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Em PE, silêncio sobre o Estelita contrasta com a valorização dos atos anti-Dilma

Por Eduardo Amorim*

Muito já se falou sobre o quanto a mídia nacional assume posturas distintas em relação às diversas manifestações que ocorrem no país desde junho de 2013. Mas é interessante perceber como nos jornais locais esse fenômeno se repete. No Recife, no último domingo, enquanto foi organizada uma manifestação claramente anti-Dilma no bairro Boa Viagem, no Cais José Estelita havia a mobilização Ocupe Campo-Cidade, que pela primeira vez uniu os diversos grupos que compõem o Movimento Ocupe Estelita, o Levante Popular da Juventude e grupos que fazem a luta no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), representantes do povo Xukuru e agricultores agroecológicos.

Nos jornais do fim de semana, as mobilizações anti-Dilma ganharam dezenas de chamadas, assim como na programação nacional das principais redes de televisão. Já o Ocupe Campo-Cidade, teve apenas algumas reportagens publicadas em sites de organizações sociais, como o Centro Sabiá (onde atuo profissionalmente), e de portais como o Leia Já e Diário de Pernambuco.

Na segunda-feira, os três principais jornais pernambucanos admitiram o fracasso de público das manifestações pelo Brasil e no Recife, mas suas manchetes reafiramam que a pressão é cada vez maior contra a presidenta Dilma Roussef. Todos praticamente ignoraram o protesto relacionado ao próprio estado e que, nos últimos meses, conseguiu trazer à tona a discussão sobre o modelo de cidade que vem sendo produzido.

No Jornal do Commercio, único que teve uma pequena chamada de capa para o protesto organizado pelos movimentos sociais, uma foto grande de público vestindo amarelo estava acompanhada pelo título “Protesto menor. Governo silencia”. A exposição contrasta com a nota de apenas uma coluna com o nome “Estelita”. Em uma página preta e branca, na parte inferior e menos valorizada do periódico, o JC publicou a única matéria da imprensa escrita sobre o Ocupe Campo-Cidade. Com maior destaque e cores, vieram as reportagens sobre o ato anti-PT em Boa Viagem e no resto do país.

Na caderno Poder do Diário de Pernambuco, a capa e duas páginas coloridas trazem a cobertura dos protestos nacionais e do que aconteceu no Recife, o Ocupe Campo-Cidade só aparece no site e em uma nota com foto na parte inferior esquerda do caderno Local. A Folha de Pernambuco destou exclusivamente o ato “anti-PT”, embora tenha pontuado a diminuição do número de participantes, na comparação com o ato do dia 15 de março. De propriedade do usineiro Eduardo Monteiro, o jornal não mencionou o Ocupe Campo-Cidade nem mesmo no seu site.

A valorização de um em detrimento do outro também se dá na contagem dos participantes. Curiosamente, o texto Jornal do Commercio JC sobre o Ocupe Campo-Cidade fala na presença de 3.000 pessoas, mas a única imagem que foi publicada é fechada e tem três pessoas comprando produtos agroecológicos de um vendedor com a bandeira do (tão criticado) Movimento Sem Terra tomando quase metade do espaço.

O Ocupe Campo-Cidade vinha sendo planejado desde janeiro e tinha como principal objetivo mostrar as similaridades entre os problemas enfrentados nos meios rural e urbano. Entre elas, as irregularidade no leilão que possibilitou o início do projeto Novo Recife, projeto idealizado para ser realizado na área do Cais José Estelita, que foi ocupada por 50 dias pelo movimento e teve uma violenta desocupação realizada em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo pela Polícia Militar. A lógica em nada difere da grilagem de terras denunciada por diversos movimentos ligados ao campo. Bem como não difere o uso da violência do Estado contra os movimentos sociais.

Não é possível aceitarmos a continuidade da imposição do silêncio e de lógicas opressoras. “O exercício do bom senso, com o qual só temos o que ganhar, se faz no ‘corpo’ da curiosidade. Nesse sentido, quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso” dizia Paulo Freire.

