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Para que criar fantasmas?

Na última semana, alguns colunistas e políticos da oposição abriram baterias contra a regionalização da publicidade do governo federal. Não gostaram de saber que os anúncios da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), até 2003 concentrados em apenas 499 veículos e 182 municípios, em 2008 alcançaram 5.297 órgãos de comunicação em 1.149 municípios -um aumento da ordem de 961%.

Por incrível que pareça, conseguiram enxergar nesse saudável processo de desconcentração um ardiloso mecanismo de corrupção dos jornais e rádios do interior. Essa seria a explicação para as altas taxas de avaliação positiva do presidente Lula, registrada pelos institutos de opinião.

O raciocínio não tem pé nem cabeça. Vamos aos fatos.

As verbas publicitárias de todos os órgãos ligados ao governo federal permaneceram no mesmo patamar do governo anterior, em torno de R$ 1 bilhão ao ano. Desse total, 70% são investidos por empresas estatais, que não fazem publicidade do governo, mas de seus produtos e serviços, para competir com companhias privadas.

Além disso, os ministérios e autarquias, que respondem por 20% da verba publicitária federal, não podem fazer propaganda institucional, só campanhas de utilidade pública (vacinação, educação de trânsito, direitos humanos etc.). Apenas a Secom está autorizada a fazer publicidade institucional. Para esse fim, seu orçamento é igual ao do governo anterior (cerca de R$ 105 milhões).

Não houve aumento de verbas. O que mudou foi a política. Em vez de concentrar anúncios num punhado de jornais, rádios e televisões, a publicidade do governo federal alcança agora o maior número possível de veículos. Pelo mesmo custo, está falando melhor e mais diretamente com mais brasileiros. Acompanhando a diversificação que está ocorrendo nos meios de comunicação.

A circulação dos jornais tradicionais do eixo Rio-São Paulo-Brasília, por exemplo, está estagnada há mais de cinco anos, próxima dos 900 mil exemplares. No mesmo período, conforme o Instituto Verificador de Circulação, os jornais das outras capitais cresceram 41%, chegando a 1.630.883 exemplares em abril. As vendas dos jornais do interior subiram mais ainda: 61,7% (552.380). No caso dos jornais populares, a alta foi espetacular, de 121,4% (1.189.090 exemplares).

Por que deveríamos fechar os olhos para essas transformações? A Secom adota hoje o princípio da mídia técnica: a participação dos órgãos de comunicação na publicidade é proporcional à sua circulação ou audiência. Houve época em que eram comuns distorções, às vezes bastante acentuadas, a favor dos grupos mais fortes. Isso acabou.

Esses critérios técnicos, amplamente discutidos com o TCU e entidades do setor, têm favorecido a democratização, a transparência e a eficiência nos investimentos de publicidade do governo federal. Não há privilégios nem perseguições. Tampouco zonas de sombra. Muito menos compra de consciências.

É importante ressaltar ainda que a comunicação do governo não se dá principalmente pela publicidade. Esta apenas presta conta das ações mais importantes e consolida algumas ideias-força. O governo comunica-se com a sociedade basicamente por meio da imprensa, respondendo a perguntas, críticas e inquietações.

Para ter uma ideia, em 2008 o presidente Lula deu 182 entrevistas à imprensa, respondendo, em média, a 4,8 perguntas por dia, incluindo fins de semana e feriados. É pouco provável que exista um chefe de governo no mundo que tenha conversado tanto com a imprensa quanto o nosso. Atendendo a todo tipo de imprensa, pois não existe no Brasil só a imprensa do eixo Rio-São Paulo-Brasília. São várias, com percepções e interesses diferentes. Cada uma fazendo o jornalismo que lhe parece mais apropriado e se dirigindo ao público que conseguiu conquistar.

Exemplo: quando Lula lançou em São Paulo o atendimento em 30 minutos aos pedidos de aposentadoria no INSS, os grandes jornais não destacaram o fato. Mas o tema foi manchete de quase todos os jornais populares e diários das demais capitais. O que para uns foi nota de pé de página, para outros foi a notícia do dia.

Por tudo isso, temos que ficar atentos às mudanças na forma como os brasileiros se informam. O crescimento da internet é um fenômeno que abre extraordinárias possibilidades e lança imensos desafios. Não podemos fechar os olhos para a realidade: os jovens, cada vez mais, buscam informações nos portais, nos blogs e nas redes sociais da internet.

