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“A indústria do entretenimento quer combater a diversidade cultural”

O sociólogo e conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), Sérgio Amadeu, se notabilizou por defender o Software Livre, tema diretamente afetado por leis que combatem a “pirataria”, termo que Amadeu rechaça. “A pirataria é uma péssima metáfora. Eu falo sempre que eu sou contra a pirataria, não aconselho sequestrar navio em alto mar”, ironiza.

Amadeu ressalta à IMPRENSA que as leis Sopa (Stop Online Piracy Act) e Pipa (Protect Intellectual Property Act) responsáveis por um protesto mundial encabeçado pela Wikimedia Foundation em 18 de janeiro, são medidas arbitrárias da indústria de entretenimento para combater a “diversidade cultural na rede”. Amadeu não se opõe a uma legislação, entretanto, defende que ela não seja “exagerada e arbitrária”.

Com toda a popularização da rede o termo “pirataria” ainda faz sentido?
Sérgio Amadeu –
No final dos anos 90 você vai ver que começa surgir a expressão “pirataria”. O que acontecia era que as pessoas sempre utilizaram vinil, botavam em um aparelho 3 em 1 e gravavam do jeito que queriam. A internet fez com que essa prática cotidiana das pessoas de emprestar tomasse uma escala amplificada. Acontece aí uma alteração tecnológica que liberta o texto do papel, a imagem da película e o som do vinil e joga tudo em uma única metalinguagem digital. As pessoas já tinham essa prática de compartilhamento em outras mídias. Mas com a rede, começam os ataques às práticas de compartilhamento por parte das empresas de conteúdo.

Mas o prejuízo que elas alegam é real?

Desde essa época, elas alegam prejuízo e vêm pedindo leis e uma ampliação da legislação. Com isso, eles não estão incentivando a criatividade, mas protegendo questões comerciais. Pelo contrário, estão reduzindo a criatividade. Resumindo, a indústria do entretenimento levou a discussão da propriedade intelectual para o âmbito do comércio. Com o advento da internet eles já tinham piorado a lei de propriedade intelectual e agora querem ampliar ainda mais seu enrijecimento. Não contentes querem criminalizar práticas cotidianas da internet.

Como o que, por exemplo?

A lógica é a seguinte: um garoto pega um iPod, ou um PC, ou um device qualquer e coloca na memória dele três mil músicas. Se você consultar qualquer adolescente, vai ver que ele tem uma infinidade de músicas. Pergunte quais ele ouve. Com frequência talvez 30, 40. Quantas daquelas ouviu até o final? Talvez 10%. Quantas ele nunca ouviu, centenas. Enfim, é algo impossível de mensurar. Aí vem a indústria do copyright e calcula três mil músicas de prejuízo. Mentira, se esse jovem tivesse que ir a uma livraria ou a uma loja ele jamais pagaria três mil músicas.

A indústria do entretenimento tenta combater a diversidade?
Se você observar, minha prática cultural mudou depois da internet. Ela é totalmente diferente. Eu tenho acesso a coisas que jamais teria se eu passasse pelo filtro da indústria cultural. Eu tenho acesso a músicas sueco-indianas, tenho acesso a coisas da Romênia. Quando estou ouvindo esse grupo sueco-indiano deixo de ouvir o que toca na rádio. O que está havendo é uma dispersão. A diversidade cultural rouba público. E o intermediário que, até então, estava lucrando, acaba perdendo força. Ele continua tendo força porque a mídia de massa tem força. Mas essa é a questão: disputar a atenção do público.

Diversidade cultural seria o alvo então?
Diversidade cultural é uma palavra chave por que a indústria não consegue compreender que esses internautas podem contribuir para alavancar a audiência do conteúdo. A conta que você faz é que tem muito mais gente que baixa do que compra. Mas se tivesse que pagar elas simplesmente deixariam de conhecer. O fato é que, ao contrário do que pensavam, não vão matar a diversidade cultural.

Neste caso, leis como Sopa e Pipa são arbitrárias?
Eles perceberam [a indústria do entretenimento] que não conseguiram convencer as pessoas que trocar bens culturais seja crime. As pessoas até fazem mea culpa quando assistem a Rede Globo falando da pirataria. Primeiro que pirataria é uma péssima metáfora. Eu falo sempre que eu sou contra a pirataria, não aconselho sequestrar navio em alto mar [risos]. Agora copiar pode copiar meus textos, meus livros, quanto mais copiar, melhor pra mim. Eu chamo atenção pelos exageros, já que não conseguiram convencer as pessoas pelo diálogo tentam pela força.

Bom, então eles perceberam que não é possível atuar sobre o internauta?
Chegaram à conclusão de que não da para atuar sobre o cidadão, mas sobre a estrutura da rede. Tanto Sopa como Pipa atuam na estrutura e no bloqueio à rede. Atacam indiretamente. As duas leis atuam da seguinte forma: alegando que estão roubando propriedade intelectual de cidadãos norte-americanos e empresas norte americanas. Eles perceberam que os mecanismos de busca mais importantes: Google e Yahoo estão em solo americano e toda referência às principais redes sociais estão nos Estados Unidos.

Mas de que maneira eles vão controlar tanta demanda?

Por isso que é uma lei arbitrária. Uma hora eles vão querer, outra hora eles não vão querer.

“Não existe a tão aclamada neutralidade da imprensa”

O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, acredita que a mídia deveria se posicionar claramente sobre a linha ideológica e política que segue. Doutor em Sociologia e professor de Teoria da Comunicação, o jornalista, que comanda um periódico abertamente de esquerda, diz que não existe a tão aclamada neutralidade da imprensa.

