística obedece sempre a um mesmo "enquadramento" para diferentes notícias – "enquadramento" perceptível até mesmo para um leitor menos atento –, o que ela faz é reforçar, diariamente, a opinião dos atuais (poucos) leitores. Ao mesmo tempo, excluem-se eventuais novos leitores que não se alinhem com o "enquadramento" da cobertura.

Outra possibilidade, creio, mais remota, seria o jornal crescer dentro do universo de leitores potenciais que também se sentiriam reforçados com o "enquadramento" já praticado.

Poucos quilômetros

Tomemos um pequeno, mas emblemático, exemplo: a cobertura oferecida pelo jornal O Globo na terça feira (2/6), sobre o comportamento comparado dos presidentes da França e do Brasil em relação aos parentes das vítimas, tão logo se soube do desaparecimento do Airbus da Air France (o tema foi tratado neste Observatório em "Air France, voo 447 – As tragédias da mídia).

A "má vontade" da cobertura política dos jornalões em relação ao presidente da República, seu partido e seus aliados, embora não consensual, é certamente conhecida e reconhecida. Não me refiro, por óbvio, à fiscalização das atividades do Executivo, nem às denúncias fundadas de corrupção, nem aos editoriais, nem à opinião de colunistas e/ou articulistas. Refiro-me tão somente à rotina diária da cobertura política.

Uma nota de capa de O Globo tinha como título "Sarkozy vai e Lula manda vice". Uma matéria interna (pág. 9) tinha como título "Sarkozy consola parentes; Lula estava longe".

Seria difícil negar que esses títulos – estatisticamente mais lidos do que o conteúdo das matérias – insinuam que o presidente brasileiro, ao contrário de seu colega francês, foi omisso e não deu a importância que deveria ao acidente, mandando o vice representá-lo e permanecendo longe dos acontecimentos.

Os leitores que se derem ao trabalho de ler, tanto a nota quanto a matéria interna, no entanto, ficarão sabendo: que o presidente do Brasil soube do desaparecimento do Airbus depois de chegar a El Salvador, que visitava, em viagem oficial, para as solenidades de posse de seu novo presidente (aliás, casado com uma brasileira); que ele cancelou sua participação no almoço comemorativo "por estar abalado com a tragédia"; e que ele pediu ao presidente em exercício para deslocar-se de Brasília ao Rio de Janeiro, para se encontrar com os familiares.

Nem a nota, nem a matéria de O Globo, todavia, informam ao leitor que o Palácio do Eliseu, onde estava o presidente da França (aliás, país de origem da Air France e membro-sede do consórcio franco-germânico-espanhol – European Aeronautic Defence and Space Company (EADS) – fabricante do Airbus A330-200), fica a poucos quilômetros do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde Sarkozy se reuniu com os familiares das vítimas.

"Who do you think you´re fooling?"

O jornalismo de insinuação, ao "dar a entender de modo sutil ou indireto" uma interpretação tendenciosa, fere o princípio básico do jornalismo que é seu compromisso com a verdade. Sua prática desrespeita o leitor e, por óbvio, é condenável em qualquer circunstância. Utilizar o jornalismo de insinuação até mesmo na cobertura de uma tragédia das proporções do acidente do voo 447 da Air France, com o objetivo de atingir politicamente um presidente da República cujos índices de aprovação, em todas as camadas sociais, estabelecem recordes históricos, não parece revelar a intenção de ampliar o número de leitores ou aumentar a circulação do jornal.

Na hipótese inversa, estaríamos supondo que os jornalões ainda acreditam que seus leitores (antigos e/ou novos) são incapazes de fazer a distinção entre a insinuação dos títulos, a omissão de informações na matéria e a verdade dos fatos.

Se for esse o caso, valeria repetir para os jornalões, o refrão da musica de Paul Simon: "Who do you think you´re fooling?". E a resposta só poderia ser uma: os jornalões estão enganando (fooling) a si mesmos. O resultado desse tipo de jornalismo, junto a outras causas, está revelado, ainda mais uma vez, nos últimos números divulgados pelo IVC.

Venício A. de Lima  é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)