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Conselho de Comunicação Social: Senado descumpre a Lei

À longa lista de ilicitudes que vem sendo reveladas pela grande mídia, cometidas no e pelo Senado Federal, deveria ser acrescentada outra que, todavia, nunca mereceu atenção proporcional à sua importância: o descumprimento do artigo 224 da Constituição de 88 e da Lei 8.389 de 30 de dezembro de 1991.

O artigo 224 reza que o Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no Capítulo V – da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social, instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social (CCS) na forma da lei. A Lei que instituiu o referido CCS foi aprovada pelo Congresso, sancionada pelo presidente da República e publicada no DOU em 31 de dezembro de 1991.

As atribuições previstas

Para reativar nossas memórias, transcrevo abaixo as atribuições previstas no artigo 2º da Lei para o CCS:

O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:

a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;

b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;

c) diversões e espetáculos públicos;

d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;

e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;

f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;

g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;

h) complementariedade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;

i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;

j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.

Nenhuma determinação cumprida

No seu artigo 8º, a Lei 8.389 estabelecia o prazo de até sessenta dias após sua publicação para a eleição dos membros do CCS e de até mais trinta dias para sua instalação. Apesar disso, o CCS só foi instalado 11 anos (!!!) depois, em 2002. Além disso, o CCS funcionou até dezembro de 2006 e de lá para cá, simplesmente foi “desativado” numa afronta indiscutível às normas legais.

Mas não é só isso.

A Lei 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (Lei do Cabo) diz em seu artigo 44 que o CCS deve ser ouvido em relação a todos os atos, regulamentos e normas necessários à sua implementação.

A Lei 11.652 de 7 de abril de 2008 (Lei da EBC) diz em seu artigo 17 que o Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública deve encaminhar ao CCS as deliberações tomadas em cada reunião.

Por óbvio, nenhuma dessas determinações pode estar sendo cumprida se o CCS está “desativado”.

“Não é novidade”

O descaso do Senado Federal para com o cumprimento da Lei é de tal forma desavergonhado que nem mesmo uma audiência pública convocada pela CCTCI da Câmara dos Deputados para discutir as razões da “desativação” do CCS, no dia 18 passado, mereceu a presença dos principais atores responsáveis pela atual situação.

Embora convidados, o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney, e o presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, senador Flexa Ribeiro, não só estiveram ausentes como sequer designaram representantes.

A deputada Luiza Erundina, autora da proposta de audiência pública, comentou que a ausência dos senadores revelava a disposição do Senado, que possui a prerrogativa de indicar os membros e instalar o CCS, em reativar o conselho: “Mais uma vez, o Senado não designou representante. Isso não é novidade. Na outra tentativa de realização da audiência isso se repetiu”.

A omissão da grande mídia

Em artigo anterior (“Por que o CCS não serã reinstalado”, edição 524 do OI), afirmei que o Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares que tem vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Na verdade, eles não querem sequer debater. Essa é a razão – de fato – pela qual o CCS não funciona.

Nesse tempo em que decisões fundamentais sobre o campo das comunicações estão sendo tomadas no Poder Judiciário, o Senado Federal se omite de suas responsabilidades e não se faz presente, nem mesmo utilizando dos instrumentos que a Constituição já coloca a seu dispor. Mais do que isso, descumpre a Constituição e a Lei. E, acima de tudo, não serve ao interesse público que é, afinal de contas, sua única razão de existir.

E por que será que a grande mídia também se omite inteiramente em relação à “desativação” do CCS?

Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

Jornalismo: a quem interessa a inutilidade do diploma?

O fim da exigência do diploma para o exercício profissional do jornalismo foi justificado pelo STF  como um ato “em defesa da liberdade de expressão”. Todavia, essa sentença atende, na verdade, aos interesses dos monopólios. Liberdade total para as empresas. Poder absoluto ao patronato.

O presidente do STF ministro Gilmar Mendes, relator da matéria, alicerçou seu voto no argumento de que a exigência de formação específica em curso deve ser dispensada para a garantia “do exercício pleno das liberdades de expressão e informação”. Já o ministro Ayres Brito baseado no lema “wojosdireitoacotckiano” de que “é proibido proibir,” proclamou: “Nesse campo, a salvaguarda das salvaguardas da sociedade é não restringir nada.

