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Democratização da comunicação: o que aprender com nossos vizinhos?

Por André Pasti*, de Quito

Não há democracia genuína sem democratizar os meios de comunicação. A afirmação, feita pelo sociólogo argentino Atilio Borón nesta quinta-feira (23/7), vai mais longe: para ele, é necessário favorecer o surgimento efetivo de mais “vozes” na mídia a partir dos povos, para evitar que se substitua a atual “ditadura da informação dos grandes monopólios privados” por uma nova “ditadura de tecnocratas do Estado”, ainda que sejam bem-intencionados e com o “coração de esquerda”. Borón fez a palestra de encerramento do primeiro Congresso Internacional “Comunicação e Integração Latino-Americana desde e para o sul”, realizado esta semana em Quito, em comemoração aos dez anos da Telesur, completados nesta sexta-feira.

Ainda que a oligopolização da mídia seja uma situação histórica e estrutural na região, desde a década passada há uma urgência ainda maior pela democratização de fato. Isso porque surge, segundo vários participantes do evento, um novo tipo de golpe de Estado no continente: o golpe midiático.

Os meios de comunicação na América Latina se converteram em partidos políticos orgânicos, articulando politicamente a direita, concordam Borón e Ignacio Ramonet, jornalista e professor espanhol que fez a conferência de abertura do congresso.

Para Ramonet, a maior batalha enfrentada na América Latina atualmente é a batalha midiática. Ambos lembraram dos casos de Honduras (2009), do Paraguai (2012) e de ataques mais recentes contra governos do Brasil e da Argentina.

O foco do evento foi o intercâmbio de experiências sobre a formulação das políticas de comunicação na América Latina e sobre a luta em defesa da comunicação como um direito humano. Para o Brasil, esse diálogo é muito importante.

O país vive, conforme o colombiano Omar Rincón, uma situação de extremos: tem a melhor lei de internet (o Marco Civil) e a pior situação de regulação da “velha mídia”. A avaliação é repetida por Osvaldo León, do México, para quem o Brasil está “na retaguarda da democratização dos meios” no continente.

Se agora estamos na retaguarda, há que se avaliar os aprendizados possíveis com políticas que vêm sido realizadas nos últimos anos em países como Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela. O Equador, anfitrião do evento, já conta com muitas experiências a compartilhar.

Em 2013, o país aprovou sua lei orgânica de comunicação, sob muitos protestos do empresariado midiático. Não é por menos: a lei combate os oligopólios do setor, estabelecendo um limite rígido à propriedade cruzada – apenas uma licença de rádio AM, FM e de TV por pessoa física ou jurídica. Além disso, a nova norma prevê uma distribuição proporcional dos espectros de radiofrequência, com reserva para a comunicação comunitária (34%), estatal (33%) e para a mídia comercial (33%).

A nova regulação prevê, ainda, a descentralização da publicidade oficial – uma das principais formas de financiamento da mídia de pequeno porte. Há, também, medidas para incentivar a produção audiovisual nacional e produção independente local.

Para a comunicação comunitária, algumas “ações afirmativas” estão previstas na nova legislação, como crédito preferencial para a criação desses meios e para a compra de equipamentos, isenções de impostos para a importação de aparelhos e acesso à capacitação para a gestão técnica, administrativa e de comunicação.

Para garantir a aplicação da lei, foi criado um Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Informação e da Comunicação (CORDICOM), com participação social. Para fiscalizar e promover o direito à comunicação, criou-se uma Superintendência da Informação e da Comunicação (SUPERCOM). Esse arcabouço institucional contrasta com o do Brasil – onde o sentido das instituições ligadas à comunicação não é a defesa da democratização da palavra e os conselhos estão longe de representar a população.

O país avançou, também, na comunicação estatal. Surgiu a agência de notícias Andes, além TV e rádio públicas e um jornal impresso, El Telégrafo, separados dos veículos governamentais já existentes – como El Ciudadano.