Por último, não se sustenta o raciocínio de que as altas taxas de aprovação do governo Lula teriam a ver com um arrastão de compra de jornais e rádios no interior. Basta recorrer ao último Datafolha, que atribui 67% de ótimo e bom para o governo federal nas regiões metropolitanas e 71% no interior. A diferença está situada dentro da margem de erro da pesquisa. Os números são praticamente os mesmos. O resto é preconceito.

O mais provável é que as altas taxas de aprovação do governo tenham uma explicação bem mais simples: a maioria da população está satisfeita com seu trabalho. É legítimo que aqueles que não concordam com tal percepção recorram à luta política para mudá-la. O debate faz parte da democracia. E faz bem a ela. Mas é necessário criar fantasmas?

Franklin Martins, 60, jornalista, é ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Avanços na transparência

A participação popular e o controle social são meros discursos vazios se não houver oferta ampla e farta de informação. No último dia 13, o governo começou a resgatar uma dívida de mais de 20 anos para com seu povo, enviando ao Congresso Nacional o projeto de lei de acesso à informação, compromisso também assumido pelo país ante a comunidade internacional em vários tratados e convenções. Nos últimos dez anos, intensificou-se o movimento mundial por tal regulamentação e, agora, na esteira da crise financeira, países centrais e organizações internacionais recolocaram o tema em suas agendas com revigorada ênfase.

Foi o que se viu nos EUA, com o presidente Obama decretando nova leitura do Foia (a lei americana de acesso à informação), para, na dúvida, optar-se pela abertura total; foi o que se viu no Banco Mundial, quando da conferência do Carter Center, em Lima, reunindo sugestões dos países para aprimorar sua política de transparência; e nas recentes reuniões do UNODC, do Fórum Econômico e do G20, reconhecendo que na raiz da crise está a falta de transparência de governos, bancos e outras corporações.

O projeto surgiu no Conselho da Transparência Pública, da CGU, em 2005, por proposta da ONG Transparência Brasil. Em 2006, o presidente Lula anunciou sua disposição de encaminhá-lo ao Congresso, após discussão no Executivo, atendendo, inclusive, a um compromisso firmado na campanha com o Fórum de Entidades pelo Direito de Acesso à Informação, coordenado pelo jornalista Fernando Rodrigues, desta Folha.

A lei é essencial, seja porque a informação é o oxigênio da democracia, como diz a ONG Artigo 19, seja porque, para o combate à corrupção, não existe melhor desinfetante do que a luz do sol, como dizia o juiz norte-americano Louis Brandeis. A participação popular e o controle social são meros discursos vazios se não houver oferta ampla e farta de informação.

No Brasil, o Executivo federal já avançou bastante em matéria de oferta espontânea de informação -o Portal da Transparência e outros sites já nos colocam como o oitavo país mais transparente entre os 85 pesquisados pelo IBP, de Washington. Mas nos faltava uma lei que regulasse o acesso a qualquer documento buscado pelo cidadão em particular.

Dificuldades sempre existirão para implementar qualquer medida de transparência, mas elas têm de ser superadas. Há o natural receio do mau uso da informação, da distorção dolosa por alguns setores que se opõem ao governo. Isso é real. Mas a solução não está em deixar de divulgar, mas em insistir na informação verdadeira, enfrentando o debate político e apostando em que a verdade afinal prevaleça.

O acesso à informação pode trazer também, em certos casos, riscos reais para a defesa do país, suas relações internacionais, seus legítimos interesses comerciais ou para eventuais investigações em curso. Mas, para isso, existem as exceções, aceitas em todos os países e por organismos internacionais, que aconselham a observância do princípio da "menor restrição possível", que o projeto brasileiro observa.

O mesmo deve ser dito sobre os possíveis danos aos direitos individuais e à vida privada. E a nossa Constituição é bastante precisa quanto a tais ressalvas. No campo das dificuldades, há ainda as de natureza técnica e tecnológica e as de caráter administrativo, que incluem a necessidade de recursos financeiros e humanos -estes, devidamente capacitados- para manter um sistema de prestação de informações, o que não é trivial.

E há, por fim, a dificuldade maior, que consiste em mudar a "cultura do sigilo". Depois da esperada aprovação pelo Congresso, terá que haver um esforço coordenado de cada esfera de governo (e Poder), no sentido de conscientizar os agentes públicos para superar a cultura do segredo, treinar os servidores nos procedimentos da nova lei, alertá-los para as punições (severas), divulgar amplamente os direitos que dela surgem e a forma, agora regulamentada com clareza, de obtê-los.

