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Liberdade de expressão e de imprensa: Um manifesto

1. A irrestrita liberdade de imprensa de que se goza hoje no Brasil deve ser defendida por todos os brasileiros, independente de sua posição política. Essa liberdade se caracteriza pela ausência de censura prévia do Poder Executivo sobre o conteúdo daquilo que se diz, escreve ou publica no país. Literalmente qualquer coisa pode ser dita sem impedimento prévio no Brasil, e a mastodôntica coleção de mentiras, injúrias, calúnias, difamações, distorções e manipulações veiculadas regularmente por Veja, Globo, Folha, Estadão, Zero Hora e outros oferece a prova cabal de que vivemos em pleno exercício desta liberdade.

2. Não há democracia em que a ausência de censura prévia sobre o dizer se confunda com a ausência da possibilidade de responsabilização (inclusive penal) posterior ao dito. Muitos brasileiros, ainda escaldados pelas ditaduras, confundem com “censura” qualquer reclamo de responsabilização sobre o dito. Uns poucos brasileiros ligados à grande mídia manipulam de má fá essa confusão em benefício próprio. Na verdade, todas as democracias que asseguram a plena liberdade de expressão (a total ausência de censura prévia) possuem em comum, em seu arcabouço jurídico, alguma forma de penalização sobre o difamar e o caluniar. Essas leis são parte do que garante a plena liberdade de expressão. O problema no Brasil jamais foi a existência delas. O problema no Brasil é que só os poderosos têm podido recorrer à justiça evocando-as, e em geral para silenciar vozes discordantes. As reais vítimas da difamação dos grupos de mídia têm tido acesso quase nulo à reparação jurídica.

3. A liberdade de imprensa não está realizada em todo o seu potencial se apenas meia dúzia de famílias dela usufruem de forma massiva. O fato é óbvio mas, nos debates sobre o assunto, o óbvio com frequência clama por ser reiterado: a liberdade de imprensa estará tanto mais realizada quanto mais numerosos forem os grupos sociais com acesso a veículos que os representem; mais amplo for o leque de discursos acerca de cada tema; mais diversificados forem os pontos de vista em condições de encontrar expressão, entendendo-se que essas condições incluem não só a liberdade de dizer, mas também o acesso aos meios materiais que tornam possível a circulação do dito. Neste sentido, o grande obstáculo para a plena democratização da imprensa no Brasil (que avançou em função das novas tecnologias e algumas políticas do governo Lula) é justamente a mídia monopolista das famiglias, que se agarram aos seus velhos privilégios com enraivado, baboso rancor.

4. Não há liberdade plena de imprensa sem direito de resposta, o direito de expressão mais desrespeitado, historicamente, no Brasil. Tão fundamental é ele para a liberdade de imprensa que não faltariam teóricos do Direito alinhados com a tese de que se trata de direito antropologicamente universal, comparável à legítima defesa. Poucos blogueiros independentes, depois de publicar texto enfocado em outrem, negariam espaço comparável para a resposta do citado. No entanto, vivemos num país cujo maior jornal publica ficha policial falsa, adulterada, com falsa acusação, sobre o passado de uma ministra, e nem mesmo ela consegue exercer seu direito de resposta. Caso ela tivesse cometido o erro político de buscar judicialmente o exercício desse direito, teria sido insuportável a gritaria histérica dos funcionários das famiglias contra uma inexistente “censura”. É preciso que cada vez mais a sociedade civil diga a esses grupos de mídia: vocês não têm autoridade moral para falar em liberdade de imprensa nenhuma, pois apoiaram a instalação dos regimes que mais atentaram contra ela, além de que não a exercem em seu próprio quintal, negando sempre o espaço de resposta a quem atacam. A Folha chegou ao cúmulo de publicar um texto que lançava lama sobre dois seus próprios jornalistas, qualificando de “delinquência” uma reportagem feita por eles, sem que os profissionais pudessem exercer seu direito de resposta. Pense bem, leitor: essa turminha tem cara de guardiã da liberdade de imprensa?