A programação educativa da rede pública, inspirada na dinâmica dos canais estatais argentinos, é concebida pelo Ministério de Educação, mas produzida em parceria com empresas audiovisuais do país e orientada pelo pluralismo. Isso contribui para a promoção de novos agentes comunicativos, que poderão atuar para além dos canais estatais. Já a da mídia governamental se concentra de fato nas ações do Poder Executivo.

O reconhecimento do direito à comunicação e da necessidade de promover ativamente a liberdade de expressão dos que nunca tiveram voz são alguns dos aprendizados dos processos – ainda bastante recentes – de democratização da comunicação no Equador.

Iniciativas de integração no continente

Desde o golpe de Estado frustrado contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, em 2002, orquestrado pelos oligopólios de mídia do país, ficou notória a necessidade de criar meios que permitissem a circulação de outras informações e outros sentidos. A iniciativa mais significativa foi o surgimento, três anos depois, do canal Telesur.

A Telesur é um canal multinacional de iniciativa do governo venezuelano em conjunto com governos de Cuba, Uruguai e Argentina, e com a participação posterior de Bolívia, Equador e Nicarágua. Ignacio Ramonet considera o maior mérito da Telesur a apresentação de outra visões sobre os acontecimentos da América Latina e do mundo.

O conteúdo do canal não se restringe aos países-membros: os conflitos militares com as FARC, na Colômbia, o ataque à Líbia pela OTAN, o golpe em Honduras e a crise financeira da Grécia são exemplos de coberturas importantes . Além do décimo aniversário, a Telesur celebrou, nesse dia 24 de julho, um ano de produção de conteúdos em inglês.

Outra importante iniciativa de integração da comunicação é a União Latino-Americana de Agências de Notícias (ULAN). A entidade, que surgiu em 2011, reúne todas as agências de notícias estatais ou públicas existentes nesses territórios: Agencia Venezolana de Noticias, Prensa Latina (Cuba), Agencia Andina (Perú), Agencia Boliviana de Información, Agência Brasil (da Empresa Brasil de Comunicação, EBC), Notimex (México), Agencia Guatemalteca de Noticias, Agencia de Información Paraguay, Andes (Equador) e Télam (Argentina).

Seu principal objetivo seria “promover a democratização da comunicação na América Latina e contribuir para a integração regional dos povos”. Este ano, a ULAN lançou o portal de notícias Ansur.am, reunindo informações de todas as agências.

Os países da América Latina devem atentar para a importância estratégica da comunicação para a integração regional. Criar iniciativas que façam circular outros discursos e outros sentidos é vital para contrapor a violência exercida pela monopolização da informação. É vital estabelecer um diálogo permanente entre os agentes que defendem essa pauta na América Latina, para o fortalecimento das iniciativas em defesa do direito à comunicação.

O congresso em Quito representou um importante momento desse diálogo. Sua próxima edição, prevista para julho do próximo ano, também no Equador, terá como tema a comunicação popular e a participação social – importante desafio para o avanço da agenda da democratização dos meios de comunicação.

* André Pasti é geógrafo, mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas e doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

FNDC discute comunicação com Ministério da Cultura

Representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) se reuniram com o ministro Juca Ferreira, da Cultura, nesta terça (16/6), para apresentar agenda do movimento pela democratização da comunicação. Após breve apresentação do Fórum, que reúne mais de 300 organizações da sociedade civil, o grupo pontuou questões comuns às agendas da comunicação e da cultura e reivindicou ao ministro que atue junto ao governo para articular um espaço de diálogo permanente com esse setor da sociedade. O FNDC também solicitou atuação da pasta em ações de fortalecimento da comunicação pública e falou sobre a necessidade de articular o Canal da Cultura, previsto no Decreto 5.820/06.

Entre os vários pontos comuns entre as agendas da comunicação e da cultura, o Plano Nacional de Cultura (PNC) trata de três deles: a Meta 23, que prevê 15 mil Pontos de Cultura em funcionamento no país, compartilhados entre o governo federal, as Unidades da Federação (UF) e os municípios integrantes do Sistema Nacional de Cultura (SNC); a Meta 43, que prevê um núcleo de produção digital audiovisual em cada estado, e a Meta 45, que estabelece benefícios a 450 grupos, comunidades ou coletivos para ações de comunicação.