Quem quiser se profissionalizar como jornalista é livre para fazê-lo, porém esses profissionais não exaurem a atividade jornalística. Ela se disponibiliza para os vocacionados, para os que têm intimidade com a palavra”.  Que bonito!“ Todo aquele que tiver intimidade com a palavra” tem o direito de exercer o jornalismo. Veremos o que acarreta esta inspirada benevolência do ministro.

Vejamos o argumento-mor do relator. Fim do diploma com o objetivo de assegurar  “o exercício pleno das liberdades de expressão e informação”.  De fato, no Brasil, embora a Constituição assegure esse direito, a sociedade não usufrui plenamente dele. Esse direito é mitigado, é bloqueado pelo monópolio que controla a indústria da comunicação.

O jornalista não tem soberania sobre seus textos. Obviamente, as empresas selecionam meticulosoamente as pautas, os enfoques, segundo interesses políticos e econômicos que as regem e as financiam. Portanto, a liberdade de expressão e informação no país não será ampliada com o aumento indiscriminado de profissionais. Não é alargando o direito de exercício da profissão a qualquer um que tenha o dom da palavra que a sociedade terá mais e melhor informação.

Sempre foi assim, mas sobretudo na contemporaneidade: para a democracia o direito à comunicação é tão importante quanto o sufrágio universal. É um equívoco minimizar a importância desse setor em relação a outros. E, infelizmente, foi isto que fez o STF.

Basta ter “o dom da palavra” para uma pessoa exercer a advocacia? Basta ter sapiência em História para ser professor desta matéria? Não, desde há muito a sociedade inventou uma tal de escola, depois uma tal universidade, para formar e capacitar cidadãos e cidadãs neste e naqueles serviços, nestas e naquelas atividades que a sociedade precisa para existir. É fundamental exercê-las com capacitação específica e, também, com uma dimensão crítica, ética, humanística.

Circula também o juízo de que os prejudicados com o fim da obrigatoriedade serão “tão somente” as corporações sindicais e as empresas de ensino que formam jornalistas. “Corporações sindicais”, leia-se, os sindicatos que têm como filiados os profissionais que trabalham no setor. Sim, exatamente. Por isso, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ, do patronato) festejou a decisão do STF. Qualquer um pode ser jornalista.

Logo, o exercício da profissão será precarizado, os salários serão ainda mais rebaixados. Como disse Sérgio Murillo, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a categoria se torna um coletivo disforme, debilitado frente ao patronato. Quanto às deficiências dos cursos de jornalismo, não se trata de um problema exclusivo da área. A solução não é negá-los e sim a luta permanente para que tenham uma qualidade melhor.

Em suma, o fim da obrigatoriedade do diploma é um lance a mais na onipotência do monopólio midiático. Mas “ a luta continua”…

Adalberto Monteiro, jornalista e poeta, é secretário nacional de Formação e Propaganda do PCdoB e presidente do Instituto Maurício Grabois.

As linhas tortas do diploma de jornalismo

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o exercício profissional do jornalismo não é mais exclusividade dos diplomados nos cursos de Comunicação Social – Jornalismo. E agora? Agora é preciso que se coloque a decisão e seus efeitos nos seus devidos lugares.

A tese que sustenta a decisão do Supremo, de que a regulamentação da profissão de jornalista tal como estava colidia com o conceito de liberdade de expressão e com os tratados internacionais a este respeito, é lógica. Deixemos por um instante de pensar no cenário das grandes redações de poderosos grupos de mídia e visualizemos a seguinte situação: na fictícia cidade de Cacimbinhas de Cima da Serra, a associação de moradores se dá conta que a localidade não conta com nenhum veículo de comunicação que produza noticiário de acordo com as reais necessidades da população local. Assim sendo, promovem uma quermesse, reúnem o dinheiro necessário e passam a produzir um jornal, folha A4, frente e verso. Mas não há entre os associados ou em toda a cidade nenhum jornalista diplomado. A letra fria da lei que regulamentava a profissão de jornalista diria que todos os três moradores de Cacimbinhas de Cima da Serra que semanalmente escrevem para o jornal estariam exercendo ilegalmente a profissão e a associação de moradores seria multada por isso. Multa esta que, para ser paga, exigiria gastar os últimos recursos da quermesse e, assim, adeus à Folha de Cacimbinhas.