5. A veiculação de sentença penal condenatória acerca de crime contra a honra cometido pelos grupos de mídia é um direito do público leitor/espectador/ouvinte. Especialmente no caso de sentença já transitada em julgado, é básico o direito do leitor saber que a justiça decidiu que naquele espaço foi cometido um crime contra a imagem de alguém. No entanto, até a data de produção desta coluna (03 de maio), continuam valendo as perguntas: como a Folha de São Paulo tem a cara de pau de não veicular a notícia de que foi condenada em definitivo por crime contra Luis Favre? Como a Zero Hora tem a cara de pau de não avisar ao leitor que se confirmou sua condenação por crime contra uma desembargadora?

6. A discussão democrática sobre a renovação (ou não) das concessões públicas a rádios e TVs não é contraditória com a liberdade de imprensa; pelo contrário, é parte de seu pleno exercício. Há uma razão pela qual a liberdade de que se imprima qualquer coisa é juridicamente distinta da autorização a que se transmita TV ou rádio em sinal emprestado pelo poder público. Só por ignorância ou má fé pode se comparar uma recusa do Estado a renovar uma concessão de TV ao ato de fechar um jornal (recordando que a má fé pode ser ignorante, e com frequência o é nestes casos). No Brasil, a discussão democrática sobre as concessões é de particular importância no caso do único grande império de mídia que sobrevive com inegável capilaridade e poder de fogo, o da famiglia Marinho, de tão nebulosa história.

7. A liberdade de imprensa inclui, como componente essencial e inalienável, a liberdade de exibir, ridicularizar, parodiar e pastichar as gafes, mentiras, barrigas e distorções veiculadas pela própria imprensa. Hoje, no Brasil, nove de cada dez gritinhos histéricos dos patrões e funcionários da grande mídia sobre um suposto cerceamento de sua liberdade de imprensa referem-se única e exclusivamente ao exercício dessa mesma liberdade, só que agora por leitores e ex-leitores, cujo direito à expressão essa mídia jamais defendeu, sequer com um pio.

* Idelber Avelar é professor do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Tulane, Nova Orleans (EUA).

A mágica da TV

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo cuja TV não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Continuamos seguindo o modelo descrito por Bourdieu: uma TV que mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

A meu ver, quem melhor definiu a manipulação televisiva foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele a comparou ao mágico que, no palco, chama atenção para uma de suas mãos agitando um lenço enquanto com a outra, disfarçadamente, tira as moedas (ou a pomba) da manga. A TV, para ele, faz a mesma coisa. Destaca o supérfluo para esconder o essencial. Isso é todo dia. Mas, no Brasil, quando tem seleção de futebol no meio chega as raias do insuportável.

Na última semana, a entrevista do técnico Dunga contando as razões que o levaram a chamar este ou aquele jogador para a seleção ocupou horas e horas das diversas programações. Sem falar nos comentários abalizados dos diversos especialistas. Não que num país como nosso a convocação do escrete não seja importante. Mas tudo deveria ter um certo limite. Afinal quanta coisa muito mais relevante para sociedade não poderia estar sendo mostrada naqueles horários, sem que o público deixasse de saber quais os craques que irão representar o Brasil na África do Sul. Dou um exemplo.

Manhã de quarta-feira, 12 de maio. Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, milhares de trabalhadores rurais vindos de todos os cantos do país se reúnem para dar início à 16a. edição do Grito da Terra Brasil, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em seguida fazem um protesto contra a bancada ruralista em frente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e encaminham uma pauta com mais de duzentas reivindicações ao presidente Lula. À tarde se concentram em frente ao Ministério do Trabalho e depois vão ao Congresso Nacional, onde encerram a manifestação.

Na pauta dos trabalhadores rurais está o combate ao trabalho escravo e a revisão do Código Florestal que permite o uso do FGTS para compra de imóveis rurais. À noite o Jornal Nacional, o único informativo da maioria da população brasileira, dedicou exatos 15 segundos ao assunto. O seu apresentador disse o seguinte: “Trabalhadores rurais foram hoje a Brasília para a Manifestação do Grito da Terra. Na Esplanada dos Ministérios, eles pediram mais recursos para a agricultura familiar e a reforma agrária. Foram recebidos pelo presidente Lula, que prometeu mais dinheiro para o setor”. E só. Nada sobre os ruralistas, o trabalho escravo e o Código Florestal.