Sobre a Meta 23, o Ministério da Cultura (MinC) deverá lançar o edital Pontos de Mídia Livre no início de julho, e não mais na próxima segunda-feira (22/6), como havia nos informado inicialmente o ministro. Os pontos são uma forma de descentralizar a produção da comunicação. “As mídias alternativas empoderam a população na medida em que possibilitam que ela produza seus próprios conteúdos. Por isso vemos com otimismo esse novo edital que o MinC lançará nos próximos dias”, observou Orlando Guilhon secretário de Organização do FNDC.

Canal da Cultura

O FNDC também expôs ao ministro a preocupação em relação ao modelo do Canal da Cultura, previsto no Decreto 5.820/06 (define o padrão de TV digital no Brasil e estabeleceu diretrizes para a transição do sistema analógico). Bia Barbosa, secretária de Comunicação do Fórum, afirmou que a sociedade espera que seja um canal “de fato público”. “Ainda existe uma confusão entre o que seriam os sistemas público e estatal de radiodifusão. Prova disso é o modelo no qual foi concebido o Canal da Educação, lançado no mês passado, que terá programação produzida por entes estatais, como o Ministério da Educação e as secretarias municipais e estaduais de Educação”.

Sobre esse ponto, especificamente, o assessor especial do ministro, Adriano de Angelis, afirmou que o MinC vem construindo os eixos do canal de forma a garantir que o canal seja regulamentado como público, com participação da sociedade.

Diálogo permanente

A coordenadora-geral do Fórum, Rosane Bertotti, explicou a Ferreira que a entidade vem atuando fortemente junto a outros ministros, como Ricardo Berzoini (Comunicações), Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) e Miguel Rosseto (Secretaria-Geral da Presidência da República), para buscar a construção de uma mesa de diálogo permanente. “Nossa principal agenda é a construção de um novo marco regulatório para o setor da comunicação, mas não é a única. A comunicação envolve vários setores do governo e requer iniciativas que independem de regulação geral, e temos acúmulo e propostas para propô-las e discuti-las, por isso consideramos estratégico o estabelecimento desse canal de comunicação, inclusive com a presença do MinC”, ressaltou Rosane.

Bia Barbosa reforçou a reivindicação lembrando ao ministro que a política pública de comunicação é demasiadamente fragmentada no Brasil.

Fortalecimento da comunicação pública

O FNDC também falou sobre a necessidade de maior compromisso com o fortalecimento das emissoras do campo público de comunicação, pontuando a necessidade do MinC intensificar sua presença no Conselho Deliberativo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), inclusive cobrando da Presidência da República a nomeação de cinco conselheiros eleitos há mais de um ano. Na conversa, também se falou sobre a necessidade de mudança nos critérios de distribuição das verbas oficiais de publicidade para garantir maior pluralidade e diversidade na mídia brasileira.

Retomada de diálogo com o MinC

A reunião com o ministro representou a retomada do diálogo entre o movimento, que tem como principal pauta a construção de um novo marco regulatório para a comunicação, e o MinC, que nas duas últimas gestões não mostrou interesse em fazer uma interlocução com esse setor da sociedade. Rosane Bertotti explicou a Ferreira que a entidade reúne mais de 300 organizações e que ao longo dos últimos 20 anos vem atuando na busca de uma política de comunicação capaz de garantir o direito humano à comunicação para todos os brasileiros, além de apresenta-lo o projeto Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica (Lei da Mídia Democrática).

Também foi entregue ao ministro uma cópia da Carta de Belo Horizonte, aprovada durante o 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, em abril; e a Plataforma pelo Fortalecimento da Comunicação Pública no Brasil. Além de Rosane Bertotti, Bia Barbosa e Orlando Guilhon, também participaram da audiência o secretário-executivo do Fórum, Pedro Rafael Vilela, e os assessores especiais do ministro Adriano de Angelis e Gabriel Portela.

