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Exemplos latino-americanos

Uma equipe de reportagem do Canal 5 de Tegucigalpa foi expulsa do local onde cerca de três mil profissionais do ensino secundário de Honduras realizavam uma assembléia em defesa da ordem democrática. A emissora apóia o governo de fato incondicionalmente, fazendo parte da estrutura midiática de sustentação interna aos golpistas. Assim como os dois principais jornais do pais “El Heraldo” e “La Tribuna”.

Isso não é novidade na América Latina. Foi assim em todos os golpes de meados do século passado. No entanto, quando alguns supunham que esses tempos haviam passado, eis que acontece em pleno século 21, um golpe típico da região, com todos os ingredientes dos anteriores. Inclusive com apoio aberto e descarado da mídia.

Há evidências de que alguns governos do continente estão tomando medidas preventivas para que fatos como esse não se repitam em seus respectivos países. As ações têm se concentrado em duas frentes: o estabelecimento de marcos regulatórios capazes de impedir a concentração dos meios de comunicação e o estímulo ao surgimento e fortalecimento de veículos contra-hegemônicos, capazes de oferecer alternativas informativas e culturais às populações da região.

Sobre esse processo vale a pena ler o recém lançado livro "A Batalha da Mídia" (Pão e Rosas, Rio de Janeiro, 2009), do professor Dênis de Moraes. Ele traça um panorama atualizado dessa nova realidade latino-americana. Mostra, por exemplo, os esforços dos governos da Argentina e do Equador em atuar nas duas frentes acima citadas. Os argentinos ampliando os recursos para a radiodifusão estatal e colocando em debate uma nova legislação para o setor. Os equatorianos avançando mais rapidamente nesse último ponto, garantindo na Constituição, aprovada no ano passado, o direito de todos os cidadãos à “comunicação livre, equitativa, diversificada e includente (…) além do acesso universal às novas tecnologias de comunicação”.

Mais contundentes, no entanto, que o texto constitucional são as palavras do presidente Rafael Correa ao justificar as mudanças legais: “Há meios que supostamente cumprem a função de informar, mas quando dependem de grupos econômicos poderosos, o que fazem é dirigir a cidadania em função dos seus interesses. No Equador, das sete emissoras de televisão, cinco são propriedades de banqueiros. É preciso respeitar a liberdade de imprensa, mas não se pode permitir o abuso da informação por parte de meios mentirosos, corruptos e incompetentes”.

Além de ouvirem palavras quase inéditas da boca de um governante latino-americano, os equatorianos têm hoje instrumentos concretos de ação sobre os meios audiovisuais. O Conselho Nacional de Radiodifusão e Televisão (Conartel) estabeleceu regras para descentralizar o espectro televisivo e criou uma ouvidoria onde o público pode se manifestar sobre o conteúdo dos programas. Quando as queixas são julgadas procedentes, as emissoras são obrigadas a prestar esclarecimentos, sob pena de sofrerem sanções (no Brasil, política semelhante seria, como sempre, taxada de censura pela grande mídia, como ocorreu com o projeto de criação da Ancinav).

A Venezuela caminha na mesma direção. Apesar de todos os insultos recebidos diariamente através da mídia, o governo do presidente Hugo Chávez mantém absoluta liberdade de informação. Mas nem por isso deixou de tomar medidas legais no sentido de equilibrar os fluxos informativos no país, tendo como ponto de partida a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e TV, conhecida como Lei Resorte, aprovada em dezembro de 2004. Ao mesmo tempo em que ampliou os serviços públicos de rádio e de televisão.

E na Bolívia, o governo ousou ao lançar o jornal Câmbio, um diário nacional para fazer frente à mídia golpista que apostou na fragmentação do país no ano passado. Investiu também na recuperação do Canal 7, a TV estatal e na emissora de rádio Pátria Nueva, seguidora da larga tradição combatente das rádios mineiras bolivianas.

No Brasil, avançamos menos. A grande mídia segue firme como porta voz dos interesses da classe dominante. A solitária e ainda pouco amadurecida experiência da TV Brasil é insuficiente como forma de contra-poder midiático. No âmbito legal, avançamos muito pouco.

O golpe em Honduras deve servir como alerta. E as iniciativas de Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador como exemplo. São modelos a serem levados em conta imediatamente nos debates preparatórios que já estão sendo realizados para a Conferência Nacional de Comunicação, marcada para o início de dezembro. Transformados em políticas públicas eles se tornarão, sem dúvida, vacinas poderosas contra surtos golpistas.

PS. O governo do Uruguai acaba de anunciar o envio ao Congresso, nos próximos dias, de um projeto de lei para regulamentar a exibição de conteúdos na televisão, rádio e cinema. Será criada também a figura do ombudsman para mediar a relação entre o público e as empresas de comunicação. O projeto foi elaborado com a participação dos principais partidos políticos uruguaios.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

O fechamento de jornais e o jornalismo público

No mês passado foi a vez do fechamento do jornal Gazeta Mercantil, com 90 anos de história e deixando a marca de ter sido um periódico qualificado, avaliação partilhada até mesmo pelos discordantes de sua linha editorial, voltada para o público empresarial.