Um dia antes, no mesmo jornal, o técnico Dunga sentou-se na bancada, ao lado dos apresentadores, e discorreu sobre suas decisões por nada menos do que seis minutos e 54 segundos. E para os dias seguintes eram prometidas reportagens especiais com cada um dos 23 jogadores por ele convocados. O supérfluo – a mão que balança o lenço – segue firme no ar, com o futebol recebendo generosos espaços para longas entrevistas, amplas discussões e análises aprofundadas, acompanhadas de replays, tira-teimas, gráficos e alentadas estatísticas. Você já imaginou o que seria deste país se todo esse empenho fosse dedicado também ao essencial? Se o Grito da Terra Brasil servisse de gancho (como se diz no jargão jornalístico) para análises da questão fundiária com o mesmo tempo e a mesma tecnologia destinadas ao futebol?

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo (em tamanho e importância política) cuja televisão não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Há algumas entrevistas, poucas e mal ajambradas do tipo Roda Viva e Canal Livre. Debate que é bom, nada. Continuamos seguindo direitinho o modelo descrito por Bourdieu: uma televisão que esconde, mostrando. Mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

 

*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

 

 

A comunicação e o mundo que queremos

Texto apresentado na Cúpula Eurolatinoamericana de Microempresas e economia social, realizada de 3 a 6 de maio em Cáceres, Espanha.

 

 

Existem no Brasil inúmeras entidades representativas dos mais variados setores da economia, inclusive dos meios de comunicação. Entretanto, nenhuma das entidades formadas por empresas de comunicação – televisão, rádio, jornais e revistas -, defendem os interesses dos micro e pequenos empresários e empreendedores da comunicação.

Preocupados com essa realidade, um grupo expressivo de empresas, empresários e empreendedores individuais, reuniu-se em São Paulo e, após um processo de vários encontros e debates, fundou a ALTERCOM – Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação, da qual, com muito orgulho, foi eleito o primeiro Presidente.

O nome ALTERCOM, em português, significa tanto COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA como OUTRA COMUNICAÇÃO. É exatamente esse o espírito que fez esse expressivo número de empresários fundarem a ALTERCOM, já que não se sentem representados pelas várias entidades existentes, que defendem, exclusivamente, os interesses das grandes empresas de comunicação.

A recente crise financeira e econômica internacional mostrou mais uma vez a importância das micro, pequenas e médias empresas na vida dos países. Quando grandes corporações financeiras e não-financeiras desmoronaram em virtude de irresponsáveis e enlouquecidas movimentações no cassino financeiro global, a conta foi enviada para toda a sociedade. Não foi por acaso que os países que saíram mais rapidamente da crise foram aqueles que possuíam mercados internos bem estabelecidos. E não há mercado interno sem pequenos produtores. O Brasil é um exemplo disso, possuindo cerca de 5 milhões de micro e pequenas empresas, que representam 98% do total das empresas brasileiras. Em termos estatísticos, esse segmento empresarial representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), gerando 14 milhões de empregos, o que representa cerca de 60% do emprego formal no país, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

A existência dessa rede de pequenas e micro empresas garante capilaridade econômica e social, um fator crucial para fazer circular sangue nas veias da economia e manter um país saudável perante a crise. Gostaria de propor uma reflexão sobre a crescente diminuição dessa capilaridade em um setor essencial em nossas vidas, o da comunicação, e sobre como esse problema pode atrasar e prejudicar os processos de integração entre nossos povos.

A mídia e a crise

O comportamento da maioria das empresas de comunicação no processo de colapso do sistema financeiro internacional, em 2008, é exemplar para ilustrar o que estamos falando aqui. Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas e a legislação ambiental. Quando esse modelo afundou, saíram todos correndo bater às portas daquele que era, até então, o grande vilão: o Estado. Os lucros milionários destas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados. Já os prejuízos foram socializados com o conjunto da população. E a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.