“Um jornal que diz que é objetivo é um jornal alinhado à direita e que tenta esconder seu ponto de vista”, explica. Ramonet entende que os veículos de comunicação deveriam deixar claras as posições políticas e ideológicas que defendem. “Não tenho nada contra um jornal ser de direita, acho interessante que existam. Mas que fique claro que representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe conservadora”, aponta.

O jornalista esteve em Porto Alegre na semana passada para participar das atividades do Fórum Social Temático e mesmo com uma apertada agenda encontrou tempo para conversar durante meia hora com a reportagem do Sul21. Nesta entrevista, ele analisa também o papel das esquerdas na crise capitalista que assola a Europa e contrapõe a situação no velho continente ao momento vivido pela América Latina. “A América Latina está construindo o Estado de bem-estar social, enquanto na Europa ele está sendo destruído”, compara.

Sul21 – O senhor escreveu o livro A tirania da comunicação. Quais os propósitos por trás da atuação jornalística dos grandes veículos e comunicação?

Ignácio Ramonet – O jornalismo está vivendo várias crises. A primeira delas é a dominação pelos grandes grupos globais. Esses grupos são multimídia, detêm televisões, imprensa escrita, rádios e sites. E se comportam como atores da globalização, o que faz com que não tenham a mesma relação direta com os leitores. A segunda crise jornalística foi criada pela internet. Em muitos países, a imprensa escrita está desaparecendo, sendo substituída pelos meios digitais. E aí vem também uma crise econômica, porque o modelo de sustentação da imprensa escrita não funciona mais. Caíram a publicidade e as tiragens.

Sul21- A internet não trouxe benefícios ao jornalismo?

Ramonet – O problema é que temos dois modelos – o impresso e o digital – e nenhum deles funciona. Provavelmente, o que vai prevalecer será o modelo digital, até porque a informática se aprimora cada dia mais nos países em desenvolvimento. Uma consequência do advento da internet é o que os cidadãos podem intervir muito mais do que antes. O público não é mais passivo, hoje existe a possibilidade de comentar e de difundir a informação. Isso também afeta o trabalho do jornalista, que acaba possuindo um papel diferente, não está mais num pedestal. Não é mais só o jornalista que fala. A relação hoje em dia é muito mais interativa. Por outro lado, isso gera uma crise de identidade: se todo mundo pode ser jornalista, o que é, de fato, ser jornalista? Onde está a especificidade de um jornalista, se qualquer pessoa pode sê-lo?

Sul21 – A internet, com a força das redes sociais, está se convertendo numa ferramenta efetiva contra o monopólio da informação pela mídia tradicional?

Ramonet – O panorama está mudando. A internet pode romper os monopólios? Sim, pode ser que seja possível. Mas não acredito que se deva pensar que se alcançará uma fase de democratização da informação. O que há é uma ilusão de democratização, já que hoje em dia todos podemos produzir e difundir informação. Há uma noção de que estaríamos nos auto-informando. Mas, na realidade, todos são auxiliados pelas fontes centrais de informação. Então há uma maior participação das pessoas, mas ainda existem os monopólios. E esses monopólios já integram o Facebook, o Twitter e possuem suas páginas digitais. A democratização existe, mas os monopólios não se enfraqueceram. No fundo, o que está mudando é a defesa das pessoas contra a tentativa de domesticação levada adiante pela mídia dominante. Do ponto de vista ideológico, o objetivo dos grandes meios de comunicação é domesticar a sociedade. Com as novas ferramentas digitais e com as redes sociais, surge um modo de se defender disso.

Sul21 – Aqui no Brasil a mídia se diz imparcial e desprovida de objetivos políticos. Nenhum jornal da imprensa tradicional se qualifica abertamente como de esquerda ou de direita. O senhor, como diretor do Le Monde Diplomatique, um jornal de esquerda, avalia que é necessário haver maior transparência quanto à posição ideológica da mídia?

Ramonet – Acredito que são os leitores que dão identidade a um jornal. O jornal não diz “somos de esquerda”. Mas, sem dúvida, a neutralidade não existe. Um jornal que diz que é objetivo é um jornal alinhado à direita e que tenta esconder seu ponto de vista. Não tenho nada contra um jornal ser de direita ou de centro-direita, pelo contrário, acho interessante que existam. Mas que fique claro que representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe conservadora. Não acredito que se possa dar a informação de maneira objetiva. Existem fatos objetivos, mas o comentário sobre eles será sempre diferente. E é importante que seja assim, desde que se jogue com as cartas na mesa.

Sul21 – O governador Tarso Genro disse num evento do FST que a esquerda precisa perder o medo da mídia e enfrentar temas que a imprensa “mastiga de forma negativa”. É exagerada a cautela dos políticos em relação à mídia?

Ramonet – Os meios de comunicação têm uma função absolutamente indispensável numa sociedade democrática. Mas não são partidos políticos e não devem pensar que o são. Se querem se transformar em partidos, que se apresentem nas eleições. O papel crítico da mídia é indispensável na democracia. Mas não podem confundir crítica com oposição. Na América Latina muitos veículos de comunicação que têm dominado a vida intelectual acreditam que são mais importantes que os partidos políticos. Nesse continente, os latifundiários da imprensa são os novos amos das consciências. Acreditam que podem domesticar a população e não aceitam a autonomia do poder político.

Sul21 – O senhor entende que a esquerda não está conseguindo propor alternativas ao capitalismo. A esquerda também é culpada pela atual crise do sistema?