Um dos pernambucanos mais conhecidos de todos os tempos, o pedagogo não é nome de nenhuma importante praça, avenida, ponte ou monumento no Recife. Conhecido internacionalmente pelas suas pesquisas e pelo trabalho de alfabetização de adultos, ele acabou virando referência negativa de um grupo de manifestantes que foi às ruas no início das manifestações anti-Dilma.

Mas a comunicação em geral tem dois lados e certamente a faixa levada pelo grupo e que dizia “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire” serviu mais para alertar para a necessidade de se voltar ao trabalho do criador do Programa Nacional de Alfabetização (criado no governo João Goulart e extinto pela Ditadura Militar) do que como crítica ao autor falecido em 1997. E também mostra a despolitização de algumas das lideranças da onda generalizada de protestos anti-Governo.

Reagindo a essa tendência, é preciso afirmar a crítica e trazer à tona as indagações. Há de se questionar a escolha de fazer uma cobertura abrangente, com foco nas demandas da população, espaço para comentários de diversas fontes, reserva inclusive de horários e espaços normalmente destinados ao entretenimento para alguns, enquanto a outros é destinada a sobra. Quando é.

É preciso fazer uma leitura crítica desse fenômeno. Será que, a partir de agora, os protestos dos movimentos do campo não precisam ter seus cartazes mostrados no horário nobre? Finalmente os desapropriados pelas obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas terão suas histórias dramáticas contadas sem cortes nas principais emissoras do país? Aparentemente, nenhuma mudança significativa aconteceu nos veículos de mídia nacional e nem nos de Pernambuco.  Mas as perguntas são necessárias para quem assistiu de casa ou participou nas ruas dos protestos do último domingo no Recife, para que comecemos a virar uma página importante da alfabetização política no Brasil.

Um crítico da cobertura da TV Globo pode corretamente identificar que a emissora, assim como outros grandes veículos, usou técnicas publicitárias para fazer que os protestos anti-Dilma conseguissem realmente mobilizar grande quantidade de pessoas em todo o país. As chamadas durante toda a semana e desde cedo pela manhã faziam com que os cidadãos já amanhecessem sabendo o que esperava o domingo na Avenida Boa Viagem, na Paulista, em Copacabana e em tantas outras cidades.

Os maiores veículos locais do país reverberaram esse aquecimento. No último domingo, a TV Globo, pela segunda vez, iniciou a cobertura dos protestos logo após o Globo Rural, repetindo o que já havia acontecido no 15 de março.

Quantos protestos no Brasil não mereciam o destaque que receberam essas duas mobilizações? O cuidado de se investigar o que querem os manifestantes, que em certo momento até confundiu quem estava assistindo pela TV, só me fez lembrar das dezenas de vezes que vi nas ruas questões extremamente relevantes serem silenciadas pela mídia.

Os manifestantes majoritariamente de esquerda que estiveram no Ocupe Campo-Cidade certamente tiveram suas lições de alfabetização para a era digital. Agora, um outro grupo identificado provavelmente com ideias mais conservadoras chega às ruas e muitos deles certamente com desejo efetivamente de melhorar o país. Das lições que trago de junho de 2013,  diria que Paulo Freire e a alfabetização de adultos já não é suficiente, precisamos falar também em política e educação para a mídia e a era digital.

Para voltar pedagogicamente ao educador, lembro que para ele “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”. Para que a comunicação contribua no processo de transformação social, como esperava Freire, não basta sonhar que alguns destaques de cobertura do protesto anti-Dilma servissem também para o Ocupe Campo-Cidade ou pautas similares dos movimentos do campo e rural, que pregam a reforma agrária (MST), a agroecologia ou uma nova relação do poder público com as terras urbanas, como o Movimento Ocupe Estelita. É preciso que seja vista como direito. Direito exercido por todos e todas nós.

*É integrante do Intervozes e mestrando em Comunicação pela UFPE.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Mídia e democracia na encruzilhada

Por Helena Martins*

​Ao que a sociedade brasileira assistiu nos últimos dias certamente precisará de tempo, debate e maturação para ser compreendido em toda a sua complexidade. É difícil, por meio de análises rápidas, muitas vezes absolutamente polarizadas e impregnadas pelo calor dos acontecimentos, analisar a indignação e o direcionamento que tem sido dado a ela. Esquerdas e direitas se defrontam agora com o desafio de disputar os rumos do que está posto, testando sua capacidade convocatória e a adesão aos diferentes programas e alternativas societárias.

