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Em busca da democracia comunicacional

Mattelart esteve no Brasil durante o III Enecult para afirmar que o bom momento de diálogo sobre políticas culturais é resultado da evolução do pensamento sobre cultura nascido no fim dos anos 60 e calado pelo pensamento neoliberal entre os anos 80 e 90: “A Convenção da Unesco sobre a Diversidade Cultural", aprovada em 2005, legitima esse pensamento da cultura dissociada dos grandes meios de produção”.  

Em entrevista exclusiva ao 100canais, Mattelart foi explicativo ao relembrar o nascimento e o silenciamento dos debates sobre diversidade e criticou o distanciamento visionário dos movimentos sociais sobre cultura e avaliou positivamente a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, mas pontuou que nada adianta o trabalho do Gil se o Ministério das Comunicações não compartilha dos mesmos princípios de empoderamento que a diversidade cultural pode proporcionar. 

“Todo esse debate é sobre o que é uma democracia comunicacional. Como implantar uma política cultural pela diversidade cultural se a política de comunicação tira das mãos da sociedade as ferramentas e tecnologias para exercer seus direitos? É preciso abrir o acesso das rádios comunitárias, abrir o espectro, democratizar”, atacou Mattelart, sobre o ministro das Comunicações, Hélio Costa, que defende os interesses dos grandes radiodifusores. 

Leia os principais trechos da entrevista:  

De onde vem o conceito de “políticas culturais”?
Armand Mattelart – Tradicionalmente, a noção de políticas culturais nasce a partir da discussão internacional da Unesco, no princípio dos anos 70. A discussão sobre políticas culturais surge com o aprimoramento da visão de democratização do acesso aos bens culturais. Até então, predominava a leitura sobre cultura nos pensamentos do Iluminismo. O interessante é que, ao mesmo tempo, a relação de força entre as delegações dos países do sul e do norte na Unesco ficou equilibrada. Os países do terceiro mundo eram maioria. Assim, a problemática da relação entre a comunicação e os povos virou pauta. E, mais tarde, na Conferência da Unesco no México, em 1982, já se reivindicava a necessidade de políticas culturais, com princípios antropológicos. Com isso, avança a consciência de elaborar políticas de democratização da comunicação, para que seja respeitado o que se denominou direito humano à comunicação. Isso se legitima no relatório “Um Mundo, Várias Vozes” de McBride. E foi no México que, pela primeira vez, reivindicou-se que políticas de democratização da comunicação andassem juntas com políticas culturais. 

Mas a Unesco perdeu força depois disso…
Sim. Os Estados Unidos e a Inglaterra abandonaram a Unesco. Sendo eles os grandes patrocinadores do órgão, a Unesco ficou enfraquecida. Depois de um tempo, houve um momento de hibernação sobre os debates dessa questão. O que ocorre é que a Unesco progressivamente voltava a compreender a cultura relacionada às problemáticas da sociedade. Passou-se a discutir, então, o problema das indústrias culturais, sistemas e concentração da comunicação, o diálogo das culturas. E a Convenção da Unesco sobre a Diversidade Cultural, aprovada em 2005, legitima esse pensamento da cultura dissociada dos grandes meios de produção. A sociedade civil envolvida nesse processo, nesse pensamento, passou a compreender que não é possível então estabelecer políticas culturais sem pensar também políticas de democratização dos meios de comunicação. É impossível pensar políticas culturais dissociadas das políticas de comunicação. Há necessidade de descentralização dos meios de comunicação. Acesso à palavra. Acesso às ondas de rádios. Diversidade cultural. 

E como a Convenção se concretiza de fato em políticas nos países que a ratificaram?
Primeiro é fundamental lembrar que essa movimentação toda trouxe os Estados Unidos de volta para a Unesco. Que votou, junto com Israel, contra a Diversidade Cultural. Agora, em todos os países, até mesmo na França [que, segundo Mattelart, tem grande tradição na implantação de políticas culturais] a visão de identidade nacional ainda está associada à expressão de seus grandes campeões, de seus ídolos. Quando os movimentos sociais estiverem participando de forma mais efetiva e utilizá-la como instrumento e fim de suas lutas, percebendo que a cultura é transversal a todos os outros direitos reivindicados, avançaremos. 