Ramonet – Claro que sim. A esquerda europeia, por exemplo, não apenas não propôs nenhuma alternativa, como tem se prestado a legitimar as políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu. A esquerda social-democrata, quando estava nos governos, deu provas de sua incapacidade, até mesmo teórica, de enfrentar essa crise. Não apenas é uma crise econômica, é também uma crise das esquerdas.

Sul21 – E qual a alternativa, já que a esquerda tradicional não está dando conta?

Ramonet – Existem outros partidos de esquerda que estão decididos a adotar políticas diferentes, por exemplo, mudando a relação com o Banco Central Europeu, que não permite ajuda aos países. Há partidos que dizem que se deve obrigar o Banco Central a ajudar, que é preciso adotar uma política de estímulo, não apenas para reduzir o déficit, mas para promover crescimento econômico. Mais ou menos como faz Barack Obama nos Estados Unidos, e ele não é nenhum revolucionário. Mas está promovendo uma política de estímulos, uma política neo-keynesiana e não conservadora. Existem forças propondo uma mudança efetiva, mas elas ainda não estão nos governos europeus.

Sul21 – Aqui no Brasil existem outros partidos de esquerda que propõem ações não previstas no programa do governo federal. Mas alguns deles defendem, inclusive, uma ditadura do proletariado. Até que ponto é possível buscar alternativas mais à esquerda sem incorrer no totalitarismo?

Ramonet – Não faz mais sentido falar em ditadura do proletariado. A história já passou por isso. Hoje, qualquer alternativa deve partir do respeito aos mecanismos democráticos. Quando eu falo de outras esquerdas, não estou falando de esquerdas fora da esfera democrática. A esquerda dentro da democracia é a única que interessa. É a única que pode ser realista e que pode trazer soluções num panorama totalmente democrático.

Sul21 – Como o senhor avalia o contexto político da América Latina, mais especificamente da América do Sul, onde a maioria dos países é governada pela esquerda?

Ramonet – Para muitas esquerdas no mundo, a América Latina é algo que está funcionando. Aqui implementam políticas originais. Não seguem os ditames do FMI, promovem políticas de integração continental, de inclusão social e não de exclusão. A América Latina está construindo o Estado de bem-estar social, enquanto na Europa ele está sendo destruído. E, lá, as esquerdas participam dessa destruição. A América Latina, pela primeira vez na história, aparece para toda a esquerda mundial como uma prática na qual podem se inspirar.

Sul21 – Pode surgir daqui uma saída para a crise capitalista?

Ramonet – A América Latina está num período de construção do Estado de bem-estar e de classes médias. É a mesma situação que viveu a Europa após a Segunda Guerra Mundial. A América Latina lembra a Europa que o Estado é um ator importante, não somente os mercados. Na Europa os mercados governam e os estados e a política não conseguem se impor. E a América Latina lembra o mundo inteiro que a política ainda vale, que os dirigentes políticos ainda valem e que, por consequência, a política e as eleições ainda têm sentido. Na Grécia, na Itália e na Inglaterra os jovens se revoltam. Estão indignados, porque consideram que os políticos não fazem nada e são cúmplices das soluções propostas pelos mercados. A América Latina mostra ao mundo que é possível o Estado se impor aos mercados.

Sul21 – Mas há diferenças entre as esquerdas que governam na América Latina. Venezuela, Bolívia e Equador intensificam reformas e mudanças anticapitalistas que países como Brasil, Argentina e Uruguai não parecem dispostos a implementar.

Ramonet – Essa suposta oposição entre as esquerdas na América Latina é muito mais uma invenção dos meios de comunicação ocidentais, que têm interesse em criar oposições artificiais. É evidente que cada país é diferente, mas globalmente todos estão fazendo políticas de inclusão social. Cada um com seus métodos, mas estão construindo o Estado de bem-estar e uma democracia participativa. Tudo isso tem muito mais semelhanças do que diferenças. É claro que há diferenças, mas não há oposição. Toda a América Latina vai pela primeira vez na mesma direção, isso é muito importante..

Sul21 – A Europa está dominada hoje por governos conservadores. Inglaterra, Alemanha, França, Grécia, Itália e Espanha são governados pela direita e implementam soluções reacionárias e autoritárias para sair da crise. Este ano tem eleições na França, se a esquerda vencer o país pode se tornar uma luz no fim do túnel europeu?

Ramonet – Se essa esquerda que tem possibilidade de ganhar as eleições se comportar de maneira diferente da esquerda que estava no poder na Grécia, na Espanha, em Portugal… Se agir da mesma forma, não haverá nenhuma mudança. É bem provável que François Hollande (do Partido Socialista) possa ganhar a eleição. Fará uma política diferente? Muitas pessoas desejam isso. Mas será que ele poderá fazer algo diferente? Os mercados permitirão? A Alemanha permitirá? Não sabemos. O que é seguro dizer é que se a França muda sua política de maneira racional, mas atrevida, terá uma grande influência no mundo inteiro e na Europa. E isso pode mudar as coisas, inclusive numa aliança com a América Latina.

“A internet vai para o buraco quando ameaçar o establishment”

Quadro influente na revolução bolivariana encabeçada por Hugo Chávez, o venezuelano Jesse Chacón era o ministro de Telecomunicações do país na época em que a empresa RCTV não teve sua concessão pública renovada, em 2007, causando histeria da mídia corporativa mundo afora. Em entrevista ao Brasil de Fato, Chacón resgata este episódio e debate os avanços e a agenda a cumprir-se no continente para a democratização da comunicação.

Brasil de Fato – Em que se baseou a decisão de vocês no caso RCTV?