Antes havia ocorrido o fechamento do também legendário Tribuna da Imprensa, agravando o problema do desemprego crônico de jornalistas, já sem ter para onde correr, além de fazer aumentar a também trágica concentração da informação nesta sociedade.

Se olharmos para cenário internacional também registram-se sucessivos fechamentos de jornais, seja nos EUA ou na Europa. No Brasil, especialistas prevêem a continuidade desta trágica tendência de falência de jornais, de redução de postos de trabalho e de lamentável estreitamento das fontes informativas.

A tragédia está em curso e não se escuta ainda uma proposta alternativa capaz de resolver uma das grandes dívidas acumuladas durante mais de século para com o povo brasileiro, a dívida informativo-cultural. O povo brasileiro é vítima de indicadores raquíticos de leitura de jornal e revista, são trágicas as estatísticas da Unesco, estamos em pior posição que o nível de leitura de jornal na Bolívia, país mais pobre da América do Sul.

Comecemos nos indagando se o mercado será capaz de evitar o fechamento do jornais, o desemprego de jornalistas e gráficos e a concentração da informação em poucas empresas. Não tem sido. Ao contrário, o mercado tem se tornado cada vez mais cartelizado, cada vez menos concorrencional, inclina-se notavelmente para o oligopólio, devasta as esperanças dos que ainda sonhavam com um jornalismo com capilaridade, com regionalização, capaz de assegurar informação diversificada, plural e acessível a todo os brasileiros. Falemos do tamanho da tragédia: somadas, as tiragens de todos os pouco mais de 300 jornais diários brasileiros não atingem a marca dos 7 milhões de exemplares. Indigência democrática! O povo brasileiro está praticamente proibido da leitura de jornais, portanto, proibido de ter acesso a uma tecnologia do século XVI, a imprensa de Guttemberg.

Exército de diplomados desempregados

O mercado tem discutido alternativas a isto? As universidades? O movimento sindical? Não se registram debates sobre como assegurar a massificação da leitura de jornal e revista. Nem mesmo a Fenaj que acaba de ser derrotada na sua luta para manter a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo apresenta – nem antes, nem agora – alternativas para evitar que estes profissionais não formassem apenas um imenso exército de diplomados-desempregados. É preciso regulamentar a profissão, mas também é preciso assegurar o fim da proibição à leitura de jornal. Também devemos elaborar políticas públicas – já que o mercado exibe sua incapacidade – para que os brasileiros assim como recebem do estado merenda escolar, remédios, camisinhas, dentaduras, bolsa família, também recebam jornais e revistas para a sua informação. Seria nada mais do que assegurar o cumprimento da Constituição quando esta estabelece a informação como um direito do cidadão. Para que , afinal, que isto não seja apenas retórica legislativa…

Para se avaliar como o sistema de proibição da leitura de jornal vigente contra os brasileiros é tão trágico e paradoxal basta informar que a indústria gráfica registra capacidade ociosa crônica de 50 por cento de suas instalações anualmente. E isto é crônico! Ou seja, povo sem ler, jornalistas e gráficos desempregados e indústria gráfica paralisada na metade do tempo!!! Por que não juntamos os tres ingredientes acima numa política pública de jornalismo para a sua superação da crise? Será que com a nossa indigência de leitura, com a nossa dívida informativo-cultural podemos nos dar ao luxo de ficar esperando indefinidamente por soluções de mercado, quando o este apenas nos sinaliza com freqüência exuberante a sua tendência de fechamento de mais e mais empresas jornalísticas, mais desemprego e mais concentração?

Uma oportunidade perdida

Não é que não existam tentativas de criar condições e instrumentos para que o povo tenha acesso à leitura e à informação cidadã e qualificada. Uma destas tentativas se deu quando em 1994 o professor Cristovam Buarque elegeu-se governador do Distrito Federal. Um grupo de jornalistas reunidos pelo Sindicato dos Jornalistas de Brasília apresentou ao recém eleito um elenco de medidas destinado a assegurar à população candanga o acesso a informações, a jornais etc. Propunha-se a criação de uma Fundação Brasiliense de Comunicação, com a participação e controle social, capaz de reunir a Rádio Cultura FM, montar uma tv a cabo mas com a democratização e popularização de tvs receptoras que superassem o confinamento sócio-econômico da Lei da Cabodifusão e um sistema de imprensa que se uniria à idéia da Agência Brasília de Notícias, que funcionou, embora sem muita repercussão.