Mas, como diz a sabedoria popular, "cada dia com sua agonia". Agora é celebrar e destacar a importância desse passo inicial, capaz de colocar o Brasil em posição ainda mais favorável no contexto global. Refiro-me à imagem de um país que cultiva a transparência pública como política institucional irreversível, garantidora dos direitos humanos, arma poderosa contra a corrupção e condição indispensável, hoje, para quem pretende consolidar-se como destino preferencial de grandes investimentos, garantindo-lhes regras claras propiciadoras da livre e sadia competição.

Jorge Hage, 71, advogado, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é o ministro-chefe da Controladoria Geral da União.

Por uma Lei de Imprensa

Dos 191 países das Organizações das Nações Unidas (ONU), só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma coisa está errada nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma. Os jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são realidades diferentes. Não apenas por serem países da common law (com menos ênfase nas leis e mais ênfase nas decisões), mas, sobretudo, por não haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui.

A Inglaterra tem um Código de Ética jornalística desde 1938; e a House of Commons (seria o equivalente à Câmara dos Deputados) aprovou um código de procedimentos para a Press Complaints Commission (comissão de queixas da imprensa) que vem sendo consensualmente cumprido.

Nos EUA, ao lado da Libel Law (o capítulo dos crimes contra a honra do Código Penal federal norte-americano), temos vasto conjunto de regras espalhadas em diferentes normativas. O australiano Rupert Murdoch por exemplo, quando quis entrar naquele mercado, teve que se naturalizar americano por exigência da FCC (Comissão Federal de Comunicação, na sigla em inglês). Sem contar que, contra todas as tradições, o Congresso chegou a discutir, dez anos atrás, a adoção de algo como uma Lei de Imprensa, em um Libel Reform Act elaborado pelo Instituto Annenberg.

Interesse coletivo

De parte essa observação estatística, cumpre ver quem ganha e quem perde com essa decisão do Supremo Tribunal Federal revogando nossa Lei de Imprensa. Jornalistas, com certeza, perdem.

Uma Lei de Imprensa democrática lhes garantiria direitos fundamentais, como a "cláusula de consciência", com a qual poderiam não assinar reportagens contra suas crenças ou ideologias sem ser demitidos por isso; teriam direito à "exceção da verdade", que os protegeria de processos; ou, dado exercerem o ofício de emitir opiniões, teriam tratamento penal diferenciado – a pena de privação da liberdade restaria limitada à reiteração de práticas eticamente reprováveis. Jornais também perdem.

Uma lei democrática levaria a que fossem processados apenas onde têm sede ou sucursais – evitando o que hoje ocorre com a Folha de S.Paulo, respondendo a processos dos filiados da Igreja Universal em mais de uma centena de fóruns. E não podem se aproveitar dos benefícios da "retificação espontânea da notícia" – usualmente deferida, nas legislações, com um estímulo a que os próprios jornais expressem a verdade dos fatos, independentemente do direito de resposta –, evitando, assim, condenações por indenizações.

Por fim, e sobretudo, perdemos nós, cidadãos. Os jornais relutarão em dar notícias com receio de processos em casos de oposição entre o direito à informação e o direito à privacidade – quando, segundo as leis de imprensa dos países culturalmente maduros, esses conflitos se resolvem "em favor do interesse coletivo da informação".

Otimistas incorrigíveis

Também não haverá obrigatoriedade da identificação de reportagem paga, protegendo o leitor. Nem vasto conjunto de exigências do direito de resposta – como a gratuidade. À falta de uma legislação específica sobre o direito a resposta, vamos sofrer nas ações perante juízes que relutarão em aplicar um direito que, embora formalmente assegurado pela Constituição (artigo 5º, V), claramente só ganhará efetividade com a regulamentação que agora deixa de existir.

O exemplo dos Estados Unidos, nesse caso, não nos serve. Lá, mesmo constando em legislações estaduais, o direito de resposta foi declarado ilegal pela Suprema Corte (em 1974) no caso Miami Herald x Tornillo, por ofensa à Primeira Emenda. E, não obstante, os jornais usualmente o concedem, para evitar o risco de serem condenados a pagar indenizações quase sempre severas. A decisão do Supremo, dadas tantas evidências, permite duas visões.

Uma otimista, que se extrai do voto do ministro Ricardo Lewandowski – segundo o qual esse fato deve servir de estímulo a que o Congresso Nacional aprove uma nova lei, em substituição à agora revogada. Outra pessimista, que se vê nos discursos aligeirados, ufanistas e lamentavelmente equivocados, segundo os quais a decisão aprimora a democracia brasileira – como uma promessa negra de que tudo vai ficar como está.