Jesse Chacón – Nesse momento venciam três concessões, de 25 anos cada. Em 1998 se aprovou a nova Constituição da Venezuela que estabelecia taxativamente que o Estado deveria criar um canal de serviço público. Como venciam as concessões, era mais importante para o Estado criar este canal do que renovar o canal privado. Além disso, o Estado não é obrigado a renovar, é uma decisão do Estado, que precisa ser fundamentada, mas pela Constituição a renovação não é automática, não sei se aqui é assim.

Pela Constituição não, mas na prática sim, é automática…

Bom… Se o espectro eletromagnético é um recurso limitado, você não pode ter infinitos canais. Se alguém explorou um canal de TV 25 anos, por que não dar a oportunidade a outro se o espectro é um bem de domínio público? Se o espectro é público e limitado tem que haver um sistema que permita que um maior número de elementos da sociedade desfrute desse recurso. Com a Constituição nos dizendo que deveríamos criar um canal de serviço público, que por ser dessa natureza dá maior entrada de atores do que o canal privado, não renovamos o privado.Buscamos a melhor solução técnica para dizer qual não seria renovado. A Televen é um canal UHF, RCTV e Venevisión eram VHF. Em matéria de propagação, o VHF é uma melhor freqüência. Com isso se descartou a Televen. Entre a RCTV, que operava no canal 2, e a Venevisión, no canal 4, optamos pelo canal 2, pois é uma freqüência melhor do que o canal 4. Assim, renovamos a concessão de Venevisión e Televen, não renovamos a RCTV e criamos o canal público. Juridicamente é impecável a decisão. O dono do espectro é a RCTV ou os venezuelanos? Se isso fosse um canal a cabo, eles poderiam seguir explorando, mas se estamos falando do espectro, temos que pensar uma maneira democratizá-lo.

Esse canal público já está no ar?

Sim, se chama TVes [Televisão Venezuelana Social].

Quando se trata da renovação de uma concessão pública, em qualquer setor, o Estado ou a sociedade, em tese, deveriam avaliar o serviço prestado durante o último período de concessão para, então, decidirem sobre a renovação ou não. No caso da RCTV, não houve avaliação deste tipo?

Nesse caso não foi necessário, mas nas próximas concessões a vencer o Estado terá que valorar se durante o tempo desta concessão se cumpriu o uso que de alguma maneira se defi niu para ele. Vão existir pessoas querendo ter sua televisão e dizendo“por que eles que já a exploraram por 25 anos e ganharam milhões seguem com o direito de explorar e eu não?” Há que se saber sob que condições se renova. Em alguns países as leiloam, então ganha quem tem mais poder. A questão é quem dá e quem tira o direito. Quanto tempo tem a Globo coma concessão no Brasil? Não há outra família que pode herdar isso? Se o espectro fosse um bem ilimitado, poderíamos dar a todos, mas como não é, onde está a democracia? A democracia deveria dar liberdade de acesso a todos os grupos. Nós fizemos uma proposta, que está em pronta discussão na Venezuela, de se separar o meio da mensagem. Onde não se entrega o meio a um concessionário específico. Cria-se uma redistribuição e se entrega o espaço em todos os meios, então, alguém ficaria com o canal 2 entre às 14 e 16 horas da tarde, outro entre às 16 e 18 horas, um terceiro entre às 18 e 20 horas. Através de cada um teremos diferentes visões da sociedade e não a visão que tem o dono do canal. Entretanto,a briga não é fácil. Mas, como querer uma sociedade plural se não há pluralidade no que se comunica?

Com a ascensão de governos de esquerda na América Latina a pauta da democratização da comunicação avançou?

A luta pela hegemonia é uma luta permanente. Se a sociedade não se dota de um elemento plural de difusão, quem tem o controle das transmissões de valores e símbolos impõe o modelo cultural dessa sociedade. Eu acho que a sociedade latino-americana está passando por um reencontro com o público, em matéria de comunicação. A Europa nasceu com um conceito público dos meios de comunicação, a América do Norte nasce com um conceito privado, que depois foi imposto à América Latina e nos causou muitos danos. Acho que temos que redefinir isto. Toda sociedade se constrói com um mecanismo onde você tem um contrato social, uma Constituição, e cidadãos que compartilham desse contrato. Para que eles compartilhem tem que ter um esquema de valores e um esquema de desejabilidade dentro dos marcos dessa Constituição. O único elemento que pode difundir esses valores assim definidos, porque o elege o povo e o tira o povo, é o público. Se faz necessário uma discussão entre o que significa um meio público realmente, no sentido de que é aberto a todos e é transparente em termos de gestão pública. Em segundo lugar, já nessa entrada do século 21, a sociedade se dotou de uma capacidade para divulgação muito maior. É preciso analisar a necessidade de facilitar o surgimento da comunidade como elemento gerador de mensagens, não como consumidor. Isso nos levaria a um novo esquema comunicacional onde deveriam conviver público, privado e a comunidade organizada. Na Venezuela avançamos nesse caminho, temos essa estrutura, com seus erros e acertos. Temos uma figura de rádio e televisão que se chama comunitária, que é distinta do alternativo. Alternativo nós entendemos como o jornal de vocês, porque é um grupo de pessoas que estão interessados no tema comunicacional, sem fins lucrativos. O comunitário é o veículo da comunidade. Na Venezuela um distrito pode se organizar e solicitar sua própria rádio ou televisão, criar sua fundação e a cada dois anos, em assembleia, reelegem quem vai ser o responsável. Esse modelo teve muita entrada. Em alguns lados teve um êxito gigantesco, em outros não, porque todo processo de socialização depende muito da maturidade da comunidade para entender que ela é a dona, não os que montaram o veículo.