Os jornalistas haviam feito um levantamento do número de equipamentos gráficos e de profissionais de comunicação disponíveis na estrutura do GDF para a edição de um jornal diário, que seria sustentado pelas empresas estatais locais, com distribuição massiva e possivelmente gratuita. Havia capacidade gráfica ociosa, havia jornalistas disponíveis, havia a proposta, havia e ainda há a necessidade social de democratizar a informação. Sonhava-se com um jornal de espírito público, plural, diversificado, chegando às grandes massas trabalhadoras, à população mais carente na periferia do Plano Piloto, havia disposição sustentar este sistema público de comunicação. Entretanto, não havia decisão política para implementá-lo.

A primeira reação da assessoria do novo governador foi: “Não vamos fazer um novo Pravda!” Ninguém havia proposto um jornal nesses moldes. A proposta previa participação social, haveria diversidade informativa, aliás, provavelmente superior ao jornalismo praticado pelo mercado, dado o grau de interferência do cartel de anunciantes na linha editorial, via departamento comercial das empresas, seu verdadeiro “editor”. Não era um pravda, mas a verdade é que faltou audácia, faltou acreditar nas utopias para além dos discursos.

A oportunidade foi perdida. Nem mesmo as antenas e torres de repetição do sinal da Rádio Cultura FM foram instaladas, com o que o sinal da emissora, que poderia inclusive ser uma cabeça de rede de rádios públicas, educativas e universitárias, continuou e continua até hoje alcançando sofrivelmente apenas o Plano Piloto. A TV educativa ou cultural do GDF até hoje não foi criada. E os 93 por cento dos recursos gastos em publicidade naquele período destinaram-se apenas à maior rede de tv e ao maior jornal local.

A amarga ironia é que a idéia do jornal de distribuição gratuita foi aproveitada, anos depois, por um grupo empresarial local, sendo hoje o jornal “Coletivo” um sucesso e uma das poucas possibilidades de informação a que tem direito o povo pobre do Distrito Federal. Setenta mil exemplares são distribuídos diariamente a cada fim de tarde na Rodoviária do Plano Piloto, chegando a todas as regiões do DF. Gratuitamente. Sustentado com publicidade das estatais locais. Descartada pela esquerda,a idéia foi assumida pelo empresariado. Ou seja, pelas mãos dos que sempre impedem e travam o desenvolvimento da comunicação pública, comprovando-se que a idéia do jornal público e gratuito era e é plenamente viável.

Será que nem diante do irreversível processo de fechamento de jornais nos tomamos de senso de realismo , de audácia e de responsabilidade para propor um programa público para a massificação da leitura de jornais?

Nascem jornais públicos, fecham jornais privados

Exemplos nos chegam a cada dia. Evo Morales, cansado de perceber que os jornais privados estão editorialmente comprometidos com a fragmentação da Bolívia, com os planos nacionais e internacionais de desestabilização da democracia, e que eram jornais inacessíveis à grande massa pobre de bolivianos, lançou o jornal “Cambio”, destinado a ser um órgão de informação de circulação popular, a preços populares. Também agora na Venezuela, quando praticamente todos os jornais encontram-se enfileirados na oposição ao governo eleito de Hugo Chávez, ressurge o jornal popular e público “Correio do Orenoco”, recuperando o nome original do periódico fundado por Simon Bolívar, no qual foi redator o General José Inácio Abreu e Lima, brasileiro que lá é considerado herói na luta de libertação contra o Império Espanhol.

Mas, não apenas em governos considerados de esquerda surgem iniciativas deste naipe, como alguns poderiam objetar. Também na França há sólidas experiências bem sucedidas de jornalismo público, como o periódico editado pelo sistema previdenciário francês que chega à casa de cada segurado, com informações sobre toda a realidade nacional e internacional, sobre a cultura e a economia, e não apenas sobre temática previdenciária.

Assim, há razões públicas defensáveis para que o governo salvasse um jornal de tradição de 90 anos como a Gazeta Mercantil. Não apenas porque provavelmente também estará em débito com os cofres públicos. Quantas vezes empresas jornalísticas em dificuldades financeiras recorreram aos cofres públicos para superar suas crises? E seguiram depois condenando editorialmente o papel do estado mas, na primeira dificuldade, batem novamente às portas do estado?

Por que ao invés de empréstimos, não pode o estado assumir o controle acionário de um jornal como o Gazeta Mercantil, ou como o Tribuna da Imprensa, aproveitando sua estrutura industrial, empresarial, seus recursos humanos, sua tradição informativa, sua marca social na sociedade e, com novos critérios administrativos, transformá-los em jornais de ampla circulação popular, com tiragens realmente massivas, de milhões de exemplares, a preços módicos ou mesmo distribuição gratuita, já que o direito à informação é um direito constitucional do cidadão?