Pena é saber que não foi necessariamente esta a situação imaginada pelos ministros do STF quando proclamaram seus votos a favor da não-obrigatoriedade. A pressão dos grupos de mídia nacionais, cujo jornalismo é a grande máquina de produção da dita “opinião pública”, foi fundamental para a derrubada da regulamentação da profissão de jornalista. O velho ditado do escrever certo por linhas tortas se aplica à questão e impõe a tarefa de percorrer estas vias tortuosas se quisermos que a história que segue tenha como pauta o direito à comunicação.

Representantes da Associação Nacional de Jornais desfiaram argumentos a favor da liberdade de expressão quase nos fazendo acreditar que, agora sim, dona Maria terá sua opinião sobre as cotas nas universidades publicada na Folha de S. Paulo e seu Zé poderá se postar na portaria da Rede Globo com um cartaz “Filma eu, William Bonner” e, pronto, estará no Jornal Nacional. É preciso, portanto, que fique claro: a decisão do STF não muda a lógica com que os grandes grupos produzem seu jornalismo. Poderão, talvez, mudar algumas peças nas redações. Poderão economizar, num futuro próximo, com a contratação mais precária de funcionários, caso o sindicalismo insista na tática do avestruz-bacharel, enfiando a cabeça em uma pilha de diplomas, e não enfrente – finalmente! – o desafio de criar uma nova regulamentação profissional que proteja os trabalhadores e não a máquina da burocracia universitário-sindical.

A decisão do STF só surtirá efeitos democratizantes se for acompanhada de dois tipos de medidas. É preciso qualificar os cursos de Comunicação para que sejam capazes de dar uma perspectiva mais crítica ao exercício do jornalismo, seja pela sua produção acadêmica, seja pela formação de quadros profissionais que se imponham nas redações pela sua capacidade diferenciada. E é preciso, especialmente, medidas que imponham uma nova lógica ao sistema de comunicações e permitam às Folhas de Cacimbinhas, agora livres do impeditivo legalista do regulamento profissional, existirem de fato. A certeza arrogante de que estas medidas jamais serão tomadas é que faz com que os empresários da comunicação defendam a decisão, afinal, democratizante do STF.

Fatos que justifiquem a arrogância do empresariado não faltam. Para ficar apenas nos exemplos do Poder Judiciário, o próprio STF ainda não julgou Ação de Inconstitucionalidade contra o decreto que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital, questionado especialmente por dar – sem observar os trâmites constitucionais – mais espaço para transmissão de sinais aos atuais concessionários, diminuindo também a possibilidade da entrada de novos atores no cenário da TV brasileira. Tampouco a Justiça tem sido célere em julgar casos de violações dos direitos humanos por diferentes mídias ou aqueles que questionam diretamente a concentração da propriedade de veículos de comunicação, como o processo contra o Grupo RBS em Santa Catarina.

O trabalho dos que defendem a não-obrigatoriedade do diploma específico para o exercício profissional do jornalismo sem a hipocrisia dos empresários começa agora.

Queda do diploma: vitória da lógica e da democracia

Não é mais preciso de canudo para ser jornalista no Brasil. Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal julgou na sessão de quarta-feira (17/06) a questão da obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão de jornalista. Foram oito votos contrários e apenas um favorável à exigência. Trata-se de uma vitória do jornalismo e da democracia brasileira, reafirmando as teses da liberdade de expressão e do livre pensamento, garantidas pela Constituição Federal.

Este observador já se manifestou sobre o assunto (aqui e aqui , entre outros tantos comentários neste OI ou no blog Entrelinhas) e sempre apoiou o fim da obrigatoriedade do diploma. Antes que alguém pergunte, cabe logo o esclarecimento: jornalista desde 1995, quem assina este texto não tem o diploma específico, é formado em História pela Universidade de São Paulo e abandonou, no terceiro ano, o curso de Administração Pública na Fundação Getulio Vargas para abraçar a profissão (opção esta que acarretou algum prejuízo material, certamente).