Escrito por Elizângela Araújo
para o FNDC

Luta pela democratização da comunicação ganha força na Paraíba

Por Mabel Dias*

A luta pela democratização da comunicação precisa integrar, de maneira sistemática, a agenda de ações dos movimentos sociais do Brasil. Não é responsabilidade apenas das/os comunicadores fazer esse debate, mas sim de toda a sociedade, pois todas e todos somos afetadas/os quando o sistema de comunicação serve apenas aos interesses privados. Nesse sentido, é fundamental ampliarmos iniciativas como a criação de observatórios e de grupos de leitura crítica da mídia com estudantes do ensino fundamental, médio e nas universidades, públicas e privadas, e, claro, a organização de coletivos e a mobilização da sociedade em prol de uma mudança significativa nos meios de comunicação brasileiros.

Na Paraíba, uma série de atividades realizadas no último período ampliou a luta por um novo marco regulatório das comunicações. Na capital João Pessoa, foi realizado o I Encontro de Blogueiras/os e Ativistas Digitais, organizado pela ANID, em parceria com o comitê local do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC – PB) e diversas entidades. O encontro contou com a presença de integrantes de movimentos sociais, blogueiras do país e inclusive de um dos elaboradores da Ley de Medios da Argentina, Sérgio Salinas.

A Ley de Medios, construída por 300 grupos oriundos dos movimentos sociais, sindicais e até religiosos, foi aprovada em 2012 e consiste basicamente em diminuir a concentração dos meios de comunicações. A lei, por exemplo, reduz o número de concessões de rádio e televisão que cada grupo pode controlar. Explicando a importância da medida, Salinas destacou que “É preciso reconhecer que quem administra a comunicação é o Estado, não importa o governo que seja, é uma concessão pública, e nós, a sociedade somos os donos dela”.

Neste momento, 82 licenças para canais digitais abertos estão sendo discutidas pela população e o Congresso argentino. Isso vai garantir que a produção nacional de outras cidades, além de Buenos Aires, possa ter visibilidade e, consequentemente, o trabalho de artistas e técnicos locais.  A Ley de Medios na Argentina estabelece ainda estímulo à programação de qualidade, promoção de direitos humanos na mídia e serviços de utilidade pública, bem como uma cota de exibição de produções nacionais.

Outros dois eventos relacionados à regulação e democratização da comunicação também movimentaram a Paraíba na última semana de maio. O primeiro foi realizado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no âmbito da 3ª Semana Integrada de Comunicação (SIC). Na sequência, foi a vez das/dos estudantes do Coletivo Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social) de Campina Grande promoverem o debate “Por que regulamentar a mídia? – A democratização em pauta”, que contou com representantes da academia e do movimento social e sindical.

Por meio dessas atividades, além de tratar de um tema ainda pouco conhecido da população brasileira e paraibana, mas fundamental para a consolidação da democracia e da liberdade de expressão, os coletivos locais mandaram o recado para a presidenta Dilma Rousseff, já que ela, ao assumir o cargo de Presidenta da República, sinalizou que iria começar, pelo menos, a regulação econômica da mídia. Até o momento, não houve avanços concretos nessa agenda.

Em países democráticos, a liberdade de expressão é algo fundamental e só pode ser garantida com a distribuição igualitária dos meios de comunicação e o impedimento do monopólio e do oligopólio, por isso a necessária afirmação da comunicação como um direito de todos e todas. Antes que os críticos de plantão venham dizer que isso é censura e que o que vemos, lemos e ouvimos é reflexo da liberdade de expressão, digo que se assemelha mais a uma liberdade de opressão. Afinal, diante da imensa diversidade brasileira, pouco mais de dez famílias e algumas igrejas controlam os meios de comunicação, sem contar com a opinião e participação da população.

Bons ventos para uma mídia democrática sopram na Paraíba. Não deixemos que eles parem de soprar e nos movimentar.

* Mabel Dias é jornalista, comunicadora popular e integrante do Intervozes

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Protestos no dia do aniversário da Globo dizem não ao monopólio e à manipulação

Por Bia Barbosa*

Depois de uma semana de programação televisiva exaltando seus próprios feitos em celebração ao aniversário de 50 anos, a Rede Globo recebeu visitantes não-convidados para a festa na porta de diversas de suas emissoras pelo país. Em capitais como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre, movimentos sociais e ativistas se reuniram diante das sedes da Globo para dizer não ao monopólio e à concentração da mídia no Brasil, e sim à diversidade e à pluralidade nos meios de comunicação de massa. A Globopar, holding que não inclui os jornais e rádios do grupo, já é hoje a 5a maior empresa brasileira em lucro líquido, e sua receita representa mais de 60% do capital do setor no país.