O papel protagonista do Estado

No início governo Lula, em 2003, divulgou-se a existência de um Proer da Mídia, pelo o qual as empresas de comunicação endividadas, tal como os bancos a que alude a sigla, recorreriam ao estado para escapar à ameaça de falência. Houve solicitação ao BNDES para reestruturação das dívidas das grandes empresas de mídia. Na época o então Ministro José Dirceu pronunciou a frase forte “a Globo é uma questão de estado”. Foi proposto então que a serem empregados recursos públicos no salvamento da empresa das dificuldades, que estes recursos fossem investidos como compra de ações, passando o estado a ser acionista destas empresas desvedoras, assegurando que os recursos não fossem empregados em vão, como já ocorreu, e em certas circunstâncias, mais de uma vez, com as crise repetindo-se.

Agora estamos diante de uma crise sem precedentes, crise internacional, até mesmo City Bank e a General Motors já se transformaram em empresas estatais, ocorrendo o mesmo com inúmeros bancos na Inglaterra, na Alemanha, na França. Aqui a Caixa Econômica anuncia que irá lançar um cartão de crédito próprio para não mais depender do cartel internacional que domina e impõe regras discricionárias ao segmento. Os exemplos estão aí. Será que mesmo assim não teremos capacidade, como sociedade, de realizar um debate sobre como garantir que o povo brasileiro tenha finalmente o acesso à leitura de jornal?

São muito positivas as iniciativas de comunicação partidas do campo público recentemente, seja o Blog da Petrobrás, as colunas O Presidente Responde, a criação da Empresa Brasil de Comunicação, além da convocação da I Conferência Nacional de Comunicação. Mas, o público ainda se queixa: “como sintonizar esta TV Brasil? Ela só pega na tv a cabo? Isto é pra quem pode pagar!” Da mesma forma que as colunas escritas diretamente pelo presidente, embora importantes, não chegam ao grande público, já que as tiragens de jornal continuam raquíticas e não existe ainda um jornal ou vários jornais populares de grande circulação, seja gratuita ou a preços bem módicos. Existiria alguma proibição escrita nas estrelas determinando que não se possa também uma política pública para a democratização da leitura de jornal no Brasil? Não é razoável que a EBC assuma também a publicação destes jornais? Não é razoável que o BNDES que tanto financia grandes empresas privadas e até transnacionais apoie um projeto de um jornal público, de massa, gratuito?

Enquanto isto, jornais fecham as portas e há prenúncios de que novas falências venham a ocorrer. Não é hora, portanto, de debater um programa público de massificação da leitura de jornal?

* Beto Almeida é presidente da TV Cidade Livre de Brasília

 

Petrobras democratiza a comunicação

Depois de décadas sofrendo ataques violentos vindo de grupos que nunca engoliram a sua existência, a Petrobras resolveu tomar uma atitude preventiva, de defesa. Daí a surpresa e a grandiosidade do ato de criação do blog Fatos e Dados, um marco na história da comunicação social. O blog Fatos e Dados colocado no ar pela Petrobras é um marco na história da comunicação social. A partir de agora a relação entre as fontes e os veículos de informação muda de patamar, tornando-se mais equilibrada.

Até então a fonte, detentora da titularidade da informação, abria mão desse poder transferindo-o de forma integral para a mídia. E esta fazia do conteúdo informativo o que bem entendia. Daqui para frente isso não irá mais acontecer. Precavida, a fonte se antecipa ao veículo tornando públicas as informações prestadas. Estreita-se dessa forma a margem de manipulação. E quem ganha é o público, na medida em que as informações tornam-se mais confiáveis. Ou pelos menos "checáveis".

Nesse sentido a ação comunicativa da Petrobras vai muito além dos seus resultados imediatos. Ela se insere no processo de construção de uma ordem informativa mais democrática e equilibrada que teve um dos seus pontos altos ao final dos anos 1970 quando a UNESCO deu por concluída a tarefa de propor a criação de uma nova ordem mundial da informação e da comunicação. O resultado desse trabalho, realizado por uma comissão presidida pelo irlandês Sean Mac Bride e que contou com a participação, entre outros, do colombiano Gabriel Garcia Marquez, está no livro "Um mundo e muitas vozes", publicado pela Fundação Getúlio Vargas.

Propunha-se, naquele momento, a busca do equilíbrio dos fluxos informativos entre os hemisférios Norte e Sul e apontava-se para a necessidade de estimular a circulação de informações entre os países do sul. Era uma resposta às políticas impostas ao mundo pelas potências hegemônicas, segundo as quais deveria prevalecer o "livre fluxo das informações", ou seja regulado apenas pelo mercado.

O debate entre as duas posições entrou pelos anos 1980 e chocou-se com a ascensão do neoliberalismo nos Estados Unidos de Ronald Reagan e no Reino Unido de Margareth Tatcher. O resultado é conhecido. Os dois países, retiraram-se da UNESCO, seguidos logo depois pelo Japão, esvaziando a organização e sepultando a generosa idéia de uma nova ordem informativa global.

No Brasil, o primeiro movimento mais articulado visando a democratização da comunicação ocorreu 1983, numa iniciativa de um grupo de professores do curso de comunicação social da Universidade Federal de Santa Catarina. Eles lançaram a Frente Nacional de Lutas por Políticas Democráticas de Comunicação, incorporada posteriormente pela Abepec (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação) e pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).