No entanto, uma questão que sem dúvida salta aos olhos é a centralidade que os meios de comunicação ocupam neste momento. Centralidade que está na internet e nas possibilidades que se abrem de constituição de diferentes formas de fazer política; nos meios tradicionais de comunicação, em especial a televisão, que mais uma vez mostraram capacidade de influência na leitura dos processos em curso, ao produzirem e divulgarem um discurso hegemônico; ou mesmo nas novas ferramentas como o whatsapp, que tornaram massivas mensagens muitas vezes anônimas e conteúdos que dispensam o contraditório. São as formas de se organizar, conhecer, debater e pensar que estão mudando. E a configuração atual das mídias está estreitamente vinculada a isso, com impactos ainda difíceis de precisar.

Diriam os funcionalistas que um dos papeis que a mídia cumpre na sociedade é exatamente buscar apresentar respostas comuns aos problemas sociais. Por mais que essa seja uma perspectiva incapaz de apreender toda a complexidade do processo comunicacional, certamente ainda é orientadora das ações de empresas de comunicação que buscam, devido aos seus próprios interesses, influenciar as respostas que a sociedade deverá dar a esses problemas. É o que tentam fazer agora diante da profunda crise política que o país vivencia.

Durante a cobertura dos protestos do 15 de março, a repetição do argumento, por exemplo, buscou eliminar as diversas possibilidades de leitura dos fatos. Passamos todo o domingo ouvindo um mantra que tinha como início a afirmação de que as manifestações foram espontâneas e não contaram com a presença de partidos, embora algumas das agremiações mais conservadoras da sociedade tenham ido inclusive à mídia convocar os protestos. Passava pela garantia de que os atos eram pacíficos, afinal a cobertura das jornadas de junho e de seus desdobramentos mostrou como o destaque à violência serve para esvaziar as mobilizações. E terminava com a afirmação de que se tratou de um conjunto de atos em defesa da democracia.

Se todo o exposto carece de outras abordagens, este último ponto, de cara, carece é de indignação. Não, não é possível reduzir o que aconteceu a um ato em defesa da democracia. Não é possível ignorar as manifestações explicitamente contrárias ao regime atual e que pediam o impeachment, uma intervenção militar, o fim do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras saídas absolutamente conservadoras e certamente danosas para a sociedade. Não é possível silenciar diante das defesas do fim da diversidade de pensamento, das quais não escaparam Karl Marx ou Paulo Freire, muito menos ignorar as agressões às mulheres e aos homossexuais, atingidos por palavras de ordem que, se não quebram vidraças, certamente violentam profundamente esses grupos e todos e todas nós que nos solidarizamos e juntamos a eles.

No dia em que registramos os 30 anos da volta ao regime democrático em nosso país, a história foi esquecida. As torturas, a ausência até da possibilidade de protestar, o distanciamento da população da vida política do país e toda a luta para a conquista da democracia foram ignorados. O presente foi apresentado como totalidade diante de um passado que se nega e um futuro que não se questiona. Seria preciso ao menos recordar, palavra que, como certa vez lembrou Eduardo Galeano, significa voltar a passar pelo coração. Por quê? Porque não deixa de assustar que os sombrios anos ditatoriais sejam agora exaltados por uma parcela da população, muitos jovens inclusive, que deveria querer viver, se expressar livremente e nutrir amor pelo outro, pela humanidade.

Ao contrário, na cobertura de domingo não houve espaço para fazer do passado um elemento central para a problematização da situação presente, da crise mundial ao desgaste da política institucional. Perdeu-se a oportunidade de negar as saídas golpistas que estão sendo apresentadas, contextualizar a origem dos problemas, apresentar outras saídas e também de gerar a pergunta que deveria ser feita tanto por quem saiu às ruas no dia 13 quanto no dia 15: o que devemos fazer com a indignação que nos atravessa, seja pelos cortes nos direitos, a corrupção ou pela falência do sistema político atual?

