A divulgação, mesmo que parcial, de uma pesquisa coordenada pelo professor Venício Lima, realizada por encomenda do Projor, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, revelou que em 2003 e 2004 pelo menos dois deputados membros da Comissão de Comunicações da Câmara votaram nas sessões em queforam apreciadas a renovação de suas outorgas de radiodifusão. Lima relatou que a pesquisa cruzou dados do cadastro de cotistas de emissoras de rádio e televisão disponibilizado pelo Ministério das Comunicações (atualizado em março de 2005) com as listas de membros titulares da CCTCI. Entre os 51 membros da Comissão em 2003, 16 deputados, inclusive o presidente da Comissão, tinham cotas em 37 concessionárias (31 de rádio e 6 de televisão). Em 2004, entre os 33 membros da Comissão, 15 deputados tinham interesses acionários em 29 concessionárias (26 de rádio e 3 de televisão).E mais: os pesquisadores acompanharam a tramitação de 183 propostas que entraram na CCTCI e completaram o percurso até a publicação do Decreto Legislativo pelo Senado naqueles dois anos. Ao fazer o cruzamento das listas de presença e votação das sessões daqueles dois anos em que houve votação para renovação de outorgas, verificaram que 15 concessionários participaram destas votações em 2003 e 7 deles em 2004. Finalmente, dois parlamentares votaram nas sessões em que foram apreciados os processos de suas próprias outorgas.
Em causa própria
Venício Lima destacou as proibições estabelecidas tanto no Código Brasileiro de Telecomunicações quanto no Decreto de Serviços de Radiodifusão em relação à participação como dirigentes ou gerentes de pessoas que sejam detentoras de cargos eletivos. Além disso, a Constituição Federal (Art 54) proíbe parlamentares de manter cargos ou funções ou empregos remunerados em empresas concessionárias de serviços públicos. O pesquisador anunciou que o objetivo da pesquisa foi subsidiar uma ação junto ao Ministério Público Federal pedindo a impugnação das votações nas quais participaram os parlamentares em questão. Este processo já está em andamento.
Constrangimento
Apesar de não terem sido revelados os nomes dos dois deputados, que podem ser acusados formalmente pelo Ministério Público Federal por prevaricação (votar em causa própria), foi evidente o constrangimento do deputado Vic Pires Franco(DEM/PA), que presidiu a audiência pública na ausência do deputado Júlio Semeghini, presidente da Comissão. O deputado Paulo Roberto Pereira (PTB/RS), radialista e membro da Igreja Universal, além de constrangido, pediu a palavra para ressaltar que a forma como foi apresentada a pesquisa sobrea presença de radiodifusores na Comissão deixou a impressão de que 'todos os problemas da Câmara dos Deputados são culpa dos deputados'. Para Paulo Roberto, em uma comissão com mais de 40 membros, verificar-se que apenas 15 têm interesses em emissoras de radiodifusão é 'até pouco'. O deputado concluiu sua defesa dos inocentes afirmando que 'os deputados fazem as leis. Não é dever do deputado fazer cumprir a lei'. Talvez em socorro dos constrangidos, o procurador Rômulo Conrado observou que no processo parlamentar é normal a existência das denominadas bancadas setoriais que sempre votam defendendo interesses dos segmentos da sociedade que representam, 'o que não é correto, é votar em uma matéria que diz respeito a interesses pessoais, como seria o caso da renovação das outorgas de radiodifusão'.
Dúvidas
Apesar da seriedade do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores, alguns consultores que já trabalharam com o cadastro disponibilizado pelo Ministério das Comunicações duvidam de sua atualização: 'em 2003, quando foi apresentado pelo ministro Miro Teixeira, o cadastro estava totalmente incompleto, e até hoje não foi regularizado totalmente. Não é de confiança', afirma um consultor. Essa dúvida certamente livrará de algum tipo de censura os deputados que serão indigitados pelo Ministério Público. Uma segunda questão importante é que os pesquisadores trabalharam com a lista de presença das sessões em que houve votação. Neste caso, qualquer pessoa que acompanha o trabalho das comissões sabe que as assinaturas não representam a presença real dos deputados durante o processo de votação, pois é prática corrente assinar 'para dar quorum' e ir embora tratar de outros assuntos. Tudo isso ainda precisará ser verificado.