De prático esses movimentos pouco conquistaram. A lógica do capital, concentrando cada vez mais o mercado produtor e distribuidor de informações, combinada com a política de enfraquecimento dos estados nacionais, sepultou as esperanças de uma circulação de informações mais equilibrada pelo mundo. No Brasil houve um avanço com a Carta de 1988, especialmente no que se refere ao capítulo da Comunicação Social. Mas da Lei à prática a distância ainda é grande.

Assim ficamos, durante muito tempo, restritos a declarações e manifestos. Por isso, a ação concreta da Petrobras ganha dimensão histórica. Materializa objetivos perseguidos numa luta de décadas e aponta caminhos novos na relação entre mídia e sociedade. Com certeza o exemplo será seguido por outras pessoas físicas e jurídicas. E, aos poucos, a prática jornalística irá incorporando esse dado novo, estabelecido pela possibilidade de confrontação entre o que é dito e o que é publicado.

Deve-se ressaltar o papel fundamental da internet nesse processo, sem a qual nada disso seria possível. Mas é preciso não esquecer também a coragem política da empresa, sabedora sem dúvida, de que iria bater de frente com o mais poderoso setor empresarial do pais. E o curioso é que não se tratou de ato ofensivo. Depois de décadas sofrendo ataques violentos de grupos que nunca engoliram a sua existência, a Petrobras resolveu tomar uma atitude preventiva, de defesa. Daí a surpresa e a grandiosidade do seu ato.

O blog da Petrobras se soma, no cenário latinoamericano, ao jornal Cambio da Bolívia, às rádios e televisões públicas da Venezuela e às propostas de alteração nas leis de radiodifusão da Argentina e do Equador. São diferentes instrumentos encontrados pelos governos populares da região para romper o cerco que lhes foi imposto pelas grandes corporações da mídia e para tornar um pouco menos desequilibrada a circulação da informação em seus respectivos países.

Mais de um quarto de século depois da declaração da UNESCO propondo uma nova ordem informativa mundial, eis que na América Latina são
dados os primeiros passos concretos nesse sentido. E o blog Fatos e Dados é uma grande contribuição brasileira. Que venham outras.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

A velha caixa preta midiática

Os principais colunistas de economia da grande imprensa continuam, em claro exercício ideológico, repetindo o credo neoliberal, sem deixar de reverenciar sua santíssima trindade: liberalização, desregulamentação e privatização. Mesmo com a colossal crise provocada pela financeirização do capital, os principais colunistas de economia da grande imprensa continuam, em claro exercício ideológico, repetindo o credo neoliberal, sem deixar de reverenciar sua santíssima trindade: liberalização, desregulamentação e privatização. Indiferentes à falência do receituário, repetido como mantra nos últimos dez anos, os colunistas econômicos da TV Globo, Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, não se fazem de rogados.

Se o objetivo é atrair a atenção dos donos do dinheiro em busca de onde investir, o fundamental continua sendo reduzir gastos públicos, melhorar o quadro regulatório e aliviar o peso do Estado sobre a iniciativa privada. Afinal, era o que recomendavam o que eles chamavam de “exemplos mundiais bem sucedidos de boa governança” Se o modelo faliu, o fundamentalismo de mercado não deixa alternativa.

A saída é, ignorando todas as evidências, tratar como acidente de curso o que todos sabem ser uma falência estrutural. Torcer- não cabe outro verbo – para que políticas anticíclicas de crédito e financiamento da produção não tenham sucesso, para que possam ressurgir os talentos que levaram o país ao colapso nos oito anos de governo FHC. Até agora nada disso tem funcionado, mas a perseverança é uma virtude dos “bons quadros” das redações.

Essa é uma postura antiga, sedimentada como pensamento único pelos jornalistas da emissora da família Marinho. O interessante é que a profissão de fé tem que ocultar as práticas corporativas de quem paga o salário. Para mostrar ao leitor a voltagem em que se opera a desfaçatez, reproduzo, em Carta Maior, artigo produzido para o Observatório da Imprensa, há mais de quatro anos. À época, a Argentina sofria forte pressão para saldar dívidas externas, sacrificando qualquer possibilidade de crescimento e geração de empregos.

De calotes e edições

“Parece que momentos festivos não comportam comedimento. Ainda mais se, com direito a programação especial, comemoram-se 40 anos de um monopólio. Talvez tenha sido essa a lógica que levou o departamento de jornalismo da TV Globo a decidir que, na quinta-feira, após mais um episódio da microssérie Hoje é dia de Maria, o fim de noite seria dedicado à Argentina. Afinal, havia um fato novo envolvendo o país vizinho, digno de destaque: o Comitê Global de Detentores de Bônus Argentinos (CGBA) rejeitou com veemência a proposta apresentada pelo ministro Roberto Lavagna de trocar títulos não pagos por novos papéis com desconto de 75% e prazo bem elástico de pagamento.