Seja como for, incorrigíveis otimistas, os brasileiros rogam ao Congresso, o mais rápido possível, a edição de uma nova Lei de Imprensa verdadeiramente democrática. Que garanta o máximo de liberdade na informação, sagrado direito de todos e de cada um, mas que também garanta o máximo de responsabilidade no exercício dessa liberdade.

TV pública: compromissos e regulamentação

AS TVS públicas do Brasil totalizam 3.300 emissoras e retransmissoras em todo o país e se preparam para dar o segundo passo em direção à sua definição de conceitos, papéis e responsabilidades. Será no 2º Fórum Nacional das TVs Públicas, em que vamos nos encontrar com nossos débitos e créditos e assinar promissórias com a sociedade. No encerramento do 1º Fórum Nacional das TVs públicas, em maio de 2007, o presidente Lula recebeu a Carta de Brasília e os fundamentos do que viria a ser a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), cuja face mais visível é a TV Brasil.

Estava concluído, assim, o primeiro movimento para a construção do conceito da televisão pública brasileira, depois de intensas e longas discussões entre grupos temáticos, reunindo especialistas e realizadores. A Carta de Brasília enunciou princípios fundadores dessa televisão pertencente à sociedade, a ela subordinada e a ela dedicada. A lei que criou a EBC, embora limitada às emissoras do governo federal, inaugurou tais fundamentos, há muito consagrados entre nós, que fazemos televisão pública neste país nas suas diversas especificidades.
Do ponto de vista formal, foi um salto de 1967 a 2008. É preciso lembrar que o decreto-lei 236, de 1967, determina que as emissoras educativas existam só para transmitir aulas, palestras e debates. Que nem sequer recebam doações, mesmo que o doador permaneça anônimo. E esse decreto ainda está em vigor.

Portanto, temos uma pauta para cumprir para erigir uma televisão pública democrática, plural, dedicada à formação da cidadania neste país. E capaz de cumprir o estabelecido na Constituição Federal, em seus artigos 221 a 223, como não ocorre no segmento privado. É por isso que, mais uma vez, o campo público de televisão, por meio de suas entidades representativas, se organiza em torno de um grande fórum de debates. Dessa vez, o 2º Fórum Nacional das TVs Públicas, convocado pelas entidades do setor para acontecer em maio, será uma instância oficial da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que o governo programa para dezembro.

Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), Astral (Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas) e ABCcom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) se unem para um amplo debate das questões urgentes do setor, com o apoio inequívoco e fundamental do Ministério da Cultura e da EBC, a grande beneficiária do primeiro evento, e contando com a presença de entes públicos pertinentes aos temas, especialmente o Ministério das Comunicações e o Poder Legislativo federal.

Ao fim do 2º fórum, vamos nos empenhar para a implantação do que for aprovado e para entrarmos consistentes na prevista Conferência Nacional de Comunicação, outro anseio inarredável da sociedade. Há um alinhamento de fatores que torna especial e imperdível essa oportunidade. Qualquer evolução nesse campo depende da qualidade da democracia em funcionamento que, evidentemente, melhorou muito nos últimos 40 anos.

A implantação da transmissão digital terrestre, em curso, reduzirá os abismos tecnológicos existentes hoje entre as diversas emissoras e, na sequência, provocará revoluções no jeito de fazer e de usar televisão. A interatividade e a convergência de mídias apontam para o surgimento de novas verdades e novos parâmetros -acreditamos que para a construção da cidadania e do fortalecimento da educação libertadora. Por isso vamos demandar regulação, para que não nos faltem reconhecimento jurídico, compromissos democráticos e responsabilidades.

Por isso buscamos clareza na forma de financiamento, o indispensável acesso à multiprogramação e a criação de um instituto que se dedique à evolução da atividade. Esse 2º fórum haverá de contribuir para que a sociedade se torne protagonista, ultrapasse a condição de meros consumidores e seja maior do que seus tutores em seus processos de reflexão.

Antônio Achilils, 59, jornalista, especialista em gestão estratégica da informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, é presidente da Rede Minas e da Abepec. Cláudio Magalhães, 44, jornalista e professor, doutor em educação pela UFMG, é presidente da ABTU. Evelin Maciel, 40, jornalista, mestre em ciência política e especialista em regulação de telecomunicações pela UnB (Universidade de Brasília), é presidente da Astral. Edivaldo Farias, 65, bacharel em direito, juiz aposentado, é presidente da ABCcom.