Neste processo os meios de comunicação, com seus altíssimos níveis de audiência, trataram de estruturar diariamente uma determinada realidade dos fatos, gerando sentidos e interpretações e definindo as “verdades” sobre atores sociais, econômicos e políticos. Segundo essa realidade e essas verdades, o Estado deveria parar de atrapalhar os mercados para que a prosperidade econômica pudesse chegar a todos. Nunca chegou, como se sabe. Nunca chegará neste modelo excludente e concentrador de renda. A propaganda foi fraudulenta. Mentiras e discursos puramente ideológicos foram repetidos dia e noite, difundindo distorções e preconceitos. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua parcela de responsabilidade.

Os mais audaciosos chegaram a criticar o Estado por ter fracassado em fazer o que deveria: fiscalizar os mercados. É claro que se o Estado tentasse fazer isso, imediatamente soariam os “editoriais cidadãos” denunciando o autoritarismo iminente e a ameaça à liberdade individual. E agora já vemos em ritmo crescente uma espantosa campanha midiática que utiliza alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento das bolhas financeiras nas bolsas de valores é apresentado como o sintoma de uma melhoria geral. Na verdade, os socorros (públicos) globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais em diversos países (EUA, entre eles), trazendo graves ameaças inflacionárias. Ou seja, há preocupações de sobra no horizonte.

No entanto, prossegue a prática de uma autêntica barbárie política diária, de desinformação e gestação permanente de mensagens formadoras de uma consciência coletiva reacionária, conservadora e desinformada. Uma consciência que procura alimentar uma opinião pública de perfil anti-político, que desacredita a existência de um Estado democraticamente interventor na luta de interesses sociais, que apresenta os políticos como seres que oscilam do ridículo ao monstruoso.

Democracia e comunicação

A democracia precisa de maior diversidade informativa e de instrumentos que garantam um amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera hoje no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos. Os proprietários dos grandes meios de comunicação defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático está cada vez mais concentrado nas mãos de um pequeno grupo de corporações, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).

Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação.

O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.

Vejamos alguns dados apresentados pelo professor Venício Lima ("Quem controla a mídia", Carta Maior, 23/04/2010):

Uma das conseqüências da crise internacional, no setor da mídia impressa, tem sido a compra de publicações tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público. Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, está em curso uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.

Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times. Professor da New York University, Crispin Miller, fez a seguinte advertência em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos (matéria da revista Carta Capital, 591):

O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet (…)”.

A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas.

Grande mídia ignora interesses dos pequenos

Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social dos países. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público. Não é por acaso que a cobertura política dos grandes veículos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos e ignora quase que completamente os interesses de micros, pequenos e médios empresários.

Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação mundial. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os cidadãos do mundo terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.

Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria das populações globalizadas. Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo.

A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E quando falamos em processos de integração é impossível fazê-lo sem levar em conta a questão da comunicação. Trata-se, afinal de contas, de construir canais de diálogo e informação entre povos que estão afastados e que não conhecem uns a vida dos outros. É preciso tomar iniciativas concretas nesta direção e é preciso começar já. Mais do que declarações genéricas, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem aos cidadãos do mundo a natureza do problema e como ele influencia nas suas vidas diária. Um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com os temas da integração e da comunicação. Essa articulação pode se traduzir em algumas medidas concretas:

– Incluir o debate sobre a comunicação em todos os eventos que tenham a integração como pauta;

– Criar um espaço virtual para que esse debate possa ocorrer, apontando para a criação de um Fórum Social Mundial da Comunicação;

– Organizar o Fórum Mundial da Comunicação, no âmbito do processo do Fórum Social Mundial. Trabalhar para realizar o primeiro Fórum Mundial da Comunicação no próximo FSM que será realizado no Senegal. Cabe lembrar aqui a importância do Fórum Social Mundial como espaço internacional que se levantou contra o chamado Consenso de Washington, superando em importância mundial o Fórum Econômico de Davos, e que desembocou na eleição de Lula no Brasil e de vários presidentes progressistas na América do Sul.