A edição do Jornal da Globo que foi ao ar na noite de 13/1, apresentado pela jornalista Ana Paula Padrão, não deixou dúvidas. A bola da vez era a insistência portenha em negociar com soberania. Longe de ser apenas um mecanismo técnico de ordenamento de informações, o processo de edição busca a adesão do telespectador à linha editorial da emissora. Era importante mostrar que qualquer lógica que não obedeça às prescrições do capital financeiro não passa de insensatez. E, convenhamos, nunca é demais lembrar aos governantes de plantão qual o limite de tolerância do conglomerado da família Marinho.

Quase um bloco reservado ao tema, com abertura que não deixa margem para qualquer ambigüidade:

"No Brasil não falta quem elogie a Argentina pela postura durona nas negociações com credores internacionais e organismos como o FMI. Pois hoje foi o dia de quem tem a receber falar grosso com os argentinos. No mundo inteiro a proposta de refinanciamento da dívida foi duramente rejeitada".

Um trecho por demais significativo para ser ignorado. Nele se condensam, de forma inequívoca, desinformação funcional, reducionismo e omissão da circunstância determinante dos fatos. O "mundo inteiro" é reduzido ao grupo de credores. Não há planeta fora da banca e das instituições multilaterais de crédito. A Terra gravita em torno do capital. Eis a evolução que o campo midiático oferece ao legado copernicano.

A lógica financista

Vamos ao que não é dito no noticiário global. O governo Kirchner encontrou uma economia tomada pela informalidade, taxa de desemprego superior a 17%, dívida pública no patamar de US$ 146 bilhões e avançado estágio de sucateamento do parque industrial. A carta de intenções do governo argentino com o FMI não menciona privatização, aumento de tarifas ou elevação de carga tributária. Para desespero dos articulistas econômicos brasileiros, ao não quitar débitos com o Fundo recebeu elogios da conservadora revista The Economist.

Iternamente o país cresce 8% ao ano e o desemprego recuou significativamente. Quando o organismo decidiu adiar a terceira revisão do acordo, o ministro da Economia anunciou, em agosto do ano passado, o congelamento das negociações.

Apesar da heresia de "não cumprir o dever de casa", o aluno vinha obtendo bom desempenho escolar. Uma exemplaridade perigosa, apesar das reiteradas declarações de autoridades brasileiras de que o país não cogitava promover nenhuma ruptura aventureira. Mesmo assim, o desempenho argentino continuava como uma espinha na garganta dos que cultuam o xamanismo neoliberal em ilhas de edição.

A proposta argentina consiste em fazer a maior reestruturação de dívida em moratória de que se tem notícia. Não pretende sacrificar a poupança interna e os ganhos de investimento recentes em pagamentos de juros exorbitantes. Os centros de poder, com apoio das corporações midiáticas, pedem aos países endividados do Terceiro Mundo que robusteçam o filho pródigo e o imolem em oferenda ao Deus-mercado. Não há espaço para troca por cordeiros. A nova religião não comporta misericórdia, nem cabe a um soberano pedi-la.

Mas voltemos ao exercício de prestidigitação do jornalismo da emissora monopolística: "A Argentina decretou moratória em dezembro de 2001, em meio à convulsão política e social que se seguiu à desvalorização do peso. Depois do calote, a queda da economia chegou a 10%. Mas depois o país se recuperou. Nos últimos dois anos, o PIB da Argentina apresentou forte alta, o que, segundo os credores, aumentou a capacidade de pagamento da dívida do país". Esta é, segundo a lógica financista, a única função do crescimento econômico: crescer para pagar. Pagar para parar de crescer.

Para o buraco

O texto do noticiário é auto-elucidativo. Se no Brasil não falta quem elogie a "postura durona" nas negociações com credores internacionais, no jornalismo da Globo eles não aparecem. Ou seja, são não-noticiáveis. Não-sujeitos de uma oração repetida à exaustão. Será que o pensamento do professor Simão David Silber, da Universidade de São Paulo, ouvido pela reportagem, representa o universo acadêmico? Ou nele haveria vozes dissonantes, as dos que elogiam "posturas duronas"? Por que nunca se vêem na tela do império global economistas de renomada excelência como Paulo Nogueira Batista Júnior, Maria da Conceição Tavares ou Paul Singer?

Pierre Bourdieu, em seu excelente Sobre a televisão, mostrou como a mídia trabalha com os mesmos atores. Se a matéria-prima da imprensa é, como dizem muitos, a novidade, o monopólio recusa mudar o elenco de analistas, pois necessita expropriar de sentido os que apresentem a possibilidade de dissenso. Isso é um dado estrutural, de natureza constitutiva.

Outro fato interessante é a eleição de um paradigma moral para enunciar um fato político. A conotação pejorativa da palavra calote logo é pespegada ao não-pagamento de uma dívida contraída por país soberano. Há uma personalização do processo político com o intuito de esvaziar sua real dimensão histórica. A dimensão ideológica do noticiário poucas vezes se mostrou tão desnuda como no telejornal da Globo.