É preciso, portanto, desde logo esclarecer que não se trata aqui de advogar em causa própria, pois ao longo desses quase 15 anos a falta de diploma jamais foi óbice para o trabalho em veículos tão diferentes quanto a Folha de S. Paulo, Correio da Cidadania, PanoramaBrasil, DCI, Valor Econômico, além, é claro, deste Observatório, desde o ano 2000.

A questão da exigência do diploma para exercício do jornalismo é na verdade até simples: a profissão de jornalista dispensa a formação universitária específica porque não existe nenhuma técnica, norma ou regra que não se possa aprender nas redações, trabalhando, ou seja, fora das salas de aula. Há diversas profissões com as mesmas características, além da de cozinheiro, citada ironicamente pelo ministro Gilmar Mendes. Publicitários, músicos, artistas, escritores são alguns assemelhados: é perfeitamente possível realizar o trabalho sem ter aprendido a teoria na escola.

Tudo que um bom jornalista precisa é de talento, curiosidade e vontade de aprender a exercer a profissão, seja na universidade ou no dia a dia de seu trabalho. E de preferência manifestar esta vontade ao longo de toda a sua vida, continuamente.

Salvo exceções, os melhores profissionais acabarão sendo os mais bem formados e para isto só há uma coisa a fazer: estudar bastante. Este observador recomendaria a um jovem que deseja ingressar na profissão que curse qualquer faculdade – pode ser Direito, Economia, Engenharia, qualquer das Ciências Humanas ou até mesmo Medicina, Química ou Matemática. Uma pós-graduação em Comunicação complementaria maravilhosamente a formação, mas isto não é uma necessidade imperiosa.

O fim da exigência do diploma acaba com uma barreira corporativista tacanha, levantada por um sindicalismo medíocre, e não significa em absoluto o fim das escolas de jornalismo. De fato, o fim da exigência não impedirá que muitos jovens continuem cursando jornalismo para ingressar na profissão. Atualmente existem excelentes faculdades de Publicidade e Marketing, embora o diploma não seja obrigatório para o exercício da profissão. Muitos profissionais que se destacam neste meio são recrutados nas universidades.

Por outro lado, gente com talento especial e até sem educação formal alguma poderá exercer o jornalismo sem os constrangimentos dos defensores de um canudo que no fundo só servia para a manutenção de seus próprios feudos no meio sindical. Ou alguém imagina, em sã consciência, um sindicato dos escritores lutando pela exigência de diploma específico para a profissão de escritor; um sindicato dos atores tentando impor a frequência em escolas de arte dramática para que seus pares subam nos palcos?

É claro que a Fenaj e as faculdades privadas (ou seriam fábricas de diplomas?) não vão dar a batalha por perdida, certamente vem aí algum projeto de lei estapafúrdio como o do Conselho Federal de Jornalismo para reinventar a obrigatoriedade do diploma. Afinal, ninguém larga a rapadura assim de graça, portanto esta briga ainda vai longe, muito longe.

Tudo somado, porém, a verdade é que o STF tomou a decisão mais acertada. Não que a questão do canudo seja central na discussão sobre mídia e imprensa no país hoje, mas o fim do diploma obrigatório foi bom para o Brasil, bom para o jornalismo, bom para os leitores. O futuro vai mostrar a correção da decisão tomada em uma fria quarta-feira de junho.

O jornalismo e a comunicação em Cuba

Dezembro de 1956. A pequena ilha de Cuba fervilhava diante da possibilidade de uma mudança radical. A ditadura de Fulgêncio Batista recrudescia, como é comum aos regimes que estão morrendo. No começo do mês, um pequeno grupo de homens iniciou uma caminhada que só teria fim com o triunfo da revolução. Apesar da chegada trágica, com o barco encalhando e muitas vidas se perdendo, 22 dos 82 que vieram do México conseguiram montar um foco guerrilheiro ao pé da Sierra Maestra. Junto com eles estava o argentino Che Guevara que, em muito pouco tempo na selva, tratou de inventar um jeito de divulgar notícias que fizessem o contraponto à mídia cortesã. Ele sabia que perdendo a guerra informativa, perdia tudo. Assim, no meio da floresta criou a primeira célula da imprensa rebelde com um velho mimeógrafo no qual imprimia manifestos e até um jornal.