À mídia hegemônica nada disso interessa. Irresponsável, tomada pelo desejo de sangrar o governo e com isso ampliar sua centralidade política e a barganha, fez de sua programação dominical um efetivo instrumento de convocação às ruas. E começou logo cedo, ao vivo, com helicópteros, plantões ao longo da programação e o que mais fosse necessário para garantir ares grandiosos aos protestos, mesmo quando a quantidade de pessoas ainda não justificava tamanha cobertura. Esta, aliás, foi por todo o dia animada por comentaristas e pelos tais especialistas que compartilhavam essencialmente das mesmas posições políticas.

Se os exemplos do passado, como o golpe de 1964 e as Diretas Já, não deixavam esquecer a centralidade da mídia na política, o que vimos nos últimos dias e o que veremos nos próximos devem ser lidos à luz de uma questão: qual o papel atual da mídia na democracia brasileira? Isso está em jogo e pode ser determinante. Seja para garantir a vitória de uma reação mais conservadora ou para alargar os horizontes da nossa pobre democracia, carente de participação direta, de controle popular sobre os mandatos, de transparência e de espaços para que as diversas opiniões sejam conhecidas e problematizadas de fato.

Vivemos em uma sociedade mediada pelos meios de comunicação. Meios – ou melhor, instituições – que são detentores de interesses políticos e econômicos. Essa mediação tanto interfere na agenda política quanto no próprio fazer político, hoje indissociável da comunicação. Por isso, quando defendemos e lutamos pela democratização das comunicações, temos em vista exatamente a necessidade de que múltiplas vozes circulem nos espaços de socialização e construção de sentidos. Temos em vista a necessidade desses meios, sobretudo dos que usam uma concessão pública para chegar aos nossos lares, serem debatidos, acompanhados e regulados pelo Estado, tomado aqui em seu sentido ampliado. Tudo isso para que, por exemplo, não sejam usados para atentar contra direitos, como vemos cotidianamente, e a própria democracia.

Se a sociedade em geral e as esquerdas, em particular, não entenderam a importância dessa pauta, o 15 de março não deixa dúvidas. Os setores mais conservadores se valeram da mídia e certamente aprovaram os resultados de termos, ainda hoje, um sistema de comunicação marcado pelo oligopólio midiático e pelo atrelamento aos históricos donos do poder.

* Helena Martins é doutoranda em Comunicação Social pela UnB, integrante do Intervozes e representante do coletivo no Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

FNDC cria plataforma online para coleta de assinaturas

Segundo informações da Campanha para Expressar a Liberdade, sistema possibilitará um voto único por pessoa. O passo seguinte será a validação dessa coleta.

A coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, afirma que a iniciativa é uma forma de ampliar a visibilidade da proposta e o diálogo com a sociedade.

“Nosso projeto articula propostas para regulamentar a Constituição e, acima de tudo, quer dialogar com a sociedade. Acho que a experiência de participação social na construção do Marco Civil da Internet nos mostra que a rede é um instrumento eficiente para articular a sociedade em torno das causas democráticas, por isso, nossa expectativa é de que o apoio à Lei da Mídia Democrática ganhe mais amplitude”, afirma.

A Campanha explica que o usuário da rede deverá acessar um formulário online de apoio ao Plip, a ferramenta estará disponível no site e faz parte do conjunto de estratégias para ampliar a visibilidade da proposta e promover a discussão sobre a necessidade de democratizar a comunicação social no Brasil.

Lançado no primeiro semestre de 2013, por dezenas de entidades da sociedade civil e do movimento social, a proposta precisa da adesão de 1% do eleitorado nacional para ser protocolizado na Câmara dos Deputados e poder seguir o trâmite normal até virar lei.

O projeto regulamenta os Arts. 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição Federal. Entre os principais dispositivos estão a criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública, veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos, proibição do aluguel de espaços da grade de programação e a definição de regras para impedir a formação de monopólio e a propriedade cruzada dos meios de comunicação, entre outros pontos.