Em São Paulo, a preparação para o ato começou às 15h na Praça Gentil Falcão, na zona Oeste. De lá, mais de 500 pessoas, integrantes de organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes, CUT, Levante Popular da Juventude, MST, MTST, Barão de Itararé, UJS, entre outras, caminharam ao som de uma batucada até a porta da Globo. Com faixas denunciando a relação íntima entre a Vênus Platinada e a ditadura militar e o histórico de manipulações e de criminalização e invisibilização dos movimentos sociais na programação da emissora, protestaram durante todo o percurso de ida e volta pela Avenida Luís Carlos Berrini e Avenida Roberto Marinho. Nos portões da Globo, deixaram seu recado com frases como “Globo mente” e marcaram as paredes de tinta vermelha. O Manifesto de Descomemoração dos 50 anos, lançado por centenas de organizações na última semana, foi lido em coro pelos presentes.

Em Brasília, cerca de 250 pessoas se reuniram em frente à sede do canal, no Plano Piloto, no ato batizado de “Domingão do Povão”, de caráter político e cultural. Representantes de entidades, sindicatos e inúmeros cidadãos e cidadãs de Brasília e do entorno, incluindo os acampamentos do MST “Roseli Nunes” e “8 de Março”, de Planaltina, ocuparam o microfone em crítica à atuação da emissora. Foram lembrados diversos episódios negativos da Globo, como sua origem num acordo ilegal com a gigante americana Time-Life; a manipulação do debate eleitoral de 1989, entre Collor e Lula; o preconceito propagado em seus programas humorísticos e a ausência da diversidade cultural do país na grade da emissora. Os manifestantes também criticaram o discurso massivo da Globo contra qualquer medida de democratização das comunicações no país e coletaram assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática.

Uma roda de samba e uma bateria de ativistas de Sobradinho, cidade satélite do Distrito Federal, lembraram músicas do período militar, tão apoiado pela Globo. A já conhecida frase “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” foi entoada diversas vezes pelos presentes. Ao final, participantes jogaram tinta vermelha no painel em frente à entrada da emissora, para lembrar aqueles que morreram em defesa da democracia e da liberdade de expressão.

No Recife, 150 pessoas, animadas pela batucada do Levante Popular da Juventude marcharam pelas ruas da cidade e criticaram a sonegação de impostos por parte da emissora, já investigada pela Polícia Federal. Segundo o serviço de inteligência da Polícia Federal, em 2006 a empresa deixou de recolher impostos que, à época, com multa e correção, chegavam a R$ 615 milhões. Hoje, a dívida com o Tesouro ultrapassaria R$ 1 bilhão. De acordo com Ivan Moraes Filho, do Fórum Pernambucano de Comunicação, um dos organizadores do protesto, a Globo é um símbolo da luta contra a concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil e contra o monopólio da mídia, que é proibido pela Constituição federal, que segue sendo desrespeitada. E a descomemoração de seus 50 anos é sintoma desta brutal concentração que temos em nosso país.

“Vale lembrar que em todos os países mais ou menos democráticos do mundo há normas estruturais claras e objetivas que ordenam a distribuição e o uso dos canais que são escassos e públicos. Um exemplo que sempre uso é o dos EUA, o país mais liberal do mundo. Lá a propriedade cruzada tem diversas restrições e nenhuma rede de televisão aberta pode ter audiência média superior a 39%. Assim, cinco redes competem pelo público, com discursos mais ou menos diversos (ainda que sofrendo do mesmo hipercomercialismo que sofremos). Na Europa, é dada prioridade à mídia pública (não estatal)”, lembra.