Não fosse o corporativismo do campo jornalístico, talvez o público lembrasse aos editores que em casa de enforcado não se fala em corda. Mantidas as especificidades de uma empresa familiar e uma nação, há semelhanças entre a as "Organizações" e a Argentina. Ambas aplaudiram a tsunami neoliberal nos anos 1990. Apoiaram uma sobrevalorização cambial que beirava a ficção de gosto duvidoso. E quase, simultaneamente, foram para o buraco.

Globo "durona"

Como destacou Elvira Lobato, em matéria publicada pela Folha de S.Paulo (15/2/2004), "estima-se que as empresas de comunicação acumularam prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, dos quais R$ 5 bilhões foram registrados pela Globopar – holding das Organizações Globo. A receita líquida do setor naquele ano foi 20% menor, em valores reais (descontada a inflação), do que a de 2000. As empresas apostaram no crescimento da economia e na estabilidade do câmbio, na segunda metade dos anos 90, e se endividaram em dólar para diversificar os negócios e aumentar a capacidade de produção. Segundo um relatório que o próprio setor enviou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em outubro último, 80% das dívidas são em dólar, e 83,5% têm vencimento em curto prazo".

E mais: "As Organizações Globo respondem por 60% do endividamento total de R$ 10 bilhões. A Globopar tem uma dívida equivalente a US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões) e deixou de pagar aos credores em outubro de 2002. Essa cifra não inclui as dívidas da Infoglobo – que edita os jornais O Globo, Extra, Diário de S. Paulo e é parceira do Grupo Folha (Folha da Manhã S.A.) no Valor Econômico – e das emissoras de rádio, que estão fora da estrutura da Globopar. No dia 11 de dezembro último, três fundos de investimentos norte-americanos entraram com ação na Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York, pedindo a intervenção da Justiça dos EUA na renegociação das dívidas da Globopar. O pedido ainda não foi julgado, mas a empresa sustenta que tem condições de conduzir sua reestruturação e de pagar aos credores".

A saída da empresa foi tentar trazer o pedido de falência dos EUA para o Brasil por disposições legais que lhe seriam favoráveis por aqui. Imaginemos um outro sistema de comunicação organizado em patamares distintos de comércio de signos. À noite, um telejornal, produzido por um movimento social qualquer, anunciaria com estardalhaço: "No Brasil não falta quem elogie as Organizações Globo pela postura durona nas negociações com credores internacionais. Pois hoje foi dia de quem tem a receber colocá-la nas barras dos tribunais".

É apenas um exercício de imaginação. Mas caberia ao nobre público decidir uma questão prosaica: a emissora que posa de vestal dos compromissos honrados não passa de uma empresa que faz parte de um conglomerado caloteiro ou o que é bom para a Globo não é bom para a Argentina? Com a palavra, qualquer candidato a Juracy Magalhães. Não é uma paráfrase que exija muito esforço mental.”

P.S: Creio que é desnecessário lembrar o papel central que essa emissora desempenhará a partir da instalação da CPI da Petrobrás. Dela, como de outros grandes veículos, partirão informações truncadas, inverídicas, mal apuradas, mas de inequívoca importância para uma oposição que precisa de munição para manter seu espetáculo. A caixa-preta midiática , mais uma vez, mostrará seu padrão de qualidade.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

A esperteza publicitária

O estádio do Pacaembu foi palco da segunda partida das finais do campeonato paulista deste ano. Com o empate em um a um, o Corinthians tornou-se campeão, já que vencera o primeiro jogo na Vila Belmiro. O "próprio da municipalidade paulistana", como o estádio era chamado pelo locutores de outras épocas, viveu um dia de festa (apesar das trapalhadas da Federação na hora de premiar os vencedores, causando até um princípio de incêndio).

O Pacaembu, velho de quase 70 anos, a serem completados no ano que vem, deu conta do recado. As reclamações da imprensa se restringiram ao gramado, realmente muito mal cuidado pela atual administração. Sobre o pior, que estava à vista de todos, não se ouviu nenhum pio, por motivos óbvios.

Placas de publicidade, colocadas estrategicamente ao redor do campo para obter os melhores e mais constantes ângulos das câmeras de TV, anunciavam bebidas alcoólicas cuja propaganda pelo rádio e pela televisão é proibida no horário em que o jogo se realizava. Sem nenhum pudor a TV anunciava, ainda que indiretamente, marcas de cachaça e conhaque que, pela lei, só poderiam ser mostradas depois das 21 horas.

As tentativas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de impedir que bebidas de teor alcoólico mais baixo, como as cervejas e os vinhos, continuassem a ser veiculadas a qualquer hora do dia nunca vingaram. E uma das razões, sem dúvida, está no fato das cervejarias patrocinarem as principais transmissões de eventos esportivos no país.