Fonte: FNDC

“Esperamos que o governo avance um novo marco regulatório para as comunicações”

Para muitos, é tão óbvio quanto angustiante: a mídia empresarial brasileira é dominada por monopólios consolidados na época da ditadura militar e não representa qualquer esboço de democratização das comunicações. Apesar das mídias ditas alternativas, a diversidade de opinião nos grandes meios de comunicação é inferior à dos anos 50 do século passado. Além disso, a falta de vez e voz das maiorias é dramatizada por um vazio jurídico pouco conhecido do público. Isso sim, devidamente censurado do noticiário.

“Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população. Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral”, resumiu a jornalista Bia Barbosa em entrevista ao Correio da Cidadania.

Na entrevista, a jornalista se vale da postura de diversos veículos nas eleições, de modo a deixar claro que tais grupos de mídia têm imensos interesses políticos e econômicos refletidos em seus conteúdos. “Acredito que os meios de comunicação ‘têm lado’ na disputa de um projeto de país. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos.”

Bia Barbosa comenta ainda diversos pontos a serem contemplados por um Projeto de Lei da Mídia Democrática, desenvolvido pelos diversos grupos que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e que visa, antes de tudo, regulamentar artigos constitucionais até hoje hibernados. No entanto, “não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário no segundo governo Dilma”, pontuou Bia Barbosa.

Como analisa o atual cenário das comunicações no Brasil, especialmente no que diz respeito à sua propriedade, aos conceitos de liberdade de imprensa e expressão e à regulamentação da mesma?

Bia Barbosa – O cenário brasileiro das comunicações pode ser bem caracterizado pela grande concentração da propriedade. Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico (rádios e TVs) é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população, que não pode ser considerada usuária da rede mundial de computadores.

Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral. Esse desafio nos coloca uma demanda muito grande de mobilização pra enfrentarmos a conjuntura e transformar o cenário midiático brasileiro.

Sabemos do enorme poder político e econômico das empresas de comunicação. Enfrentá-lo, para garantir que o poder público tenha vontade política de democratizar a voz e a liberdade de expressão, é algo que requer uma organização e mobilização muito grandes da sociedade civil. E é nesse sentido que temos trabalhado. O Intervozes é só um dos grupos que faz a luta, ao lado do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e centenas de outras entidades que têm essa luta como prioritária.

Qual a sua opinião quanto ao comportamento da mídia nos últimos anos, especialmente nas gestões petistas e no mandato de Dilma Rousseff, no que se refere a este contexto analisado?

B.B. – Acredito que os meios de comunicação “têm lado” na disputa de um projeto de país. Isso tem ficado cada vez mais claro ao menos em uma parcela da chamada grande mídia. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. Vimos o comportamento dos grandes veículos no processo eleitoral, principalmente no segundo turno das eleições, mas é algo que se manifesta cotidianamente. Não só na eleição, mas nos grandes temas que envolvem o futuro da nação e os direitos da cidadania em geral.

O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. E a entender que o conteúdo veiculado em tais meios é feito a partir de opções político-ideológicas deles mesmos. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos. Mas o simples fato de a população conseguir entender que há opções claras por trás das escolhas editorais, com defesas ou críticas a projetos, já faz com que telespectadores, ouvintes e leitores tenham uma postura mais crítica e autônoma em relação ao que tais veículos publicam, sem achar que ali constam verdades absolutas e inquestionáveis.

É claro que ainda temos desafios muito grandes. A televisão, em especial, tem um poder muito grande na formação da opinião pública nacional, mas avançamos cada vez mais no sentido da compreensão das pessoas sobre o papel dos meios de comunicação, entendendo suas escolhas e linhas editoriais, o que permite uma leitura mais crítica desses veículos.

Acredita que o novo mandato de Dilma possa avançar um processo de radical democratização da mídia, é possível ter otimismo quanto a isso?

B.B. – Temos de ser otimistas, senão desistimos de lutar. Mas não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário. Saudamos a presidente Dilma quando diz que pretende abrir debate com a sociedade sobre a necessidade de fazer a regulação dos meios de comunicação.

É importante para desmistificar a ideia de que qualquer regulação é censura, como propagandeiam diariamente os meios de comunicação, que não querem, justamente, a democratização do setor. Com isso, colocam na cabeça das pessoas que a regulação poderia cercear a liberdade de expressão no país, o que não é verdade.