“Dizer que a Globo é a emissora que produz melhor, que é a tamporosa e por isso está sendo injustiçada, não cola. Em qualquer mercado oligopolizado, de qualquer setor, funciona da mesma forma. Quem domina a área, tem mais dinheiro, mais margem para arriscar, e acaba – mesmo – lançando os melhores produtos. E alguns dos piores também”, acrescenta Ivan Moraes.

Em Belo Horizonte, diante da Globo Minas, os manifestantes abriram uma enorme faixa dizendo: “O povo não é bobo! Abaixo à Rede Globo!”.

No Rio Grande do Sul, as emissoras da RBS nos municípios de Bagé, Caxias do Sul, Erechim, Pelotas, Passo Fundo, Santa Maria, Santa Cruz e Santa Rosa foram palco de escrachos públicos pela juventude do MST. Afiliada da Globo na região, a RBS detém o monopólio das comunicações no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em seu site institucional, a empresa não tem qualquer pudor em se apresentar como “a maior rede regional de TV do país, com 18 emissoras distribuídas no RS e em SC, com 85% da programação da Rede Globo”. A RBS concentra ainda 25 emissoras de rádio, 8 jornais diários, 4 portais na internet, uma editora, uma gráfica, uma gravadora e uma empresa de logística, entre outros empreendimentos.

No Paraná, os protestos continuam ao longo desta semana, com muito humor e criatividade. Nesta segunda-feira, foi divulgada uma “nota de falecimento” da Dona Concentração, “tão amada pela Rede Globo”, cujo velório acontecerá às 18h no dia 29/04, na Praça Santos Andrade, seguido de um cortejo fúnebre até a Boca Maldita, no centro de Curitiba. Ali, às 19h, acontecerá mais uma aula pública de descomemoração dos 50 anos da Globo, organizada pela Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão.

* Bia Barbosa é jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes. Colaboraram Veridiana Alimonti (SP), Jonas Valente (DF) e Eduardo Amorim (PE), também do Intervozes. Com informações do MST-RS.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Organizações e movimentos irão ‘descomemorar’ 50 anos da Globo

No próximo dia 26, a rede Globo de Televisão completa 50 anos de existência. A data mobilizou diversas organizações e movimentos sociais para atos e debates públicos que irão “descomemorar” o aniversário da emissora – símbolo do monopólio midiático no Brasil.

Atos de rua estão marcados em diversas capitais. No manifesto “50 anos da TV Globo: vamos descomemorar!”, entidades como o Intervozes, o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), dentre outras, repudiam o  autoritarismo da linha editorial da emissora e denunciam o seu envolvimento em suspeitos casos de corrupção e sonegação fiscal.

 “Sem enfrentar o poder e colocar limites à maior emissora do Brasil – e uma das cinco maiores do mundo – não será possível garantir a regulamentação dos artigos da Constituição que proíbem o monopólio para levar a cabo a democratização do país”, completam.

Nesta quinta-feira (23/04), no Rio de Janeiro, ativistas realizaram um protesto nos portões de entrada do Maracanãzinho, onde convidados esperavam para ingressar e ver o show em comemoração aos 50 anos da emissora. Com faixas, cartazes, bandeiras e camisetas estampando slogans e frases contra a TV Globo, os manifestantes distribuíram milhares de panfletos e se revezaram no microfone para lembrar aos presentes as constantes práticas de manipulação da informação e a histórica vinculação com a Ditadura Civil-Militar no Brasil.

Agenda

Em São Paulo, a manifestação está programada para este domingo, às 15h, com concentração na Praça General Gentil Falcão. Na mesma data, Brasília concentra seu ato em frente à Globo, às 13h e, além das manifestações políticas, está programado atos culturais com grupos de samba e hip-hop.  Já em Porto Alegre, o protesto “Fora Globo/RBS” A festa acabou: 50 anos de mentira!” está marcado para às 14h, com concentração no Arco da Redenção.

Em Belo Horizonte, a “Descomemoração” dos 50 anos da Globo” acontecerá às 13 horas, na Avenida Carlos Luz, 800 (próximo a igreja Santa Clara), bairro Caiçara. Em Recife, o ato, que também Descomemora os 50 anos da emissora, acontece na Praça do Arsenal, no Centro.  O Paraná, por sua vez, realiza uma semana com atividades presenciais e virtuais que irão até o dia 29 de abril.