– Criar uma secretaria geral internacional, para a organização do Fórum, com a participação da ALAMPYME, da APYME, da RECOM, ASEMCE, da EUROCHAMBRES, e da ALTERCOM, bem como de outras entidades, como o CEXECI, o MEDIA WATCH GLOBAL, o OBSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÍDIA e outras associações aqui não incluídas, mas que por sua atividades cotidiana, mereçam o convite para participarem.

Todas essas iniciativas podem convergir para uma articulação internacional entre nossos países pela democratização da comunicação e pela construção de uma globalização dos nossos povos e da solidariedade e não apenas do capital.

 

* Joaquim Palhares é diretor da Carta Maior e presidente da ALTERCOM.

A propaganda com medo da lei

Anúncio de página inteira publicado nos jornalões brasileiros, no dia 6/4, exalta os supostos benefícios da propaganda. Assinado por entidades de anunciantes e de agências de publicidade ele tenta reagir às iniciativas em favor da existência de um controle público sobre a propaganda. Trata-se de uma vitória dos movimentos sociais e das entidades empenhadas na luta por uma regulação mais rígida sobre essa atividade. Mostra, pelo menos, que elas começam a incomodar quem se julgava intocável.

Não fossem ações como as do Instituto Alana, com o seu projeto “Criança e Consumo”, por exemplo, e os publicitários jamais deixariam de lado o atendimento de suas ricas contas para preparar e publicar um texto incrivelmente enganoso, aliás como muitas de suas peças publicitárias.

Depois de exaltarem a importância da propaganda na disputa pelo mercado chegam a uma conclusão inédita: “a grande maioria das pessoas gosta de propaganda”. Não dizem de onde tiraram tal conclusão. De que pesquisa saíram os dados para sustentar afirmativa tão cabal. É só mais um slogan, tão a gosto do meio.

Mas não ficam por aí. No final do texto está a resposta ao Instituto Alana e aos parlamentares comprometidos com uma legislação mais moderna para o setor. Diz o anúncio: “E quando alguém não gosta (da propaganda), faz o óbvio: muda de canal na hora do intervalo, troca a estação de rádio, deixa de ler o anúncio publicado no jornal”. Simples, não? Ou simplista demais?

Claro que quem escreveu esse texto sabe que isso não é verdade. Eles mesmos produzem os merchandisings que campeiam à solta nas novelas, programas de auditório, transmissões esportivas e são veiculados de forma a impossibilitar a tal mudança de canal na hora do anúncio. Sabem também que ninguém vai girar o botão do rádio quando começa um comercial que o ouvinte, obviamente, nem sabe ainda do que se trata. E é difícil fechar os olhos para uma página inteira de jornal como essa publicada sob o patrocínio das entidades das agências de propaganda e dos anunciantes.

Afinal a missão desses profissionais é fazer de tudo para que o telespectador, o ouvinte e o leitor não desgrudem da mensagem e introjetem o seu conteúdo. É um contra-senso pedir para que eles fujam de algo embalado pelos publicitários para conquistá-los. Em novela recente, em meio à fantasia, a madame entra no carro novo sob o olhar de cobiça da empregada e ressalta, entre as várias qualidades do veículo, o fato de ele ter o piso alto, ficando imune às enchentes. Focalizava-se com destaque a marca do carro e passava-se a mensagem de que, com ele, o problema social das enchentes estaria resolvido. Individualmente, para quem pudesse comprar o tal carro. Aos demais a lama ou o afogamento.

Mas voltando ao anúncio publicado nos jornais. A frase final, referindo-se a possibilidade de mudar de canal, de emissora ou de página, é primorosa: “É impressão nossa ou isso é o direito de escolha levado a sério?”. Direito de escolha? Escolher entre o que? Entre emissoras que transmitem programas iguais, veiculam os mesmos anúncios e não dão nenhuma alternativa aos hábitos consumistas, individualistas e anti-sociais? E mais, que violam a lei sem cerimônia ao ultrapassar o limite máximo de 25% da programação permitidos para propaganda no rádio e na TV. Com a conivência silenciosa de agências e anunciantes.