Qual seria a agenda da democratização da comunicação por cumprir na América Latina?

Necessitamos fazer uma análise sobre como se constituem as comunicações aqui e se esse é o sistema que necessitamos. Um sistema que não permita a apropriação da comunidade da comunicação não vai facilitar o crescimento de uma sociedade plural. Em primeiro lugar, deve haver a possibilidade de que o privado, o público e o comunitário dividam esse espaço. Segundo: tem que haver um sistema que faça com que as mensagens sejam plurais, por isso temos que fracionar.

E a universalização da internet?

É muito importante. Agora, precisamos ter infraestrutura. Hoje, toda a rede de telecomunicações está globalizada e foi privatizada. O que se crê descentralizado é, na verdade, muito centralizado. E sobre isso se foram criando redes sociais. Creio que temos que voltar ao conceito de Estado-nação. Por exemplo, a Venezuela maneja sua própria rede de telecomunicações, seu satélite e agora está construindo o seu NAP [Node Access Point], o ponto onde se produz o intercâmbio de tráfego de todos os operadores de internet. Hoje, todos eles estão em Miami e tudo que surgiu na rede está aí porque o poder que centraliza isso ainda não se sente ameaçado. Mas, já começaram os problemas. Na Inglaterra, todo o movimento que se agrupou contra a privatização da educação foi retirado do Facebook quando viram que estavam se aglutinando. No Egito, quando começaram as manifestações, apagaram a rede completa à toda sociedade. Então, a pergunta é: é real este crescimento das redes sociais na internet, a ponto dela ser um espaço de disputa do poder? Ou é uma ilusão que terminará no momento em que o poder sinta que a rede atenta contra ele? Há pouco tempo, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que internet é um desafio para seu país e que deve haver um equilíbrio entre segurança e liberdade. Palavras mais, palavras menos, o que ela disse é que na internet, no contexto das redes sociais, existem dois tipos de pessoas: aqueles que a usam em benefício da sociedade e os “terroristas” que a utilizam contra a paz. E todos aqueles que ela determine como terroristas vão para o buraco. Isso signifi ca que a internet vai para o buraco quando for um perigo para o establishment. Esse é um dos grandes desafios da sociedade no século 21.

Isso desmonta a tese dos que acham que as redes sociais fazem revoluções.

De fato, elas tem potencial, funcionou nos países árabes. A pergunta é o que vai acontecer quando isso aconteça na Inglaterra, EUA, França. Quem tem a “tomada” na mão vai plugá-la ou desconectá-la? Aí está o desafio. A internet segue sendo um espaço interessante, o que não podemos é ser inocentes em pensar que ela por si só vai permitir todo o surgimento de um movimento antissistema gigantesco. Hoje ela se desenvolveu porque há sistema, ainda não lhe significa um risco.

A América Latina tem as possibilidades econômicas para ter o poder da“tomada”?

O mais difícil é a parte física, que já está enterrada aqui. O grande problema é que os processos de privatização levaram para as mãos das transnacionais grande parte destas redes. Seria interessante, por exemplo, que o tráfego de informações que vai da Venezuela ao Brasil, ao invés de subir ao NAP de Miami, ficasse entre os nossos NAPs. Sairia para o norte somente o tráfego de informações com o norte. Isso é muito simples de fazer, aqui já se fez coisas muito maiores.

Por que não se faz?

Mais por vontade política do qualquer outra coisa. O problema é que as telecomunicações não estão em mãos de empresas públicas ou privadas que sejam dos países e que tenham a visão dos países, mas são grandes transnacionais. O interesse deles é global, não é um negócio daqui. Aí passaríamos pelo tema do quão importante é termos essa estrutura hoje, de forma que se nos desligam lá em cima, seguimos conectados aqui embaixo. Do ponto de vista técnico, isso não é nada complexo. Do ponto de vista de custo, pode-se manter também.

Quem é

Jesse Chacón, 46, graduado em Engenharia de Sistemas pelo Instituto Politécnico da Força Armada Nacional da Venezuela e pós-graduado em Telemática na França. Atualmente é diretor da fundação Grupo de Investigação Social Século XXI (GISXXI). Muito influente no governo Hugo Chávez, dirigiu os ministérios do Interior, de Comunicação e Informação, de Telecomunicações, de Ciência, Tecnologia e Indústrias Intermediárias. Também esteve à frente do despacho da Presidência da República e da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel).

“A reversibilidade se tornou um problema para o Estado”

[Título original: Anatel quer resolver este ano o que é bem reversível]

A agenda do novo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Batista de Rezende, vai passar por temas espinhosos, como a questão dos bens reversíveis das concessões de telefonia, um assunto do qual o governo tem se esquivado, mas que passou a exigir ações concretas, sob risco de se transformar em verdadeira bomba-relógio para o setor no futuro.

Rezende, que foi chefe de gabinete do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão durante o comando de Paulo Bernardo – atual ministro das Comunicações, que o conhecia do Paraná -, se diz pronto para entrar no debate.

Os bens reversíveis são o patrimônio que a União passou para as mãos das operadoras de telefonia em 1998, quando privatizou o setor. O que foi concedido, na ocasião, são os serviços de voz por telefonia fixa. Ocorre que, com a queda constante desse serviço frente ao avanço do celular e da comunicação via internet, teme-se que em 2025, quando vencem as concessões, não haja muito o que devolver para a União.