Como a academia está trabalhando a relação com o Estado nessa questão hoje?
No princípio dos anos 80, houve um processo de desregulamentação conceitual. Com a entrada das desregulamentações das políticas, gerada pelo processo de globalização, todos perderam a noção do que é política pública. E a unidade acadêmica acaba refugiando-se nos novos conceitos neoliberais. Só depois surge a proposta de quebra com o conceito anti-globalização e com a proteção das expressões culturais. Eu penso que é muito concreto que, nos anos 80 e 90, a universidade caiu no culturalismo. Um dos índices que nos apontam isso é a proliferação de estudos sobre consumo cultural em contraste com a ausência no estudo da produção. Hoje, acredito que é possível tratar a cultura não apenas no economicismo e nem no culturalismo. Reconciliar os aspectos da cultura é fundamental. A economia política da comunicação e da cultura precisa ser abraçada pela academia. 

Gostaria que o sr. fizesse uma avaliação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura do Brasil.
É positiva minha avaliação sobre Gilberto Gil. Mas o importante é que o Ministério das Comunicações não compartilha da mesma visão sobre a comunicação e a cultura que Gil e sua time. Todo esse debate é sobre o que é uma democracia comunicacional. Como implantar uma política cultural pela diversidade cultural se a política de comunicação tira das mãos da sociedade as ferramentas e tecnologias para exercer seus direitos? É preciso abrir o acesso das rádios comunitárias, abrir o espectro, democratizar. O Gil é bom, mas não é o ideal, porque seu governo não compartilha de sua visão. 

(*) Carlos Gustavo Yoda cobriu o evento a convite da organização.

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Teia firma-se como maior encontro da Diversidade Cultural no Brasil

A TEIA, o maior encontro da diversidade cultural no Brasil, reunirá em novembro, em Belo Horizonte, os Pontos de Cultura participantes do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, do Ministério da Cultura, e terá centralidade, neste ano, na relação entre Cultura e Educação.  

Em abril de 2006, o Pavilhão da Bienal de São Paulo recebeu a primeira edição da TEIA, celebração pública e presencial dos Pontos de Cultura e pontapé inicial de um processo de vivência e participação para a construção pública do Programa Cultura Viva. O mote “venha se ver e ser visto” abarcou a Economia Solidária como eixo conceitual propositivo. 

Naquela ocasião, o Brasil contava com 443 Pontos de Cultura conveniados, dos quais 400 participaram da mostra. Hoje somos 511 Pontos, conveniados diretamente com o MinC. E mais 168 conveniados a partir das Redes de Pontos, em um total de 679 Pontos de Cultura. No próximo encontro, a ser realizado em Belo Horizonte, entre os dias 7 e 11 de novembro de 2007, já serão 806 Pontos de Cultura. 

A proposta de um encontro presencial dos Pontos de Cultura corresponde aos esforços do Ministério da Cultura de construir de forma sistematizada, organizada e democrática, uma política pública de cultura para o país. Desde o processo de idealização até a distribuição de atividades dos mais de 650 Pontos que estarão presentes, tudo busca a articulação de todos, em uma iniciativa do poder público, via os ministérios da Cultura, Educação e Trabalho, realizada pela sociedade civil, articulada pelo Instituto Pensarte e viabilizada por patrocínios de empresas privadas e públicas. O lema escolhido para a TEIA em 2007 é Tudo de Todos. 

Além do encontro presencial, o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura trabalhará virtualmente a partir da Plenária Virtual, no site da TEIA, www.teia2007.com.br, que estará no ar a partir do dia 13 de junho. O debate determinante de relação e pensamento do futuro dos Pontos de Cultura acontece em todo o processo da TEIA sob a perspectiva da construção de plataformas democráticas de participação, tendo em vista a necessidade da conquista de autonomia, protagonismo e empoderamento da TEIA para além da construção que hoje ainda é articulada pelo Ministério da Cultura. A TEIA lança as bases metodológicas para que, em 2008, os Pontos de Cultura participem ativamente de todo o processo, desde a elaboração até a execução do projeto.  