Quando dirigida às crianças, os efeitos da publicidade tornam-se ainda mais perversos. A presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Vilela, conta que até em áreas carentes de cidades como São Paulo já é possível perceber esse fenômeno. A partir de um projeto social desenvolvido pela instituição na zona leste da cidade constatou-se que “crianças cujas famílias dependem de cestas básicas não saem de casa sem passar batom. Que acham que a maior felicidade do mundo é ter cabelos longos e loiros iguais aos da Barbie. Meninas que vestem micro-saias e ficam grávidas na adolescência. Meninos que insultam mulheres e tomam cerveja. Mães que, depois de muito choro e muita insistência dos filhos, gastam todo seu dinheiro para comprar um boneco Power Ranger. Filhos que depois de ganhar um Power Ranger, brincam dois dias, abandonam o boneco e começam a pedir a próxima novidade anunciada na televisão. Ou ainda garotos que falam que agora sim os pais podem comprar tudo o que querem porque determinado banco oferece crédito acompanhado de alguns bonequinhos de brinde. Crianças e adolescentes brasileiros repetindo diariamente o nome de inúmeras marcas, que algumas vezes estão entre as dez primeiras palavras de seu recém-formado vocabulário”.

Diz ainda que “do Rio Grande do Sul ao Amapá, das periferias dos grandes centros urbanos ao interior da Bahia, eles querem se vestir e comer da mesma forma. Querem marcas – usar o tênis Nike, comer Fandangos e ter a mochila da Hello Kitty. Preferem não ir à praia ou ao campo porque sabem que lá não encontrarão tevê ou videogame. Trocam o suco de mexerica por Coca-Cola, e arroz, feijão e couve, por Big Mac com batata frita”.

Para Ana Lucia “os pais não são os únicos responsáveis pelos filhos que não param de pedir produtos vistos na tevê, que são obesos, sexualmente precoces ou com comportamentos violentos. A responsabilidade maior está nas empresas e agências de publicidade que apostam no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária da infância e adolescência para criar consumidores fiéis: as crianças de consumo”.

O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação à denúncias como essa, aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites nessa farra e ao aumento das pesquisas científicas mostrando os males da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Liberdade de Expressão e seus 30 novos significados

Organizado pelo Instituto Millenium realizou-se em São Paulo no dia 1º de março de 2010 o I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão congregando a fina flor do empresariado da comunicação brasileira e acolhendo representantes de grandes grupos de mídia da América Latina, em especial da Venezuela e da Argentina, além renomados nomes do colunismo político que brilham em nossos veículos comerciais. Pretendeu ser um contraponto à I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), cuja etapa nacional ocorreu em Brasília entre os dias 14 a 17 de dezembro de 2009. A Confecom envolveu mais de 20.000 pessoas em todo o país, recepcionou 6.000 propostas originárias das etapas estaduais e aprovou 500 resoluções.

A Confecom de Brasília trouxe à discussão temas como Produção de Conteúdo, Meios de Distribuição e os Direitos e Deveres da Cidadania, o Fórum de São Paulo propunha a defesa de valores como Democracia, Economia de Mercado e o Individualismo.

Todo cidadão brasileiro era bem-vindo para participar da 1ª Confecom. Para assistir ao Fórum Millenium era indispensável o pagamento de R$ 500,00 a título de inscrição. Na Confecom as seis maiores corporações empresariais de veículos de comunicação do Brasil fizeram questão de marcar sua ausência. No Millenium as ausentes se fizeram presentes. Dentre as quais destaco: Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidades que envolvem a Globo, o SBT, a Record, a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, a RBS, Instituto Liberal, Movimento Endireita Brasil (MEB), e outras empresas que decidiram boicotar a I Conferência Nacional de Comunicação, numa demonstração de forte apreço pela democracia. Se essas entidades desejaram evitar o confronto na Confecom mostraram-se pintadas para guerra no Millenium.

Cotejando os temas abordados no Millenium e, principalmente, os conferencistas que lá foram vivamente aplaudidos, posso imaginar que se pretende agregar novos significados ao verbete “liberdade de expressão”.