Assim, temos expectativa de que as declarações da presidente, tanto no segundo turno como nas entrevistas após o resultado eleitoral (ao dizer que o setor das comunicações, assim como outros, a exemplo da economia, precisa ser regulado, a fim de enfrentar a concentração da propriedade, quebrar monopólios, garantir uma diversidade maior de vozes no espaço midiático), se tornem ações concretas. E que, de fato, seja aberto o debate com a sociedade sobre a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações.

Do nosso ponto de vista, dos movimentos sociais, cobraremos que tal agenda seja realmente implementada. O que não pode continuar acontecendo é, depois de 12 anos de governo de esquerda no país, o debate seguir interditado. Não temos expectativa de que a questão, delicada e polêmica, se resolverá em quatro anos. Mas pelo menos o debate tem de ser aberto.

Quais medidas seriam, em sua opinião, essenciais a caminho dessa democratização? Como, por exemplo, a ideia de propriedade pública entra nesse contexto?

B.B. – O movimento social tem um conjunto de demandas já construído, a partir das resoluções da primeira Conferência Nacional das Comunicações, em 2009, que foram sistematizadas em torno de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, o Projeto da Mídia Democrática. Esse projeto, para o qual coletamos assinaturas em todo o país, prevê, em primeiro lugar, a regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da comunicação, desde o que proíbe o monopólio até os que preveem a garantia do direito de resposta, o incentivo à produção independente e regional, a complementaridade entre os sistemas públicos, privados e estatais. Todos esses artigos carecem de leis específicas, o que faz com que sigam valendo como princípios constitucionais, mas não sejam implementados na prática.

Nosso Projeto de Lei da Mídia Democrática também avança em outras questões, como a importância de garantir a diversidade da representação étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de respeito às pessoas com deficiência nos meios de massa etc. Defende mecanismos de proteção aos direitos das crianças e adolescentes na mídia, fala da importância de políticas públicas que incentivem a radiodifusão comunitária…

Enfim, trata-se de um conjunto de propostas que convidamos todos a conhecer. Também está no site Para Expressar a Liberdade, que sintetiza uma série de questões fundamentais de garantia do direito à comunicação no Brasil.

Finalmente, o que pode nos contar do seminário promovido pelo Fórum Nacional de Democratização das Comunicações e as atividades que se seguirão na Câmara dos Deputados?

B.B. – O seminário realizado pelo FNDC foi preparatório para o Fórum Brasil de Comunicação Pública, que ocorreu na Câmara e reuniu diferentes atores do campo público. Emissoras de rádio e TV, legislativas, públicas, comunitárias, universitárias e educativas, têm uma série de desafios a enfrentar para a consolidação do campo público da comunicação brasileira.

Nos últimos anos, tais entidades estavam desarticuladas, sem espaço de diálogo para construir estratégias comuns de ação. E como sabemos que o campo privado e comercial é muito forte e organizado, a garantia de espaço para o campo público requer muita articulação e mobilização. O que tentamos construir no Fórum é justamente isso, para pensarmos estratégias comuns. Foram mais de 300 pessoas participando e pode-se encontrar tudo no site e no canal de TV da Câmara.

Entrevista concedida a Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, publicada no Correio da Cidadania – www.correiocidadania.com.br

Democratização da comunicação: muito além do debate eleitoral

Por Eduardo Amorim*

O debate pós-eleitoral incorpora um tema novo, antes discutido aprofundadamente apenas em grupos restritos. A agenda da democratização da comunicação não é nova. É fundamental para a política, economia, cultura e a vida nas cidades brasileiras.

O grito ouvido durante o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo!”. A fala da candidata Luciana Genro no início do debate final do primeiro turno. O questionamento à cobertura no caso da Escola Base. E tudo que ocorreu após a criticada edição do debate entre Collor e Lula em 1989 são apenas as exceções que comprovam a regra. O tema é mais uma vítima do silenciamento promovido pelas principais empresas de comunicação do Brasil.