Ainda assim, a lei determina que bebidas com mais de 13 graus na escala Guy Loussac (caso da cachaça e do conhaque) só podem ser propagandeadas pela TV e pelo rádio entre as nove da noite e as seis da manhã. Mas na final do Paulistão, lá estavam sendo exibidas sem nenhuma restrição em plena tarde de domingo.

Emissoras, agências de publicidade, anunciantes e concessionários dos espaços publicitários no Pacaembu (e de outros estádios onde a prática se repete) encontraram um belo atalho para burlar a lei. Além de resistirem bravamente a possíveis restrições à propagada diurna de cervejas, conseguiram veicular também nesses horários bebidas de alto teor alcoólico, mostrando toda a sua esperteza. A cada tomada de câmera da pinga que "é uma boa idéia" ou do conhaque "macio", risos de superioridade devem aparecer nas faces dos que operam à margem da lei.

Afinal eles são mesmo muito espertos

A essa gente não interessa, por exemplo, os resultados de duas pesquisas recentes realizadas aqui e na Europa. A brasileira, apoiada pela Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) e divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz, mostra a diferença de atitude em relação à bebida dos adolescentes que ficam mais ou menos tempo expostos à propaganda desses produtos. Os primeiros consomem álcool em quantidades maiores do que os outros.

Os pesquisadores estudaram o comportamento de estudantes de 14 a 17 anos, da rede pública de ensino de São Bernardo do Campo, diante da exposição de 32 propagandas de cerveja. Entre os adolescentes que já haviam sido expostos previamente a mais mensagens publicitárias, a pesquisa constatou que o consumo de bebidas alcoólicas é de cinco a dez vezes maior. "As propagandas que mais chamavam a atenção dos estudantes estavam associadas a sexualidade, humor e futebol", disse o principal autor do trabalho, Alan Vendrame, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Na Holanda, cientistas da Universidade de Radboud conduziram um experimento com 80 estudantes universitários do sexo masculino, de idades entre 18 e 29 anos, divididos em quatro grupos. Um deles assistiu ao filme American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível, com muitas referências ao consumo de bebidas alcoólicas durante a trama e com propagandas desses produtos nos intervalos. Outro grupo assistiu ao mesmo filme sem nenhuma propaganda. Um terceiro grupo assistiu ao filme 40 Dias e 40 Noites, que tem menos referências a bebidas alcoólicas mas que foi interrompido algumas vezes por comerciais de bebidas. E o quarto assistiu ao mesmo filme, sem intervalos.

Durante a exibição os participantes tinham acesso a uma geladeira com cerveja, pequenas garrafas de vinho e refrigerantes. Aqueles que assistiram ao American Pie serviram-se de 1,5 copos a mais de cerveja ou vinho do que os que assistiram ao 40 Dias e 40 Noites. Os resultados sugerem que o efeito do conteúdo de álcool na TV não só é capaz de aumentar a compra de bebidas alcoólicas, mas pode também estimular o seu consumo imediato.

"Nosso estudo mostra claramente que exibir bebidas alcoólicas em filmes e propagandas não apenas influi nas atitudes das pessoas e nas regras para bebida na sociedade, mas pode funcionar como uma sugestão que afeta o desejo e o subsequente consumo de bebida", afirmou o pesquisador Rutger Engels que liderou o estudo. A pesquisa foi publicada na edição de maio-junho de 2009 da revista científica britânica Alcohol and Alcoholism.

As conseqüências desse consumo são mais do que conhecidas: doenças, atitudes anti-sociais, mortes no trânsito, entre outras. Mas a resposta dos publicitários e dos seus associados é sempre a mesma: a auto regulamentação resolve tudo. Afirmação igualmente desmentida por outra pesquisa conduzida por Alan Vendrame. Ele investigou a violação das regras impostas pelo código de ética do Conar (Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária) e constatou que 12 das 16 regras para a publicidade de bebidas alcoólicas são violadas. Entre elas, a que impede a propaganda de utilizar imagens, linguagens ou idéias sugerindo ser o consumo do produto um sinal de maturidade ou que contribua para o êxito profissional, social ou sexual.

A determinação de que os personagens da propaganda não devem ter, nem aparentar ter menos de 25 anos, também não é cumprida. Assim como a que impede o apelo sexual. O pesquisador entrevistou 282 estudantes de 14 a 17 anos de escolas públicas também de São Bernardo dos Campo mas não os mesmos que participaram da outra pesquisa acima mencionada.

São constatações que mostram claramente a necessidade da presença do Estado nesse tipo de relação. A sua ausência não só permite o desrespeito às regras de auto regulamentação como dá aos agentes da propaganda a sensação de total impunidade, levando alguns deles a buscar caminhos tortuosos para burlar o pouco de lei existente. Como no caso das placas publicitárias colocadas nos campos de futebol para serem exibidas pela TV.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e da Faculdade Cásper Líbero. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).