Logo o argentino conheceu o sistema cubano responsável pela transmissão de informações do MR-26, movimento do qual saíra Fidel: a rádio bemba, espécie de boca-a-boca, eficiente e eficaz, que percorria toda a região rural da ilha. Então teve a idéia de criar, desde a sierra insurgente, uma rádio de verdade, a Rádio Rebelde. Era o mês de fevereiro de 1958 quando quatro combatentes, sob o comando de Che, colocaram no ar a primeira transmissão. "…Aquí, Radio Rebelde, la voz de la Sierra Maestra, transmitiendo para toda Cuba en la banda de 20 metros diariamente a las 5 de la tarde y 9 de la noche, desde nuestro campamento rebelde en las lomas de Oriente".

Com esta frase iniciava um dos mais importantes veículos de comunicação da guerrilha. Foram vinte minutos nos quais se denunciou os crimes da ditadura, se informou sobre os combates na sierra, as ações dos lutadores, e divulgou-se uma série de informações ao povo cubano sobre como agir diante da presença dos rebeldes. Começava também uma profunda relação de cumplicidade e confiança entre os "jornalistas" e a gente cubana. Não é sem razão que hoje, 51 anos depois desta histórica transmissão, a figura do jornalista cubano esteja intimamente ligada aos ideais da revolução. Quem afirma é o presidente da União de Periodistas de Cuba, Tubal Paez, que esteve em Florianópolis para a XVII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, promovida pela Associação Cultural José Martí de Santa Catarina.

Mas, se voltarmos na história, veremos que esta relação entre os jornalistas e os anseios populares não era uma novidade naqueles dias de 1958. Foi a imprensa, conforme conta o escritor Ramón Becali, que começou a difundir na Cuba colonial, lá pelos idos do setecentos, a idéia de uma pátria livre. E o maior de todos os jornalistas cubanos, José Martí, fez de sua vida e de sua obra um ato sublime de amor à liberdade cubana. Assim, um país que contou com a pena de um Martí, não poderia ter jornalistas diferentes. "Não merece escrever para os homens, aquele que não sabe amá-los", ensinava.

"Em Cuba os jornalistas são críticos, porque é nossa função ser crítico. É o que nos ensinou a revolução, é o que ensinam na escola e é o que a união dos jornalistas exige. Defendemos a revolução, mas aquilo que é mal feito, nós criticamos". É assim que o jornalista sintetiza a missão dos jornalistas na ilha revolucionária. Ele reafirma que, lá, os jornalistas foram e são protagonistas da mudança. Desde o começo das lutas de libertação houve grupos de jornalistas atuando e ajudando na transformação. "Ser protagonista do processo revolucionário é bom, mas às vezes há jornalistas que exageram na retórica ou no louvor. Até porque nós temos por princípio a idéia de informar, opinar e defender o país que está sob bloqueio há 50 anos e numa guerra em que o inimigo procura semear a desesperança. Isso, por vezes, é um problema, mas estamos sempre vigilantes".

É certo que esta imbricada relação dos jornalistas com o processo revolucionário provoca outra maneira de olhar a realidade. "Se estamos diante da construção de um hotel, por exemplo, a primeira questão que a gente se coloca é: isso vai proteger o país ou não? Em que lugar do mundo um jornalista se põe estas questões? Só em Cuba. Isso pode ser bom, mas pode ser ruim também, caso vire um vício. É por isso que no nosso código de ética a gente coloca como falta grave tanto a apologia quanto o triunfalismo. Nosso propósito deve ser a crítica. Falamos de tudo o que ruim, dos sacrifícios que a população tem de passar. Mas também falamos da resistência".