Organizados por meio de um processo colaborativo que envolve uma rede independente de empresas culturais, os espaços que compõem a TEIA em Belo Horizonte estão divididos para abrigar, tematicamente, cinco Territórios: Expressão, Diálogo, Práxis, Trabalho e Celebração. A construção dos Territórios determina a divisão dos elementos que compõe a TEIA, não necessariamente em uma repartição espacial e geográfica, mas conceitual, simbólica. 

Estes cinco campos conceituais são perpassados por temas transversais mais abrangentes, notadamente a relação entre Cultura e Educação, além da forte presença da Economia Solidária, mote da TEIA em 2006. O encontro buscará sempre aproximações entre ações que se desenvolvam com a consciência social, que incorpora referências simbólicas na consolidação da cidadania, e com os processos de exploração, uso e apropriação de códigos de diferentes meios e linguagens artísticas e lúdicas nos processos educacionais, pretendendo, com isso, ampliar o acesso aos meios de formação, criação, difusão e fruição cultural por meio da ação de agentes culturais, arte-educadores, educadores de rua, artistas, professores e cidadãos, compreendendo cultura no seu sentido mais amplo – como direito, comportamento e economia. Além, é claro, dos aspectos ligados à potencialização de energias sociais e econômicas para o desenvolvimento de uma cultura cooperativa, solidária e transformadora. 

Os principais espaços de prática política da TEIA são os territórios do Diálogo e o da Práxis. Partindo do princípio de que as formas de fazer dos Pontos são geradoras de uma qualidade de conhecimentos ainda pouco difundidos, a intenção é partir para a tomada de consciência de que é preciso decodificá-los para articular os saberes que eles representam. Assim, é fundamental o Diálogo, como resultado de um processo de cooperação e de trabalho conjunto para construir um significado comum a todos os interlocutores. 

Nessa lógica, o Seminário Internacional Saberes Vivos terá o objetivo de provocar a troca dos saberes acadêmicos com os dos Pontos. O espaço Conversê, por sua vez, será o ponto de encontro, reuniões, articulações e contatos entre os Pontos, com suporte multimídia de registro e difusão. No terreno da Expressão, acontecerá o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, que reunirá todos os Pontos para desenvolver a agenda política do Programa Cultura Viva. Além disso, será organizada a Mostra ArteViva, que pretende resignificar o conceito de arte para além da visão elitista e/ou européia. 

O Território do Trabalho abrigará o Mercado Criativo, um novo conceito de vitrine para os produtos provenientes dos Pontos, organizado para reuni-los pelos tipos de manufatura que desenvolvem, e não por estados, o que propiciará o melhor aproveitamento na troca de saberes. A Feira de Economia Solidária também estará presente e integrada à TEIA com um conceito ativador das capacidades produtivas dos Pontos, numa nova visão de economia e desenvolvimento para o país. Já o Palco em Obras será uma das grandes atrações de público, unindo em apresentações artísticas músicos consagrados em diálogo com artistas dos Pontos. 

E o último fio da TEIA é o da Celebração. Nele, o Circo Brasil será um palco aberto para manifestações artísticas. Na programação especial, uma grande Parada da Diversidade Cultural e a elaboração do Circuito Cidade Viva, a fim de promover a integração da cidade e de sua população com os visitantes de todos os cantos do país. Um restaurante será especialmente montado para alimentar os agentes culturais que participarão do evento. 

Belo Horizonte, capital mineira, foi escolhida para acolher o maior encontro da diversidade cultural no Brasil por concentrar, em uma área pequena, os aparelhos culturais necessários para garantir a proposta de Tudo de Todos, acolhendo os diversificados tipos de atividades que comporão o encontro presencial dos Pontos de Cultura. Nove equipamentos na região central do município formarão um amplo corredor cultural, ocupando a Casa do Conde, a Estação do Conde, o Centro Cultural UFMG, a Praça da Estação, o Museu de Artes e Ofícios, a Serraria Souza Pinto, o Teatro Francisco Nunes, o Parque Municipal e o Palácio das Artes.

 

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