Por isso, passadas as eleições, é hora de fazermos uma reflexão que vá além das disputas partidárias para entender onde podemos chegar, ou para que caminhos essa discussão pode nos levar, diante do contexto de um Congresso Nacional com forte representação conservadora e uma quarta gestão petista no Palácio do Planalto. Para iniciar, uma provocação: você se lembra de um tema que sofreu censura na sua cidade em 2014? A verdade é que o silenciamento acontece diariamente, apesar da maioria não ficar sabendo. Na crítica cultural, no jornalismo esportivo, na economia, nas páginas de política e também em relação aos direitos urbanos.

No Recife, cito de cara o fato de um estudante da UFPE ter sido atingido com um golpe de estrovenga na cabeça por um funcionário público durante uma operação de higienização da cidade antes da Copa do Mundo.Um absurdo filmado, fotografado, mas que não mereceu nenhuma linha nos jornais pernambucanos. Por sinal, nem os mais criticados programas policiais da TV se referiram à violência. E pouco se ouviu falar até mesmo do movimento em que o jovem estava envolvido nas rádios pernambucanos, apesar do #OcupeEstelita ter sido talvez o mais forte movimento de resistência urbana durante o período do Mundial 2014 no Brasil.

A recente chacina em Belém é um exemplo que merece bastante atenção. A situação, para um jornalista com experiência em redações, parece ser um absurdo que mereceria estar naqueles históricos plantões de horas ao vivo na televisão, nas manchetes de jornais de todo o Brasil, ocupando espaço privilegiado nos portais e também nos debates de rádio. Ao contrário, se vê uma pequena cobertura, quase que pedindo desculpa por divulgar uma violência extrema, que aparentemente foi articulada via redes sociais para se vingar pela morte de um policial. O fato do número de mortes ainda não ter sido confirmado (terão sido nove ou mais vítimas?) só reforça a importância de uma cobertura corajosa.

Após o resultado eleitoral, o auditório que assistia à fala de posse da presidente Dilma Rousseff era formado basicamente por partidários da candidata vitoriosa, jornalistas e integrantes de movimentos sociais e partidos associados ao PT. Revoltados com as denúncias sem provas feitas pela revista Veja, às vésperas das eleições mais disputadas da nossa recente democracia, e a repercussão que deu a principal emissora de TV do Brasil, especialmente no sábado à noite, milhões ouviram o grito contra a Globo.

Mas, sinceramente voltarmos a falar como se fosse só a família Marinho o problema é reduzir demais um debate complexo. Como também é muito pouco pensar nessa questão apenas a partir do exemplo das eleições. Temos que ter noção de que os interesses financeiros por trás dos grupos de comunicação influenciam em todos os momentos, da vida esportiva à cultura de uma cidade, passando também pelo campo e os pequenos municípios, onde muitas vezes o domínio dos poucos veículos é ainda mais grosseiro.

Para aqueles que estão começando a olhar para esse jogo agora, é preciso deixar claro que a eleição é apenas um exemplo de como os grupos empresariais que controlam os grandes veículos de comunicação no Brasil pautam a nossa sociedade de acordo com o interesse deles. E para vencer a batalha para conseguir a democratização do setor, é preciso unir forças que representam diversas matizes sociais.

É preciso entender que o principal atingido pela manipulação da mídia não é o Governo Federal, ou qualquer outro gestor público, mas sim a população em geral. Refém de veículos de comunicação que têm nos anúncios sua principal fonte de renda, essas populações veem suas demandas muitas vezes silenciadas.

Por isso, a pauta da democratização da comunicação é das ruas. Muito antes de qualquer resultado eleitoral, é dos movimentos que fizeram recentemente a Semana pela Democratização da Comunicação e que lutam para construir o FNDC. Mas é também dos ativistas da internet e das rádios comunitárias, é dos artistas e comunicadores que ainda buscam espaço para desenvolverem seus trabalhos, mas é preciso que toda a sociedade assuma a importância desse tema.

Os questionamentos surgidos durante as eleições –  e que foram pauta também do ‘I Encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos?’ – são uma importante oportunidade para reunir pessoas que acreditam na necessidade de lutar pelo direito à comunicação. Toda a movimentação relacionada à demanda pela reforma política também deve casar a democratização da comunicação.

É preciso ter foco e, ao mesmo tempo sonhar, pois podemos ter na comunicação uma ferramenta essencial para fazer um país mais justo.

*Eduardo Amorim é integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.