Tubal Paez conta ainda que na ilha caribenha também existem outros "jornalistas", que assim são designados pelo Departamento de Estado estadunidense, e lá estão, fazendo suas reportagens "independentes". Isso tudo é tolerado porque a população cubana tem educação suficiente para diferenciar a verdade da mentira. "Escrever para um povo alfabetizado politicamente não é coisa fácil. O povo está muito preparado para julgar tudo aquilo que o jornalista faz". Também é certo que em Cuba ainda existe gente que prefere o anexionismo, que os Estados Unidos invada a ilha e que tudo volte a ser como antes, quando a ilha era um quintal dos ricos estrangeiros. Mas são poucos.

Liberdade de expressão

Quem fala que em Cuba não há liberdade de expressão não conhece Cuba. "Se assim fosse minha mãe estaria na prisão", brinca Tubal. "Porque ela é boa na crítica ao que está mal". Na verdade, como explica o presidente da UPC, Cuba é o país onde existe o maior número de imprensa de oposição. Só para que se tenha uma idéia, existem 32 emissoras de rádio transmitindo todos os dias desde a Flórida, sempre com conteúdo especificamente contra Cuba e contra o socialismo. "O governo estadunidense liberou este ano mais de 34 milhões de dólares para estas emissoras e, deste montante, 18 milhões são para pagar jornalistas, escritores, locutores, que vendem sua mão e sua voz na intenção de gerar desesperança entre os cubanos".

Além das emissoras de rádio ainda há uma emissora de TV, cinicamente chamada de TV Martí (nome do mais importante revolucionário cubano, também jornalista) que transmite diariamente conteúdo anti-Cuba com um sinal que é gerado por aviões que sobrevoam a ilha. "São, portanto, mais de 1900 horas semanais de informação anti-governo, o que nos faz crer que não há governo no mundo que tenha tanta oposição".

Além disso, estão em Havana mais de 160 jornalistas que são correspondentes estrangeiros, podendo transmitir o que quiserem, sem qualquer censura. "Já os Estados Unidos sim não podem falar de liberdade de expressão, porque eles proíbem que um jornalista cubano esteja lá olhando e reportando. Então, quem precisa ter liberdade?" Tubal lembra que o único espaço onde os Estados Unidos permitem a presença de um jornalista cubano é nas Nações Unidas, mas ele só pode falar do que se passa ali, mais nada. "Isso é ou não censura? E quem a pratica não é o regime cubano".

A democracia

Tubal Paez comenta as investidas do presidente estadunidense Barak Obama, quando este coloca como condição na mudança de relação com Cuba a questão da democracia. E questiona a chamada "democracia" do mundo capitalista que fica inviabilizada dentro de um sistema em que há tanta desigualdade econômica. "Como pode haver democracia numa sociedade dividida entre pobres e ricos? Que democracia é esta em que só os ricos podem ter os meios de comunicação, por exemplo? O fato é que no mundo capitalista quando se fala que as coisas devem mudar em Cuba no que diz respeito à democracia, isso significa sempre um passo atrás. Já para nós, mudança significa sempre um passo adiante".

O jornalista cubano insiste que a democracia cubana é radicalmente diferente da que caracteriza o mundo liberal burguês. Lá, as pessoas não participam da vida política apenas uma vez a cada quatro anos. A participação é uma coisa entranhada no cotidiano. Tubal é parlamentar e conta que em Cuba uma pessoa que se candidata a um cargo público não faz campanha como nos países capitalistas, em que o dinheiro comanda o voto. "Em Cuba, ninguém se apresenta à comunidade dizendo o que vai fazer. Ele se apresenta dizendo o que já fez. Os candidatos visitam juntos os eleitores e são submetidos ao escrutínio dos seus atos passados. Depois, uma vez eleitos, eles precisam prestar contas anuais dos seus atos como representante. Essa é a nossa democracia que cada dia vai se aperfeiçoando. Não é perfeita, mas vamos avançando".