"Vamos disciplinar, definitivamente, o que é bem reversível, por meio de um regulamento que está em fase de conclusão", diz Rezende, que chegou ao posto referendado pela indicação de Bernardo.

Economista, com 48 anos de idade, diz que será preciso fazer uma série de mudanças no marco regulatório do setor e defende uma atuação mais livre das operadoras junto ao consumidor. Para Rezende, que já foi membro do conselho de administração da Transpetro e presidente da operadora Sercomtel, no Paraná, o setor funcionaria melhor se contasse com um Operador Nacional de Rede de Telecomunicações, da mesma forma como acontece no setor elétrico, que é monitorado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Sobre a realização dos leilões de faixas de frequência para este ano, o presidente da Anatel afirma que a oferta da faixa 2,5GHz (quarta geração da telefonia celular, destinada aos grandes centros urbanos), será realizada no mesmo dia em que for feita a venda da faixa de 450 MHz, voltada para o atendimento à zona rural. "Sabemos que a faixa de 450 MHz é custosa para quem for investir, mas tudo depende das condições que forem colocadas. Se não aparecer nenhum interessado, será oferecida com o leilão do 2,5GHz", explica.

A pauta de Rezende também envolve medidas para destravar o acesso aos serviços de operador móvel virtual. No ano passado, a Anatel liberou a criação dessas operadoras virtuais, em que empresas de qualquer área podem contratar a rede das teles para oferecer serviços. Projetava-se uma forte demanda de companhias, como bancos e redes de varejo, mas a verdade é que até agora apenas cinco empresas demonstraram interesse por conta de fatores como a duplicidade de cobrança de impostos entre operadora e empresa, o que aumenta o valor cobrado do consumidor final.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quando o serviço de banda larga prestado no Brasil deixará de ser caro e de baixa qualidade?
João Batista de Rezende: A qualidade requer investimentos, que serão feitos. Acredito que os maiores interessados nisso são as operadoras, que estão preocupadas em não perder o cliente para o concorrente. Nós conseguimos aprovar no ano passado o regulamento de qualidade para os serviços de internet. Esse texto estabeleceu a base mínima para o serviço que deve ser oferecido. Neste ano será feita uma pesquisa por amostragem em cada Estado. Haverá uma empresa independente, que será contratada para fazer essa medição de qualidade de serviço nas empresas. Será um trabalho constante, com índices de qualidade divulgados mensalmente. Daqui a seis meses, teremos um ranking das melhores prestadoras de serviços de banda larga. A Anatel vai supervisionar tudo isso de perto e, no fim de 2012, dará início aos processos de multa. Vamos passar por uma etapa de amadurecimento do setor como um todo.

No ano passado, a Anatel liberou a criação de operadoras virtuais, para que empresas de qualquer área possam contratar a rede das teles para oferecer serviços. Havia grande expectativa sobre esse serviço. Por que ele não foi para frente?
Temos hoje cinco empresas com pedidos de operador de rede virtual móvel já aprovados pelo conselho. Será um crescimento paulatino. A falta de interesse até agora é resultado, basicamente, do imbróglio tributário que envolve a oferta do serviço. Hoje há duas formas de ser operador virtual: o aluguel da infraestrutura da tele ou o contrato para compra de minutos. No primeiro caso, o serviço exige um certo conhecimento técnico do operador virtual, já que ele assume a gestão daquele serviço, um conhecimento que muitas empresas não têm. No caso dos minutos, o acesso ao serviço é direto, mas há o problema de dupla tributação. A tele e a operadora virtual têm que pagar ICMS, PIS e Cofins, o que encarece o serviço para o consumidor. Esse assunto está em análise pelo Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]. Vamos encontrar uma saída para essa questão.

O preço dos serviços de telefonia deve cair?
A tendência é de queda. Veja que conseguimos aprovar novos critérios para baixar o valor da tarifa de ligações feitas de telefone fixo para o celular. Esse tipo de ligação tinha um custo muito alto. Até 2013, vamos reduzir o custo do minuto dessas ligações para R$ 0,31, o que significa uma queda real de 25% para o consumidor. Hoje, esse custo é de R$ 0,41. Essa redução, que será gradual, representa um impacto de R$ 5 bilhões por ano na receita das operadoras, mas eu acredito que esse valor não será perdido pelo setor. A tendência é que o consumidor contrate outros pacotes de serviços e que haja uma compensação. Esse dinheiro não vai sair do mercado das teles.

O que deve ser feito para aumentar a competição entre as operadoras?
Nós estamos razoavelmente bem consolidados com a oferta de serviços no varejo, embora precise aumentar ainda mais. Nosso problema hoje é o atacado, que trata da questão do compartilhamento de infraestrutura. Esse assunto é vital para o país, por isso o governo está elaborando uma medida provisória, que deve sair neste ano, para obrigar o compartilhamento de estruturas como dutos, postes e canaletas. Vamos garantir o direito de passagem. Haverá obrigatoriedade de compartilhamento dessas estruturas.

Hoje não há regra para esse compartilhamento?
Há dificuldades. Se a empresa que detém a infraestrutura não quiser abrir espaço, ela não abre. Nossa ideia é que toda obra que envolva recurso público seja aberta. Isso envolve empresas de energia e rodovias, por exemplo. Quem já estiver na estrutura será obrigado a negociar. Atualmente, essa negociação até acontece, mas não há regras claras, o que inibe o investidor. Vamos dar mais transparência para o relacionamento entre aqueles que detêm a estrutura e aqueles que querem entrar nela.