São eles:

1. Liberdade de expressão é interditar todo e qualquer debate democrático sobre os meios de comunicação.

2. Liberdade de expressão só pode ser invocada pelos que controlam o monopólio das comunicações no país.

3. Liberdade de expressão é bem supremo estando abaixo apenas do Deus-Mercado.

4. Liberdade de expressão é moeda de troca nas eternas rusgas entre situação e oposição.

5. Liberdade de expressão é denunciar qualquer debate sobre mecanismos para termos uma imprensa minimamente responsável.

6. Liberdade de expressão é gerar factóides, divulgar informações sabidamente falsas apenas para aproveitar o calor da luta.

7. Liberdade de expressão é deitar falação contra avanços sociais, contra mobilidade social, contra cotas para negros e índios em universidades públicas.

8. Liberdade de expressão é cartelizar a informação e divulgá-la como capítulos de uma mesma novela em variados veículos de comunicação.

9. Liberdade de expressão é não conceder o direito de resposta sem que antes o interessado passe por toda a via crucis de conseguir na justiça valer seu direito.

10. Liberdade de expressão é explorar a boa fé do povo com programas de televisão que manipulam suas emoções e suas carências oferecendo uma casa aqui outro carro ali e assim por diante.

11. Liberdade de expressão é somente aprovar comentários aptos à publicação em sítio/blog da internet se estes referendarem o pensamento do autor e proprietário do sítio/blog.

12. Liberdade de expressão é ser leviano a ponto de chamar a ditadura brasileira de ditabranda e ficar por isso mesmo.

13. Liberdade de expressão é imputar ao presidente da República comportamento imoral tendo como fundamento depoimento fragmentado da memória de um indivíduo acerca de fato relatado quase duas décadas depois.

14. Liberdade de expressão é apresentar imparcialidade jornalística do meio de comunicação mesmo quando os principais jornalistas fazem de sua coluna tribuna eminentemente partidária.

15. Liberdade de expressão é fazer estardalhaço em torno de um sequestro que não ocorreu há quase 40 anos com a clara intenção de tumultuar o processo político atual.

16. Liberdade de expressão é assacar contra a honra de pessoa pública utilizando documentos de autenticidade altamente duvidosa e depois fazer mea culpa na seção “Erramos”.

17. Liberdade de expressão é submeter decisões editoriais a decisões comerciais de empresas e emissoras de comunicação.

18. Liberdade de expressão é somente dar ampla divulgação a pesquisas de opinião em que os resultados sejam palatáveis ao veículo de comunicação.

19. Liberdade de expressão é não ter visto “Lula, o filho do Brasil” e considerá-lo péssimo produto cinematográfico sem ao menos tê-lo assistido.

20. Liberdade de expressão é minimizar o descaso do poder público ante as enchentes de São Paulo e reduzir candidato à presidência a mero poste.

21. Liberdade de expressão é ter dois pesos em política externa: Cuba é o inferno e China é o paraíso.

22. Liberdade de expressão é demonizar movimentos sociais e defender a todo custo latifúndios vastos e improdutivos.

23. Liberdade de expressão é usar uma concessão pública para aumentar os níveis de audiência com o uso perverso de crianças no papel de vilões.

24. Liberdade de expressão é desqualificar quem não aprecia a programação servida pelo Instituto Millenium.

25. Liberdade de expressão é rejeitar in totum toda e qualquer proposição da Conferência Nacional de Comunicação.

26. Liberdade de expressão é apostar em quem ofereça garantias robustas visando manter o monopólio dos atuais donos da mídia brasileira.

27. Liberdade de expressão é obstruir qualquer caminho que conduza mecanismos de democracia participativa.

28. Liberdade de expressão é fazer coro contra qualquer governo de esquerda e se omitir contra malfeitorias de qualquer governo de direita. Ou vice-versa.

29. Liberdade de expressão é fugir como o diabo foge da cruz de expressões como liberdade, democracia, cidadania, justiça social, controle social da mídia.

30. Liberdade de expressão é lutar para manter o status quo: o direito de informar é meu e ninguém tasca.

* Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org