Ele lembra que quando Cuba tinha o multipartidarismo o que imperava era o dinheiro. Até o prédio da Câmara nacional foi construído a semelhança do Capitólio e ali, segundo Tubal, foram aprovados os piores projetos contra a soberania nacional. O povo não tinha vez. "A minha mãe, que tem 85 anos, mostra como um orgulho a sua cédula eleitoral daquele dias antes da revolução. Está branca. Ela nunca votou. Dizia que jamais se prestaria àquela farsa. Hoje não há partidos.. Quem decide é povo, diretamente na sua comunidade. Isso, para nós, é um avanço".

A comunicação é prioridade

A obsessão informativa de Che e Fidel no início da revolução segue sendo uma diretiva entre os cubanos. As rádios são veículos fundamentais e todas as cidades têm a sua. Além disso, os grupos organizados também têm as suas mídias, sempre com alcance nacional. As mulheres, os camponeses, os jovens editam suas revistas, seus programas, enfim, passam suas pautas a toda a nação. O jornalista, para exercer a profissão em Cuba, precisa ser formado em curso universitário de jornalismo, o que também não é nenhuma novidade visto que lá, a formação universitária é estimulada e garantida a todos.

"Hoje, com a explosão dos meios de comunicação estamos vivendo uma situação em que há mais postos de trabalho do que jornalistas formados, então estamos buscando gente nas áreas afins como a de Comunicação Social". Tubal Paez explica que um jovem recém formado já tem assegurado o seu posto de trabalho tão logo saia da faculdade, o que também mostra a abissal diferença entre o regime cubano e a realidade de competição capitalista.

Em todo o país o contingente de jornalistas chega a quatro mil, com mais 700 estudantes prontos a se graduar. E ainda assim faltam profissionais. A considerar a população cubana que é de 12 milhões de pessoas, dá para perceber o quanto a informação é importante. E não basta a informação somente, ela tem de ser de qualidade, daí a necessidade da formação universitária. "Em Cuba nós não trabalhamos com esse jornalismo de espetáculo, não tem essa coisa de assalto a banco, nem bandos de mafiosos".

Outra especificidade da imprensa escrita cubana é a quase inexistência da propaganda de produtos. "Nós somos muito pobres, o papel é caro. A publicidade estimula o consumismo e cria necessidades. Por isso não usamos o pouco que temos a disposição para este tipo de coisa". Em Cuba os meios de comunicação não são todos estatais. A maioria é de propriedade social, o que significa que quem controla é a comunidade. Esta também acaba sendo uma diferença tremenda na relação com o mundo capitalista. "Estes veículos acabam se sustentando com a venda de seus produtos, mas é claro que o Estado não lhes dá as costas, porque a comunicação é uma coisa estratégica em Cuba".

Já no campo da internet os cubanos ainda sofrem muita restrição. "Mas não é porque o governo não queria que o povo tenha acesso. O que acontece é que os Estados Unidos proíbem que os cabos de banda larga sejam conectados a Cuba. Nossa banda é estreita e então a prioridade acaba sendo para as instituições sociais". Para se ter uma idéia dos efeitos do bloqueio, todos os serviços oferecidos pelo Google, que hoje são utilizados automaticamente pelos internautas do mundo todo, estão fechados para Cuba. "Estas são questões que ainda estamos tratando de resolver. O bloqueio nos causa grandes problemas, mas também nos coloca desafios. E o povo cubano, nestes 50 anos de revolução tem dado respostas à altura".

E assim segue a vida na pequena e resistente ilha cubana. Enquanto o gigante império trama contra a revolução as gentes seguem ouvindo o chamado del Che insurgente, iniciado naquele distante 24 de fevereiro de 1958, com a voz do capitão Luiz Orlando Rodríguez: "…Aquí Radio Rebelde, la voz de la Sierra Maestra, transmitiendo para toda Cuba en la banda de 20 metros diariamente a las 5 de la tarde y 9 de la noche, desde nuestro campamento rebelde en las lomas de Oriente". E a mesma rádio, ali está, há 51 anos, um a mais que a revolução, informando e formando o povo cubano. Não mais no acampamento em Sierra Maestra, mas sempre rebelde, infinitamente rebelde, tal como toda a comunicação.

"A imprensa é o cão guardador da casa pátria", adverte Martí, e os jornalistas cubanos seguem à risca o conselho do grande colega