 Confira o Manifesto:

 50 ANOS DA TV GLOBO: VAMOS DESCOMEMORAR!

A TV Globo festejará os seus 50 anos de existência no dia 26 de abril. Serão promovidos megaeventos e lançados vários produtos comemorativos. No mesmo período, porém, muita gente está disposta a promover a “descomemoração” do aniversário do império global, um ato de repúdio ao papel nocivo desse grupo de mídia na história do país. Uma palavra-de-ordem que se destaca em todo o Brasil em manifestações recentes é: “O povo não é bobo. Fora Rede Globo”. E motivos não faltam para esta revolta.

A emissora é filha bastarda do golpe militar de 1964. O então diretor do jornal “O Globo” Roberto Marinho foi um dos principais incentivadores da deposição do presidente João Goulart, dando sustentação ideológica à ação das Forças Armadas. Um ano depois, foi fundada a sua emissora de televisão, que ganhou as graças dos ditadores. O império foi construído com incentivos públicos, isenções fiscais e outras mutretas. Os concorrentes no setor foram alijados, apesar do falso discurso global sobre o livre mercado.

Nascida da costela da ditadura, a TV Globo tem um DNA golpista. Apoiou abertamente as prisões, torturas e assassinatos de inúmeros lutadores patriotas e democratas que combateram o regime autoritário. Fez de tudo para salvar o regime dos ditadores, inclusive omitindo a jornada das Diretas Já na década de 80. Com a democratização do país, ela atuou para eleger seus candidatos – os falsos “caçadores de marajás” e os convertidos “príncipes neoliberais”. Na fase recente, a TV Globo militou contra toda e qualquer avanço mais progressista, atuando na desestabilização dos governos que não rezam integralmente a sua cartilha. Nas marchas de março desse ano, ela ajudou a mobilizar o anseio golpista e garantiu a ele todos seus holofotes.

A revolta contra a Globo que ganha corpo está ligada também à postura sempre autoritária diante dos movimentos sociais brasileiros. As lutas dos trabalhadores ou não são notícia na telinha ou são duramente criminalizadas. A emissora nunca escondeu o seu ódio ao sindicalismo, às lutas da juventude, aos movimentos dos sem-terra e dos sem-teto. Através da sua programação, não é nada raro ver a naturalização e o reforço ao ódio e ao preconceito. Esse clima de controle e censura oprime jornalistas, radialistas e demais trabalhadores da empresa, que são subjugados por uma linha editorial que impede, na prática, o exercício do bom jornalismo, servidor do interesse público, em vez da submissão à ânsia de poder de grupos privados.

Além da sua linha editorial golpista e autoritária, a Rede Globo – que adora criminalizar a política e posar de paladina da ética – está envolvida em inúmeros casos suspeitos. Até hoje, ela não mostrou o Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) do pagamento dos seus impostos, o que só reforça a suspeita da bilionária sonegação da empresa na compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. A falta de transparência do império em inúmeros negócios é total. Ela prega o chamado “Estado mínimo”, mas vive mamando nos cofres públicos, seja através dos recursos milionários da publicidade oficial ou de outros expedientes mais sinistros.

Essas e outras razões explicam o forte desejo de manifestar o repúdio à TV Globo em seu aniversário de 50 anos. Assim, vamos realizar em torno do dia 26 de abril uma série de manifestações, em todo o país, para denunciar a emissora como golpista ontem e hoje; exigir a comprovação do pagamento de seus impostos; e reforçar a luta por uma mídia democrática no Brasil.

Sem enfrentar o poder e colocar limites à maior emissora do Brasil – e uma das cinco maiores do mundo – não será possível garantir a regulamentação dos artigos da Constituição que proíbem o monopólio para levar a cabo a democratização do país. Por isso, vamos às ruas contra a Globo e convidamos todos os brasileiros comprometidos com a democracia, a liberdade de expressão, a cultura nacional, o jornalismo livre e a soberania popular a participar das manifestações em todo o país.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.