E como fica o compartilhamento da rede de telecomunicações?
Isso faz parte do plano geral de metas de competição, que será regulamentado neste semestre. Além disso, nós incluímos neste plano a criação de um tipo de câmara setorial, com representantes de cada empresa, para participar dessas discussões. Esse tipo de organização já existe hoje para administrar processos como o da portabilidade numérica. As teles financiam essa entidade, que funciona de forma independente da Anatel.

Um tema sensível para a agência é a questão dos bens reversíveis das concessões de telefonia. Como ele será tratado?
Vamos disciplinar, definitivamente, o que é bem reversível, por meio de um regulamento que está em fase de conclusão. Não podemos fugir de nossa responsabilidade de dar mais transparência para essa questão, mas acho que há um segundo debate importante para fazermos dentro desse assunto.

Qual?
Pessoalmente, acredito que é preciso repensar o marco regulatório das telecomunicações, uma discussão que, obviamente, passa pelo governo e pelo Congresso. Observe que o único serviço público concedido que existe hoje é o de voz por telefonia fixa. É isso que foi dado às operadoras, quando ocorreu a privatização. Os serviços de banda larga e telefonia móvel são autorizações privadas. Acontece que a voz por rede fixa tem sofrido uma forte desvalorização. E sejamos honestos: o cenário das telecomunicações será radicalmente diferente em 2025, quando vencem as concessões. Imagine se uma operadora, por exemplo, decidir migrar toda a sua base de clientes de voz em telefonia fixa para trafegar por meio da internet. O que seria repassado ao Estado quando vencer a concessão, se o que ele concedeu foram redes de telefonia fixa, e não internet? A reversibilidade se tornou um problema para o Estado.

A internet não poderia ser tratada como um serviço público?
Há uma discussão sobre trazer o que é de regime privado para o público. Há pessoas que defendem a ideia de que tudo seja transformado em bem reversível, mas na realidade isso faria o investimento cair, porque o mercado não seria estimulado a colocar dinheiro em algo que teria de entregar depois. Como economista, creio que não é o melhor caminho. É preciso buscar uma alternativa que leve em consideração os insumos para a prestação dos serviços de telecomunicações. Esse é um debate que precisa ser travado dentro do governo. Essas mudanças no marco regulatório devem incluir uma ação mais centralizada na gestão das redes.

O que isso significa, exatamente?
Rezende: A Anatel tem que controlar menos o varejo e passar a se voltar mais para o atacado. Incrivelmente, o que está acontecendo hoje é que nós estamos voltados para o varejo sem ter uma ação centrada nos insumos, que é a infraestrutura vital das telecomunicações.

Qual seria, então, esse modelo ideal?
Ainda estamos discutindo. Penso que o futuro das telecomunicações passa pela criação de uma entidade que cuide especificamente da gestão das grandes redes das operadoras. Essa instituição teria um papel parecido com o que o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] tem no setor elétrico. Seria um tipo de Operador Nacional de Rede de Telecomunicações, que funcionaria paralelamente à Anatel.

Essa proposta está em análise pelo governo?
Por enquanto é uma defesa minha, que levarei ao ministro [das Comunicações] Paulo Bernardo.

Quais as expectativas do sr. para o leilão da 4ª geração?
Vamos cumprir integralmente o decreto presidencial, que prevê a publicação do edital do leilão de 2,5 GHz [gigahertz] até 30 de abril. Votamos o texto neste mês, depois ele segue para consulta pública.

Quais condições serão impostas aos vencedores do leilão?
Nossa preocupação inicial está concentrada em atender bem às 12 cidades-sede da Copa. Depois, serão atendidos os demais municípios. Essa faixa de frequência prevê aumento de capacidade de tráfego de dados, por isso vamos fazer com que as empresas se comprometam a construir redes de grande distância [backbone] para ofertar os serviços. Estamos com uma boa expectativa, o mercado brasileiro é hoje extremamente atrativo e, além disso, o espectro é um bem limitado. Essa é uma das últimas faixas disponíveis.

E quanto ao leilão da faixa de 450 MHz, que atende à zona rural?
Vamos fazer a oferta dessa faixa no mesmo dia do leilão do 2,5 GHz. Sabemos que a faixa de 450 MHz é custosa para quem for investir, por conta da baixa densidade de população em certas regiões do país, mas tudo dependendo das condições que forem colocadas. Pode ser que apareçam interessados. Se não aparecer nenhum, ela será oferecida com o leilão do 2,5GHz.

Apesar dos problemas previstos de interferência, quando a Anatel vai conseguir licitar a faixa 3,5 GHz? Este ano ainda sai?
Estamos trabalhando para isso, mas não vamos misturar com o 2,5 GHz. Publicaremos o edital um pouquinho depois. O 3,5 GHz é uma faixa muito maior, que deve ser usada para Wi-fi, basicamente. Quanto à interferência nas antenas parabólicas, parece que os problemas já estão sendo resolvidos entre a agência, o CPQD e o setor de radiodifusão.

O que deve ocorrer este ano no setor de TV a cabo, depois da sanção em 2011 da lei que unificou o setor de TV por assinatura no país?
O Congresso Nacional finalmente resolveu a situação e a aprovação se deu na direção de tudo aquilo que esperávamos. Temos um regulamento aprovado e que ficará em consulta pública até 5 fevereiro. Achamos que a partir de abril podemos dar as primeiras outorgas de TV a cabo. Agora, não tem limite mínimo de cobertura, que era um problema em cidades maiores. Se uma operadora quisesse fazer uma TV a cabo só na Rocinha, não iria obter a licença porque teria que fazer no Rio de Janeiro inteiro. Agora, levamos em consideração que a TV a cabo é um serviço privado, em que o interessado precisa apresentar apenas um projeto técnico mínimo e pagar R$ 9 mil. Se ele quiser fazer e quebrar a cara é uma decisão privada. Se entrar no negócio, vai ver que não é barato fazer uma empresa de TV a cabo. Além disso, será obrigado a fazer o carregamento dos canais e cumprir todas as outras obrigações que a lei determina.

