A posição do Ministério das Comunicações é clara: o melhor para o Brasil é fazer a opção por um sistema de rádio digital ainda este ano e o melhor deles é o HD Rádio, apelidado de Iboc, da empresa americana iBiqüity. Alinhadas à posição do ministro Hélio Costa estão, uma vez mais, os membros da Abert, principal associação dos radiodifusores brasileiros, que são inclusive os indicados pela iBiqüity como os autorizados a falar sobre o HD Rádio à imprensa do Brasil, conforme contato desta reportagem com a assessoria de imprensa da empresa.
Caso a adoção do Iboc seja confirmada, entretanto, cada emissora vai utilizar um espaço maior no espectro do que o utilizado hoje, como esclarece o engenheiro em telecomunicações Takashi Tome: “No FM, o IBOC dobra o espaço ocupado: passa dos atuais 200 kHz para 400 kHz. Isso significa que, ao contrário da digitalização da TV, que vai possibilitar a ocupação plena do espectro e a entrada de novas emissoras, não haverá abertura no espectro para novas rádios, mesmo após o fim da transmissão simultânea. Por isso, o impacto do IBOC é bastante severo em regiões metropolitanas, que têm o espectro congestionado”. Nos Estados Unidos a iBiquity solicitou, inclusive, a ampliação do uso de espectro de 200kHz para 250kHz para cada emissora, o que consequentemente diminui o número de canais.
“As 21 emissoras que estão testando o Iboc ainda não apresentaram relatórios finais e a Anatel não terminou os testes que está fazendo. A pressa dos radiodifusores é para manter a concentração nas mãos de poucos e tirar fora do espectro as ‘incômodas’ rádios públicas e comunitárias. A falta de participação de outros atores no processo prejudica o debate público", afirma José Carlos Torves, representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). É importante frisar que, entre as utilidades do aumento do espaço de cada canal proposto pela iBiquity está a capacidade de oferecer conteúdo pago e realizar serviços de comércio eletrônico.
Além da manutenção da ocupação do espectro inalterada, estudos preliminares da Anatel e testes realizados nos Estados Unidos apontam outro problema: a transmissão no modelo digital Iboc pode causar interferência no sinal analógico de outras emissoras. Esta degradação do sinal, de acordo com Tome, foi verificada em testes realizados pela emissora pública estadunidense PBS. Avaliação semelhante ainda não foi feita no Brasil. É certo, entretanto, que o Iboc causa interferência no sinal analógico da própria emissora, a não ser que esta diminua potência de transmissão, o que acarretaria um outro problema: a redução da cobertura da emissora, de forma similar ao que acontece ainda com telefones celulares.
Quem deve pagar o pato são as emissoras comunitárias e públicas. “No caso das rádios comunitárias, que operam com potência de até 25 watts, a situação é preocupante. Conforme dados da própria iBiquity apresentados em recente consulta pública da FCC [agência norte-americana semelhante à Anatel], esse sistema não funcionaria direito com potências muito baixas”, pontua Tome. “E não é possível aumentar a potência do digital, porque aí ele vai interferir no sinal analógico da própria emissora”, diz o engenheiro, que afirma que, quando dois canais se cruzarem, especialmente um canal de alta potência (comercial) com um canal público ou comunitário, haverá um ruído de fundo semelhante a um barulho de chuva, piorando o som FM padrão hoje.
Custos elevados
Outro ponto importante em relação ao Iboc é a questão dos custos para a transição, tanto dos equipamentos de transmissão quanto dos equipamentos de recepção. Embora o Ministério das Comunicações tenha afirmado que iBiquity abriu mão do recebimento inicial de royalties, isso não significa que não cobrará, no futuro, taxas que chegam hoje a R$ 10 mil anuais de licença de utilização. De qualquer forma, mesmo sem o pagamento de royalties, estima-se que a transição custará cerca de R$ 17 bilhões em equipamentos, sendo R$ 15 bilhões somente em receptores, num prazo de dez anos.
Apesar do alto custo dos transmissores – entre R$ 80 mil e R$ 120 mil, a depender da potência do equipamento – de acordo com a Abert cresce o número de grandes emissoras que estão adquirindo os produtos, mesmo sem a definição oficial pelo padrão. A Abert pede ainda que o governo libere os produtos das tarifas de importação, ao mesmo tempo em que o grupo Continental Eletrônica do Brasil vende equipamentos Iboc no país, com anúncios no Google e presença em eventos do setor. Investimento precipitado? Não é o que parece, dada a confiança que os radiodifusores têm no aliado que ocupa o Ministério das Comunicações.
Assim como na transmissão, os custos dos receptores também serão elevados. De acordo com levantamento do jornalista Ethevaldo Siqueira (disponível clicando aqui), os aparelhos de rádio vendidos nos Estados Unidos não saem por menos de R$ 200, e mesmo assim são criticados por setores da mídia local pela baixa qualidade de som, como afirma o site Wired (http://blog.wired.com/gadgets/2007/08/review-radi-oso.html). O preço no Brasil deve ser ainda maior, já que os EUA estão com os receptores no mercado há alguns anos. Siqueira é ainda mais negativo: afirma que, somados todos os custos de produção, o preço final do receptor poderá superar os R$ 450.
Não menos importante é o fato de que, com a digitalização do rádio, não haverá, ao menos por enquanto, modelos portáteis de aparelhos, pois a bateria é consumida em cerca de quatro horas, de forma semelhante a diversos modelos de celulares quando em pleno funcionamento (com chamadas em andamento).
Vale lembrar que o padrão HD Radio foi adotado, até o momento, somente pelos Estados Unidos e pelo México. Há emissoras que testam o sistema em outros países, mas ainda não há novas adesões. Outros quatro padrões estão em aplicação em outros locais: o sistema Eureka é aplicado parcialmente na Inglaterra; no Japão existe uma variação do sistema ISDB de TV Digital (e que, curiosamente, os radiodifusores não querem nem conhecer); o sistema DRM (Digital Radio Mondiale) começa a ser aplicado em emissoras na Europa e no Japão, especialmente em ondas curtas; e o sistema FM Extra tem sido adotado por emissoras nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Se outros padrões serão testados no Brasil ou se o país vai desenvolver tecnologia própria, como fez no caso da TV digital, ainda é uma questão em aberto. Se depender do ministro Hélio Costa, entretanto, o destino do rádio no Brasil, já está selado. Com isso, uma vez mais, ganham os grandes radiodifusores e perdem as emissoras públicas e comunitárias.