Por uma democrática Lei de Imprensa

O Supremo Tribunal Federal deve julgar neste mês de março o processo que alega inconstitucionalidade da atual Lei de Imprensa. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) defende a revogação dos artigos considerados autoritários e inconstitucionais, mas também defende a manutenção dos demais artigos, até que o Congresso Nacional resgate sua dívida com a sociedade e vote um novo texto democrático para regrar as relações da sociedade com os veículos de imprensa e, em especial, os seus profissionais.

Pronto para ser incluído na pauta de votação em plenário da Câmara dos Deputados, o projeto de uma nova legislação para a imprensa vem sendo sistematicamente "esquecido" pelo Parlamento brasileiro há quase 12 anos. Na omissão do Congresso Nacional, o STF suspendeu, no início do ano passado, liminarmente, vários artigos da lei nº 5.250/1967.

Historicamente, a Fenaj tem defendido a revogação dessa lei, com dispositivos que a tornam um autêntico "entulho autoritário", como apreensão de jornais e prisão para jornalistas, e a sua substituição por uma nova e democrática legislação, cujo conteúdo está expresso no substitutivo do ex-deputado Vilmar Rocha ao projeto de lei nº 3.232/1992, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 14 de agosto de 1997.

Do ponto de vista da luta pela democratização da comunicação, temos a convicção de que a aprovação desse substitutivo corresponderia a uma conquista importante para a sociedade e para a autonomia de trabalho aos jornalistas. A proposta traz inovações como rito sumário e fixação de prazos para direito de resposta, determinação de que a resposta tenha de ser veiculada no mesmo espaço onde ocorreu a ofensa, pluralidade de versões em matéria controversa, obrigatoriedade do serviço de atendimento ao público, não-impedimento de veiculação de publicidade ou matéria paga, identificação dos reais controladores dos veículos de comunicação e conversão das penas de cerceamento da liberdade para os delitos de imprensa em prestação de serviços à comunidade.

Do comportamento de alguns setores que sempre se opuseram a qualquer regulamentação para a imprensa depreende-se que, havendo condições de impedir a tramitação de uma lei para a imprensa, essa continuará a ser a conduta adotada. Tornando isso difícil ou impossível, a linha de atuação desses setores será sempre no sentido de reduzir as obrigações e os deveres que qualquer legislação venha a impor. Destoa desse comportamento a posição editorial da Folha, divulgada no início do ano passado, em defesa de uma Lei de Imprensa.

Diante da crescente demanda da sociedade em relação à mídia, segmentos contrários à legislação têm enfrentado limites para produzir uma argumentação em defesa da pura e simples inexistência de regras democráticas para as práticas sociais da mídia. Outro dado a ser considerado é que, na medida em que transcorre o tempo, aumentam as exigências e as demandas da sociedade e as condições institucionais para sustentá-las. Ou seja, com o passar do tempo, aquilo que atualmente está no substitutivo de Vilmar Rocha – e que foi negociado pelos setores diretamente envolvidos no debate – provavelmente não será suficiente para a sociedade.

A própria Fenaj tem contribuições para o aperfeiçoamento da matéria, como mecanismos de restrição à litigância de má-fé e que coíbam a "falsidade não-nominativa", que é a possibilidade de que sejam reparadas – por meio da ação do Ministério Público, provocado ou por conta própria – falsidades veiculadas pelos veículos de comunicação que não atinjam direta e especificamente a alguém. Ou, ainda, a inclusão da cláusula de consciência, numa acepção ampla e que de fato ampare o jornalista. É claro que a aprovação de emendas ou de um novo texto na Câmara implica o seu retorno ao Senado, onde haverá novas votações, com um retardamento de todo o processo.

Tal circunstância só reforça a interpretação de que, sem uma solução amparada em ampla base de consenso, o direito de a sociedade ter uma Lei de Imprensa atualizada continuará sendo obstaculizado e adiado. Faz parte da tradição jurídica brasileira e elaboração de legislação específica para a imprensa. A luta pela revogação da lei atual não pode confundir-se com as propostas de lei nenhuma. Possibilidade que não interessa aos jornalistas e, em especial, à sociedade em geral.

Uma legislação assentada em bases democráticas canaliza as relações do cidadão com a imprensa, tornando-se instrumento de defesa da liberdade de imprensa e de um jornalismo ético e socialmente responsável.

Sérgio Murillo de Andrade , 47, jornalista, professor do curso de jornalismo da Ielusc (Instituto de Ensino Luterano de Santa Catarina), é presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) desde 2004.