Quantas outorgas devem ser concedidas?
Temos 600 pedidos de empresas que estavam esperando uma definição. Agora ela saiu. Acreditamos que, se 20% desses realmente pedir a outorga, será uma vitória importante.

“Defendemos que é preciso regular para ter mais”

Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, a secretária Nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, faz um balanço dos avanços na área da comunicação sindical cutista em 2011 e projeta um ano novo “para dar continuidade ao trabalho desenvolvido junto às CUTs estaduais e Ramos”, fortalecendo a articulação com os movimentos sociais para ampliar as mobilizações a fim de “efetivar a verdadeira liberdade de expressão”. Além de fazer parte da executiva da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), Rosane foi eleita no início de dezembro para a coordenação geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Portal da CUT – Na sua avaliação, quais foram os momentos mais marcantes para a comunicação cutista em 2011?
Rosane Bertotti – O ponto marcante foi darmos continuidade e efetividade aos nossos programas de rádio e televisão, onde as pessoas se encontram e veem o resultado das suas ações, individuais e coletivas, que é sempre uma conta que soma, algo extremamente positivo. Também começamos a colher os frutos da construção dos sites das CUTs estaduais e dos Ramos, e avançamos na produção de materiais, conseguindo fazer da Secretaria de Comunicação uma estrutura que pulsa junto com as demais secretarias, que dialoga com as demandas das políticas da juventude, das mulheres, dos negros e dos indígenas. Realizamos dezenas de coberturas jornalísticas no Brasil e no exterior, em eventos como o da Marcha das Margaridas, reuniões da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (FSA) e do Fórum Social Mundial. Na Secom, todos e todas viram respeitado e valorizado o seu espaço, o que nos orgulha muito. A aprovação da campanha por Liberdade e Autonomia, bem como sua consolidação é um ponto que necessita ser ressaltado, pois temos a oportunidade de esclarecer por inteiro a nossa posição política e ideológica a respeito da estrutura sindical e de como o sindicalismo cutista faz a diferença ao apostar na organização no local de trabalho, na capacidade da classe trabalhadora de tomar em suas mãos o seu próprio destino. Outra conquista foi a produção do DVD de Comunicação em Rede, que é mais um instrumento que vem para melhor organizar e potencializar a ação cutista.

Quais os projetos para 2012?
Rosane – Acredito que 2012 será um ano de afirmação da comunicação como um direito, de amplo debate e enfrentamento para que seja reconhecida a sua relevância como política pública estratégica. Neste sentido, temos clareza da necessidade de ampliar o diálogo com o conjunto dos setores sociais a fim de impulsionar o governo para que ponha em prática as resoluções da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), com o estabelecimento de um novo marco regulatório. Para isso consolidamos 20 pontos, que devem ser o nosso norte para seguirmos em frente, oxigenando um setor que foi seqüestrado por meia dúzia de famílias que se colocam acima da democracia – e da própria sociedade, transformando a comunicação em mercadoria e calando as vozes contraditórias. É sintomático por exemplo que os setores derrotados nas últimas eleições queiram impor sua pauta, pressionando por retrocessos. Da mesma forma precisamos ampliar a campanha em defesa da Banda Larga, fortalecendo ações em defesa da Telebras para que o Estado retome seu protagonismo na busca da universalização da internet, que precisa ter qualidade e ser acessível à população. Para isso precisamos investir na relação junto à Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que incorpora as principais entidades nacionais do país, com os blogueiros progressistas e junto ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que ganhou peso no último período.

A luta pela liberdade de expressão ganhará um novo patamar?
Rosane – Acredito que este é um ponto essencial para o avanço da própria democracia em nosso país. Por isso precisamos nos apropriar do debate da liberdade de expressão, que a grande mídia tenta confundir e manipular, como se os grandes meios, que usam e abusam de concessões públicas para impor suas verdades e silenciar o contraditório, fossem seus grandes defensores, enquanto nós, que lutamos contra a ditadura, que enfrentamos a censura, que entregamos nossas vidas à causa da liberdade, fossemos agora virar censores. Somos muito maiores que os nossos detratores, não cabemos neste estreito e ridículo figurino. O eixo central da nossa atuação neste e em qualquer ramo é dar maior empoderamento à sociedade para ampliar a participação e fortalecer a democracia, que precisa evidentemente de regras, de normas, que não pode ficar à mercê da lei da selva, dos desmandos dos mais fortes. Defendemos que é preciso regular para ter mais. Mais liberdade de expressão, mais informação, mais pluralidade, para que todos possamos falar e nos ver, para dar espaço à cultura nacional, aos nossos valores, à nossa gente. Com este objetivo e compromisso vamos atuar para ampliar o FNDC, incorporar mais entidades nacionais, fomentar a criação de comitês regionais e estaduais, pisar no acelerador da sua organização e enraizamento, sem o que ficará difícil virar a página dos donos da mídia. Esses passos serão dados a partir de um estreitamento cada vez maior da relação com as Secretarias de Comunicação das CUTs estaduais que, pelo peso político, pela compreensão e acúmulo do que significa esta batalha, terão papel chave no acúmulo de força e consciência para a vitória. Estou muito otimista com o ano que se aproxima. Que seja bem-vindo.